Bossa Zen: Quem Fala por Quem?


Quem Fala por Quem?




Nenhuma paixão é mais forte, no peito humano, que o desejo de impor aos demais a própria crença. Nada também corta tão pela raiz nossa felicidade e nos encoleriza tanto como sabermos que outros menosprezam o que exaltamos. [...]

Virginia Woolf.  Orlando


Essas pessoas que insistem em ser porta-vozes de Deus. E dizer que Deus é contra isso ou contra aquilo. Quem tá dizendo que Deus é contra não é Deus. Deus não fala por ninguém. Deus não fala. E se falasse diria: Quem te fez meu porta-voz?

Indo muito além: Quando as pessoas irão tirar a venda dos olhos e ver que quem fala e proíbe são pessoas que se dizem emissários de um Deus que nunca apareceu para se defender ou dizer que estão certos ou errados. Onde está Deus para acabar com essa insanidade? Se ele existisse porque se ocultaria?

O que está por trás de grupos que defendem certos arranjos que ferem os direitos do cidadão fazer escolhas sobre sua crença e sua vida pessoal e íntima é um despropósito que não pode ser tolerado por simples protesto, indignação ou piadismo.  Há que se tomar medidas mais concretas.

Não podemos permitir que certos grupos tomem palanques e bancadas para se auto representarem. Por que eles não representam o país que é multi cultural e multi religioso. Isso sempre aconteceu. Antes era a Igreja X agora é a Igreja Y. Não faz diferença deixar de beijar a mão do Papa para beijar a mão do Pastor. O Brasil é uma nação laica e não deveria ser permitido que partidos fossem invadidos por religiosos. Quer ser pastor ou padre, ok. Quer ser vereador ou deputado, ok, mas servir a dois senhores não. Ou fica na igreja ou fica na vida pública. São dois ministérios diferentes. Porque o que se faz no oficio religioso é específico daquela religião que se representa. Na vida pública há que se representar toda a sociedade não apenas A ou B.

Estou esperando que Deus apareça para me dizer "pessoalmente" o que está certo nessa bagunça, pois não confio nas pessoas que dizem que o representam.

Perdoem-me se ofendi algum fanático, mas o fanatismo já é por si só uma ofensa ao bom senso e a sanidade mental.

Liberdade?


29 de agosto de 2010



A palavra "liberdade" é muitas vezes usada para se referir a uma ausência de restrição ou controle das atividades físicas e mentais de uma pessoa. Esse tipo de liberdade é sempre limitado por condições que impeçam os indivíduos de fazer certas coisas. Estas condições podem ser as leis naturais ou criadas pelo homem, ou pode haver limitações físicas ou mentais.

Diferentes pessoas se sentem livres de diferentes maneiras. Todo mundo tem um sentido um tanto original da liberdade pessoal. Algumas pessoas podem sentir que uma maneira de ser livre é ser totalmente alheia a qualquer outra coisa. No entanto, essa sensação de liberdade é apenas uma ilusão porque na verdade não há nada que seja alheio a qualquer outra coisa.

Na medida em que o budismo está em pauta, a liberdade espiritual é a libertação do sofrimento. O budismo ensina que uma compreensão da interdependência é fundamental para alcançar esse tipo de liberdade.

O termo indiano para esta relatividade é pratitya-samutpada , proferida em português de várias formas como origem dependente, originação inter-dependente, surgimentos-dependentes, tornando-se co-condicionado, a produção de co-dependentes, etc Eu gosto de interdependência. É curto e direto ao ponto.

Interdependência é muitas vezes explicada com a fórmula do "por causa disto , que surge por causa daquilo , este surge. "Nada existe por si mesmo, porque tudo está interligado e nada pode surgir ou vir a ser, sem ser produzido por causas que operam sob diferentes condições.

Uma vez que o Buda estava principalmente preocupado com o problema do sofrimento humano, ele usou interdependência para traçar as causas do sofrimento, que ele finalmente atribuiu à ignorância. Isto resultou numa fórmula reversa: "quando o porque isto não é cessa ; o porquê que não é também cessa . "De acordo com esta fórmula inversa, se não existir a ignorância, então não existe o sofrimento. O Buda ensinou que se removermos a ignorância e a substituirmos por sabedoria, o sofrimento pode ser transcendido.

O que queremos dizer por ignorância? Em 1997, ao dar ensinamentos sobre a Preciosa Guirlanda de Nagarjuna, o Dalai Lama pronunciou estas palavras:

A própria palavra avidya ou ignorância em si mostra um estado que não se pode realmente endossar como positivo. Diz-se de ser fundamentalmente confuso, por isso, com certeza, não pode ser um estado  desejável. O ponto é que, se a nossa existência é dita ser completamente determinada e condicionada por essa maneira fundamentalmente falha de ver o mundo, como pode haver espaço para a liberdade duradoura ou uma paz duradoura? Portanto, torna-se crucial vermos se avidya ou a ignorância fundamental pode ser eliminada.

Algumas escolas do budismo consideram a raiz da ignorância como sendo o auto-apêgo, a mente se  agarra à auto-existência, por um lado e à ignorância por outro. Na escola Madhyamaka (Caminho do Meio), a ignorância é entendida como um estado de não-saber, ver o mundo de uma maneira distorcida, e isso decorre da não compreensão da interdependência de todas as coisas.

Eu sinto que a interdependência é a palavra-chave para o futuro. Como o nosso mundo continua encolhendo embora os avanços na tecnologia, estamos vendo mais e mais como as coisas são verdadeiramente inter-relacionadas. A cada dia, a ciência nos proporciona novos exemplos de como a vida e o meio ambiente são  tecidos, e, tecidos em um padrão complexo de causas e efeitos. Na medicina, o reconhecimento da conexão mente-corpo é agora mais comum do que nunca. Se, no futuro, nós os seres humanos, possamos começar a cultivar uma profunda compreensão da interdependência, isto poderá ser capaz de transformar o mundo ao nosso redor e estabelecer alguma medida de uma paz duradoura.

Este último ponto é o grande benefício do conceito de interdependência, pois nos leva a uma verdadeira compreensão da igualdade. Devido ao fato de que estamos interligados e porque estamos sujeitos às mesmas causas e condições, somos todos iguais.

Enxergar-mo-nos como alheios a outras coisas, particularmente a outros seres, não é liberdade. Aqui, novamente, o inverso aplica-se; a verdadeira liberdade está  em abraçarmos a inter-conectividade. Isto é ver o mundo como ele realmente é.

A pessoa que pensa que a liberdade significa estar desconectado está só se agarrando a um "eu" que não existe. Naquela que é auto-independente, permanente e imutável, nada disso pode ser encontrado. Nós gostamos de sentir que somos um ser que é diferente, na aparência e substância, de outros seres, o que é verdade, mas apenas em termos relativos. A ciência nos diz que os componentes que nos fazem diferentes dos outros seres constituem apenas um ou dois por cento do nosso ser total, assim, finalmente, o resto é o mesmo que em todos os outros seres.

Se nada mais que isso nos diferencia, aqui reside a liberdade de ódio e racismo, por isso é que não faz sentido odiarmos outra pessoa por causa de um ou dois por cento da diferença. Sem falar que, por qualquer motivo, o ódio não é legal.

Nagarjuna disse: "Tudo está em harmonia para a pessoa que está em harmonia com a  interdependência." Ele ensinou que a paz e a harmonia no mundo são possíveis quando nós rejeitamos a ideia do eu e do  alheio, e, ainda, que qualquer pessoa que compreenda profundamente a interdependência pode ajudar todos os seres a perceberem a liberdade. Tal pessoa é chamada de "Buda": aquele que despertou.


Meditação ganha, enfim, aval científico - Saúde - Notícia - VEJA.com

Meditação ganha, enfim, aval científico
VEJA.com


 "Estudos sérios estão afastando as dúvidas que costumavam pairar sobre a prática e mostram que ela é extremamente eficaz no tratamento do stress e da insônia, pode diminuir o risco de sofrer ataque cardíaco e até melhorar a reação do organismo aos tratamentos contra o câncer"

'via Blog this'

Carta aberta aos humoristas do Brasil

Alex Castro
por 
em 06/12/2012 às 0:11 | Artigos e ensaiosDebates,Humor
Queridos humoristas do Brasil,
Essa carta é minha humilde tentativa de fazer vocês colocarem a mão na consciência.
Pra começar, me apresento.
Sou, ou fui, um de vocês. Durante grande parte da década de 90, escrevi para a Revista Mad in Brazil sob o pseudônimo Xandelon. Cheguei a ser subeditor uma época, publicava quase todo número e escrevi dezenas de matérias de capa sob encomenda. Com esse dinheiro, pagava minhas contas e vivia disso.
Essa matéria de capa, sobre a Feiticeira, é minha. Será que alguém ainda lembra dela?
Essa matéria de capa, sobre a Feiticeira, é minha. Será que alguém ainda lembra dela?
Sei como é um trabalho duro sentar na redação e espremer a cabeça até sair uma piada. Sei como é frustrante achar que a piada está ótima, testá-la com o resto da equipe… e ninguém rir.
Então, aos trancos e barrancos, sem nunca ter sido lá brilhante, posso dizer que já fui sim humorista profissional.

A dura vida do humorista profissional

Em teoria, o humor  é simples: você cria uma expectativa, e depois a subverte.
Para o humor poder existir, são necessários uma série de pressupostos culturais coletivos, compartilhados pelo humorista e seu público que, convenhamos, muitas vezes são sim machistas, homofóbicos, racistas.
A piada “Sabe como afogar uma loira? Coloca um espelho no fundo na piscina!” só funciona porque tanto humorista quanto platéia “sabem” que loiras são fúteis, vaidosas e burras. Se não compartilhassem esse “conhecimento”, não é nem que a piada não seria engraçada: ela faria tão pouco sentido que não seria nem mesmo coerente enquanto narrativa.
Naturalmente, por esse mesmo motivo, o humor é sempre local: para pessoas de outras culturas, com outros pressupostos culturais compartilhados, a historinha também não faria sentido – pois não teriam a chave pra decodificar a piada, ou seja, que loiras “são burras, fúteis e vaidosas”. (Não são.)
Se é pra sacanear alguém, sacaneie os poderosos, e não os subalternos.
Se é pra sacanear alguém, sacaneie os poderosos, e não os subalternos.
Outro dia, a revista norte-americana Wired fez uma matéria de capa sobre humor. Pouca gente sabe, mas existem muitos estudos acadêmicos sérios (sic) sobre o humor, muita gente brilhante tentando entender: porque o engraçado é engraçado?
Enfim, uma das últimas teorias, citadas na Wired, é que o humor viria de uma violação da ordem estabelecida, seja através de dignidade pessoal (tropeçar na casca de banana, deformidades físicas), normas linguísticas (gago, fanho, sotaques), normais sociais (comportamentos inusitados), e até mesmo normas morais (bestialidade, etc), mas que ao mesmo tempo não representasse uma ameaça ao público ou à sua visão de mundo.
Essa última parte é talvez a mais importante: a violação não pode ameaçar ou contradizer a visão de mundo do público, senão ela nem será compreensível.
Usando o mesmo exemplo acima, até dá pra fazer uma piada sem loiras, mas se a sua piada incluir uma loira, ela vai ter que ser burra, mesmo contra sua vontade, pois assim que mencionar “loira” o público já vai imaginá-la “burra“, mesmo se você acrescentar que é uma loira física nuclear ganhadora do Nobel. Nesse último caso, o público certamente pensaria que a piada era justamente sobre como a loira burra conseguiu virar física nuclear ganhadora do Nobel. Mas não dá pra desfazer a associação loira + burra.
Dois em uma: piada de loira portuguesa. E mexendo os dedinhos dos pés.
Dois em um: piada de loira E portuguesa. E mexendo os dedinhos dos pés.
Por outro lado, e é por isso que estou escrevendo essa carta, se é impossível você humorista acabar sozinho com o estereótipo da loira burra, é possível não reforçá-lo:
Basta não fazer piadas de loira burra.
Eu sei, eu sei. O estereótipo da loira burra é até inofensivo. É verdade, algumas das pessoas mais inteligentes que já conheci eram lindas loiras que enfrentavam dificuldades constantes de serem levadas a sério no ambiente de trabalho, mas e daí, né? No cômputo geral das coisas, é um pequeno problema.
Fazer rir utilizando esses estereótipos (a loira burra, o preto macaco, a bicha travesti, etc) é muito fácil. E eu não estou dizendo que vocês não podem não. O país é livre e temos liberdade de expressão justamente para isso.
Mas dá pra fazer diferente, eu peço.
Na verdade, eu desafio.

O machismo mata

Dez mulheres são assassinadas por dia no Brasil, colocando-o no 12º lugar no ranking mundial de homicídios contra a mulher. Uma em cada cinco mulheres já sofreu violência de parte de um homem, em 80% dos casos o seu próprio parceiro. Em 2011, o ABC paulista teve um estupro (reportado!) por dia. Na cidade de São Paulo, uma mulher é agredida a cada sete minutos — além de não ter tempo de fazer nada, essa pobre mulher ainda é agredida no chuveiro, no ônibus, até na privada!
Riu? É, mas não tem graça. A solução está na mão dos homens.
Faça pouco dos poderosos que podem se defender.
Faça pouco dos poderosos que podem se defender.
As mulheres são mortas em tão grandes números, e por seus próprios homens, porque existe uma cultura machista no Brasil, onde as mulheres são vistas como tendo menos valor, onde as mulheres são rotuladas ou como santas ou putas, onde uma mulher viver abertamente sua sexualidade é considerado ofensivo ou repreensível, onde a sexualidade de uma mulher tem impacto direto sobre a honra de seu companheiro.
Se você faz piadas que confirmam os lugares-comuns dessa cultura machista, que objetificam a mulher, que estigmatizam seu comportamento sexual, então você possibilita e reforça essa cultura assassina.
Você é cúmplice.
(Não deixe de ler, aqui no PapodeHomem, meu texto: Feminismo para homens, um curso rápido.)

O racismo mata

Entre 2002 e 2007, o número de homicídios cujas vítimas eram jovens negros aumentou 49%. De cada 100 mil habitantes, morrem por homicídio 30,3 brancos e 68,5 negros. A probabilidade de ser vítima de homicídio é 12 vezes maior para adolescentes homens e, dentro desse grupo, quatro vezes maior para jovens negros. De cada três jovens assassinados, dois são negros. A população negra teve 73% de vítimas de homicídio a mais do que a população branca.
Os negros são mortos em proporções tão altas, em comparação ao restante da população, porque existe uma cultura racista no Brasil, onde os negros são vistos como tendo menos valor, onde os negros são hiperssexualizados como “negões pauzudos” ou “mulatas rebolantes”, onde o negro é sempre o preguiçoso ou o malandro, o atleta ou o faxineiro, mas nunca (ou raramente) o físico quântico ou o médico, o enxadrista ou galã pegador.
Rárárá! Esse Danilo é ótimo! Só que não.
Rárárá! Esse Danilo é ótimo! Só que não.
Se você faz piadas que confirmam os lugares-comuns dessa cultura racista, que denigrem o negro, que comparam o negro a animais, que classificam o tipo de cabelo característico dos negros de ruim, que associam o negro à pobreza, ao crime, à ignorância e a tudo o que há de mais baixo na escala social, então você possibilita e reforça essa cultura assassina.
Você é cúmplice.
(Escrevo muito sobre racismo. Esses são meus melhores textos.)

A homofobia mata

Em 2010, foram mortos 260 homossexuais no Brasil, 62 a mais que em 2009 (198), um aumento de 113% desde 2007 (122). Nos EUA, com 100 milhões a mais de habitantes, moram mortos 14. Um homossexual brasileiro tem 785% mais chances de morrer vítima de violência que um norte-americano. As coisas parecem estar piorando: só nos primeiros dois meses de 2012, foram 80 assassinatos confirmados. Mantido esse padrão, teremos 500 homossexuais assassinados até o final de 2012. Nenhum país do mundo mata tantos homossexuais quanto o Brasil.
Os homossexuais são mortos em proporções tão altas, em comparação ao restante da população, porque existe uma cultura homofóbica no Brasil, onde os homossexuais são vistos como tendo menos valor, onde os homossexuais são hiperssexualizados como máquinas de foder sempre prontos para o sexo casual, onde o homossexual é sempre retratado como ridículo, efeminado, exagerado, folclórico, onde a tentativa de ensinar às crianças que homossexualidade é normal é rotulada de “kit gay”, onde a tentativa de dar direitos iguais aos homossexuais é rotulada de “ditadura gay”, onde a pregação de que os homossexuais são pecadores que vão pro inferno é protegida pela “liberdade de expressão”.
Se você faz piadas que confirmam os lugares-comuns dessa cultura homofóbica, que estigmatizam e ridicularizam os homossexuais, que utilizam o homossexual como xingamento como se ser homossexual fosse intrinsecamente ruim, que associam o homossexual ao pecado e à devassidão, ao ridículo e ao nojento, então você possibilita e reforça essa cultura assassina.
Você é cúmplice.
(Não deixe de ler, aqui no PapodeHomem, esse depoimento: “Queria ser hétero, mas não consigo”, editado e comentado por mim.)

Não reclame da “patrulha”

“Patrulha” são soldados armados que podem te matar se você os desobedecer.
Torcer o nariz para as piadas racistas, homofóbicas ou machistas de um comediante não é “patrulha”.
É o público exercendo pacificamente sua liberdade de expressão de considerar babaca um comediante que faça piadas racistas, homofóbicas ou machistas.
Esses pobres humoristas “perseguidos” que reclamam da “patrulha politicamente correta” não estão defendendo a liberdade de expressão: liberdade de expressão de verdade é o cara poder fazer piada sobre mulher estuprada e nós podermos criticá-lo por isso.
Na verdade, a liberdade que querem esses paladinos do “politicamente incorreto” é a liberdade de falar os maiores absurdos sem nunca serem criticados.
Aí é fácil, né? Assim eu também quero.
Nunca vi ninguém não-babaca se dizendo "politicamente incorreto".
Nunca vi ninguém não-babaca se dizendo “politicamente incorreto”.
[E]sse pessoal que ataca minorias pra fazer piada precisa entender é que eles não estão transgredindo nada. Seus tataravôs já eram racistas, gente. Pode ter certeza que seus tataravôs já comparavam negros com macacos. Aposto como seus tataravôs já faziam gracinhas sobre a sorte que uma moça feia teve em ser estuprada. Vocês não são moderninhos, não são ousados, não são criativos. Vocês estão apenas seguindo uma tradição.
Falar besteira, qualquer criança fala.
Adulto é quem sabe que falar significa se abrir para a possibilidade de ouvir a resposta. Adulto é quem entende que ele tem a mesma liberdade de falar que seus críticos tem de criticá-lo.
[O humor] não tem que ter limites. O que a gente tem que ter também é uma crítica ilimitada. O humor tem que ser solto como qualquer linguagem humana tem que ser solta e livre, o que a gente tem é que ter o direito de exercer o poder da crítica sobre isso permanentemente. Então você dizer que uma piada é racista, ou sexista, e argumentar nessa direção, não é censurá-la, é exercer seu direito de crítica.
Tudo que hoje falam do casamento gay era o que falavam do casamento interracial.
Tudo que hoje falam do casamento gay era o que falavam do casamento interracial.
Pra encerrar, amigos humoristas, não esqueçam nunca qual é a função social mais importante da liberdade de expressão:
Sem ela, como saberíamos quem são os idiotas?

Façam pouco dos agressores e não dos agredidos

Não existe piada inofensiva: se alguém gargalhou é porque alguém se fudeu.
A questão é: quem se fode nessa piada?
Se é a vítima, o subalterno, a minoria, a mulher, o gay, o negro, etc, então essa piada é parte do problema. Ela confirma, apóia, sustenta a ideologia dominante. Ela está à serviço do machismo, do racismo, da homofobia.
Quando um gay é agredido com uma lâmpada na Av Paulista, os roteiristas do Zorra Total não podem levantar as mãos e se declarar inocentes. E nem quem assiste e ri.
O "santo" Monteiro Lobato era muito racista - e a Emília também.
O “santo” Monteiro Lobato era muito racista – e a Emília também.
Mas não é necessário vocês humoristas se autocensurarem ou se tornarem vendedores de seguros. Por que não fazer piadas de gays… onde são os homofóbicos que se fodem? Piadas de estupro… onde quem se fode são os estupradores?
Vocês, humoristas, são livres para fazer piadas sobre o que quiserem. Mas também são cidadãos dotados de consciência. Os números da violência contra a mulher são impressionantes. Somos o país que mais mata gays. Nossos jovens negros são vítimas da maioria desproporcional dos homicídios.
A escolha é nossa, tanto humoristas quanto consumidores e repassadores de humor: queremos ser parte da solução ou parte do problema? Queremos estar do lado de quem mata ou estender a mão à quem está morrendo?
Essa discussão não é abstrata. Não estamos falando sobre princípios filosóficos. Tem gente morrendo AGORA.
O humor ajuda a perpetuar o racismo.
O humor ajuda a perpetuar o racismo. Ou a denunciá-lo. A escolha é de vocês.
É muito mais difícil fazer humor sem usar esses estereótipos que confirmam e fortalecem as culturas assassinas do nosso país: a homofobia, o machismo, o racismo.
Será que vocês conseguem? Será que conseguem, ao mesmo tempo, ser engraçados e não ser cúmplice dos assassinatos de mulheres, negros homossexuais.
Sei que não é fácil. Se fosse fácil, eu não estaria pedindo. Se fosse fácil, eu não estaria propondo o desafio.
Mas é tão necessário. É tristemente necessário.
Porque os humoristas alemães que faziam piadas de judeu em 1935 não são inocentes de Auschwitz não.
Fazer rir é relativamente fácil. Difícil é fazer rir sem ser babaca.

Não deixem de assistir o documentário abaixo

Esse texto todo, na verdade, foi só pra apresentar esse documentário. Assistam. Todos os melhores argumentos estão aí. Os melhores comediantes do Brasil. Gente do mais alto gabarito.
Se você acha que a “patrulha do politicamente correto está insuportável”, assista agora.
E depois você me conta.

Link YouTube | “O Riso dos Outros”, magistral documentário sobre humor e politicamente correto, por Pedro Arantes.
* * *
Ah, atualmente, mantenho a minha veia de humorista ainda viva mantendo o tumblr Classe Média Sofre, minha humilde tentativa de fazer “humor do bem”, o que quer que isso seja. Deem uma olhada e me digam como estou me saindo.
Alex Castro

alex castro é. por enquanto. em breve, nem isso. // todos os meus textos são rigorosamente ficcionais. // se gostou, me siga no facebook, compre meus livros ou faça uma doação. // não leio comentários dos meus textos. para falar comigo, mande um email.

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