CONVERSAS ANÔNIMAS: "É saudável ou é insalubre a pessoa que pensa em engajar na carreira de psicologia ou psicanálise motivado não apenas pelo "auto sustento", mas pela necessidade PESSOAL de se tratar e se entender?

 

Caro Membro Anônimo, você me fez lembrar um conto que a uma grande professora me contou no exercício do chá, em Porto Alegre a uns 20 anos... A Parábola da Semente de Mostarda.

Fala de "Kisa Gotami" que era uma jovem mulher que pertencia a uma família humilde e que se casou com um bom homem com quem teve um único filho, a quem amava profundamente. Quando a criança ainda era pequena, adoeceu gravemente e morreu.

Enlouquecida pela dor, Kisa Gotami se recusava a aceitar a morte do filho e fugiu de casa carregando o corpo do menino nos braços, ela percorreu a sua vila, suplicando a todos que encontrasse por um remédio que pudesse trazê-lo de volta à vida.



As pessoas a consideravam louca, mas um homem, compadecido com toda aquela dor, sugeriu que ela fosse até o homem que as pessoas chamavam de "Buda", que quer dizer: "Aquele que esta acordado", e que estava meditando em um bosque próximo. As pessoas diziam que ele se tornara incrivelmente sábio e poderoso... Que até realizava milagres!

Ela correu na direção em que falavam que ele estava e chegando até o Buda, ela se ajoelhou e implorou: "Ó Iluminado, por favor, dê-me um remédio que possa curar e trazer de volta à vida o meu único filho."

O Buda, com grande compaixão, ouviu o seu desespero e concordou em ajudá-la. Ele disse: "Deixe seu filho aqui comigo e vá até a cidade e traga-me um punhado de sementes de mostarda. No entanto, há uma condição: essas sementes devem vir de uma casa onde nunca tenha ocorrido uma morte, onde nenhum ente querido tenha sido perdido. Peça as sementes e pergunte sobre essa condição! Quando obtiver as sementes de um lugar assim me traga!"

Cheia de esperança, Kisa Gotami saiu imediatamente. Ela bateu na porta da primeira casa e pediu algumas sementes de mostarda. As pessoas buscavam as sementes de bom grado, quando ela perguntava sobre a condição para o ato mágico funcionar: "Esta casa já foi tocada pela morte? Já perderam alguém aqui?", a resposta era sempre a mesma: "Sim, já perdemos um pai", "Há alguns anos perdemos nossa filha", "Meu avô faleceu aqui no inverno passado", "Este ano mesmo perdi alguém que eu amava... e isso ainda dói..." Assim por diante.

Todos a quem ela perguntava traziam suas histórias de dor e perdas antigas e vivas ou recentes e muito sofridas, e a medida que ela ouvia sua histórias aos poucos foi entendendo o poder da dor e da perda de cada família, de cada pessoa... e se tomando d e compaixão por cada história e cada pessoa com quem falava.

Casa após casa, família após família, as histórias se repetiam e ela percebia com um espelho da sua própria dor. Ela não conseguia encontrar um único lar que estivesse livre do sofrimento e da perda. Vila por Vila, até a percorrer toda a cidade, ela finalmente compreendeu a profunda verdade que o Buda queria lhe mostrar.

Exausta e transformada, ela retornou ao Buda sem as sementes. A sua dor egoísta deu lugar a uma compreensão universal. Ela disse ao Buda: "É impossível encontrar uma casa assim. A morte é um destino comum a todos. O sofrimento é parte da vida."

O Buda confirmou: "Naquele momento você pensava que apenas você sofria, mas a lei da vida é a mesma para todos. Tudo o que nasce está sujeito à morte (anicca - impermanência). O sofrimento (dukkha) é inerente à existência. Agora vamos dar os ritos ao seu amado filho!"

Kisa Gotami então cremou o filho, jogou as cinzas no rio e voltou para onde Buda falava para jovens aprendizes, pedindo para ser aceita como sua discípula. Ela se dedicou profundamente à prática espiritual e, diz a tradição, eventualmente atingiu a própria "iluminação".

O Buda não curou o menino magicamente. Em vez disso, ele guiou Kisa Gotami para que ela mesma visse e aceitasse a verdade da vida, curando assim a sua mente do sofrimento desnecessário causado pela negação e pelo apego.





Dito isso:




A escolha de estudar psicologia ou psicanálise a partir de um lugar de sofrimento pessoal e necessidade de compreensão não é incomum — na verdade, muitos profissionais entram na área por esse caminho.



Salvo raras exceções, os primeiros psicanalistas era todos analisandos de Freud. E a primeira forma de "formação" psicanalítica tratava de ter como regra a pessoa se por como paciente em uma terapia formal…

Daí a regra da “Análise Didática" (ou terapia pessoal obrigatória) não ser um capricho de Freud; mas a condição “SINE QUA NON” para a prática. Ele reconhecia que o instrumento principal de trabalho do analista não é uma teoria, um teste ou uma técnica, mas a própria mente do analista.

Você fala: ““A situação: pessoa que pensa em engajar na carreira de psicologia ou psicanálise motivado não apenas pelo auto sustento, mas sim pela curiosidade e necessidade.””

1º: Se há uma curiosidade genuína no aprendizado ele, para ser saudável, precisa ser distanciado da simples necessidade de segurança e controle, que é uma armadilha potencial em quem não trata da própria idiossincrasia.

Percebe?

A busca por entender a natureza da mente humana é, em si, próxima de uma busca espiritual. O estudo pode ser uma forma de "dharma", um ensinamento sobre a condição humana. Se a pessoa conseguir usar o conhecimento para desenvolver compaixão por si e pelos outros, entendendo a universalidade do sofrimento (como Kisa Gotami), o caminho será benéfico. A psicanálise veria essa escolha potencial como um exemplo clássico de sublimação.

O risco é o da intelectualização como forma de apego.

MAS ESTE RISCO EXISTE SE VOCÊ NÃO BUSCAR A EDUCAÇÃO E A FORMAÇÃO TAMBÉM!

Uma pessoa pode — e frequentemente se encontram pessoas que fazem isso por aí — “racionalizar” e responder de forma inadequada aos outros e a vida sem nunca ter estudado psicologia.

A racionalização não é um conceito inventado pela psicologia; é A DESCRIÇÃO de um mecanismo de defesa natural da mente humana, identificado e nomeado pela psicanálise. A psicologia apenas descreve, estuda e ajuda a identificar esse processo, que já acontece com qualquer um.

O Zen alerta contra confundir o mapa (a teoria) com o território (a experiência real).

Se a pessoa estudar apenas para construir uma fortaleza intelectual que a separe da ansiedade e da dor, sem de fato se engajar com sua própria experiência, estará se afastando da iluminação. E por tabela o mesmo vale para a psicologia. É como "beber água sobre a sede de outro". Nisso a pessoa vive como uma forma de evitar olhar para o próprio sofrimento.
2º A descrição aponta para a percepção de "sempre se sentir diferente"; De Isolamento Social ou dificuldade de encontrar pessoas com quem se identifique e possivelmente de ter construído uma ferramenta emocional onde tem necessidade de controle para se sentir confiante.

Nisso a escolha pela psicologia pode ser um estilo de coping saudável. É uma maneira de a pessoa usar sua hipervigilância e necessidade de entender (um "modo esquema") para se reconectar com os outros, transformando sua dor em um propósito. É uma forma de buscar "reparentagem" pessoal, dando a si mesma, através do estudo, o entendimento e a segurança que não teve.

Coping saudável (ou enfrentamento saudável) refere-se ao conjunto de estratégias conscientes e adaptativas que uma pessoa utiliza para gerir de forma eficaz situações de estresse, conflito, dor emocional ou adversidade.

Então o perigo é que a escolha seja uma “compensação rígida”. Ou seja, em vez de curar o sentimento de incompetência ou isolamento, a pessoa se torna "supercompetente" teoricamente para mascarar a ferida, sem nunca realmente se curar.

Então você pergunta: “E então vocês diriam que isso é saudável ou não?”

A decisão de sair da reclusão e "enfrentar os desafios" para "entender as pessoas" é um movimento incrivelmente corajoso e saudável em direção a um apego mais seguro.

É a tentativa de mapear o território humano para navegá-lo com menos medo.


A carreira pode ser um "porto seguro" a partir do qual ela pode se conectar com os outros de forma estruturada e contida, o que pode ser um primeiro passo reparador.

O risco é que a profissão (QUALQUER PROFISSÃO QUE SE ESCOLHA) se torne uma forma de cuidar dos outros para evitar ter que ser cuidado.

A pessoa pode se colocar sempre no papel do ouvinte, do especialista, do forte, evitando assim a vulnerabilidade de ser a que precisa de ajuda.
Isso pode reforçar o sentimento de isolamento ("ninguém me entende como eu entendo os outros") e levar a uma solidão profunda.

Então pode ser uma tentativa legítima e admirável de cura e adaptação.
A pessoa não estaria fugindo; ela estaria se engajando ativamente com a fonte de sua ansiedade de uma maneira produtiva.

A chave para que isso permaneça saudável está na intenção e no processo!

Esta pessoa precisa ser seu próprio primeiro caso de estudo.

Ela deve engajar em terapia pessoal (seja psicanalítica, ou não, mas por via de processo formal) paralelamente aos seus estudos.

Isso transforma o risco da intelectualização em uma oportunidade de integração.

O que você acha?





Parece que foi escrito ontem!

Recorte de "Humano, demasiado humano": Um Livro para Espíritos Livres, de 1878!
Foi a primeira obra de Friedrich Nietzsche após o rompimento com o romantismo de Richard Wagner e o pessimismo de Arthur Schopenhauer.

Retirado do aforismo "A intranquilidade moderna"

“Por falta de repouso, nossa civilização caminha para uma nova barbárie. Em nenhuma outra época os ativos, isto é, os inquietos, valeram tanto.
Assim, pertence às correções necessárias a serem tomadas quanto ao caráter da humanidade fortalecer em grande medida o elemento contemplativo (…)
Temos de aprender a não reagir imediatamente a um estímulo, mas tomar o controle dos instintos inibitórios, limitativos.
A falta de "espírito", falta de "cultura" repousaria na INCAPACIDADE de oferecer resistência a um estímulo.
Reagir de imediato e seguir a todo e qualquer impulso já seria uma doença, uma decadência, um sintoma de esgotamento”

Parece que foi escrito ontem!

Nietzsche de 1879 absolutamente atual em seu diagnóstico precoce de uma patologia que, na era digital, atingiu seu ápice.

Sua crítica à valorização excessiva dos "inquietos" e à falta de repouso, que levam a civilização a uma "nova barbárie", encontra um eco direto e potente na obra de Byung-Chul Han.

Han descreve os mecanismos dessa barbárie moderna na "sociedade do cansaço", onde a exploração não é mais externa, mas interna, impulsionada por um imperativo de produtividade constante. A hiperatividade criticada por Nietzsche se tornou, para Han, uma lógica de autoexploração que resulta em esgotamento, depressão e burnout.

O ponto de convergência entre os dois pensadores é a identificação da causa central do problema: a perda da capacidade contemplativa.

Nietzsche defendia o fortalecimento do "elemento contemplativo" como antídoto para a incapacidade de resistir aos estímulos.

Han desenvolve esse conceito, argumentando que a sociedade do desempenho eliminou o "tédio profundo", que é o berço da criatividade e da reflexão, e nos transformou em seres de "sim" ilimitado, incapazes de negar as constantes demandas e estímulos digitais. Para ambos, a reação instantânea a todo impulso não é um sinal de eficiência, mas de uma doença espiritual e social.

A frase de Nietzsche se mantém atual porque capturou a gênese de um mal-estar civilizatório que só se agravou com o tempo. A análise de Byung-Chul Han serve como a chave para decifrar a profecia nietzschiana, mostrando que a "nova barbárie" não é um caos violento, mas uma positividade tóxica e uma agitação sem sentido que esvazia a vida interior.

Juntos, eles oferecem um alerta poderoso: o caminho de volta à sanidade e à profundidade humana não está em acelerar, mas em desacelerar; não em fazer mais, mas em recuperar o poder de contemplar e de simplesmente ser.


A Noite Sempre Chega

- Uma menina foge de uma mãe abusiva e aos dezesseis anos é cooptada por um pedófilo explorador de crianças que a "aluga" para outros pedófilo;
- Um político proeminente que esconde do seu público e sua família que possui um apartamento de luxo onde mantém e sustenta uma prostituta de luxo, esconde dinheiro, cocaína e joias;
- Um país em uma longa crise financeira onde as pessoas não conseguem sequer onde morar pois são expulsas de casa por Bancos ou pelo governo, e essas pessoas passam a morar na rua, sem assistência nenhuma;
- Um país onde as pessoas mesmo tendo dois empregos não conseguem o dinheiro suficiente para se alimentarem e pagarem suas contas... sendo miseráveis apesar de trabalharem muito...
-Um país onde cada ser humano é medido pelo que ele pode oferecer como produto... mesmo que o produto seja apensa eles mesmos...
Tudo isso acontecendo hoje... no ano de 2025.
Não... isso não é no Brasil. É o pano de fundo do filme "A Noite Sempre Chega" criticando a precariedade do trabalho no capitalismo tardio enaltecido pelos Estados Unidos da América, e a luta pela sobrevivência em um país cada vez mais instável e indiferente! Com o nome original de "The Night Always Comes" ou "No Sudden Move", dependendo da versão, é uma obra que mergulha fundo nas contradições e nas feridas expostas do chamado "sonho americano".
Explorando temas como a insegurança financeira e de moradia, o filme, acompanha a jornada de Lynette durante um dia (e noite) para salvar a "casa da família", destaca o heroísmo silencioso e a determinação em meio a adversidades, mostrando o custo da busca por segurança em um contexto de desigualdade social.
O filme "A Noite Sempre Chega" monstra o que sempre esteve lá! Mostra que a "crise" americana SEMPRE esteve presente pois é o modo americano de ser que sustenta a crise!
A exploração dos vulneráveis na história da menina explorada por pedófilos e da prostituta mantida pelo político mostram como o sistema consome os mais fracos, especialmente mulheres e crianças, em um ciclo de violência e silêncio;
A hipocrisia da elite no político corrupto e no empresário com vida dupla que esconde riqueza, drogas e vícios enquanto se vende como "homem de família" é um retrato clássico da duplicidade do poder e da burguesia americana;
A crise econômica que ninguém resolve deixando que as pessoas trabalhem até a exaustão e o esgotamento e ainda assim não conseguindo o mínimo para pagar aluguel ou comer direito é uma realidade cada vez mais comum nos EUA, onde o capitalismo tardio precariza a vida em nome do lucro;
A mercantilização da vida humana e a Uberização das vidas onde e você não tem dinheiro, você não vale nada. Se você não é "útil" para o sistema, você é descartável. O filme expõe como os EUA, muitas vezes vendidos como terra de oportunidades, são na verdade um moedor de carne social.
Enquanto os EUA se vendem como o "país mais livre do mundo", filmes como esse mostram que essa liberdade é só para quem pode pagar. A miséria, a violência e a exploração são tão reais lá quanto em qualquer outro lugar — mas muitas vezes mais escondidas sob uma fachada de prosperidade.
Tá, mas e o Brasil? Bom... claro, o Brasil tem seus próprios problemas graves, mas a crítica do filme é justamente sobre como o capitalismo desregulado e a desigualdade extrema criam infernos particulares em qualquer país, inclusive naqueles que se dizem "modelos".
"A Noite Sempre Chega" é um soco no estômago que lembra: a miséria não é acidente, é projeto. E enquanto alguns lucram, a maioria luta só para sobreviver até o dia seguinte.
Você já assistiu? O que achou da forma como o filme retrata essas questões?


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Como o trauma se desenvolve e desconecta Corpo, Mente e Emoções no Processo.


Eu quero dividir com vocês alguns conceitos que acredito ter entendido lendo os livros "O Corpo Guarda as Marcas", do Doutor Bessel van der Kolk, "O mito do normal: Trauma, saúde e cura em um mundo doente" escrito por Gabor Maté  e Daniel Maté (pai e filho) e do livro "Terapia do Esquema: Guia de Técnicas Cognitivo-Comportamentais Inovadoras" escrito por Jeffrey E. Young, Janet S. Klosko e Marjorie E. Weishaar.

Essas são três leituras que venho fazendo do inicio do ano passado para cá. Primeiro, quero apresentar os autores e as suas publicações! depois um breve resumo de conceitos chave e por fim minha interpretação desses.

Dr. Bessel van der Kolk, fundador e ex-diretor médico do Trauma Center em Brookline, Massachusetts. Controverso, ele ainda é uma das maiores autoridades mundiais no campo do trauma, conhecido por seu trabalho que integra o cérebro, a mente e o corpo na compreensão e no tratamento dos efeitos do estresse traumático. Seu livro, “O corpo guarda as marcas: Cérebro, mente e corpo na cura do trauma” ,publicado em 2014 (título original: The Body Keeps the Score: Brain, Mind, and Body in the Healing of Trauma), é um best-seller internacional e um marco na literatura sobre o assunto, mas a sua popularidade e a importância das ideias de Van der Kolk, foram construídas ao longo de 40 anos de carreira, atendendo ex-soldados e pessoas vítimas de violência fazem com que seus conceitos pareçam mais antigo do que a sua data de publicação de seu livro.

Dr. e psicoterapeuta Gabor Maté é um médico com mais de 40 anos de experiência clínica. Sua própria história de vida, como sobrevivente do Holocausto na Hungria, moldou sua visão sobre o trauma e a resiliência. Ele se especializou em medicina familiar e cuidados paliativos, mas é mais conhecido por seu trabalho com pessoas viciadas, em locais como o bairro de Downtown Eastside em Vancouver, Canadá.

E por último, mas não menos importante, o Psicologo Jeffrey Young é uma figura central na psicologia clínica. Psicólogo estadunidense que criou a Terapia do Esquema (ou Terapia Focada nos Esquemas), uma abordagem inovadora que se tornou amplamente reconhecida, foi desenvolvida por Young no final dos anos 1980 para tratar pacientes que não respondiam bem à Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC) tradicional. Esses pacientes, muitas vezes com transtornos de personalidade ou problemas crônicos e de difícil tratamento, apresentavam padrões de comportamento profundamente enraizados.

Van der Kolk foi pioneiro em mostrar que o trauma não é apenas um evento psicológico, mas que afeta profundamente o cérebro (neurobiologia), a mente (pensamentos e emoções) e o corpo (sensações físicas, dores e doenças).

Assim como Bessel van der Kolk, Maté defende uma abordagem que conecta o corpo, a mente e as emoções. Ele argumenta que o trauma psicológico e o estresse crônico são frequentemente as raízes de doenças físicas e do vício. Em seu livro "O Mito do Normal", ele questiona a noção de "normalidade" na sociedade moderna e argumenta que o que consideramos normal — o estresse constante, o esgotamento, a ansiedade e a alienação — é na verdade patológico e um produto de uma cultura que nos adoece. A doença, para ele, não é um desvio, mas uma resposta ao nosso ambiente.

Young, por sua vez, combinou elementos da TCC com conceitos de outras abordagens, como a teoria do apego, a psicanálise e a terapia gestáltica, para criar um modelo mais profundo e abrangente.

A convergência dessas leituras diferentes que fiz me fizeram ter um entendimento sobre o desenvolvimento humano e de seus problemas emocionais como uma coisa mais orgânica e natural!

Então esse post vai tratar sobre: o impacto do trauma não resolvido e o que Significa Estar Traumatizado?

Mas começamos por definir o que cada um desses autores trata com “Trauma”?

Para van der Kolk, trauma não é só um evento, mas uma mudança fisiológica no organismo. Nessa perspectiva "Trauma é qualquer experiência que supera nossa capacidade de lidar, deixando marcas no corpo, no cérebro e no sistema nervoso, e por tabela, em nossas emoções."

O trauma raramente é armazenado como uma narrativa coerente, antes ele é incorporado como sensações físicas (ex.: cheiros, gostos, dores) e emoções congeladas. O Cérebro então adota uma posição de alerta continuamente. O sistema límbico fica hiperativo nesta posição, enquanto o córtex pré-frontal (racional) "desliga" ou enturva. Sintomas como insônia, dores crônicas ou ataques de pânico são respostas corporais ao trauma não processado. E como esse sistema acredita que esse processo de risco vai se repetir constantemente, não desliga esse alerta!

Então estar traumatizado significa continuar a organizar a sua vida como se o trauma ainda estivesse presente, inalterado e imutável como no exato momento do seu primeiro impacto. Para a pessoa que passa por essa condição, cada novo momento da vida e cada encontro ou evento futuro é contaminado pelo evento do passado, pois o trauma distorce a percepção do presente.


Por exemplo: O maior dano causado por “negligência (parental)”, trauma psicológico agudo ou perda emocional não é a dor imediata, mas as distorções de longo prazo somadas que moldam a maneira como uma criança em desenvolvimento interpreta o mundo e sua posição nele.

Mas porque é assim? Quer percebamos ou não, são nossas feridas e a forma como lidamos com elas que direcionam grande parte de nossos comportamentos, hábitos sociais e padrões de pensamento.


Biológica e Neurologicamente a mente humana evoluiu para sobreviver às intempéries da vida pré-histórica! Possuímos nas áreas mais evolutivamente antigas do nosso cérebro (cérebro reptiliano) estruturas que analisam precocemente as informações da realidade definindo se estamos seguros ou em risco de forma até precipitada, pois errar e se superproteger é melhor que errar e acabar morto por não prever um perigo!


Nossa resposta de luta, fuga ou congelamento é um exemplo da reação automática do corpo a situações percebidas como perigosas ou ameaçadoras. Ela envolve alterações fisiológicas (como a enxurrada de adrenalina e cortisol) e comportamentais que preparam o indivíduo para enfrentar a ameaça ou escapar dela, ou, em alguns casos, paralisar temporariamente. 


Como a “Evolução” e a adaptação NUNCA param, esses sistemas se adaptaram às novas necessidades da realidade humana e hoje os padrões de resposta reaparecem mesmo quando a fonte de perigo é interna, seja uma sensação corporal como na Síndrome do Pânico, ou numa situação de avaliação social como na Fobia Social ou mesmo numa reativação de uma lembrança traumática como no Estresse Pós Traumático.


Luta, fuga e congelamento foram convertidos em “estilos de enfrentamento” dos humanos em suas vidas cotidianas…

Enquanto uma criança cresce ela “aprende” a focar suas interações em padrões de pensamento, maneiras de observar o mundo e reagir a ele, baseado nas suas experiências vivenciais.

Se seu ambiente for promissor e minimamente adequado, essa criança desenvolve respostas adaptativas e saudáveis no decorrer de sua vida. Se seu ambiente de formação for inadequado ou ela tiver experiências repetitivas ruins ou traumáticas, ela se adapta com comportamentos disfuncionais (os "esquemas") que continuarão a impactar a sua vida adulta.

Aquelas respostas biológicas (luta, fuga e congelamento) se adaptam em comportamentos de hipercompensação (Luta), resignação (fuga) e evitação ou submissão (congelamento).

Por exemplo, no “Modo de Submissão” (Congelamento/Resignação): A pessoa se submete aos processos prejudiciais da vida, aceitando passivamente o sofrimento e se sentindo impotente. Isso se assemelha à resposta de congelamento.


No “Modo de Hipercompensação” (Luta), a pessoa reage de forma oposta ao esquema. Por exemplo, alguém que se sente defeituoso pode se tornar perfeccionista e arrogante para compensar o sentimento interno de inadequação. Isso é uma forma de "luta" contra a dor emocional do seu passado.


E no “Modo de Evitação” (Fuga) a pessoa evita situações, pensamentos e sentimentos que possam ativar suas lembranças traumáticas. Isso se assemelha à resposta de fuga, onde a pessoa evita conflitos a qualquer custo, mesmo quando injustiçado, porque teme rejeição ou abandono.


Isso quer dizer que quando uma pessoa fica presa no modo de sobrevivência, suas energias se concentram em lutar contra inimigos invisíveis, deixando pouco espaço para nutrição, cuidado e amor.

Para os seres humanos, isso significa que, enquanto a mente se defende de ameaças inexistentes, nossos laços mais íntimos ficam ameaçados. Nossa capacidade de imaginar, planejar, brincar, aprender e atender às necessidades dos outros também é comprometida.


Traumas não resolvidos são como ALARMES para manter a sobrevivência que permanecem ligados indefinidamente no organismo, distorcendo nossa forma de pensar e agir. Passamos a enxergar perigos onde não existem, porque a carga emocional não processada continua influenciando nossas reações.


O que modula esse alarme vai além de uma simples memória do passado. As emoções e sensações físicas registradas durante o eventos repetitivos ruins ou um único grave evento traumático não são vividas como lembranças, mas como reações perturbadoras no presente. Muitas vezes, agimos ou reagimos de maneira desproporcional sem entender o motivo, justamente porque essas respostas estão enraizadas em experiências não resolvidas.


Em resumo, o trauma não tratado “aprisiona” a mente da pessoa em um ciclo de sobrevivência, onde o passado invade o presente, limitando a capacidade de viver plenamente e se conectar com os outros. Não é apenas uma memória dolorosa — é uma ferida viva no corpo, na mente e no sistema nervoso. Segundo Bessel van der Kolk, Gabor Maté e Jeffrey Young, experiências traumáticas não processadas alteram nossa biologia, distorcem nossa percepção do presente e nos mantêm presos em padrões de sobrevivência disfuncionais.

Mas se o Trauma é uma prisão invisível, a neuroplasticidade e o autoconhecimento oferecem as chaves para libertar-se dessa prisão. A cura exige reintegrar corpo e mente ao presente (Van der Kolk), questionar a "normalidade" tóxica (Maté) e reescrever esquemas emocionais (Young). Não se trata de apagar o passado, mas de deixar de viver sob seu domínio.

A psicoterapia é uma das maneiras que Gabor Maté, considera ferramenta que estrutura um caminho de cura. A psicoterapia pode ser desencadeadora ou estimuladora da autorregulação orgânica ou do impulso vital para se reorganizar e a capacidade inata do organismo de buscar saúde, equilíbrio e crescimento — mesmo após traumas. Assim como o corpo cicatriza feridas físicas, a psique mobiliza recursos para reparar danos emocionais quando em ambientes seguros, embora esse processo possa ser bloqueado por estresse crônico, isolamento ou contextos opressivos. Na psicoterapia essa força integrativa opera em sinergia com a neuroplasticidade (estudada por Van der Kolk), mecanismo pelo qual o sistema nervoso se reorganizar diante de novas experiências, permitindo a reestruturação de circuitos neurais rígidos e a superação de padrões disfuncionais. Em essência, enquanto a tendência atualizadora é o princípio motivador da cura, a neuroplasticidade é o alicerce biológico que a torna possível.

A psicoterapia atua como um facilitador essencial no processo de cura, estimulando tanto a tendência atualizadora quanto a neuroplasticidade. Ao oferecer um ambiente seguro e acolhedor, o terapeuta cria as condições ideais para que o cliente possa reprocessar experiências traumáticas e desenvolver novos padrões saudáveis. Através da relação terapêutica baseada em aceitação e empatia, técnicas como mindfulness, regulação emocional e psicoeducação sobre trauma ajudam a acalmar o sistema nervoso hiperativo, permitindo que a neuroplasticidade atue de forma mais adaptativa e integradora.


Abordagens terapêuticas que trabalham com o corpo e as emoções, como EMDR e terapia sensoriomotora, são particularmente eficazes para liberar memórias traumáticas armazenadas somaticamente. Paralelamente, métodos como a Terapia do Esquema ajudam a identificar e transformar padrões de pensamento disfuncionais, criando novas conexões neurais mais saudáveis. O vínculo terapêutico seguro serve ainda como modelo para relações interpessoais mais nutritivas, reparando feridas de apego e restaurando a capacidade de confiar nos outros.


Com o tempo, esse processo contínuo de reprocessamento e reconstrução leva a mudanças profundas: a hipervigilância dá lugar a uma sensação de segurança interna, os esquemas rígidos são substituídos por maior flexibilidade psicológica, e as memórias traumáticas são integradas em narrativas coerentes. A psicoterapia não elimina o passado, mas transforma radicalmente a relação do indivíduo com suas experiências dolorosas, permitindo que os mecanismos naturais de cura do organismo - a tendência atualizadora e a neuroplasticidade - promovam uma reorganização saudável do self.


CONVERSAS ANÔNIMAS: "Faz sentido testar a "confiança" e a capacidade de aceitação da psicóloga/o com um relato pessoal escrito?


Faz sentido testar a “confiança” e a capacidade de aceitação da psicóloga com um relato pessoal escrito?

Caro Autor Anônimo, vamos pensar juntos.

Primeiro, vamos lidar com a sua idealização: psicólogos são pessoas. Pessoas com estudo específico, sim, mas ainda pessoas. Pelo que você descreve, parece que o julgamento dos outros — especialmente de figuras de autoridade — te assusta.

Quando você diz que um terapeuta “deve julgar ao mínimo e confiar ao máximo”, isso me leva a pensar que você carrega um esquema de desconfiança ou de defectividade. Ou seja, talvez exista em você a crença de que, no fundo, há algo de errado ou inadequado em si, e que cedo ou tarde alguém vai descobrir. Isso lembra um pouco a chamada “síndrome do impostor”: a sensação de ser uma fraude, supervalorizar os próprios defeitos e minimizar as qualidades, mesmo diante de evidências do contrário.


O ponto é que você já se julgou inadequado antes mesmo de entrar na terapia — e acredita que qualquer psicólogo também vai te ver assim. Isso pode fazer com que você queira “testar” a aceitação do outro antes de se permitir confiar.


Vale lembrar: a formação em Psicologia não imuniza ninguém contra ter crenças, emoções e padrões enraizados. O que a prática profissional faz é oferecer ferramentas para que o psicólogo lide com seus próprios esquemas e com os dos pacientes. Mas a sua frase sobre “julgar” e “confiar” fala muito mais sobre o seu olhar do que sobre a profissional em si.


Todos nós criamos esquemas emocionais e cognitivos na infância, tentando nos adaptar ao ambiente em que crescemos. Esses padrões moldam nossa forma de ver o mundo, os outros e a nós mesmos. No seu caso, a ideia de entregar um “relatório da vida” para avaliar a reação da terapeuta parece uma tentativa de testar os limites da aceitação do outro — algo típico de quem lida com esquemas de abandono, defectividade ou privação emocional.





Isso também pode indicar hipervigilância: o impulso de controlar o ambiente para evitar rejeição ou dor. E, sim, esse impulso é compreensível — ele costuma nascer em histórias de vida em que confiar foi arriscado ou doloroso.


Agora, respondendo objetivamente à sua pergunta:

 Você tem muito a ganhar em terapia. Se, neste momento, escrever e entregar um relato pessoal é a forma que você consegue se abrir, então use esse recurso. Mas não pare por aí. A terapia é um espaço para explorar, sentir e construir confiança aos poucos, não um teste que a psicóloga precisa passar para você continuar.


Leve seu texto, sim — mas também leve a disposição de conversar sobre por que você sente necessidade de testar. Esse pode ser, inclusive, o verdadeiro ponto de partida do seu processo terapêutico.




CONVERSAS ANÔNIMAS: Ansiedade, ataraxia e o sofrimento!






CONVERSAS ANÔNIMAS: Ansiedade, ataraxia e o sofrimento!

Caro Autor Anônimo! Espero que esteja bem!

Para responder a sua postagem eu preciso ser muito objetivo!

Eu me pergunto: "Que parte de você, você quer calar?"

Talvez você não tenha percebido, mas seu texto aponta isso: Você quer uma nova forma para NÃO se escutar.

Evidentemente existe muita energia sua dedicada em tentar te controlar, te esconder, te transformar em algo mais “aceitável”.

Parece que você PRECISA acreditar que sentir raiva é sinal de fraqueza, que a paz só viria quando essa parte de você desaparecesse.

Eu preciso reforçar que esta parte de você não é o seu problema. A raiva não é problema. A indignação não é problema.

ISSO É A FEBRE! Um sinal avisando sobre uma dor e infecção instalada por um outro agente oculto.

ESSE AGENTE OCULTO É O SEU REAL PROBLEMA! Sua indignação apareceu quando algo foi repetidamente injusto.

Quando a crueldade cruzou o seu caminho.

Quando o mundo feriu o que em você refletia a dignidade humana.

A indignação não veio para te destruir — veio para me proteger.

A indignação grita porque algo em você ainda se importa. Se importa e precisa ser encarada!

E isso exige, por mais doloroso que seja, saber ouvir-se!

Sei que às vezes sua indignação se torna intensa, quase insuportável. Mas talvez isso aconteça porque você a deixe “sozinha” por tempo demais.

VOCÊ TEM RECUSADO A ENTENDER A CADEIA DE CAUSAS QUE GERAM A INDIGNAÇÃO!

Então, em vez de te acolher, você tenta te apagar.

Em vez de te entender, você tenta te julgar.

Hoje, quero te sugerir fazer diferente.

Pergunte-se: o que sua indignação está tentando me mostrar que você não entendeu?

O que sua indignação teme que você esqueça?

Eu tenho certeza que, no fundo, sua indignação só quer que você lembre que sua dor importa.

Dito isso, sigo com as suas perguntas: ”Vocês acreditam que faz sentido dizer que deixa de ser saudável um ser humano seguir o caminho da "iluminação"? “É o conceito que acredito ser o que mais ilustra a situação, pois me faz lembrar de Buda!”

Resposta: Sim. Faz.

“Ou seria eu alguém um naturalmente indignado em excesso que sofre em excesso por querer fugir de minha natureza radical?”

UMA COISA NÃO TEM RELAÇÃO COM A OUTRA!

o caminho do buda não é um caminho sem dor ou sem sofrimento ou sem indignação é um caminho com entendimento claro do que cada uma dessas situações exige do praticante.

Não é não sentir.

É entender e superar problema lidando com ele.




CONVERSAS ANÔNIMAS: "É saudável ou é insalubre a pessoa que pensa em engajar na carreira de psicologia ou psicanálise motivado não apenas pelo "auto sustento", mas pela necessidade PESSOAL de se tratar e se entender?

  Caro Membro Anônimo, você me fez lembrar um conto que a uma grande professora me contou no exercício do chá, em Porto Alegre a uns 20 anos...