CONVERSAS ANÔNIMAS: "FÉ" PRECISA DE RELIGIÇÃO OU DEUSES?

 

Uma pergunta PRIMOROSA que precisar ser abordada em cada parte individualmente!

Pretendo manter a melhor conexão com os temas centrais, que para mim são os conceitos de:

  • "Locus de controle", 
  • "Fé", 
  • "Sentido da vida" e 
  • "Vazio Existencial".


       1) "A fé a que você se refere, seria a fé a si mesmo?"

Não. 

Mas faz parte!

Então a fé em si mesmo é uma dimensão fundamental TARDIA.

Somos animais sociais, e nosso aprendizado sobre o que é significativo ou até real SEMPRE nasce da nossa relação com algum outro externo (no começo pais e criadores/cuidadores, depois as amizades e sociedade...)

Ninguém nasce com um "Locus de Controle Interno" pronto; ele é cultivado na segurança de vínculos externos saudáveis.


Em adultos razoavelmente amadurecidos/formados a fé se trata de uma confiança no potencial e na capacidade intrínseca do ser humano.

A fé em si mesmo é a capacidade de confiar no processo orgânico de atualização que todos temos. Confiar na liberdade interior de encontrar sentido. Confiar na prática da sua experiência de vida, seu aprendizado e na natureza da mente.

Não é uma fé arrogante no ego, na vaidade no egoísmo, mas sim uma confiança profunda na própria capacidade de crescer, encontrar significado e despertar. É a base do locus interno de controle.

Então "Fé" em "sí" é seu Lócus de Controle quando Relaciona-se ao locus interno. A fé em si mesmo pressupõe que a capacidade de "agência" e as respostas principais estão dentro de cada um de nós.

Mas tem "Fé" que é voltada para FORA de si!

O Vazio Existencial surge quando o "Lócus de Controle" está perdido: nem confiamos em nós, nem vemos valor no mundo.

A fé "em si" nos dá a ferramenta da capacidade de agir!

A fé "fora de si" nos dá o destino o motor do motivo para agir!



2) "Que faz as pessoas confiarem de que são capazes de tudo única e exclusivamente sozinhas?"

Então... Essa crença, essa interpretação de fé em si mesmo pode surgir de uma do viés "individualista" da autonomia, como uma distorção da visão humanista e possivelmente nasce como um mecanismo de defesa contra a vulnerabilidade.

Pessoas com medo dos outros se isola. E se justifica nesses discursos distorcidos!

Para a psicologia essa postura é, em última análise, uma ilusão.

O "Sentido real da vida" frequentemente vem do "encontro" e da entrega a algo ou alguém "fora" de nós.

A saúde psicológica, portanto, equilibra um "Lócus Interno" firme (responsabilidade) com o reconhecimento saudável da nossa interdependência e abertura ao mundo (Lócus externo).


3. "A fé na capacidade de todo ser humano de trilhar um caminho único e singular?"

Não. Fé é capacidade de crer sem referenciais sólidos.

Crer sem provas.

Você não tem certeza por não ter provas de que é capaz de correr uma maratona. Mas corre mesmo assim. Isso é um exemplo simplista.


A palavra mais precisa na psicologia para descrever esse processo de se tornar um ser único e trilhar um caminho que é só seu é Individuação.

"Individuação" é essa "singularidade" humana.

Carl Rogers chamou isso de tendência atualizante.

Vitor Frankl, de vontade de sentido.

O Zen, de natureza búdica.

Não importa a teoria ou a palavra usada, e não se trata de um caminho egoísta, mas do cumprimento de uma potencialidade única que cada pessoa traz consigo.

Quando o Locus de Controle Interno se torna "rígido demais", ele deixa de ser uma ferramenta de agência e se torna uma armadura de isolamento, a "ilusão de autossuficiência"!

A individuação é a confiança de que, ao acessar sua experiência interna mais autêntica (Rogers), sua liberdade responsável (Frankl) ou sua mente original (Zen e o TAO), o indivíduo encontrará e trilhará um caminho que é somente seu. Um caminho realizador e verdadeiro.


4. "Como vc classifica o vazio da alma? O sentimentalismo que causa a necessidade de algo maior, da busca seja por uma divindade, um ídolo, ou um objetivo que transcenda a natureza humana?"

Eu classifico primariamente como Vazio Existencial (assim como Frankl). Não vejo como um mero "sentimentalismo", mas uma dor real da alma que sinaliza uma necessidade não atendida de significado, propósito e transcendência.

*Um aparte: "Alma" é apenas o Self profundo, o Eu verdadeiro... não um "espírito" no sentido metafísico.

É a fome da nossa dimensão noológica. Esse vazio seria um sinal de desconexão do self verdadeiro. Uma má interpretação da vacuidade essencial do ser, que tentamos preencher com conteúdos. A "necessidade de algo maior" é, portanto, ambígua: pode ser a expressão saudável da vontade de sentido (Frankl) ou a fuga desesperada de um vazio interior através de ídolos (sejam religiosos, consumistas ou relacionais).

A saúde está em reconhecer essa necessidade como legítima e dirigi-la não para a dependência cega, mas para uma transcendência autêntica – seja através da realização de valores criativos, experienciais ou atitudinais na sua sociedade, da autenticidade na sua individualidade ou da realização direta da natureza da realidade.

Eu vejo o "Vazio" como vacuidade potencial. Não é uma falta patológica, mas a natureza última da realidade. Muitos sofrimentos surgem quando buscamos preencher esse vazio experiencial com "objetos transitórios" (ídolos, divindades conceituais, objetos de consumo, prazeres... todos igualmente falsos).

Lembra que eu falei de "Locus de Controle"??? então, a busca por algo externo para preencher o vazio pode indicar um "Locus externo" para o sentido da vida...

O que nunca pode dar certo!

Enquanto Freud dizia que temos "vontade de prazer" e Adler dizia que temos "vontade de poder", Frankl afirma que a nossa força motriz fundamental é a Vontade de Sentido.

O "Vazio" surge quando sentimos que a vida está "vazia" de propósito. Não é uma doença mental, mas uma angústia existencial. É o questionamento: "Para que eu estou vivendo isso?" ou "Qual o propósito dessa dor?"

Por isso tantas religiões diferentes com deuses diferentes e conceitos contraditórios agregam tantas pessoas nas suas fileiras... elas (as religiões) falseiam "sentido" para as pessoas, oferecendo "objetos transitórios".

Não importa se tu for em uma igreja, em um templo Hindu, em um terreiro ou em uma mesquita: Vais encontrar pessoas com fé inabalável em seus objetos transitórios!

A FÉ É VERDADEIRA em todas as religiões!

Mas o objeto da fé não é. 

Letícia Morello - Desvendando os mitos do AUTISMO!

Se eu tivesse gravando este vídeo há uns dez anos, provavelmente você diria que não conhecia nenhuma pessoa autista. Mas hoje, em 2024, tenho certeza de que você conhece pelo menos uma, seja no seu círculo social, seja alguém que você segue que está dentro do espectro autista. Existe um motivo por trás disso, e hoje você vai descobrir qual é.

Este é mais um vídeo da nossa série sobre neurodivergências. Sim, gente, demora para sair, mas sai! E como sempre, há pessoas que não veem o vídeo até o final. Então, já adianto que toda a base deste roteiro foi escrita por uma psicóloga. Sempre que precisamos abordar um tema que nem eu nem a Laura dominamos, chamamos especialistas.

Isso esclarecido, o assunto de hoje é o Transtorno do Espectro Autista (TEA). Já falamos um pouco sobre ele no primeiro vídeo desta série, quando explicamos o conceito de neurodiversidade e mencionamos que este tem sido o transtorno de neurodesenvolvimento com maior destaque nessa pauta. A ideia hoje é falarmos mais sobre as características, a história do transtorno e alguns mitos que existem sobre o TEA.

As primeiras descrições do autismo na medicina

Ao longo da história da medicina, sintomas característicos do que hoje conhecemos como TEA já haviam sido citados em prontuários, mas sem um nome específico. A primeira vez que o conjunto de sintomas recebeu um nome foi em 1943, quando o psiquiatra austríaco Leo Kanner publicou um artigo chamado "Distúrbios Autísticos do Contato Afetivo". Nele, ele descreveu casos de onze crianças cujos pais relatavam queixas bastante específicas.

Primeiro, elas tinham dificuldades significativas de se relacionar e interagir socialmente. Segundo, demoravam a desenvolver habilidades de linguagem e comunicação, sendo que algumas não desenvolveram a fala verbal, enquanto outras apresentavam fala com problemas, como repetição de palavras (ecolalia) ou inversão da ordem dos termos em uma frase. Terceiro, tinham sensibilidade sensorial diferente do comum, podendo ser aumentada ou diminuída. Quarto, exibiam comportamentos repetitivos e estereotipados, como balançar, rodopiar ou alinhar objetos. Quinto, tinham um interesse incomum e intenso por assuntos específicos, o que podia levá-las a desenvolver habilidades excepcionais, como memorizar muitos fatos sobre um determinado assunto.

Um ano depois, o pediatra austríaco Hans Asperger publicou um trabalho descrevendo quatro crianças com uma condição que ele chamou de "psicopatia autística". Elas também preferiam isolamento social, mas mantinham preservadas as habilidades cognitivas e de comunicação. Assim, o TEA começou a receber mais atenção e a ser descrito na década de 1940, mas apenas a descrição não é suficiente para criar métodos de diagnóstico – é preciso um detalhamento mais profundo.


Na psicologia, esse detalhamento acontece no manual de diagnóstico conhecido como DSM (
Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders ~ DSM-I).

A inclusão do autismo no DSM

É normal que, desde os primeiros estudos que descrevem uma condição até sua inclusão no manual de diagnóstico, passe algum tempo. No caso do TEA, foram 37 anos. Foi no DSM-III, publicado em 1980, que foi criada a categoria "Transtorno Autista", enquadrando crianças com relações sociais e comunicação prejudicadas e que apresentassem padrões de comportamento restritos e repetitivos. Essa inclusão é um marco, pois permitiu padronizar o processo de diagnóstico, garantindo acesso a tratamento adequado, impulsionando novas pesquisas e reduzindo o estigma associado aos sintomas.

Na quarta edição do DSM - IV, lançada em 1994, a categoria foi dividida em três: Autismo Infantil, Transtorno Global do Desenvolvimento Não Especificado e Síndrome de Asperger. Essa divisão durou 19 anos, até o lançamento do DSM-5 em 2013, que agrupou as três categorias em um único transtorno, inserindo o termo "espectro" e criando a nomenclatura Transtorno do Espectro Autista (TEA).
Para entender a inclusão do termo "espectro", pense na luz: quando a luz branca passa por um prisma, as diferentes cores se separam, criando um espectro que vai do vermelho ao violeta. Cada cor tem características diferentes, mas juntas formam a luz que conhecemos. De forma similar, quando usamos o termo "espectro" no TEA, estamos dizendo que existe uma variedade de características que podem estar presentes em diferentes graus de intensidade.


Graus de autismo (níveis de suporte)

Dependendo de quais características estão presentes e em que grau, temos três níveis de suporte. O nível 3 é onde os sintomas são mais pronunciados. Pessoas neste nível podem ter grande dificuldade com linguagem verbal, evitar interações sociais, exibir comportamentos repetitivos intensos e necessitar de suporte significativo em todas as áreas da vida diária.

O nível 2 envolve déficits significativos na comunicação e interação social, além de comportamentos repetitivos mais pronunciados. Essas pessoas geralmente precisam de apoio substancial no dia a dia, mas ainda podem ter um certo grau de autonomia.

O nível 1 inclui pessoas com dificuldades na comunicação social e comportamentos repetitivos, mas essas dificuldades podem ser menos óbvias para quem não convive com elas. Elas podem parecer desajeitadas ou desconfortáveis em situações sociais. Aqui se inclui a maioria dos casos que antes eram diagnosticados como Síndrome de Asperger. É comum que autistas deste nível nunca descubram que são autistas, seja por não desconfiarem ou por serem desencorajados a buscar um diagnóstico. Saber que algumas dificuldades são derivadas do transtorno, e não "culpa da pessoa", pode ser um grande alívio emocional e favorecer a conexão com outras pessoas no espectro.

Mitos sobre o autismo

Um mito comum é que pessoas com TEA são isoladas e não têm empatia. Embora algumas possam ter dificuldades em reconhecer sinais sociais, isso não significa ausência de empatia ou vontade de interagir. Os sintomas variam muito, e muitas pessoas com TEA demonstram sensibilidade aos sentimentos dos outros e interagem socialmente dentro de suas capacidades.

Outro mito é que autistas nível 1 são sempre superdotados ou absurdamente inteligentes. Isso não é uma regra. Falaremos mais sobre isso em um vídeo futuro sobre superdotação.

Quanto às causas, hoje sabemos que o TEA resulta da interação de fatores genéticos, ambientais e do desenvolvimento cerebral. Dois mitos antigos e prejudiciais precisam ser derrubados. O primeiro é o da "mãe geladeira", que surgiu na década de 1950 e culpava mães emocionalmente distantes pelo autismo de seus filhos. O segundo é o de que vacinas causam autismo, ideia que se originou de um estudo fraudulento de 1998, já amplamente desmentido por centenas de pesquisas. Não há qualquer ligação entre vacinas e TEA.

Por fim, ouve-se com frequência: "Agora tudo é autismo". O aumento no número de diagnósticos reflete um conhecimento mais refinado sobre o tema e uma maior busca por serviços de saúde mental. O TEA afeta cerca de 3% da população, então não, não é "todo mundo". Mas sim, agora enxergamos e identificamos mais.

Sinais de alerta em crianças

É crucial lembrar: nenhum vídeo ou conteúdo online serve para autodiagnóstico. O diagnóstico do TEA deve ser feito por profissionais qualificados, como neuropsicólogos. O que listamos aqui são alguns sinais de alerta que, se observados em grande número, podem motivar a busca por uma avaliação especializada. Lembre-se: o TEA é um transtorno do neurodesenvolvimento, portanto seus sinais aparecem na infância.

Alguns sinais comuns em crianças incluem: 

  • Não responder ao nome, 
  • Não estabelecer contato visual, 
  • Dificuldade com brincadeiras de atenção compartilhada, 
  • Dificuldade em engajar-se em atividades imaginativas, 
  • Preferência por organizar ou alinhar brinquedos, 
  • Movimentos repetitivos, 
  • Irritação com excesso de estímulos (barulho, cheiros fortes),
  • Evitação de contextos sociais, 
  • Dificuldade em fazer amizades e 
  • Atraso no desenvolvimento da compreensão de figuras de linguagem, como ironia e metáfora.

Essas características podem estar presentes desde sempre ou surgir em algum momento da infância, podendo inclusive modificar um comportamento anterior (como uma criança que "perde" uma habilidade que tinha).

Se você se identificou com essas características ou as observou em crianças do seu convívio, a recomendação é buscar serviços especializados. Reconhecemos, porém, as dificuldades de acesso, seja pelo custo ou pelas longas filas no serviço público. Quanto antes a origem das dificuldades for identificada, mais cedo será possível adotar estratégias para que a criança se desenvolva em seu máximo potencial.

Concluindo

Pessoas com TEA são muito mais do que seus sintomas.

O autismo não é uma doença e, portanto, não tem cura.

Trata-se do desenvolvimento de estratégias para ajudar a pessoa a viver em uma sociedade neurotípica. Como dissemos no primeiro vídeo desta série, as dificuldades enfrentadas por pessoas neurodivergentes muitas vezes residem nos obstáculos criados por uma sociedade moldada para um padrão específico.

Vamos terminar lembrando que várias personalidades públicas estão dentro do espectro, como a atriz Letícia Sabatella, a cantora Leilah Moreno, a ativista Greta Thunberg, o ator Anthony Hopkins e a cantora Sia. Elas seguem suas vidas da melhor forma possível.

A psicóloga responsável pela base deste roteiro foi Letícia Morello, mestre em ciências do desenvolvimento humano. Espero que você tenha entendido. Se ficou com dúvidas, deixe nos comentários que chamaremos a especialista para responder. 


https://www.youtube.com/watch?v=2IwUgZ_cz1k

O "Apego" como uma ferramenta evolutiva!

Na pré-história, éramos criaturas de grupo puro. Ser um indivíduo sozinho não era uma escolha filosófica — era uma sentença de morte.

O mundo era perigoso e agressivo, e o nosso biotipo era um dos mais patéticos entre os primatas. Não éramos predadores... éramos prato do dia no cardápio de todos os predadores. Não éramos os mais fortes, nem os mais rápidos, nem os mais bem constituídos. Estávamos sempre em risco.

Entre as estratégias de sobrevivência, a que venceu foi uma simples: viramos os animais que caminham em grupo. Marchávamos mais que qualquer outro primata. Por quê? Para migrar, para explorar, para fugir. O bipedalismo foi uma grande aposta evolutiva.

Agora pense: se para um adulto o mundo já era difícil assim, para uma criança recém-nascida era um pesadelo absoluto!

Por isso o bebê humano nunca, em nenhum momento, é independente.

A dependência total do bebê não é um defeito — é o design da nossa espécie. Sem um grupo para carregar, proteger, alimentar e ensinar, um bebê humano simplesmente não sobrevive. E é aí que entra o segredo do nosso sucesso: a fragilidade extrema do início da vida forçou a evolução de algo poderosíssimo — o cérebro social, a capacidade de criar vínculos profundos, de cooperar, de sentir o que o outro sente.

Em meio a esse processo nossa evolução converteu o que era "d
ependência" (o estado de necessidade de cuidado) de "Apego" (o vínculo emocional e o sistema comportamental que busca proximidade com um cuidador para segurança e referência).

Nossa fraqueza nos tornou mestres da conexão. E essa herança ainda carregamos hoje! Por dentro, continuamos um pouco aqueles bebês pré-históricos. O ser humano ainda é, sem dúvida, o primata mais “ATRICIAL” — ou seja, o que chega ao mundo mais dependente, mais frágil e com menos habilidades prontas.


Enquanto muitos outros primatas já nascem com capacidades motoras e sensoriais relativamente desenvolvidas, capazes de agarrar-se firmemente à mãe ou até se locomover um pouco, nós surgimos praticamente como um “rascunho biológico”. O cérebro humano, por exemplo, vem ao mundo com apenas um quarto do seu tamanho final, muito menos maduro que o de chimpanzés, gorilas ou orangotangos. Essa imaturidade inicial faz com que o cuidado parental não seja apenas útil, mas absolutamente indispensável para a sobrevivência do bebê humano.








Essa dependência prolongada se estende muito além do nascimento. Na maior parte dos primatas, o jovem logo ganha uma autonomia razoável; já os humanos passam por uma infância extensa, uma adolescência ainda mais longa e um processo de maturação que atravessa décadas. Somos a espécie que mais demora para caminhar com segurança, falar articuladamente, alimentar-se sozinha e desenvolver competências sociais e cognitivas complexas. Isso não é um defeito evolutivo; ao contrário, é justamente essa “lentidão” que abriu espaço para a riqueza do aprendizado cultural, da linguagem e da formação de vínculos sociais sofisticados.

Existem teorias na antropologia evolutiva que ajudam a explicar por que nascemos tão dependentes. Uma delas sugere que, com aquele "bipedalismo", a pelve humana se estreitou, enquanto o cérebro aumentou — resultado: foi preciso “adiantar” o nascimento, para que a cabeça do bebê pudesse passar pelo canal de parto, fazendo com que chegássemos ao mundo mais imaturos. O debate científico continua, mas a ideia central permanece: o humano nasce antes do que seria ideal fisiologicamente, e isso transforma o modo como crescemos e dependemos dos outros.


No fim das contas, essa condição tão altricial não nos torna mais fracos, mas mais plásticos. Somos moldáveis, ensináveis e profundamente sociais. Enquanto outros primatas se apoiam mais nos instintos já presentes ao nascer, os humanos se constroem na interação: aprendem pela convivência, internalizam cultura, desenvolvem pensamento simbólico e constroem identidades únicas. A nossa longa dependência é o preço — e o privilégio — de sermos a espécie que mais aprendeu a aprender.


Evolutivamente somos PROGRAMADOS PARA DEPENDER de outros humanos... Os "cuidadores" que deveriam nos trazer conforto, nutrição e segurança ideal para o nosso desenvolvimento como bebê. Isso FAZ PARTE DO PROCESSO DE ANIMAIS SOCIAIS! Cuidadores são o AMBIENTE condicionante para o desenvolvimento humano! trazem as condições para as NECESSIDADES EMOCIONAIS HUMANAS que todos nós temos!

Cada humanos é um ponto de intersecção em uma teia ou complexa rede de conexões que nos tornam mais humanos, mais complexos e únicos.



Esta dependência prolongada, longe de ser alguma deficiência, constitui a própria base de nossa vantagem evolutiva: a extraordinária plasticidade cerebral que nos permite nos adaptar a uma infinidade de nichos culturais.

Nessa visão radical, o ambiente — em especial o construído pelos cuidadores — não é um fator "externo" ao bebê, MAS UM COMPONENTE INTRÍNSECO E NECESSÁRIO DE SEU PRÓPRIO SISTEMA BIOLÓGICO E REGULATÓRIO. 

Como postulou Winnicott, "não existe tal coisa como um bebê" isolado, mas sim a díade indissociável "bebê+cuidadores", uma unidade sistêmica onde a sobrevivência e o desenvolvimento são cocriados.

Aqui chegamos no ponto principal desta postagem: o apego não é uma aquisição que acontece após a garantia da sobrevivência; ele é, desde o início da vida, o próprio mecanismo de sobrevivência, a arquitetura relacional sobre a qual se constrói todo o edifício humano.

Na realidade, a peculiar fragilidade do bebê humano, a criatura altricial mais dependente entre os primatas, não é um defeito, mas uma condição, senão, o cerne da nossa vantagem evolutiva. Forçados pela necessidade de ter o parto "adiantado" devido ao bipedalismo e ao nosso plástico cérebro crescente, nossa extrema imaturidade inicial (dada a condição oferecida pelos cuidadores/ambiente) transformou essa dependência total no próprio mecanismo de sobrevivência.

Essa dependência prolongada abriu espaço para a nossa extraordinária plasticidade cerebral, moldando-nos como mestres da conexão e do aprendizado cultural. O que a evolução esculpiu em nossa biologia coletiva — a necessidade absoluta de um vínculo seguro para sobreviver e florescer — é o mesmo fio condutor que corre do bebê pré-histórico deixado na savana até o cliente no divã!

psicoterapia, ao trabalhar esquemas de abandono ou padrões de apego ansioso, não faz mais do que acalmar o sistema de alarme desse mamífero social, oferecendo a reconexão segura à tribo que é, e sempre foi, a base de toda cura e desenvolvimento humano.

Um humano que ainda teme, no fundo, ser deixado para trás na savana da existência. E a cura é exatamente o que sempre foi: reconectar-se seguramente à tribo — mesmo que essa “tribo” seja hoje um terapeuta, um parceiro, amigos escolhidos, ou a própria relação consigo mesmo.

Essa visão encontra eco nas ideias de Carl Rogers sobre a tendência atualizante que cada pessoa carrega, em sua própria estrutura psíquica, uma força silenciosa orientada ao crescimento. Mesmo quando atravessamos períodos de confusão, dor ou defensividade, existe em nós um impulso básico de reorganização, uma busca intuitiva por maior autenticidade, saúde emocional e sentido.

Mas essa capacidade de progresso não é um projeto moral ou uma meta externa, antes é um movimento interno de autorregulação: o organismo humano, quando encontra "ambiente" para respirar, naturalmente se inclina para formas mais maduras, flexíveis e integradas de existir.

Essa potência só se manifesta plenamente em ambientes que favorecem a abertura e a confiança.

O próprio Rogers identificou três condições essenciais — empatia, aceitação incondicional e autenticidade — que funcionam como catalisadores dessa reorganização saudável. Quando alguém se sente verdadeiramente compreendido, acolhido sem julgamentos e acompanhado por uma presença genuína, suas defesas se tornam menos rígidas e a tendência atualizante ganha espaço para emergir.

A partir daí, o progresso deixa de ser esforço e passa a ser consequência: a pessoa se apropria de si mesma, amplia a consciência e encontra, de forma orgânica, caminhos mais coerentes com sua própria vida.

Podemos perceber então que o "Apego", que sempre foi uma condição inescapável dos nossos processos constituintes, foi convertido pela evolução em uma potencializadora do melhor desenvolvimento do individuo.

O humano precisa do ambiente emocional e relacional constituído pelo coletivo para   desenvolver-se como indivíduo pleno e saudável.






FICHA de AUTORES, TEORIAS E OBRAS:


        * Esta não é uma bibliografia exata, 
mas uma lista dos autores 
que me motivaram a
desenvolver as ideias deste post!


1. John Bowlby – Teoria do Apego 
Ideias-chave: Apego como mecanismo biológico de sobrevivência; busca de proximidade; vínculo como base do desenvolvimento.

Obra: Apego (vol. 1 da trilogia Apego e Perda).

2. Mary Ainsworth – Base Segura
Ideias-chave: Situação Estranha; padrões de apego (seguro, inseguro, ambivalente, evitativo).

Obra: Patterns of Attachment.

3. Donald Winnicott – Relação Mãe-Bebê
Ideias-chave: “Não existe bebê sem cuidador”; holding; ambiente suficientemente bom; díade como sistema.

Obra: O Ambiente e os Processos de Maturação.

4. Melanie Klein – Relações Objetais
Ideias-chave: Posições esquizo-paranoide e depressiva; fantasia inconsciente; dependência total inicial.

Obra: Inveja e Gratidão.

5. Carl Rogers – Psicologia Humanista
Ideias-chave: Tendência atualizante; empatia; aceitação incondicional; autenticidade; cura como reconexão segura.

Obra: Tornar-se Pessoa.

6. Owen Lovejoy – Hipótese do Obstetrício
Ideias-chave: Bipedalismo → pelve estreita → parto precoce → maior imaturidade ao nascer.

Obra (artigo): The Origin of Man (Science, 1981).

7. Super & Harkness – Nicho de Desenvolvimento
Ideias-chave: Cultura como parte do sistema de cuidado; ambiente molda práticas parentais e desenvolvimento.

Obra: Parents' Cultural Belief Systems.

8. Ed Tronick – Co-regulação
Ideias-chave: “Still Face Experiment”; rupturas e reparos; regulação emocional construída na interação.

Obra: The Neurobehavioral and Social-Emotional Development of Infants and Children.

9. Allan Schore – Neurociência Afetiva
Ideias-chave: Desenvolvimento do hemisfério direito; regulação afetiva; neurobiologia do apego.

Obra: Affect Regulation and the Origin of the Self.

10. Harry Harlow – Apego e Conforto
Ideias-chave: Conforto emocional > alimentação; importância do contato físico; base experimental do apego.

Obra (artigo): The Nature of Love (1958).

11. Mary Main – Apego Adulto
Ideias-chave: Entrevista de Apego Adulto (AAI); transmissão geracional do apego; padrões de apego adulto.

Obra: Capítulos em Attachment in the Preschool Years.

12. Daniel Stern – Mundo Interpessoal do Bebê
Ideias-chave: Self emergente; intersubjetividade; microinterações no desenvolvimento emocional.

Obra: O Mundo Interpessoal do Bebê.

13. David Bjorklund – Neotenia e Vantagem Evolutiva
Ideias-chave: Desenvolvimento prolongado como adaptação; imaturidade como vantagem cognitiva.

Obra: Children’s Thinking.

14. Urie Bronfenbrenner – Modelo Bioecológico
Ideias-chave: Desenvolvimento em múltiplos sistemas (micro, meso, exo, macro); pessoa no centro de camadas ambientais.

Obra: A Ecologia do Desenvolvimento Humano.

15. Gregory Bateson – Sistema Mente-Ambiente
Ideias-chave: Padrões relacionais; mente distribuída; interações como base de sistemas complexos.

Obra: Steps to an Ecology of Mind.

16. Fonagy & Target – Mentalização
Ideias-chave: Capacidade de perceber estados mentais; origem no apego seguro; função reflexiva; psicodinâmica moderna.

Obra: Affect Regulation, Mentalization and the Development of the Self.

17. Louis Cozolino – Cérebro Social em Terapia
Ideias-chave: Psicoterapia como reorganização neurobiológica; segurança relacional molda o cérebro.

Obra: The Neuroscience of Psychotherapy.

Sobre "Bipedalismo"!





CONVERSAS ANÔNIMAS: Porque a maioria das pessoas acha....

 



Bom... isso não é bem verdade…


Existe sim uma parte das pessoas que têm essa perspectiva e preconcepção mas não se pode afirmar que é a maioria. Talvez, no máximo, a maioria das quais você falou em sua amostra pessoal. Mas essa amostra não é significativa para além da sua população e contexto… mas a postagem NÃO é sobre isso.

De uma forma ou de outra a postagem é sobre O EFEITO DA AUTO-IMAGEM dos outros na sua PROJEÇÃO e sobre MECANISMOS DE DEFESA.

Podemos falar sobre Auto-imagem, mecanismos de defesa e projeções… Mas vamos por partes:

A auto-imagem é a representação mental que construímos de nós mesmos. Essa percepção não necessariamente está consciente de sua existência e não se baseia apenas na aparência física, mas também leva em conta nossa identidade como um todo, incluindo gestos, modo de falar, modo de vestir, ideias e sentimentos. Ela pode ser razoavelmente saudável mas pode ser muito distorcida. Isso envolve: Uma “Concepção realista de si mesmo” (autoconceito), o quanto se tem “Confiança em si mesmo”, na “Forma que nos Relaciona” com os outros, no ”Reconhecer” tanto nossas fraquezas quanto nossas habilidades e na estruturação do Amor próprio e embora a autoimagem seja geralmente estável, ela muda constantemente conforme VOCÊ MUDA.

Daí falar sobre “Os mecanismos de Defesa”, que são estratégias que seu “Eu”, de forma inconsciente, constroi para proteger a sua personalidade e até a sua “auto imagem” contra o que ela considera “ameaça”, afastando eventos que geram sofrimento da percepção consciente. Alguns dos principais mecanismos de defesa incluem o “Recalque”, a “Regressão” e a “Sublimação”... Existem muitos. São processos psíquicos que ajudam a manter o equilíbrio psicológico, mas também podem manifestar problemas.

Por exemplo A PROJEÇÃO: Na tentativa de não se sentir “diminuído” uma pessoa pode precisar “diminuir os outros”… Neste processo, características intoleráveis em si mesmo são atribuídas ao outro. Desejos e sentimentos recusados são depositados no outro, como se fossem dele. Em termos de mecanismo de defesa, a inveja pode ser uma maneira de lidar com sentimentos de inferioridade, transferindo-os para o objeto de inveja.

Isso quer dizer o quê?

Que existem sim funcionários públicos com auto estima deslocada (cheios de si), mas estão longe de serem a maioria.

Existe um número muito maior de trabalhadores privados… e a possibilidade de existir um número muito maior de funcionários PRIVADOS com auto estima deslocada (cheios de si) é grande.

Existe uma FANTASIA em torno do funcionalismo público, assim como parte da população acredita que existem MUITOS engenheiros e advogados trabalhando como UBER por não existirem campos bem remunerados para eles em seus campos de formação.

Entende o ponto? Tudo está focado onde projetamos nossa fantasia como parâmetro!

A fantasia aqui se refere a uma percepção idealizada ou irrealista. No contexto do funcionalismo público, muitas pessoas acreditam que trabalhar no setor público é mais estável, seguro e bem remunerado do que em outras áreas.

Da mesma forma: muitos profissionais qualificados (engenheiros e advogados) que não encontram oportunidades bem remuneradas em suas áreas de formação e, portanto, recorrem a empregos alternativos, como dirigir para o Uber.

Isso pode ser verdade em alguns casos, mas não é uma regra geral.

É uma IDEALIZAÇÃO! A percepção sobre o funcionalismo público e as oportunidades de emprego para engenheiros e advogados são complexas e variadas. É importante considerar as nuances e não generalizar com base em estereótipos ou ideias preconcebidas.

A VERDADEIRA "Cultura do Estupro" do Brasileiro!





Mas, por favor, tentem assistir o vídeo
do link antes de ler este texto!

 Dito isso... Vamos tratar de coisas

 terrivelmente dolorosas.

Deixo o alerta aqui!

Sejam fortes... Mas sigamos:


  • A cada HORA: 5 crianças são estupradas!

  • A cada 12 MINUTOS: 1 criança é violentada sexualmente!


Ana Paula Padrão tem usado sua voz e suas redes sociais para clamar por um dos temas mais dolorosos do Brasil. Ela não fala de um lugar teórico, mas de um lugar de indignação frente a uma realidade brutal que muitos preferem ignorar. O cerne da mensagem dela é um soco no estômago: enquanto setores da sociedade e do Congresso tentam criar um pânico moral em torno de um suposto "abuso do direito ao aborto", estamos falhando colossalmente em enfrentar a verdadeira epidemia que devora nossas crianças e mulheres – a do estupro.

Ela vai direto aos números, usando dados oficiais para mostrar que a crise é real, enche estatísticas e destrói vidas silenciosamente, é a crise da violência sexual. A tal "cultura do estupro" não é uma abstração; é um mecanismo concreto que funciona em dois tempos. Primeiro, o crime em si, que majoritariamente acontece dentro de casa, cometido por alguém de confiança. Depois, vem a segunda violência: a cultura do silêncio. Onde o medo, a vergonha e a certeza de que, ao denunciar, a vítima será revitimizada – interrogada, duvidada e transformada de acusadora em acusada por uma sociedade que ainda pergunta "o que você estava vestindo?".

Foi nesse contexto que ela mirou sua crítica contra o chamado "PL do Aborto". A proposta de punir com "penas de homicídio" o aborto mesmo no caso do "aborto legal", nos casos de estupro após 22 semanas, mostrando que não é apenas uma questão política, mas um ato de profunda crueldade.

É a confirmação final de que um sistema distorcido está disposto a punir uma vítima – frequentemente uma criança estuprada – com mais rigor do que o próprio estuprador.

É o conservadorismo distorcido do Brasil de 2025, mostrando sua face mais perversa: em vez de proteger quem sofreu a violência, escolhe castigá-la novamente, insistindo em um sofrimento obrigatório.

Em essência, o que Padrão faz é um apelo urgente para virarmos esse jogo. Ela clama por uma sociedade que tenha a coragem de nomear o problema real, que pare de proteger agressores em nome de uma "honra" falsa e que, finalmente, coloque seu peso e sua compaixão ao lado de quem realmente precisa: as vítimas que carregam um trauma que a lei e o preconceito, muitas vezes, insistem em agravar.



NÚMERO DE DENÚNCIAS DE ESTUPRO DE MENORES NO BRASIL DESDE 2011.
*Este número se estima SUBNOTIFICADO!



A alarmante prevalência de crimes sexuais contra menores dentro do ambiente doméstico revela muito mais do que uma mera estatística geográfica; ela expõe um ecossistema perverso sustentado por uma cultura do silêncio e por uma estrutura social conservadora que, mesmo sem intenção, atua como cúmplice.

O agressor, longe de ser um transgressor impulsivo, é um estrategista que calculadamente se posiciona em núcleos de confiança (seja a família, a igreja ou a comunidade) precisamente porque compreende que esses ambientes oferecem a dupla proteção!

Por um lado dá acesso à vítima!

Por outro o "muro de omertá"! Que pactua a conivência e que o cercará a dispeito do que se faça!

O abusador explora a previsibilidade dos rituais familiares, a autoridade inquestionável conferida aos pais e líderes religiosos, e, acima de tudo, o tabu social que trata a sexualidade infantil como um assunto proibido. Esse tabu, que deveria proteger a inocência, paradoxalmente a desprotege: ao tornar o tema indizível, ele amarra a língua das vítimas e cega os adultos ao seu redor, criando o cenário perfeito para que a violência se instale e se perpetue longe dos olhos do mundo.

O Mecanismo de Poder e a Blindagem Sociocultural

A perpetuação desses crimes é sustentada por um sofisticado mecanismo de poder que encontra terreno fértil em uma sociedade conservadora.

Esta, ao priorizar a "honra" da família e a imagem da instituição acima do bem-estar individual da criança, efetivamente blinda o agressor e pune a vítima. A "cultura do silêncio" não é uma ausência de voz, mas uma presença ativa de mecanismos de coerção.

O agressor manipula esses valores sociais—como a sacralidade do lar, a autoridade paternal ou a infalibilidade moral do líder religioso—para invalidar a narrativa da vítima.

Frases como "não manche o nome da nossa família" ou "isso é um pecado que devemos esquecer" não são apenas manipulações individuais; são a expressão de um código social tóxico que transforma a vítima em culpada pela desestabilização da ordem estabelecida.

Psicologicamente, esse ambiente gera na criança uma profunda dissonância entre sua experiência traumática e a pressão para manter a harmonia aparente, resultando em um sofrimento internalizado que pode se manifestar em silêncio, vergonha e autodesvalorização ao longo da vida.

Em contextos religiosos, essa dinâmica é potencializada ao extremo. A figura do líder espiritual, já revestida de autoridade divina e moral inquestionável em uma sociedade conservadora, torna-se um agressor quase imune. Ele utiliza a doutrina e a fé não como escudo, mas como uma lâmina de duplo fio: para cometer o abuso, espiritualizando-o como  um "teste de fé", e para garantir o silêncio, ameaçando a vítima com o fogo do inferno ou a exclusão da comunidade.

A própria estrutura conservadora, que prega a obediência cega e a submissão à autoridade, desarma a vítima e sua família, que veem no questionamento uma falta de fé e não um ato de legítima defesa.

A cultura do silêncio aqui é sacramentada, tornando-se um mandamento religioso. A vítima é forçada a conciliar o abjeto com o sagrado, uma operação psicológica devastadora que corrói sua identidade, sua fé e sua sanidade, enquanto o agressor permanece protegido pelo manto da instituição e pelo pacto de silêncio de uma comunidade que se recusa a enxergar o mal em seu próprio altar.

O problema da violência e do silêncio institucional constitui uma patologia social enraizada, transcendendo a mera falha moral. A reforçada cultura do silêncio e a subsequente revitimização institucional atuam como sintomas de um trauma coletivo crônico, expondo uma desconexão fundamental entre a sociedade e as necessidades de proteção de seus membros mais vulneráveis. Ao silenciarmos a vítima, o corpo social involuntariamente reforça o mecanismo destrutivo que prioriza uma falsa harmonia em detrimento da verdade, garantindo que a violência ignorada se torne uma força autodestrutiva que consome a própria coletividade.

Em sua essência, essa dinâmica é sustentada pelo que eu reconheço como Esquemas Sociais Desadaptativos, caracterizados pela primazia da honra superficial sobre o bem-estar real das vítimas.

A cegueira e a inação institucional representam um "Modo de Enfrentamento" tóxico em escala civilizatória, no qual a sociedade perpetua o ciclo de violência para preservar hierarquias rígidas e evitar o conflito inerente à verdade. A ruptura desse ciclo exige, portanto, uma reprogramação coletiva profunda: é necessário substituir esses esquemas desadaptativos por uma base de proteção incondicional dos vulneráveis, validando a experiência da vítima como o ponto de partida essencial para a cura tanto individual quanto social.







Estratégias ou modos de enfrentamento (coping) são os esforços conscientes e intencionais que as pessoas usam para lidar com estresse, adversidades e desafios da vida, buscando adaptação e bem-estar. Elas podem se concentrar na resolução do problema (enfrentamento focado no problema) ou na gestão das emoções (enfrentamento focado na emoção), como por exemplo, buscar apoio social, planejar soluções, aceitar a situação, fazer exercícios físicos ou buscar distração.


 

Altas habilidades e superdotação pode ser "bom", não...

A crença de que a Altas Habilidades ou Superdotação (AH/SD) é uma garantia de sucesso é um equívoco comum e perigoso. Longe de ser um "passe de vitória", essa condição neurodivergente envolve uma série de paradoxos e desafios profundos, tanto adaptativos quanto emocionais.

O Descompasso entre Potencial e Ambiente








Frequentemente, espera-se que o superdotado seja um aluno exemplar, mas a realidade é marcada por um desalinhamento entre suas capacidades e o ambiente. Na escola, onde a padronização é a regra, a criança com AH/SD pode se sentir deslocada e desmotivada. Seus interesses intelectuais avançados e seu ritmo de aprendizado acelerado não encontram eco em um currículo rígido, levando a um ciclo de tédio, desatenção e, por vezes, à percepção errônea de que é preguiçosa ou rebelde.


Qualidades intrínsecas são, assim, mal interpretadas:

  • Rapidez de raciocínio vira "desatenção".

  • Curiosidade e questionamento são vistos como "desafio à autoridade".

  • Alta energia mental é confundida com sintomas de TDAH.

Sem o acolhimento adequado, a criança pode ser enquadrada como um problema ou, pior, aprender a suprimir suas próprias habilidades para tentar se encaixar.

A Mente Intensa

Os obstáculos vão além do ambiente externo. Internamente, a experiência da superdotação é intensa e complexa, o que pode ser explicado por alguns conceitos fundamentais:

A Assincronia: É comum que a capacidade intelectual esteja muito à frente da maturidade emocional. Imagine uma criança que discute buracos negros, mas tem uma crise de frustração por perder um jogo. Esse descompasso gera angústia e uma pergunta constante: "Se sou tão inteligente, por que não consigo me controlar?"

A Hiperexcitabilidade (Teoria de Dabrowski): Não se trata de "frescura", mas de uma forma intensificada de experienciar o mundo.

Essa supersensibilidade pode se manifestar de várias formas:

  • Emocional: Emoções profundas e uma empatia avassaladora.

  • Intelectual: Uma fome insaciável por perguntas e conhecimento.

  • Imaginacional: Uma riqueza de fantasia e pensamento visual.

  • Sensorial: Incômodo com sons, luzes ou texturas.

  • Psicomotora: Energia inesgotável e necessidade de movimento.

A Armadilha do Perfeccionismo: Acostumado a aprender com facilidade, o indivíduo pode desenvolver um medo paralisante do fracasso. Isso leva a comportamentos como a evasão de desafios, a autossabotagem (como a procrastinação) e a Síndrome do Impostor — a crença de que seu sucesso é uma fraude.

A Solidão do Diferente: A dificuldade de conexão social é real. Enquanto os pares conversam sobre assuntos comuns, a pessoa com AH/SD pode se interessar por temas atípicos, como filosofia ou astrofísica. Essa diferença de interesses, somada a uma possível dificuldade em decifrar as nuances sociais, pode gerar um profundo sentimento de isolamento e solidão existencial.

A Identificação Tardia e o Como Seguir a Diante?

Diante desse cenário, não é raro que a AH/SD passe despercebida. Muitos adultos só descobrem sua condição após uma vida se sentindo "fora do lugar". O foco excessivo nas notas altas na escola ignora os casos de "dupla excepcionalidade" — quando a superdotação coexiste com condições como TDAH ou dislexia —, onde um talento mascarado pelas dificuldades.

Portanto, a intervenção adequada vai muito além de simplesmente "acelerar" o conteúdo. É necessário um apoio multidimensional que inclui:

  • Desafios intelectuais significativos para engajar a mente.

  • Suporte socioemocional para gerenciar a intensidade de sentimentos e o perfeccionismo.

  • Mentoria e comunidade para conectar o indivíduo com pares que compartilhem interesses similares.

  • Psicoeducação para que a pessoa compreenda seu próprio funcionamento mental, transformando a luta em autoconhecimento e força.

Em última análise, a Altas Habilidades ou Superdotação é uma forma singular de ser. Reconhecer seus desafios não é negar seu potencial, mas sim validar a complexidade da experiência humana e abrir caminho para que essas mentes brilhantes possam, de fato, florescer.


https://www.youtube.com/shorts/fqVjHgUkD6Q




 Neste vídeo o psicólogo Jean relata sua própria trajetória de buscar um diagnóstico (recebendo rótulos como autismo, TDAH, TOC, bipolaridade) e como descobriu as AH, tornando-se especialista e nichando seu atendimento para essas pessoas.



CONVERSAS ANÔNIMAS: "FÉ" PRECISA DE RELIGIÇÃO OU DEUSES?

  Uma pergunta PRIMOROSA que precisar ser abordada em cada parte individualmente! Pretendo manter a melhor conexão com os temas centrais, qu...