A COMPLICADA ARTE DE VER de Rubem Alves!


A COMPLICADA ARTE DE VER

Rubem Alves


Ela entrou, deitou-se no divã e disse: “Acho que estou ficando louca”.
Eu fiquei em silêncio aguardando que ela me revelasse os sinais da sua loucura. “Um dos meus prazeres é cozinhar. Vou para a cozinha, corto as cebolas, os tomates, os pimentões – é uma alegria!


Entretanto, faz uns dias, eu fui para a cozinha para fazer aquilo que já fizera centenas de vezes: cortar cebolas. Ato banal sem surpresas. Mas, cortada a cebola, eu olhei para ela e tive um susto. Percebi que nunca havia visto uma cebola. Aqueles anéis perfeitamente ajustados, a luz se refletindo neles: tive a impressão de estar vendo a rosácea de um vitral de catedral gótica.

De repente, a cebola, de objeto a ser comido, se transformou em obra de arte para ser vista! E o pior é que o mesmo aconteceu quando cortei os tomates, os pimentões… Agora, tudo o que vejo me causa espanto.”

Ela se calou, esperando o meu diagnóstico. Eu me levantei, fui à estante de livros e de lá retirei as “Odes Elementales”, de Pablo Neruda. Procurei a “Ode à Cebola” e lhe disse: “Essa perturbação ocular que a acometeu é comum entre os poetas. Veja o que Neruda disse de uma cebola igual àquela que lhe causou assombro: ‘Rosa de água com escamas de cristal’. Não, você não está louca. Você ganhou olhos de poeta… Os poetas ensinam a ver”.

Ver é muito complicado. Isso é estranho porque os olhos, de todos os órgãos dos sentidos, são os de mais fácil compreensão científica. A sua física é idêntica à física óptica de uma máquina fotográfica: o objeto do lado de fora aparece refletido do lado de dentro. Mas existe algo na visão que não pertence à física.

William Blake sabia disso e afirmou: “A árvore que o sábio vê não é a mesma árvore que o tolo vê”. Sei disso por experiência própria. Quando vejo os ipês floridos, sinto-me como Moisés diante da sarça ardente: ali está uma epifania do sagrado.

Mas uma mulher que vivia perto da minha casa decretou a morte de um ipê que florescia à frente de sua casa porque ele sujava o chão, dava muito trabalho para a sua vassoura. Seus olhos não viam a beleza. Só viam o lixo.

Adélia Prado disse: “Deus de vez em quando me tira a poesia. Olho para uma pedra e vejo uma pedra”. Drummond viu uma pedra e não viu uma pedra. A pedra que ele viu virou poema.

Há muitas pessoas de visão perfeita que nada vêem.

“Não é bastante não ser cego para ver as árvores e as flores. Não basta abrir a janela para ver os campos e os rios”, escreveu Alberto Caeiro, heterônimo de Fernando Pessoa. O ato de ver não é coisa natural. Precisa ser aprendido.

Nietzsche sabia disso e afirmou que a primeira tarefa da educação é ensinar a ver. O zen-budismo concorda, e toda a sua espiritualidade é uma busca da experiência chamada “satori”, a abertura do “terceiro olho”. Não sei se Cummings se inspirava no zen-budismo, mas o fato é que escreveu: “Agora os ouvidos dos meus ouvidos acordaram e agora os olhos dos meus olhos se abriram”.

Há um poema no Novo Testamento que relata a caminhada de dois discípulos na companhia de Jesus ressuscitado. Mas eles não o reconheciam. Reconheceram-no subitamente: ao partir do pão, “seus olhos se abriram”.

Vinicius de Moraes adota o mesmo mote em “Operário em Construção”: “De forma que, certo dia, à mesa ao cortar o pão, o operário foi tomado de uma súbita emoção, ao constatar assombrado que tudo naquela mesa – garrafa, prato, facão – era ele quem fazia. Ele, um humilde operário, um operário em construção”.

A diferença se encontra no lugar onde os olhos são guardados. Se os olhos estão na caixa de ferramentas, eles são apenas ferramentas que usamos por sua função prática. Com eles vemos objetos, sinais luminosos, nomes de ruas – e ajustamos a nossa ação. O ver se subordina ao fazer. Isso é necessário. Mas é muito pobre.

Os olhos não gozam… Mas, quando os olhos estão na caixa dos brinquedos, eles se transformam em órgãos de prazer: brincam com o que vêem, olham pelo prazer de olhar, querem fazer amor com o mundo.
Os olhos que moram na caixa de ferramentas são os olhos dos adultos. Os olhos que moram na caixa dos brinquedos, das crianças. Para ter olhos brincalhões, é preciso ter as crianças por nossas mestras.

Alberto Caeiro disse haver aprendido a arte de ver com um menininho, Jesus Cristo fugido do céu, tornado outra vez criança, eternamente: “A mim, ensinou-me tudo. Ensinou-me a olhar para as coisas. Aponta-me todas as coisas que há nas flores. Mostra-me como as pedras são engraçadas quando a gente as têm na mão e olha devagar para elas”.

Por isso – porque eu acho que a primeira função da educação é ensinar a ver – eu gostaria de sugerir que se criasse um novo tipo de professor, um professor que nada teria a ensinar, mas que se dedicaria a apontar os assombros que crescem nos desvãos da banalidade cotidiana. Como o Jesus menino do poema de Caeiro. Sua missão seria partejar “olhos vagabundos”…




Rubem Alves – Educador e escritor.
Texto originalmente publicado no caderno “Sinapse”, jornal “Folha de S. Paulo”, em 26/10/2004.


Terapia Focada nas Emoções (TFE)

 

A Terapia Focada nas Emoções (TFE) é um modelo terapêutico que tem se destacado nos últimos anos por sua abordagem inovadora e eficaz para tratar diversos problemas psicológicos. Essa abordagem, que coloca as emoções no centro do processo terapêutico, foi desenvolvida principalmente pelo psicólogo canadense Leslie Greenberg e seus colaboradores.

Greenberg, influenciado por teorias humanistas como a de Carl Rogers, observou que as emoções desempenham um papel fundamental na experiência humana e na psicoterapia. Ele percebeu que muitas vezes as pessoas evitam ou reprimem suas emoções, o que pode levar a dificuldades emocionais e relacionais. A partir dessa observação, Greenberg e sua equipe começaram a desenvolver um modelo terapêutico que valorizasse a experiência emocional e que ajudasse as pessoas a conectar-se com suas emoções de forma mais profunda e significativa.

Principais Características e Técnicas da TFE

A TFE se caracteriza por algumas técnicas e ferramentas específicas, que visam auxiliar os pacientes a:

  • Identificar e expressar emoções: A TFE incentiva os pacientes a identificarem e expressarem suas emoções de forma clara e precisa. Através de exercícios e diálogos, o terapeuta ajuda o paciente a reconhecer as nuances de suas emoções e a encontrar as palavras adequadas para descrevê-las.
  • Explorar o significado das emoções: A TFE busca compreender o significado das emoções do paciente no contexto de sua vida. Ao explorar as experiências passadas e presentes que estão relacionadas às emoções, o terapeuta ajuda o paciente a construir uma compreensão mais profunda de si mesmo e de suas dificuldades.
  • Modificar padrões emocionais disfuncionais: A TFE visa modificar padrões emocionais disfuncionais que podem estar contribuindo para o sofrimento do paciente. Através de diversas técnicas, como a reestruturação cognitiva e a exposição gradual, o terapeuta ajuda o paciente a desenvolver novas formas de lidar com suas emoções e a construir relacionamentos mais saudáveis.
  • Fortalecer a conexão emocional: A TFE enfatiza a importância da conexão emocional entre o terapeuta e o paciente. Através de uma relação terapêutica empática e acolhedora, o terapeuta cria um espaço seguro para que o paciente explore suas emoções mais profundas.

Algumas das principais técnicas utilizadas na TFE incluem:

  • Empatia: O terapeuta demonstra empatia e compreensão pelas emoções do paciente.
  • Reflexão: O terapeuta reflete as emoções e experiências do paciente para ajudá-lo a se conectar mais profundamente com suas emoções.
  • Amplificação: O terapeuta ajuda o paciente a intensificar a experiência emocional, permitindo uma exploração mais profunda.
  • Enfraquecimento: O terapeuta ajuda o paciente a diminuir a intensidade de emoções dolorosas, facilitando a elaboração.
  • Reestruturação cognitiva: O terapeuta ajuda o paciente a identificar e modificar pensamentos disfuncionais que estão relacionados às emoções.
  • Exposição gradual: O terapeuta expõe o paciente gradualmente a situações que evocam emoções desafiadoras, ajudando-o a desenvolver novas formas de lidar com elas.

Em resumo, a Terapia Focada nas Emoções é uma abordagem terapêutica que tem se mostrado eficaz para tratar uma variedade de problemas emocionais. Ao se concentrar na experiência emocional do paciente, a TFE oferece um caminho para o crescimento pessoal e a resolução de conflitos internos.

Domínios na Terapia do Esquema: Uma Visão Geral

A Terapia do Esquema é uma abordagem mais integrativa que incorpora elementos da Terapia Cognitivo Comportamental, teoria psicanalítica, terapia Gestalt e terapia focada nas emoções. Ela se concentra em modificar esquemas disfuncionais e estilos de enfrentamento "mal-adaptativos". Ambas as terapias compartilham o objetivo comum de melhorar a saúde mental e o bem-estar.

Domínios na Terapia do Esquema: Uma Visão Geral

Na Terapia do Esquema, os domínios são agrupamentos de esquemas disfuncionais precoces (EDPs), que são padrões de pensamento e comportamento negativos e inflexíveis que se desenvolvem na infância e persistem na vida adulta. Esses esquemas podem ter um impacto significativo na forma como as pessoas percebem a si mesmas, os outros e o mundo ao redor.

Cada domínio representa um conjunto de experiências e crenças disfuncionais que se relacionam entre si. Por exemplo, o domínio "Desconexão e Rejeição" engloba esquemas relacionados à sensação de não ser amado, de ser rejeitado ou de não ser suficientemente bom. Já o domínio "Limites Prejudicados" se refere a dificuldades em estabelecer limites e em dizer "não".


Compreender a qual domínio um esquema pertence ajuda o terapeuta a identificar as raízes do problema e a desenvolver estratégias terapêuticas mais eficazes.

A divisão em domínios ajuda a organizar e compreender a complexidade dos EDPs, facilitando o processo terapêutico.


Os Principais Domínios da Terapia do Esquema

Os domínios da Terapia do Esquema são divididos em cinco grandes grupos:

  1. Desconexão e Rejeição: Relacionado à sensação de frustração em relação às expectativas de segurança, estabilidade, carinho, empatia, compartilhamento de sentimentos, aceitação e consideração.   

    • Exemplos de esquemas: Abandono/instabilidade, desconfiança/abuso, privação emocional, defectividade/vergonha, isolamento social/alienação.
  2. Autonomia e Desempenho Prejudicados: Relacionado a dificuldades em se separar dos outros, em tomar decisões independentes e em alcançar metas.   

    • Exemplos de esquemas: Dependência/incompetência, vulnerabilidade a danos ou doenças, enredamento/submergência, falha, dependência emocional.
  3. Limites Prejudicados: Relacionado a dificuldades em estabelecer limites saudáveis, tanto em relação a si mesmo quanto aos outros.

    • Exemplos de esquemas: Arrogo/grandiosidade, autocontrole/autodisciplina insuficientes, submissão, auto-sacrifício.
  4. Orientação para os Outros: Relacionado a dificuldades em expressar e satisfazer as próprias necessidades, em favor das necessidades dos outros.

    • Exemplos de esquemas: Submissão, auto-sacrifício, aprovação dos outros.
  5. Hipervigilância e Inibição: Relacionado a uma postura excessivamente cautelosa e inibida, com medo de cometer erros ou de ser rejeitado.

    • Exemplos de esquemas: Negação de necessidades emocionais, padrões rígidos, punição, negatividade/pessimismo.



É importante ressaltar que:

  • Um indivíduo pode apresentar mais de um esquema: É comum que as pessoas tenham múltiplos esquemas disfuncionais, pertencentes a diferentes domínios.

  • Os esquemas podem se manifestar de formas diferentes: A forma como os esquemas se manifestam pode variar de pessoa para pessoa, dependendo de fatores como a personalidade, a história de vida e o contexto cultural.
  • A Terapia do Esquema visa modificar os esquemas disfuncionais: Através de diversas técnicas, como a reestruturação cognitiva, a terapia de exposição e a tarefa de casa, o terapeuta ajuda o paciente a identificar e modificar seus esquemas disfuncionais, promovendo mudanças duradouras em sua vida.


Ao compreender os domínios da Terapia do Esquema, é possível ter uma visão mais clara sobre como os esquemas disfuncionais se desenvolvem e como eles podem afetar a vida das pessoas.

Aprofundando! É importante ressaltar que os esquemas desadaptativos são aprendidos e podem ser modificados através da terapia.


1. Esquemas Desadaptativos no Domínio Desconexão e Rejeição

Os esquemas desadaptativos do domínio Desconexão e Rejeição são crenças negativas e duradouras sobre si mesmo e os outros, que se desenvolvem na infância e adolescência e influenciam a forma como a pessoa se relaciona com o mundo ao longo da vida.

As principais causas para o desenvolvimento desses esquemas incluem:

  • Experiências de abandono ou perda: A perda de um pai, divórcio dos pais, ou outras perdas significativas na infância podem levar à crença de que as pessoas importantes podem ir embora a qualquer momento.
  • Negligência emocional: A falta de atenção, afeto e cuidado dos pais ou cuidadores pode gerar a sensação de que não se é amado ou valorizado.
  • Abuso emocional, físico ou sexual: Essas experiências traumáticas podem levar à desconfiança profunda nas pessoas e à crença de que o mundo é um lugar perigoso.
  • Rejeição social: Ser rejeitado ou excluído por pares na infância ou adolescência pode reforçar a crença de que não se é querido ou aceito.
  • Modelagem parental: Se as figuras parentais demonstram comportamentos inseguros, dependentes ou evitativos, a criança pode internalizar esses padrões de relacionamento.
  • Temperamento: Algumas crianças podem ser mais vulneráveis ao desenvolvimento desses esquemas devido a características temperamentais como timidez ou sensibilidade.

Consequências dos esquemas desadaptativos no domínio Desconexão e Rejeição:

  • Dificuldade em estabelecer relacionamentos: Pessoas com esses esquemas podem ter dificuldade em confiar nos outros, temer a intimidade e evitar situações sociais.
  • Baixa autoestima: A crença de que não é bom o suficiente pode levar a uma baixa autoestima e a sentimentos de inferioridade.
  • Ansiedade e depressão: A preocupação constante com o abandono e a rejeição pode gerar ansiedade e depressão.
  • Comportamentos autodestrutivos: Em alguns casos, as pessoas podem adotar comportamentos de risco, como abuso de substâncias, para lidar com a dor emocional.


2. Esquemas Desadaptativos no Domínio Autonomia e Desempenho Prejudicados: 

Pessoas com essas crenças limitam a autonomia e a capacidade de alcançar metas, gerando sentimentos de incompetência e dependência.

Causas comuns para o desenvolvimento desses esquemas:

  • Experiências de fracasso: Experiências repetidas de fracasso, tanto na escola quanto em outras áreas da vida, podem levar à crença de que não se é capaz de ter sucesso.
  • Proteção excessiva: Pais superprotetores que não permitem que os filhos enfrentem desafios podem gerar a crença de que são incapazes de lidar com as dificuldades da vida.
  • Críticas excessivas: Críticas constantes e humilhações podem minar a autoconfiança da criança e levar à crença de que não é boa o suficiente.
  • Comparação com outros: Ser constantemente comparado a outros, especialmente irmãos mais velhos ou colegas mais bem-sucedidos, pode gerar sentimentos de inferioridade.
  • Modelagem parental: Observar os pais como pessoas inseguras ou dependentes pode levar a criança a internalizar esses comportamentos.

Consequências dos esquemas desadaptativos no domínio Autonomia e Desempenho Prejudicados:

  • Dificuldade em tomar decisões: Pessoas com esses esquemas podem ter dificuldade em tomar decisões, pois acreditam que não são capazes de fazer escolhas corretas.
  • Procrastinação: A procrastinação pode ser uma forma de evitar o fracasso e confirmar as crenças negativas sobre si mesmo.
  • Medo de falhar: O medo do fracasso pode levar a pessoa a evitar desafios e novas oportunidades.
  • Baixa autoestima: A crença de que não é capaz pode levar a uma baixa autoestima e a sentimentos de inferioridade.
  • Dependência de outros: A pessoa pode se tornar dependente de outras pessoas para tomar decisões e resolver problemas.

Exemplos de esquemas desadaptativos nesse domínio:

  • Fracaso: "Eu nunca sou bom o suficiente."
  • Dependência/Incompetência: "Eu não consigo fazer nada sozinho."
  • Vulnerabilidade ao dano ou doença: "Algo de ruim sempre acontece comigo."
  • Emaranhamento: "Eu não consigo me separar dos outros."


3. Esquemas Desadaptativos no Domínio Limites Prejudicados: 

Pessoas com esses esquemas tendem a ter dificuldade em dizer não, em expressar suas necessidades e em impor limites saudáveis.

Causas comuns para o desenvolvimento desses esquemas:

  • Falta de limites na infância: Crianças que cresceram em ambientes onde os limites não eram claramente definidos ou onde eram inconsistentes podem desenvolver a crença de que não precisam respeitar limites ou de que podem fazer o que quiserem.
  • Pais superprotetores: Pais que protegem excessivamente seus filhos, impedindo-os de enfrentar as consequências de suas ações, podem gerar a crença de que não precisam ser responsáveis por suas escolhas.
  • Pais permissivos: Pais que não impõem limites ou que são muito indulgentes podem criar a sensação de que as próprias necessidades são mais importantes que as dos outros.
  • Modelagem parental: Observar os pais como pessoas que não respeitam limites ou que são excessivamente submissas pode levar a criança a internalizar esses comportamentos.
  • Abuso ou negligência: Experiências de abuso ou negligência na infância podem levar a criança a desenvolver um senso de desamparo e a acreditar que não tem controle sobre sua própria vida.

Consequências dos esquemas desadaptativos no domínio Limites Prejudicados:

  • Dificuldade em dizer não: Pessoas com esses esquemas podem ter dificuldade em dizer não a pedidos e exigências dos outros, mesmo quando isso as prejudica.
  • Dificuldade em expressar suas necessidades: Elas podem ter dificuldade em comunicar suas próprias necessidades e desejos, temendo rejeição ou conflitos.
  • Problemas em relacionamentos: A dificuldade em estabelecer limites pode levar a relacionamentos desequilibrados, onde a pessoa se sente explorada ou sobrecarregada.
  • Baixa autoestima: A crença de que não é importante ou de que suas necessidades não são válidas pode levar a uma baixa autoestima.
  • Comportamentos impulsivos: A falta de autocontrole pode levar a comportamentos impulsivos e a dificuldades em alcançar metas de longo prazo.

Exemplos de esquemas desadaptativos nesse domínio:

  • Autocontrole/autodisciplina insuficientes: "Eu não consigo resistir à tentação."
  • Submissão: "Eu sempre coloco as necessidades dos outros em primeiro lugar."
  • Grandiosidade/arrogo: "Eu mereço ser tratado de forma especial."

4. Esquemas Desadaptativos no Domínio Orientação para os Outros: 

 Pessoas com esses esquemas tendem a colocar as necessidades dos outros em primeiro lugar, negligenciando as próprias.

Causas comuns para o desenvolvimento desses esquemas:

  • Condições de aceitação condicional: Crianças que cresceram em ambientes onde a aprovação e o amor dos pais estavam condicionados a um bom comportamento ou ao cumprimento de expectativas podem desenvolver a crença de que suas necessidades só serão atendidas se elas se submeterem aos outros.
  • Modelagem parental: Observar os pais como pessoas que se sacrificam em excesso pelos outros ou que negligenciam suas próprias necessidades pode levar a criança a internalizar esses comportamentos.
  • Abuso emocional: Crianças que sofreram abuso emocional podem desenvolver a crença de que não são importantes e que precisam se sacrificar para agradar aos outros.
  • Necessidade de aprovação: A necessidade constante de aprovação dos outros pode levar a pessoa a se submeter aos desejos dos outros, mesmo quando isso a prejudica.

Consequências dos esquemas desadaptativos no domínio Orientação para os Outros:

  • Submissão: Dificuldade em dizer não e em estabelecer limites saudáveis.
  • Autossacrifício: Tendência a colocar as necessidades dos outros em primeiro lugar, mesmo quando isso significa negligenciar as próprias.
  • Dificuldade em expressar as próprias necessidades: Medo de ser rejeitado ou de causar conflitos ao expressar suas próprias necessidades.
  • Baixa autoestima: Crença de que não é importante ou de que suas necessidades não são válidas.
  • Ressentimento: Sentimentos de ressentimento em relação às pessoas que se beneficiam do seu autossacrifício.

Exemplos de esquemas desadaptativos nesse domínio:

  • Subjulgação: "Eu sempre coloco as necessidades dos outros em primeiro lugar."
  • Autossacrifício: "Eu me sacrifico para que os outros sejam felizes."
  • Busca de aprovação: "Eu preciso da aprovação dos outros para me sentir bem."

5. Esquemas Desadaptativos no Domínio Hipervigilância e Inibição: 

Pessoas com esses esquemas tendem a ser excessivamente vigilantes, a esperar o pior e a inibir suas emoções e desejos.

Causas comuns para o desenvolvimento desses esquemas:

  • Ambiente imprevisível: Crianças que cresceram em ambientes instáveis, onde os pais eram imprevisíveis ou inconsistentes em suas ações, podem desenvolver a crença de que o mundo é um lugar perigoso e imprevisível.
  • Abuso ou negligência: Experiências de abuso físico, emocional ou sexual na infância podem levar à crença de que o mundo é um lugar hostil e que as pessoas não são confiáveis.
  • Trauma: Qualquer evento traumático, como um acidente grave ou a perda de um ente querido, pode desencadear o desenvolvimento desses esquemas.
  • Modelagem parental: Observar os pais como pessoas ansiosas, cautelosas ou desconfiadas pode levar a criança a internalizar esses comportamentos.

Consequências dos esquemas desadaptativos no domínio Hipervigilância e Inibição:

  • Ansiedade: Preocupação excessiva com o futuro e com possíveis perigos.
  • Depressão: Sentimentos de tristeza, pessimismo e desespero.
  • Isolamento social: Tendência a evitar situações sociais por medo de ser julgado ou rejeitado.
  • Dificuldade em confiar nos outros: Dificuldade em estabelecer relacionamentos íntimos por medo de ser traído ou machucado.
  • Problemas físicos: A ansiedade crônica pode levar a problemas físicos, como dores de cabeça, problemas gastrointestinais e insônia.

Exemplos de esquemas desadaptativos nesse domínio:

  • Perigo no mundo: "O mundo é um lugar perigoso e eu preciso estar sempre alerta."
  • Defectividade/vergonha: "Eu sou inferior aos outros e vou falhar."
  • Isolamento social: "Ninguém me entende ou me aceita."

Idosos trocam suas casas por ‘COMUNAS’ para envelhecerem junto com os amigos que fizeram ao longo da vida

Escrito por Gabriel Pietro -25 de outubro de 2024

Tacos de salmão e alface estão no cardápio de Tesha Martínez em “La Guancha”, o primeiro projeto de moradia comunitária para idosos mexicanos que desconfiam de lares de idosos e defendem sua independência. Professora aposentada de 65 anos, Martínez, e seu marido Francisco Vigil, 61, trocaram sua casa na agitada Cidade do México por essa comunidade em Malinalco, uma pacata cidade turística a cerca de 100 quilômetros da capital.










Com o passar dos anos, muitos idosos têm buscado alternativas inovadoras para garantir qualidade de vida e independência. Um exemplo disso é o casal Tesha Martínez e Francisco Vigil, que decidiram trocar a agitação da Cidade do México pela tranquilidade de Malinalco, onde fazem parte de uma comunidade colaborativa para idosos.


Em vez de lares de repouso tradicionais, esses grupos escolhem morar em “repúblicas” – comunidades organizadas por eles mesmos, nas quais compartilham responsabilidades, despesas e momentos de lazer.


Martínez, uma professora aposentada de 65 anos, e Vigil, ex-trabalhador da indústria automotiva de 61, se uniram a outros 28 idosos para criar um ambiente onde possam envelhecer com autonomia e apoio mútuo.


O projeto, chamado “La Guancha”, é o primeiro desse tipo no México, e foi construído em um terreno cercado por florestas e montanhas. Até o momento, seis casas já foram erguidas com recursos das aposentadorias e economias dos moradores, com planos para mais nove nos próximos anos.





Vigil reflete sobre o desejo dele e de sua esposa de que seus filhos sigam suas próprias vidas. Segundo ele, se educarmos nossos filhos para serem independentes, também devemos encontrar uma maneira de seguir em frente e aproveitar essa fase da vida.

A decisão de viver em uma comunidade colaborativa foi motivada por um desejo de envelhecer em melhores condições, algo que eles sentiram que seus próprios pais não tiveram.



Esse modelo de moradia, chamado de cohousing, começou a ganhar popularidade em países como Dinamarca e vem atraindo adeptos no México. A ideia é simples: viver em comunidade, onde todos compartilham as tarefas e se apoiam mutuamente.

No caso de “La Guancha”, os moradores plantam árvores frutíferas, como mangueiras e goiabeiras, e utilizam aquecedores solares, mostrando que a sustentabilidade também faz parte do projeto.



Tesha Martínez, além de cozinhar para os moradores – tarefa que faz com paixão, ao lado de um cardápio elaborado com ajuda de chefs e nutricionistas –, se envolveu ainda mais na vida local, ensinando inglês para a comunidade e participando de uma oficina de cerâmica. Para ela, essa nova etapa é uma oportunidade de viver uma “nova vida”, cheia de atividades e conexões com seus amigos e vizinhos.


Francisco Vigil também encontrou sua forma de contribuir. Ele organiza as compras de alimentos, garantindo que tudo esteja de acordo com o número de moradores e o cardápio da semana. Além disso, é o responsável por definir regras de convivência e cuidar do bar comunitário.

Para ele, o projeto não apenas oferece uma solução para quem busca companhia e qualidade de vida na terceira idade, mas também para aqueles que enfrentam limitações financeiras e de saúde. Ao compartilhar despesas e contar com apoio mútuo, esses idosos conseguem ter uma vida mais digna e segura.



Margarita Maass, pesquisadora e uma das idealizadoras do projeto, ressalta que esse modelo se diferencia de uma casa de repouso porque os próprios moradores decidem todos os aspectos de sua vida em comunidade. Desde o tamanho das casas até com quem vão morar, tudo é decidido em conjunto, respeitando a individualidade e as preferências de cada um.


Esse estilo de vida colaborativo tem atraído cada vez mais adeptos no México, um país onde a população idosa está crescendo rapidamente. Segundo o INEGI (Instituto Nacional de Estatística e Geografia), a parcela de mexicanos com 60 anos ou mais saltou de 12,3% para 14,7% entre 2018 e 2023.

Com o aumento da expectativa de vida e a queda da taxa de natalidade, muitos estão buscando alternativas para garantir um envelhecimento mais digno e, principalmente, mais feliz.



A comunidade de Malinalco é um exemplo de como a convivência em grupo pode trazer benefícios inesperados. Para aqueles que convivem com doenças, como Alzheimer, estar rodeado de amigos e atividades pode ser uma verdadeira fonte de conforto.

Um dos moradores da comunidade, que sofria da doença, encontrou em “La Guancha” um espaço de acolhimento, onde podia jogar dominó e assistir a filmes com os amigos.

Para Tesha, Francisco e seus companheiros de “La Guancha”, esse modelo de vida representa mais do que uma simples mudança de casa – é uma nova forma de encarar o envelhecimento, com autonomia, solidariedade e, acima de tudo, cercados por pessoas que compartilham os mesmos valores e sonhos para o futuro.

Onde está quem nunca está com alguém?

Por que há pessoas que passam a vida se relacionando de forma superficial, sem se fixar amorosamente com um parceiro? A escritora e colunista da Folha Tati Bernardi fala sobre essa e outras questões relacionadas a amor e sexo no sétimo episódio da  temporada. Ela é acompanhada por Daniel Kuperman, psicanalista, escritor, professor livre-docente do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo e pesquisador do CNPq.



Escritora, roteirista, apresentadora, colunista, resenhista, ESTUDO psicanálise. imprensa/job: tati@tatibernardi.com.br

Psicanalista, livre docente do IPUSP, Presidente do Grupo Brasileiro de Pesquisas Sándor Ferenczi , https://www.instagram.com/danielkupermann



 

Direita radical sequestrou a pauta do trabalho e do desejo.

Direita radical sequestrou a pauta do trabalho e do desejo, diz pesquisador

 Escrito por Letícia Mori para a BBC News Brasil em São Paulo em 26 outubro 2024.

Apresentar fatos, dados, argumentos racionais e lógicos na maioria das vezes não é suficiente para convencer quem acredita em teorias da conspiração.

Essa dificuldade tem sido cada vez mais estudada por pesquisadores, mas aos poucos vão surgindo caminhos para combatê-la, diz o pesquisador italiano Paolo Demuru.

Radicado no Brasil e professor na Universidade Mackenzie, Demuru publicou o livro Políticas do Encanto: Extrema Direita e Fantasias de Conspiração (Elefante), no qual discute, de forma acessível, conhecimentos relevantes produzidos sobre desinformação e políticas extremistas nos últimos anos.


"A extrema direita sequestrou as pautas do trabalho e do desejo", diz ele em entrevista à BBC News Brasil.

"Forneceu uma resposta para o desejo de pertencimento, de se maravilhar, entrar em transe" de quem vive sob um "sistema de trabalho opressor e um mundo desigual".

"Fantasias de conspiração são a experiência do maravilhoso no mundo onde a maravilha está em falta", afirma.

Demuru afirma que a direita radical é muito bem sucedida no que ele chama de "fantasias conspiratórias", pois, além de fornecer respostas simples para problemas complexos, essas histórias encantam, fascinam e levam ao êxtase seus adeptos.

Leia abaixo os principais trechos da entrevista:


BBC News Brasil - No livro você fala em "fantasias de conspiração" em vez de "teorias de conspiração". Por quê?

Paolo Demuru - Eu retomo essa nomenclatura de um livro de um autor italiano, do coletivo Wu Ming. Ele diz que a gente deveria usar o termo fantasia e não mais teoria, porque esse termo foca em uma dimensão fundamental do processo que é a construção discursiva das histórias sobre conspiração e complôs baseada no maravilhamento, no encanto.

A expressão "teoria" é um termo racionalista, em que o enfoque do problema está em explicações excessivamente racionais, excessivamente sociológicas.

O termo "fantasia" traz a reflexão justamente nesse aspecto, da maravilha, porque essas histórias conspiratórias encantam.

Além de oferecer uma resposta simples a uma questão muito complexa — da desigualdade social —, elas oferecem também algo que o próprio sistema neoliberal nos tira, que é o sonho.

Então essas teorias não são meras teorias, são fantasia, porque permitem às pessoas idealizar algo. E também fazem a pessoa se sentir especial, porque ela entra nesse pequeno círculo de escolhidos que sabe "a verdade". Isso já por si só é maravilhoso, encantador. É algo que tira a pessoa da mediocridade, da rotina, do cotidiano.

E depois o encantamento se dá até por outras razões, porque os adeptos dessas fantasias de conspiração vão atrás de outras histórias e produzem outras histórias, não é uma coisa passiva.

Por exemplo, o pessoal do QAnon [teoria infundada segundo a qual Donald Trump está travando uma guerra secreta contra pedófilos adoradores de Satanás no governo, empresas e imprensa dos EUA] começou a achar que 17 era um número especial porque é a posição do Q no alfabeto, e começaram reparar as vezes em que Trump falou 17 e encontrar um significado escondido nisso.

É quase como uma caça ao tesouro. É a experiência do maravilhoso no mundo onde a maravilha está em falta.

BBC News Brasil - Você compara as fantasias de conspiração com jogos de RPG (sigla para role playing games, em inglês, jogo narrativo em que os jogadores assumem personagens fictícios) e com obras de arte participativas. Pode explicar essa comparação?

Demuru - A obra de arte participativa, a fanfic, são metáforas que funcionam porque dizem respeito justamente a participação do fruidor que se torna um criador.

Ele não lê apenas algo na internet, esses grupos não são apenas manipulados. Eles não têm um papel passivo.

Quando eles leem uma história conspiratória, por exemplo, essa do globalismo, do marxismo cultural, da grande substituição, muitas vezes nos fóruns, nas redes, etc, se desencadeia uma construção narrativa global coletiva de histórias que se desdobram.

"Ah, eu vi naquela foto o rosto de uma pessoa." E quem escreve isso são as pessoas. Ou seja, é algo que desenvolve a imaginação, a fantasia, algo que está em falta. Porque o mundo é extremamente desigual, duro, onde muitas vezes a gente é confinado na nossa cotidianidade mais bruta e desinteressante.

BBC News Brasil - Você diz que essas fantasias não são puras fantasias, elas têm o que você chama de "núcleos de verdade". O que é um "núcleo de verdade" dentro dessas narrativas?

Demuru - Um núcleo de verdade é o fato — que todas as fantasias de conspirações retomam, desde o globalismo, o marxismo cultural, os iluminati — de que existe uma elite econômica e intelectual que domina o mundo.

Isso é um núcleo de verdade. A gente vive em um mundo onde pouquíssimos bilionários detêm a maior parte da riqueza do mundo.

Outro exemplo é que o QAnon diz que artistas e políticos como Hillary Clinton, Tom Hanks, Celine Dion, formam um grupo satanista de pedófilos que traficam crianças.

Isso não é verdade, mas o núcleo de verdade é que existem pessoas famosas que fazem parte de associações secretas, seitas. O Tom Cruise, por exemplo, é um dos maiores nomes da cientologia. E existem famosos que cometem crimes, que fazem exploração sexual.

Algumas conspirações existem, coisas que governos escondem. O argumento dos EUA para invadir o Iraque, de que havia armas nucleares sendo feitas ali, depois se mostrou uma mentira.

Então muitas vezes os elementos gerais são reais. O mundo é de fato injusto, desigual, cheio de problemas. Partindo desses núcleos de verdade, as pessoas desdobram suas histórias e engajam nessa busca e construção coletiva das histórias.

BBC News Brasil - Você fala que as fantasias proporcionam um transe coletivo. Tradicionalmente, esse encantamento coletivo, esse senso de comunidade são coisas que você pode encontrar justamente no jogo, no futebol, na religião, nos mitos, no misticismo. Por que especificamente agora isso se voltou para a política?

Demuru - Ótima pergunta. Isso seria uma pesquisa ampla. Eu não posso falar com certeza, mas posso tentar traçar algumas hipóteses.

As redes sociais são o grande universo do eu, do individualismo. Ao mesmo tempo, o sistema capitalista nos confina em vidas individuais, onde a gente passa muito tempo em frente de telas, onde muito da experiência do dia a dia é intermediada pela tela.

Portanto, há uma necessidade que já existia e era sublimada por outras práticas sociais, mas que agora desembocou no campo da política.

A partir dos anos 2010, após o movimento de explosão de grupos progressistas, tudo isso desembocou num processo de captura da experiência coletiva física por parte da extrema direita, que entendeu que estava faltando algo nesse sentido, que as pessoas estavam talvez cada vez mais sozinhas.

E a direita conseguiu costurar isso, mas sempre dentro — e o [candidato derrotado à Prefeitura de São Paulo] Pablo Marçal, nesse sentido, é talvez o maior expoente — em uma coletividade onde o que importa não é tanto o coletivo, mas a pessoa dentro desse coletivo.

Pessoas que vão enriquecer individualmente. No discurso da extrema direita existe uma aura, uma aparência de coletividade que construíram, mas ainda tem uma predominância do indivíduo.

Sobre o futebol, eu tenho outra hipótese: que no Brasil após a Copa de 2014, após o 7 a 1 [referência ao jogo no qual o Brasil perdeu de 7 a 1 para a Alemanha], aquela derrota, aquele trauma nacional coincidiu com o fim do mensalão, o começo da Lava Jato.

A minha hipótese é que aquelas paixões, aquele sentido de coletividade nacional, de transe, o desejo de pertencimento, dessas paixões que não se consegue nomear, as físicas mesmo, de pele, de entrega... Todas essas necessidades que não foram sublimadas no campo do futebol acabaram desembocando no campo da política.

A extrema direita entende isso muito bem e usa palavras certeiras: mito, capitão, usa a camisa da seleção. Tanto que nos jornais, na época do impeachment, a linguagem jornalística usava metáforas futebolísticas.

Não é coincidência que a camisa do Brasil foi cooptada como um grande símbolo. Mas é claro que a gente está falando em termos hipotéticos, mais ensaísticos, porque não tem como comprovar isso.

BBC News Brasil - Você cita o transe, e o encantamento, mas também fala, como muitos autores, do papel do ódio. Não parece uma coisa contraditória, algo que produz encantamento ao mesmo tempo se calcar no ódio? Parecem duas coisas que não se encaixam...

Damuru - O ódio foi um dos primeiros motores do transe no Brasil. O ódio ao PT, por exemplo, o ódio a Dilma, o ódio ao Lula. Foi por causa desse ódio que as pessoas foram às ruas e descobriram também esse sentido de encantamento de estar juntos dentro desse mundo, estar junto em um palco.

A questão é que o ódio é uma paixão que move. Ele também foi sendo utilizado como base do discurso humorístico. O ódio é a base das piadas de Bolsonaro. É ódio contra homossexual, contra nordestino, contra negro, contra a mulher, que transparece em formato de humor do que eu chamo de derrisão, que é diferente do riso. Não é o rir juntos. É o rir de alguém a partir de estereótipos negativos.

Hoje você tem até no mercado audiovisual produções muitas vezes feitas para serem odiadas, porque as pessoas vão entrar no Twitter, no Facebook, e vão comentar, gerar conteúdo.

O ódio move, a partir disso se cria uma comunidade onde se encontra o transe. A gente tem essas distinções entre as paixões nomeadas, que a gente consegue nomear: o ódio, a raiva, etc, e as paixões sem nome, aquelas que são da ordem da sensação.

Então falamos em transe, mas não só, pode ser algo mais delicado também, porque a gente não consegue às vezes traduzir numa palavra só. Na psicanálise chamariam de libido, de pulsões.

BBC News Brasil - No livro você diz que esse ódio funciona para reforçar a condição de vítima na qual os líderes conspiratórios se colocam.

Demuru - Esse é um papel que eles exercem muito bem. As fantasias de conspiração partem da ideia de que há uma elite econômica, intelectual que domina o mundo. E os líderes populistas de extrema direita, como [Javier] Milei, [Donald] Trump, [Jair] Bolsonaro, [Giorgia] Meloni, que se dizem a voz do povo, se colocam como vítimas, porque isso os coloca exatamente na mesma dimensão, no mesmo patamar que o povo.

Se o povo é vítima e eu sou a voz do povo, eu também sou uma vítima. E eles podem ir além, querer encarnar outros papéis, como, por exemplo, o do mártir. Que deu certo com o Bolsonaro quando ele levou uma facada. Foi por isso que ele compartilhou as fotos no hospital da cirurgia após a facada, com aquele corpo ferido, quase moribundo, o corpo do mártir.

O Marçal tentou o mesmo quando levou a cadeirada [do candidato José Luiz Datena], mas que no caso dele não deu certo, porque estava claro que não foi tão grave a situação.

Eles se colocam como vítimas do "sistema". E o que é o sistema? É um termo guarda-chuva.

A vagueza também é um estratagema discursivo dele e da fantasia de conspiração, que funciona muito bem porque todo mundo pode preencher conforme a necessidade do momento.

O sistema pode ser a Globo, o STF, quando eles são oposição pode ser o governo, quando eles são governo pode ser o Congresso, mesmo que eles tenham maioria no Congresso. Podem ser as minorias, o marxismo cultural, o globalismo... Não importa, eles vão adaptar o discurso.

BBC News Brasil - E por que você defende que o excessivo de racionalismo não é a forma de lidar com as fantasias de conspiração?

Demuru - Temos muitos estudos a respeito dessa ineficácia. De modo geral, quem estuda discurso, comunicação, redes, sabe que o esforço de desmentir com cunho racionalista circula muito menos do que a própria mentira.

Aqui existe a questão de estrutura de plataformas de rede social que é complicada. Mas, além disso, é muito complicado tentar explicar ou dizer para uma pessoa que aquilo que ela acredita é mentiroso, é uma ilusão e não faz sentido com um viés extremamente racional, com dados, fatos etc.

Quando você usa argumentos racionais para desmentir, quando você usa dados, fatos, argumentações, lógicas super bem estruturadas, etc., o que acontece é que você aparece como o grande corta-onda, o furador de bexiga numa festa de crianças.

Porque as histórias nas quais essas pessoas já acreditam estão tão bem amarradas, estruturadas, e são tão encantadoras, maravilhosas, que as pessoas muitas vezes não querem deixar de acreditar.

Então não adianta explicar que não existe uma seita de pedófilos satanistas que está por trás do deep state [Estado profundo, um grupo secreto que, segundo os adeptos do QAnon, controlaria o governo] nos Estados Unidos. Porque a pessoa vai pensar: poxa, então o que explica o mundo estar indo tão mal?

As pessoas que estudam conspiração, principalmente nos últimos anos, fazem uma comparação do ponto de vista discursivo, mas também psicológico e social, com os adeptos das seitas religiosas.

É muito difícil você sair de uma seita, porque todo o seu mundo gira em torno daquilo. As relações sociais, as histórias nas quais você tem que se apegar. Então um argumento racional não pega, não funciona.

Não adianta chegar e falar que "as vacinas não vão te transformar em um jacaré". Você parece alguém que se acha superior do ponto de vista racional e moral. Porque para a pessoa, é como se você estivesse dizendo que é mais inteligente que ela.

"Como assim você caiu nessa mentira? Como assim você não reconheceu que essa mensagem, cheia de erros de português, era fake?" E isso de fato é bastante elitista.

Além disso, ao negar algo, você muitas vezes reforça esse algo. Um exemplo é quando o ex-presidente americano Richard Nixon foi se defender ao ser acusado de ser trapaceiro, ele disse "I am not a crook" [eu não sou trapaceiro, em inglês], e o que pegou foi o "trapaceiro".

BBC News Brasil - Você argumenta que para contrapor as fantasias conspiracionistas é preciso ser um pouco como um mágico que revela um truque, como o Houdini ou o Mister M. Pode explicar isso?

Demuru - Eu não estou dizendo que a gente não deve mais fazero debunking [desmentido] clássico, a checagem. Isso deve continuar a ser feito, é super importante.

Mas, ao mesmo tempo, é preciso fazer outro tipo de debate, tanto do ponto de vista intelectual quanto do ponto de vista moral, que não aponte dedos e que produza encantamento. Como você usa o mesmo sistema da magia, do feitiço?

A pegada de mágicos como o Mister M, Houdini, entre outros, que revelavam os truques de mágica, é que ao revelá-lo, quem está ali se encanta pelo próprio desvelamento do truque.

Quem faz debunking deveria tentar fazer isso de uma maneira não tão direta, tão chata. Fazer algo um pouquinho mais criativo, que faça as pessoas se encantarem pelo próprio processo de desvelamento. Não adianta mais fazer meros debunkings, não adianta só criticar.

É preciso construir alguma forma de encantar que seja capaz de trazer a pessoa de volta para o real. O Felipe Neto conseguiu um pouco disso em seus vídeos durante a campanha presidencial em que ele desmentia notícias falsas, mas também trazia outras coisas, contava outros fatos, fazia um pouco de humor.

Dá muito certo, por exemplo, mostrar como funciona o deep fake [sistema que cria vídeos falsos ultrarrealistas], como são feitos os vídeos, como as notícias falsas se espalham. Isso é sensibilizar, é uma educação midiática.

BBC News Brasil - Você fala que para criar esse encantamento é preciso se esquivar da negatividade. Mas isso não pode cair na platitude, no otimismo vazio, na positividade tóxica? Como falar em encantamento em um mundo com tantos problemas?

Demuru - Essa é uma observação muito pertinente. É um ponto crucial que pensei enquanto estava escrevendo: será que isso vai ser interpretado nesse sentido? Bom, eu não tenho respostas muito detalhadas nesse momento, mas talvez alguns caminhos que eu posso indicar.

Sobre a negatividade, tem a ver com não apenas falar contra as fantasias conspiratórias, mas mostrar o que você é a favor.

Teve um vereador no Rio, o Henrique Azevedo (PSOL) que teve sucesso nisso, fazendo uma campanha contra a jornada 6x1 [seis dias de trabalho, um de folga]. Falando coisas simples, sabe, "eu quero ter tempo de levar minha namorada no cinema e não consigo porque trabalho demais".

Acho que o [candidato a prefeito de São Paulo Guilherme] Boulos também está tentando fazer isso nessa campanha.

BBC News Brasil - Eu ia perguntar como você avalia as campanhas na corrida eleitoral em São Paulo.

Demuru - Acho que o Boulos tem se dado bem nisso, em construir esse universo propositivo de uma outra cidade possível. Mas é claro que você também precisa lidar com o seu adversário.

Você não pode dar palco demais, mas também não adianta ignorar. O [ministro da Fazenda Fernando] Haddad disse isso recentemente em uma entrevista: a esquerda precisa voltar a falar do sonho.

E isso vale não apenas para o campo progressista à esquerda, para candidatos específicos. Vale para instituições que trabalham contra desinformação, que trabalham pela defesa da democracia, do meio ambiente, contra as mudanças climáticas, para que o mundo continue existindo basicamente.

O que traz encantamento também é mostrar como o sonho se traduz em uma pauta concreta. A gente precisa, sim, das grandes pautas, dos grandes sonhos, mas isso precisa estar ancorado no nosso dia a dia.

Então, quando se fala em ambiente e mudanças climáticas, por exemplo, tem a questão muito concreta do apagão em São Paulo. Eu não quero ficar sem energia elétrica. Eu quero que cuidem das árvores e enterrem os fios. Isso é muito concreto, muito próximo.

BBC News Brasil - Você também defende que a esquerda não deixe a direita radical dominar a pauta, escolher quais são os assuntos que vão ser discutidos...

Demuru - Sim. É preciso falar mais de trabalho. O discurso sobre o trabalho foi saqueado por gente como o Pablo Marçal, que vê o trabalho como uma questão de prosperidade individual e não como uma questão de defesa do coletivo ou de discutir como o sistema de trabalho mudou.

BBC News Brasil - Muitas pessoas da própria esquerda culpam os movimentos LGBT, feminista, antirracista, e dizem que eles dominaram a pauta da esquerda. Você concorda com isso?

Demuru - Não. Isso é uma visão muito pobre do que está acontecendo. A questão da direita sequestrar a pauta do trabalho não tem nada a ver com a pauta identitária. Isso é um terreno muito lamacento, mas muitas vezes é fruto das próprias visões e discursos do campo adversário, obcecado com a questão de gênero, com a fantasia da grande substituição etc.

Isso ignora que os desejos de certas camadas da população, que são sempre esquecidas, muitas vezes escravizadas até, também estão relacionados ao mundo do trabalho.

Não é uma questão do que é mais ou menos importante, mas de construção de rede discursiva, de como você liga uma coisa com a outra. Como você constrói elos narrativos, semânticos, de valores.

É isso que corresponde aos desejos das pessoas.

E eu acho que a palavra desejo é muito central nisso tudo, tem a ver com ser a favor das coisas, tem a ver com o encantamento. A extrema direita sequestrou não só a pauta do trabalho, mas a pauta do desejo. Como a gente constrói a política do encanto a favor de um outro mundo possível?

Outro dia li uma notícia, que tinha tom de crítica, e que dizia "Pablo Marçal admite que suas propostas são sonhos".

Ele admitia que algumas propostas não são factíveis. Mas ter sonhos não é algo negativo. Quando é que foi que o Marçal, que a direita, se apropriou do sonho? O problema é justamente esse: a esquerda fica muito presa à defesa do realismo, mas de uma realidade que nem existe.

BBC News Brasil - As fantasias conspiratórias não são só da direita radical, você cita isso no livro.

Demuru - Sim. Quem luta contra o extremismo — que não é só de direita, existem vários extremismos conspiracionistas —, quem luta contra a desinformação extrema, precisa ter sonho.

É preciso juntar as pontas entre o sonho e o concreto. Que bom que não existe só a Ciência, que existe o sonho. É fantástico um candidato falar que tem sonhos.

É preciso se apropriar de um discurso um pouco mais alegre também quando a gente desmente uma fantasia conspiracionista.

O mágico, ao mostrar que algo é falso, ou que não é tão verdadeiro, que é distorcido, ele não usa o discurso da supremacia do racional. Ele faz rir, ele encanta, ele faz isso a partir de outras estratégias discursivas.

A COMPLICADA ARTE DE VER de Rubem Alves!

A COMPLICADA ARTE DE VER Rubem Alves Ela entrou, deitou-se no divã e disse: “Acho que estou ficando louca”. Eu fiquei em silêncio aguardand...