Apartir de 25 de maio, empresas que atuam no Brasil precisarão incluir a saúde mental em sua lista de responsabilidades obrigatórias — da mesma forma que já fazem com os equipamentos de proteção individual (EPIs), como capacetes, luvas ou máscaras. A nova versão da Norma Regulamentadora nº 1 (NR-1), do Ministério do Trabalho e Emprego, passa a exigir o mapeamento e gerenciamento dos riscos psicossociais — fatores organizacionais, culturais e relacionais que podem contribuir para o adoecimento mental dos trabalhadores.
A regulamentação surge em meio a um cenário preocupante: em 2024, o Brasil registrou mais de 472 000 afastamentos por motivos de saúde mental, o maior número da última década e um aumento de 68% em relação ao ano anterior. Os transtornos de ansiedade lideram os afastamentos, seguidos pelos casos de depressão, de acordo com dados do Ministério da Previdência Social.
A novidade trazida pela NR-1 não está em reconhecer que o trabalho pode causar doença, mas em exigir uma gestão sistemática e preventiva de fatores de risco. Tatiana Pimenta, presidente da Vittude, plataforma de terapia on-line e consultoria em saúde corporativa, explica que a norma vai além dos programas tradicionais que muitas empresas já mantêm. “O fato de uma empresa ter um programa de saúde mental e oferecer consulta psicológica não significa que ela está fazendo gerenciamento de riscos psicossociais”, diz Tatiana.
Ela ressalta que consultas psicológicas isoladas ou ações pontuais não são suficientes para lidar com sobrecarga, metas abusivas ou lideranças tóxicas. É necessário aplicar instrumentos objetivos, como escalas psicométricas, para mensurar variáveis como risco de burnout, assédio ou ideação suicida. Esses dados também podem indicar onde há perda de produtividade e maior rotatividade. Ainda assim, observa Tatiana, as empresas têm se mostrado resistentes à mudança.
Isso se manifesta, por exemplo, em iniciativas como a da FecomercioSP, entidade que representa o setor de varejo e serviços no estado de São Paulo. Em abril, a federação solicitou ao governo a prorrogação da entrada em vigência da norma por um ano, alegando que as mudanças trariam custos extras e incertezas na fiscalização, especialmente para pequenas e médias empresas.
A percepção de que o tema é subjetivo demais para ser regulamentado ainda é comum. Fatima Macedo, diretora de certificação e excelência da Associação Brasileira de Qualidade de Vida (ABQV), ressalta que esse é um equívoco. “Quando muita gente sente o mesmo, isso deixa de ser só percepção”, afirma Fatima. Ela explica que, embora se trate de questões emocionais, é possível mensurá-las com consistência e comparabilidade — quando diversos colaboradores apontam os mesmos problemas, o dado se torna quantitativo e, portanto, passível de gestão.
Fatima também lembra que outras normas, como a NR-17, já mencionavam os riscos psicossociais. A diferença agora é que a NR-1 dá muito mais destaque para a obrigatoriedade de gerir os fatores psicossociais — e, com isso, pode haver consequências jurídicas.
Algumas empresas já vêm aplicando estratégias mais estruturadas de cuidado e prevenção à saúde mental. A Nestlé Brasil lançou, em 2024, o projeto Parceiros do B.E.M., em parceria com o Hospital Israelita Albert Einstein, de São Paulo e pretende investir 1,5 milhão de reais no programa ao longo de 2025. A iniciativa visa a capacitar 600 funcionários para reconhecer sinais de sofrimento psíquico e orientar colegas aos canais de apoio da empresa. Fabricio Pavarin, gerente-executivo de saúde e bem-estar da Nestlé, explica que a estratégia começou com a desmistificação do tema junto às lideranças, em conversas com o presidente da empresa e em lives com os funcionários. “Procurar ajuda para problemas de saúde mental precisa se tornar tão natural quanto procurar atendimento porque quebrou o braço”, afirma Pavarin. Ele reconhece que, ao dar visibilidade ao tema, é possível que os números “piorem” inicialmente, mas esse movimento é esperado e necessário.
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