‘Sapiens’ e “A tecnologia permitirá ‘hackear’ seres humanos?”






O historiador israelense de 42 anos, que vendeu cerca de 15 milhões de livros em todo o mundo, tornou-se um dos pensadores do momento. É o autor do fenômeno Sapiens, ensaio provocativo sobre como os humanos conseguiram dominar o planeta. Agora retorna às livrarias com 21 lições para o século 21 e nos recebe em Tel Aviv para conversar sobre os perigos do avanço tecnológico descontrolado, do fascismo e das notícias falsas.


Há 10 anos, Yuval Noah Harari era um desconhecido professor da Universidade Hebraica de Jerusalém. Nada em sua carreira acadêmica —especializada em história mundial, medieval e militar— fazia pensar que se tornaria um dos pensadores da moda. Já vendeu 15 milhões de exemplares de seus ensaios em todo o mundo, passeia pelos fóruns de debate mais prestigiados, seus livros são recomendados por Bill Gates, Mark Zuckerberg e Barack Obama, e líderes políticos como Angela Merkel e Emmanuel Macron abrem espaço em suas agendas para trocar ideias com ele. A fama chegou de forma inesperada para esse israelense franzino, com um ensaio original e provocador sobre a história da humanidade. Sapiens: Uma breve história da humanidade (L&PM) foi um sucesso primeiro em Israel ao ser publicado em 2011 e depois em todo o mundo, com traduções para 45 idiomas. Em 30 de agosto, o historiador publica seu terceiro livro, 21 lições para o século 21(Companhia das Letras), um guia para enfrentar as turbulências do presente.

Harari, de 42 anos, é vegano, medita duas horas por dia e não tem smartphone. Mora perto de Jerusalém em um moshav, tipo de comunidade-cooperativa rural formada por pequenas chácaras individuais que foi incentivada durante o século XX para abrigar imigrantes judeus. Como é morar em um lugar assim? Sorri. “Não tem nada de especial, na verdade agora é um bairro residencial tão normal quanto qualquer outro”, esclarece. Mas Harari não abre as portas de sua casa para a entrevista, organizada pela editora espanhola Debate para o lançamento mundial do novo livro. O encontro acontece em uma cobertura bem iluminada no centro de Tel Aviv que ele utiliza como base de operações na cidade. Nos primeiros minutos é acompanhado por seu marido, Itzik Yahav, seu braço direito em assuntos econômicos e de promoção, que sai assim que começam as perguntas. Casaram-se no Canadá, pois Israel só reconhece os casamentos civis, entre pessoas do mesmo sexo ou não, se foram realizados no exterior.

O historiador se criou em Haifa (norte do país) no seio de uma família laica com origens no Leste Europeu. Em 2002 obteve o doutorado na Universidade de Oxford (Reino Unido) e depois começou a dar aulas em Jerusalém. A inspiração para escrever Sapiens surgiu de um curso introdutório sobre história mundial que ofereceu porque seus colegas mais veteranos não aceitaram a incumbência. Nos meses de pesquisa que dedicou para escrevê-lo aprendeu muitas coisas, mas uma das que o marcou foi o uso impiedoso, em sua opinião, que o humano faz dos animais para seu próprio benefício. Desde então baseia sua dieta em alimentos de origem vegetal.

Depois do sucesso de Sapiens, publicou Homo Deus(Companhia das Letras), uma viagem a um futuro dominado pela tecnologia, que também foi muito bem recebido nas livrarias. Resta saber o que acontece com seu novo livro, que como o próprio Harari explicou foi inspirado em artigos dele publicados em vários jornais e debates que surgiram durante as conferências que pronunciou e as entrevistas que concedeu. Nele aparecem temas de seus livros anteriores, mas se o primeiro ensaio se concentrava no passado e o segundo no futuro, o terceiro se ocupa do presente.

“O fenômeno do guru pode ser perigoso. Espero que muita gente leia meus livros, mas não porque sou um guru que tem todas as respostas, porque não tenho”

Exemplares de seus livros traduzidos para vários idiomas se amontoam na mesinha de centro da sala do escritório de Harari em Tel Aviv. O historiador comenta, em um inglês fluido com sotaque hebraico, que lhe parece especialmente curiosa uma versão ao japonês que ficou tão longa que precisou ser publicada em dois volumes. Seu cachorro, chamado Pengo, grande e peludo, cochila no chão de madeira do apartamento, enquanto Harari, amável a todo momento e muito paciente ao posar para as fotografias, serve água fresca aos convidados para aliviar os efeitos do calor úmido que invade a rua em pleno mês de julho.

Sete anos depois de sua publicação, Sapienscontinua aparecendo nas listas dos mais vendidos. Ridley Scott anunciou planos de adaptá-lo ao cinema. Por que o livro conseguiu interessar tanta gente? Nossas vidas são afetadas por coisas que acontecem do outro lado do mundo, seja a economia chinesa, a política americana ou a mudança climática. Mas a maioria dos sistemas educacionais continuam ensinando história como algo local. As pessoas querem ter uma perspectiva mais ampla da história da humanidade. Além disso, é um livro bem acessível, com um estilo simples, que não foi escrito para leitores especializados. E, claro, é preciso levar em conta o trabalho do meu marido e de todas as pessoas que trabalham conosco, porque uma coisa é saber escrever um livro e outra é promovê-lo.



Que impacto o sucesso teve em sua vida? 

A popularidade é muito agradável. Quem não quer ter sucesso, que as pessoas leiam seus livros, ter influência? Mas há um lado negativo. Tenho menos tempo para ler, pesquisar e escrever, porque viajo muito, dou entrevistas e coisas assim.... Também existe o risco de subir à cabeça, de seu ego crescer e você se tornar uma pessoa desagradável. Você começa a se achar muito inteligente, e que todos deveriam saber o que você diz. Quando as pessoas começam a ouvir demais uma pessoa, não é bom para ninguém. Seja em política, na religião ou na ciência. O fenômeno do guru pode ser perigoso. Espero que muita gente leia meus livros, mas não por ser um guru que tem todas as respostas, porque não tenho. Tratam-se das perguntas.


Que perguntas são importantes para você? 

O maior problema político, legal e filosófico de nossa época é como regular a propriedade dos dados. No passado, delimitar a propriedade da terra foi fácil: colocava-se uma cerca e escrevia-se no papel o nome do dono. Quando surgiu a indústria moderna, foi preciso regular a propriedade das máquinas. E conseguiu-se. Mas os dados? Estão em toda parte e em nenhuma. Posso ter uma cópia de meu prontuário médico, mas isso não significa que seja o proprietário desses dados, porque pode haver milhões de cópias deles. Precisamos de um sistema diferente. Qual? Não sei. Outra pergunta-chave é como conseguir maior cooperação internacional.



Sem essa maior cooperação global, você argumenta em seu último livro, é complicado enfrentar os desafios do século...


 Nossos três principais problemas são globais. Um único país não pode consertá-los. Falo da ameaça de uma guerra nuclear, da mudança climática e da disrupção tecnológica, em especial o desenvolvimento da inteligência artificial e da bioengenharia. Por exemplo, o que o Governo espanhol pode fazer contra a mudança climática? Mesmo que a Espanha se tornasse um país mais sustentável e reduzisse suas emissões a zero, sem a cooperação de China ou Estados Unidos isso não serviria para muita coisa. Em relação à tecnologia, apesar de a União Europeia proibir fazer experiências com os genes de uma pessoa para criar super-humanos, se a Coreia ou a China fizerem isso, o que se faz? É provável que a Europa acabasse criando seres superinteligentes para não ficar para trás. É difícil ir na direção contrária.


Harari, em um apartamento que usa como escritório em Tel Aviv. VICENS GIMÉNEZ


Em Sapiens, você argumenta que a cooperação em grande escala é uma das grandes especialidades humanas. Os chimpanzés, por exemplo, só cooperam com outros de sua espécie que conhecem pessoalmente. Talvez 150, quando muito. Nós, humanos, somos capazes de cooperar com milhões de humanos sem conhecê-los. E é graças a essa capacidade de criar e acreditar em histórias. Histórias econômicas, nacionalistas, políticas, religiosas... O dinheiro, por exemplo. Trabalhamos em troca de euros, confiamos nisso, mas um macaco nunca te dará uma banana em troca de um pequeno pedaço de papel.



Como entender o mundo atual? 

Está mudando de uma forma tão rápida que é cada dia mais difícil entender o que está acontecendo. Nunca tínhamos vivido de forma tão acelerada. Ao longo da história nós, humanos, não sabíamos com exatidão o que ia acontecer em 20 ou 30 anos, mas conseguíamos adivinhar o básico. Se você morasse em Castela [na atual Espanha] na Idade Média, em duas décadas aconteciam muitas coisas (talvez a união com Aragão, a invasão árabe...), mas o dia a dia das pessoas continuava sendo mais ou menos o mesmo. Agora não temos nem ideia de como será o mercado de trabalho e as relações familiares em 30 anos, que não é um futuro tão distante. Isso cria uma confusão enorme.



Qual é a reação diante disso? 


O futuro é tão incerto que as pessoas buscam certezas, se concentram nas histórias que conhecem e que lhes oferecem a promessa de uma verdade invariável. O cristianismo, o nacionalismo... E não faz sentido. Quantos anos tem o cristianismo? Dois milênios não são nada comparados com a história total da humanidade. Além disso, as religiões tradicionais não têm soluções para os problemas de hoje: a Bíblia não diz nada sobre inteligência artificial, engenharia genética ou mudança climática.



Há uma volta ao nacionalismo. Até que ponto é perigosa? 

Em princípio, acredito que não há nada de ruim com o nacionalismo quando é moderado. Permite que milhões de desconhecidos compartilhem um sentimento, possam cooperar, às vezes para a guerra, mas sobretudo para criar uma sociedade. Eu pago impostos e o Estado dedica o dinheiro a proporcionar serviços para todos, apesar de não nos conhecermos. E isso é muito bom. Mas convém saber que o nacionalismo se torna fascismo quando dizem a você que sua nação não só é única como é superior, mais importante do que qualquer outra coisa no mundo. E você não tem obrigações especiais com seu país, apenas com sua nação e com ninguém mais, nem com sua família, nem com a ciência, nem com a arte... nem com o resto da sociedade. Assim, a maneira de julgar um filme bom reside, unicamente, em se serve aos interesses da nação. É a maneira fascista de ver as coisas.



Por que o fascismo continua sendo atraente? 

Não sei como se ensina na Espanha, mas em Israel se apresenta o fascismo como um monstro terrível. Creio que é um erro, porque como todo mal tem uma cara amável e sedutora. A arte tradicional cristã já representava Satanás como um homem atraente. Por isso é tão difícil resistir às tentações do mal e, sem dúvida, do fascismo. Como é possível que milhões de alemães tenham apoiado Hitler? Deixaram-se levar porque os fazia se sentir especiais, importantes, belos. Por isso é tão atraente. O que acontece quando as pessoas começam a adotar pontos de vista fascistas? Que como lhes disseram que o fascismo é um monstro, custa a eles reconhecer nos demais e neles mesmos. Quando se olham no espelho, não veem esse monstro terrível, mas algo bonito. Não sou um fascista, dizem a si mesmos.


“Não ter smartphone é símbolo de status. Muitos poderosos não têm. A novidade é proteger-se contra os ladrões que querem reter nossa atenção”

O Parlamento israelense aprovou uma lei que fala da “nação judaica” que foi muito criticada sobretudo pelos cidadãos árabes que vivem ali. No livro, o sr. afirma que seu país exagerou a influência real do judaísmo na história.Muita gente tem uma imagem exagerada de si mesma como indivíduos e como coletivo. Coloco o exemplo de Israel porque é um país que conheço. Muitos israelenses acreditam que o judaísmo é a coisa mais importante que aconteceu na história. Ficam muito incomodados com as críticas sobre o que Israel está fazendo nos territórios ocupados. Têm uma imagem distorcida do lugar que ocupam no mundo e do que os israelenses estão fazendo agora em um contexto global. Aqui é muito difícil falar disso sem que taxem você de traidor. Sobre a lei da “nação judaica”, tenho orgulho de ser israelense, mas em meu país alguns direitos estão sendo restringidos.

O que mais o preocupa na tecnologia? Os partidos fascistas nos anos trinta e a KGB soviéticacontrolavam as pessoas. Mas não conseguiam seguir todos os indivíduos pessoalmente nem manipulá-los individualmente porque não tinham a tecnologia. Nós começamos a tê-la. Graças ao big data, à inteligência artificial e ao aprendizado por máquinas, pela primeira vez na história começa a ser possível conhecer uma pessoa melhor do que ela mesma, hackear seres humanos, decidir por eles. Além disso, começamos a ter o conhecimento biológico necessário para entender o que está acontecendo em seu interior, em seu cérebro. Temos uma compreensão cada vez maior da biologia. O grande assunto são os dados biométricos. Não se trata apenas dos dados que você deixa quando clica na web, que dizem aonde você vai, mas dos dados que dizem o que acontece no interior de seu corpo. Como as pessoas que usam aplicativos que reúnem informações constantes sobre a pressão arterial e as pulsações. Agora um governo pode acompanhar esses dados e, com capacidade de processamento suficiente, é possível chegar ao ponto de me entender melhor do que eu mesmo. Com essa informação, pode facilmente começar a me manipular e controlar da forma mais efetiva que jamais vi.



Isso soa um pouco como ficção científica, não?

 Já estamos vendo como a propaganda é desenhada de forma individual, porque há informação suficiente sobre cada um de nós. Se você quer criar muita tensão dentro de um país em relação à imigração, coloque uns tantos hackers e trolls para difundir notícias falsas personalizadas. Para a pessoa partidária de endurecer as políticas de imigração você manda uma notícia sobre refugiados que estupram mulheres. E ela aceita porque tem tendência a acreditar nessas coisas. Para a vizinha dela, que acha que os grupos anti-imigrantes são fascistas, envia-se uma história sobre brancos espancando refugiados, e ela se inclinará a acreditar. Assim, quando se encontrarem na porta de casa, estarão tão irritados que não vão conseguir estabelecer uma conversa tranquila. Isso aconteceu nas eleições dos Estados Unidos de 2016 e na campanha do Brexit.

Dá vontade de ir morar em Marte..., de isolar-se. Como se concentrar no que é importante? 

A atenção é um recurso muito disputado e está associado aos dados. Todo mundo quer atrair sua atenção. O modelo da indústria da informação foi completamente distorcido. Agora o padrão básico é que você recebe a maioria das notícias supostamente grátis (sejam reais ou falsas), mas na verdade faz isso em troca de sua atenção, que é vendida a outros. O novo símbolo de status é a proteção contra ladrões que querem captar e reter nossa atenção. Não ter um smartphone é um símbolo de status. Muitos poderosos não têm.

Mas parece que Donald Trump tem um smartphone, pelo menos passa o dia tuitando. O sr. também tem conta no Twitter desde janeiro de 2017. Há pessoas administrando minha conta. Me parece que as redes sociais escravizam muito. Se quiser estar de verdade nelas, não se pode tuitar alguma coisa uma vez por mês. Precisa fazer o tempo todo. Eu não tenho tanto a dizer no Twitter!




Como você se organiza para manter sua atenção a salvo de sequestradores? 

Tento limitar os tempos. Começo o dia com uma hora de meditação. Depois de tomar café olho os e-mails e tento responder todos. Tento zerar a caixa de entrada, porque, se deixo para depois, fica lotada. Então tento não olhar os e-mails o tempo todo. Como não tenho smartphone, não recebo notificações, nem tenho a tentação de entrar na Internet para ler alguma coisa. Simplesmente, pego um livro e leio. Uma ou duas horas. Só faço isso. Se tenho de escrever, escrevo. A prática de meditação me ajuda a manter a concentração.

Dizem que o sr. soube da vitória de Donald Trump várias semanas depois porque estava em um retiro meditando. Realmente. Soube algumas semanas depois.

Você acredita que a promoção do novo livro lhe deixará tempo para ir a um retiro este ano? Sem dúvida! Nunca falto. Vou para a Índia por 60 dias em dezembro.

Fracasso das políticas capitalistas torna o socialismo um atrativo nos EUA








Ultimamente, tenho me preocupado com o estado de espírito dos capitalistas dos Estados Unidos. Todos estes socialistas que estão saindo da escuridão devem deixá-los particularmente agitados. Por isso, escrevo para dar alguns conselhos de amigo à classe capitalista a respeito dos tais socialistas. Vocês querem que haja menos socialistas? É fácil. Parem de criá-los.

Volta e meia, na história, causa e efeito nos atingem como um soco no rosto. As condições nas quais os russos foram obrigados a viver pelos czares geraram o bolchevismo. Os termos impostos no Tratado de Versailles impulsionaram a ascensão de Hitler. Os fracassos dos keynesianos nos anos 1970 prepararam o caminho para a economia da demanda e da oferta.


O apelo do socialismo desapareceu de 1945 a 1975, mas registrou um boom recentemente em razão das falhas do capitalismo. Foto: Amy Osborne/Agence France-Presse-Getty Images


O mesmo acontece aqui. O capitalismo americano das últimas décadas fez com que o socialismo parecesse muito mais atraente, em particular para os jovens. Pergunte si mesmo: se você tivesse 28 anos como Alexandria Ocasio-Cortez, a candidata ao Congresso por Nova York que se define uma socialista democrática, o que você já teria visto na vida?

Você teria visto os Estados Unidos, um país que seus pais - ou, se você têm 28 anos, mais provavelmente seus avós - descreviam como um lugar onde a vida melhorava a cada nova geração - tornar-se um país em que, para milhões de pessoas, inclusive para você, isso deixou de ser verdade.

Enquanto isso acontecia, você teria visto os ricos ficarem ainda mais ricos, e talvez tivesse notado que a principal medida adotada pelo governo a este propósito foi cortar seus impostos (a bem da verdade, em 2013 o presidente Barack Obama elevou a alíquota mais alta de 35% para 39,6%).

Você teria testemunhado o derretimento de 2008, provocado pelos grandes bancos que apostavam contra si mesmos. Os capitalistas talvez queiram saber como um jovem que vem de uma família da classe trabalhadora, e que provavelmente conhece alguém que perdeu o emprego ou a casa, vê tudo isso, enquanto alguns dos banqueiros que ajudaram a criar esse caos safaram-se sem problemas.

Você teria visto as corporações guardarem os lucros, recomprar suas ações e não reinvestir em seus funcionários como faziam antes, preferindo mudar-se para o Canadá ou Bangladesh. Se você lê razoavelmente, sabe que a recompra de ações foi permitida pela Seção 10b-18 da Comissão de Títulos e Câmbios, que data da era Reagan, desde então chamada apenas norma da SEC, e que pode ser modificada sem que seja preciso criar uma lei, mas ninguém nos dois governos democratas desde então se importou.

Eu poderia continuar dessa maneira por 20 parágrafos. Mas vocês já entenderam. Na época em que a economia americana crescia sem parar, tínhamos um governo e uma classe capitalista que investiam em seu povo e no futuro - em rodovias interestaduais, universidades populares, na pesquisa científica, nas generosas verbas federais destinadas aos transportes e ao desenvolvimento regional.

E, engraçado, durante todo esse tempo, o socialismo não exercia um grande apelo. Nos anos 1910 e 1920, em uma era de intensos conflitos trabalhistas e antes da criação do estado do bem-estar, havia apenas dois integrantes no Partido Socialista na Câmara dos Deputados - Victor Berger de Wisconsin e Meyer London de Nova York -, além de centenas de prefeitos, legisladores estaduais e funcionários municipais socialistas.

Mas durante os "Trente Glorieuses", para usar o termo francês - os gloriosos 30 anos de 1945 a 1975, quando quase tudo funcionava nas economias ocidentais - o apelo do socialismo nos Estados Unidos desapareceu. Nas décadas de 1910 e 1920, os candidatos à presidência do Partido Socialista recebiam centenas de milhares de votos, ou mais. Em 1956, Darlington Hoopes, candidato do partido, ganhou apenas 2.044 votos (outros partidos menores de esquerda tiveram uma votação um pouco melhor).

Nesta época e na era Reagan, a esquerda americana como um todo - definida não pelo partido, mas por suas convicções - desempenhou um papel construtivo na defesa dos direitos civis, opôs-se à Guerra no Vietnã e fez o que pôde para combater a nova concentração da riqueza. Mas, enquanto a guerra fria se intensificava, seus partidários eram poucos e sua influência, negligenciável.

Portanto, voltando agora à nossa jovem de 28 anos. Nasceu em 1990. Provavelmente, ela lembrará que no final dos anos 1990, seus pais tinham uma situação bastante tranquila - no governo de Bill Clinton a renda média das famílias subiu, mais do que sob qualquer outro presidente em muitos anos. Mas, desde então, o quadro da renda média se tornou muito mais irregular, subindo raramente em termos de dólares deflacionados ao longo de 18 anos. Enquanto as rendas mais elevadas dispararam.

Logo, se você fosse uma pessoa de meios modestos ou mesmo de classe média, como se sentiria em relação ao capitalismo? O capitalismo que este país viu durante todos estes anos decepcionou a maioria dos cidadãos.

Sim, ele nos deu muitos objetos que brilham para nos impressionar. O smartphone que exibe um vídeo em câmara lenta é uma maravilha. Mas uma educação superior ao nosso alcance, embora talvez não seja uma maravilha, é uma necessidade para uma sociedade bem organizada. Assim como uma solução para a crise nacional da droga, em razão da qual 115 pessoas morrem diariamente, e muitos outros problemas que o capitalismo da nossa era simplesmente ignorou.

Eu me sinto um pouco confuso diante deste pequeno boom do socialismo. Ele ainda precisa provar que é politicamente viável nas eleições gerais fora de algumas áreas, e em 2021 talvez acordemos para ver que foi um desastre para os democratas. Mas compreendo por que isso está acontecendo. Considerando a atual situação nesse país, isso não poderia deixar de acontecer.

E se você é capitalista, seria melhor que tentasse compreendê-lo, também - e fizesse alguma coisa para atender aos mais que legítimos apelos que o alimentam.

Michael Tomasky é colunista de “The Daily Beast” e editor de “Democracy: A Journal of Ideas”.

A juventude nos EUA de hoje rejeita o capitalismo, mas quer substituí-lo com o quê?



A parte da população em geral que questiona o centro do capitalismo é a maior em pelo menos 80 anos de pesquisas sobre o assunto




A juventude de hoje está cada vez mais infeliz com a forma como seus antecessores estão lidando com o mundo. 

Sua ira foi recentemente expressa quando milhares de adolescentes e outros ao redor do país marcharam no dia 24 de março exigindo um maior controle de armas. Isso ocorreu pouco mais de um mês depois que parte de seus colegas foi baleada e assassinada em uma escola de Ensino Médio em Parkland, na Flórida
Mas há crescentes evidências de que os jovens de hoje, que possuem entre 18 e 29 anos, estão fortemente insatisfeitos com outros aspectos fundamentais de nosso sistema político e econômico. Especificamente, cada vez mais jovens estão rejeitando o capitalismo. 

Isso nos levou – como sociólogo e como economista – a nos perguntarmos como eles reformulariam o sistema econômico se pudessem. A resposta, baseada em pesquisas recentes, deve fazer qualquer político atual repensar seriamente suas políticas econômicas. 


Rejeitando o capitalismo 


Primeiramente, nós desejávamos entender melhor como os jovens se sentem em relação ao sistema econômico atual. 

Então começamos examinando uma inquietante pesquisa realizada em 2016 pela Universidade de Harvard que descobriu que 51% da juventude americana entre 18 e 29 anos não apóia mais o capitalismo. Apenas 42% disseram apoiar, enquanto somente 19% está disposta a se afirmar como “capitalista”. 

Embora possa ser real que jovens de qualquer geração tendam a apoiar menos o sistema político e econômico estabelecido e tendam a modificar suas visões conforme envelhecem, pesquisas passadas sobre o assunto sugerem que esse é um fenômeno novo, sentido principalmente pela juventude de hoje.



Uma pesquisa de 2010, feita pela empresa de pesquisa de opinião Gallup, mostrou que apenas 38% dos jovens tinham uma visão negativa do capitalismo – e isso ocorreu logo depois da pior crise financeira e econômica desde a Grande Depressão, que afetou com força particularmente os jovens. 

O que podemos entender disso? Eles preferem o socialismo, em que o governo regula mais ativamente, intervém na economia e restringe a escolha individual? 

Não está claro. A pesquisa realizada pela Universidade Harvard mostrou que apenas 33% disseram ser a favor do socialismo. Uma outra pesquisa, conduzida em 2015 pelo grupo conservador Reason-Rupe, descobriu que jovens entre 18 e 24 anos têm uma visão um pouco mais favorável do socialismo que do capitalismo. 

Suas visões contrastam significativamente com os mais velhos, que consistentemente dizem aos pesquisadores que preferem o capitalismo com grande margem — mais ainda conforme a idade avança. Ainda assim, a parte da população em geral que questiona o centro do capitalismo é a maior em pelo menos 80 anos de pesquisas sobre o assunto. 

É claro, as perguntas que os pesquisadores fazem aos americanos variam significativamente de pesquisa para pesquisa, e os tamanhos das amostragens não são sempre grandes o suficiente para obter conclusões definitivas. 

Ainda assim, os dados sugerem que os jovens de hoje são parte de uma vanguarda de americanos que estão perdendo a fé no capitalismo e estão prontos para adotar algo novo. 


Mas o que eles querem? 

Então, se os jovens estão cada vez mais rejeitando o capitalismo mas são ambíguos sobre o socialismo, o que eles querem? 

Para responder a esta pergunta, precisamos explorar o que do capitalismo eles acham tão insatisfatório. 

Um grupo focal elaborado subsequentemente ao estudo de Harvard concluiu que muitos desses jovens sentem que “o capitalismo era injusto e deixou pessoas de fora apesar de trabalharem muito”. Uma pesquisa realizada em 2012 pelo Pew Research Center descobriu que 71% daqueles entre 18 e 34 anos de idade percebiam fortes conflitos entre ricos e pobres na sociedade americana. 

A maioria dos jovens Americanos disse acreditar que aqueles mais privilegiados são assim porque “eles conhecem as pessoas certas ou nasceram em famílias ricas”. 

Essas visões sobre a desigualdade inerentes no sistema econômico americano dominam a as maiorias de Republicanos, Democratas, Independentes, conservadores, moderados e liberais. Para nós, isso sugere que a principal razão para que os jovens tenham perdido a fé no capitalismo é que ele perdeu sua capacidade de ser justo. Mas eles não parecem acreditar que um sistema alternativo como o socialismo possa resolver o problema. 

Em vez disso, nós podemos começar a reunir o que pode funcionar, na visão deles, ao examinar uma pesquisa de 2015 feita pelo instituto de pesquisas Public Policy Polling, que perguntou aos participantes a respeito de suas visões sobre empresas que pertencem aos empregados e a intervenção do governo para encorajá-las. 

A pesquisa descobriu que 75% daqueles entre 18 e 29 anos apoiam isso, muito mais do que qualquer outra categoria de idade, enquanto 83% disseram que empresas que pertencem a empregados são tão americanas quanto a torta de maçã, o cachorro-quente e o beisebol. 

Então essas pesquisas, de certa forma, sugerem que os jovens não querem menos capitalismo, mas mais dele. Eles só querem ter certeza de que ele é partilhado de forma mais ampla, como tornando mais fácil para mais de nós nos tornarmos capitalistas e partilharmos na riqueza que criamos coletivamente.

Aqui eu sou obrigado a fazer um comentário particular!!! Discordo totalmente desta tentativa de encaixe dos autores... No melhor estilo  Cama de Procusto: O Capitalismo NÃO PARTILHA. Por definição ele ACUMULA e monopoliza.  O que o Jovem Norte-Americano quer é construir SEU PRÓPRIO Socialismo.

Como dois professores que encontram essa geração diariamente em nossas salas de aula, ficamos surpresos com o grande apoio a esses conceitos em nossas disciplinas universitárias sobre economia e governança corporativa. 

Outras pesquisas sugerem que o desejo por uma forma mais inclusiva de capitalismo está se tornando mais amplamente presente. Uma pesquisa da Gallup sobre a situação do ambiente de trabalho americano em 2016 descobriu que 40% de todos os trabalhadores americanos deixariam a empresa que trabalham por uma que que tivesse divisão dos lucros. 

E está se tornando cada vez mais fácil fazer isso conforme mais empresas americanas adotam a participação dos trabalhadores no capital de uma forma ou de outra, alguns atraídos pela habilidade de reduzir a rotatividade e melhorar a performance econômica. Só no ano passado, uma empresa abriu no Vale do Silício oferecendo certificação para negócios pertencentes a empregados “para construir uma economia de negócios pertencentes a empregados”. 


Atacando a economia 


O que os americanos testemunharam em 24 de março foi uma energética, dinâmica e poderosa nova força política nos Estados Unidos. 

Neste momento, ela está focada nas armas. Mas esta força pode muito bem voltar sua atenção para a estrutura de corporações e para um sistema econômico que levou a cada vez maiores níveis de desigualdade. 

Assim como legisladores podem querer repensar suas visões sobre os direitos armamentistas, eles também devem reexaminar sua compreensão de como o capitalismo deve ser.

Joseph Blasi é Professor e Diretor do Instituto para o Estudo da Propriedade do Empregado e Participação nos Lucros da Escola de Administração e Relações Trabalhistas da Rutgers University 

Douglas L. Kruse é Professor e Reitor Associado para Assuntos Acadêmicos da Rutgers University
  Original em inglês.

Em Português no: Gazeta do povo

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