RESUMO das práticas da política de saúde do Bolsonaro!

RESUMO das práticas da política de saúde do Bolsonaro!

Em março de 2020, o Bolsonaro queria uma solução rápida pra crise do coronavírus, porque pra ele era inadmissível que as pessoas deixassem de sair de casa e estragassem a suposta recuperação econômica dele (que nem existia, aliás, balela do Paulo Guedes, já que a recessão estava instalada e nenhuma medida Econômica apontava ter algum sucesso) 

Daí apareceram algumas pesquisas muito preliminares falando da cloroquina para o tratamento de COVID em camundongos. Como é comum em pesquisas do tipo, a cloroquina foi bem nas primeira fases de testes, mas... logo precisa ser descartada pois se verificou alta toxicidade na dose que faria efeito.

Mas Bolsonaro, desesperado pra acabar com o "lockdown dos governadores", abraçou a cloroquina com tudo. Demitiu dois ministros da saúde por causa da cloroquina. Três dias antes da demissão do Mandetta, ele teve reunião surpresa com a Nise Yamaguchi, que defendia o medicamento.

A cloroquina tinha outra vantagem estratégica: 

1. A matéria prima era razoavelmente barata;
2. O Exército já produzia o medicamento em alguma escala pra combater malária entre os soldados em missões na selva e para evitar surtos entre populações ribeirinhas. 

Imagina esse monte de informação circulando na cabeça de Homer Simpson do Bolsonaro: 

--> Bolsonaro "acharia a cura pra doença" evitando uma crise financeira e sanitária;
-->  Sairia como "herói" e
--> Ainda "faria o povo adorar os militares". 

Daí ele mandou o exército "produzir" milhões de cápsulas de cloroquina. E O EXÉRCITO, sabendo que a medicação não tinha ainda sequer comprovação de que funcionaria TOPOU fabricar mesmo assim.

Só faltou combinar com o vírus.

Em pouco tempo, foi ficando claro que a cloroquina NÃO ajudaria no combate à COVID e ainda trazia efeitos colaterais GRAVES.

Mas as cápsulas já estavam lá, produzidas.

E produzir medicamento sem eficácia no meio de uma pandemia e distribuir é crime.

SIM, É CRIME de responsabilidade.

E é sujeito a impeachment. 

É crime contra a saúde pública. 

No limite, pode até ser considerado genocídio (inclusive um dos argumentos usados pela Ucrânia pra considerar o Holodomor um genocídio independente do dolo é esse).


Aviso Legal histórico: o caso de Holodomor como genocídio, o argumento é de que quando Stálin permitiu a Trofim Lysenko fazer suas políticas agrícolas anti ciência assumiu o risco pela morte de milhões de pessoas por inanição independente de dolo, que foi EXATAMENTE o que rolou no caso Bolsonaro. Juridicamente, é possível usar esse argumento contra Bolsonaro também: ao financiar um tratamento ineficaz para COVID e insistir nisso mesmo quando a ineficácia estava clara, Bolsonaro assumiu o risco pela morte das pessoas que foram tratadas com cloroquina.

POIS BEM: desde então, tudo o que Bolsonaro tem feito é para se livrar de todas essas acusações. Até o Trump desistiu da cloroquina (ele tinha uma eleição pra perder), mas Bolsonaro não. Por que? Porque ele precisa ter argumentos políticos e jurídicos pra se safar dessa.

Por que estou falando tudo isso? Porque Mandetta foi demitido ao não querer embarcar na loucura da cloroquina. Teich foi demitido ao não querer embarcar na loucura da cloroquina. O critério pra um novo ministro assumir era "embarcar na loucura da cloroquina". Zero médicos toparam.

Quem é que estava junto com Bolsonaro na loucura da cloroquina?

SIM Os militares.

Daí Bolsonaro contratou UM MILITAR para o Ministério da Saúde.

Um militar "especialista em logística". 

Pra que? 

Pra despachar as milhões de cápsulas de cloroquina produzidas por ordem do presidente.

Mais do que despachar as milhões de cápsulas, a missão era ao menos deixar dúvidas na cabeça da galera quanto à eficácia do medicamento. Como? Fazendo cortinas de fumaça e dando sinais confusos sobre outras cousas estilo vacina.

Então, a distribuição de toda essa cloroquina produzida foi errática até o momento.

Agora o governo age em duas frentes: assumir o controle das vacinas, inclusive as produzidas pelos estados, e... despachar cloroquina. Tudo ao mesmo tempo.

O Ministério do gestor/milico prevê gastar R$ 250 milhões para pôr 'kit-covid' em farmácias populares.

SIM: gastar R$ 250 milhões para pôr um "'kit-covid'" que se sabe que NÃO FUNCIONA em farmácias populares.

Isso porquê o EXÉRCITO tem mais de 2,5 milhões de comprimidos de hidroxicloroquina encalhados nos estoques.

E por que tudo junto? Porque Bolsonaro nunca admite erro ou derrota. 

O objetivo é sempre ajustar a narrativa para sair triunfante das circunstâncias. Então o engodo chamado Kit Covid vai ser distribuído AO MESMO TEMPO que as vacinas vão ser distribuidas. 

O motivo?

Quando os casos diminuírem, Bolsonaro vai colocar toda a sua estrutura de comunicação, inclusive a que está nos EUA hoje, pra vender a narrativa "é o kit covid que está curando as pessoas, não é a vacina"

Daí, na cabeça dele, ele mata três coelhos numa cajadada só: 

-> despacha a cloroquina represada,
-> consegue um bom argumento de defesa pros crimes cometidos e
-> ainda sai como herói da pandemia, pronto para ser reeleito em 2022 e enfraquecendo possíveis adversários como Dória.


Vai dar certo? 

Claro que não, mas talvez seja o suficiente para colocar um pouquinho de dúvida na cabeça de uma parcela da população e para enfraquecer os argumentos de acusação de crime de responsabilidade e de genocídio. 

E ainda limpa um pouco a barra do Exército.

Bolsonaro, como protótipo de ditador, só pensa nas coisas sob um viés: o dele mesmo. Então, sempre que a gente pensar em uma reação dele, tem que pensar sob a lógica do interesse individual imediato. Normalmente é se livrar de acusações ou livrar os filhos. Ele é baixo assim.

Inclusive eu espero estar errado e espero que o Bolsonaro quebre a cara da pior maneira possível. Ele está literalmente rifando vidas nessa brincadeira. Mas é nesses momentos que fica mais claro que nem valores universais como a vida estão acima de seus interesses pessoais.

Paralelo a isso é preciso acrescentar o quanto ele usa as igrejas e a religião para convencer cristãos que é um mártir. Que busca uma cura e que sofre retaliações constantes.Esse e o pensamento de muitos cristãos convencidos numa lavagem cerebral. Manipular pessoas simples.


Estou errado?

Escute seu corpo!

Em nossa sociedade, a mente predomina cada vez mais. Em nosso centro de operações, gerenciamos a cada dia milhares de estímulos que chegam até nós por e-mail, aplicativos de mensagens no celular, redes sociais, veículos de comunicação e pessoas com quem interagimos. Nossa mente é submetida a uma superestimulação constante, o que pode provocar estresse, ansiedade e esgotamento geral. O protagonismo da nossa mente, além disso, ocorre em detrimento da atividade do corpo, considerado por muitos um mero recipiente que contém os órgãos e permite que nos movamos −menos do que precisaríamos− de um espaço para outro. E ao sedentarismo típico da era tecnológica se somaram os efeitos colaterais das várias restrições da pandemia.

Quanto mais horas de televisão e telas, embora seja para conversar com nossos seres queridos, menos cuidado e tonificação corporal. Um exemplo bem simples: em vez de caminhar até o cinema local, o que significaria talvez alguns milhares de passos entre ir e voltar, damos um clique com um dedo, sem sair do sofá. Isso sem falar das horas que passamos sentados diante do computador durante o nosso trabalho. Cedo ou tarde, o corpo reclamará dos nossos maus-tratos e nos mandará mensagens que, se forem abertas, podem ser cruciais para nossa qualidade de vida.


Por outro lado, se silenciarmos os problemas ou as dores com analgésicos ou qualquer outro meio, como o álcool, para fazer o sintoma desaparecer, estaremos matando o mensageiro.


O psiquiatra e pesquisador Bessel van der Kolk explica em seu clássico O Corpo Guarda as Marcas (Editora Sextante) o risco de não ouvir os apelos do nosso veículo para a vida: “Enquanto você guardar segredos e suprimir informações, estará fundamentalmente em guerra consigo mesmo... Uma questão crucial é permitir a si mesmo saber o que você sabe. Isso pode precisar de uma enorme quantidade de coragem”.

Por meio da dor nas costas, o corpo pede que mudemos nossa postura, que nos movimentemos. Uma dor de cabeça recorrente nos convida a reduzir o ritmo. O desconforto e a fadiga de uma digestão pesada são avisos do organismo de que não estamos fazendo as coisas bem.


O corpo fala conosco para que possamos fazer uma pausa ou promover mudanças em nossa vida. Se o silenciamos ou ignoramos, por estarmos concentrados no mental, corremos o risco de que na próxima vez que decidirmos satisfazê-lo seja tarde demais.

Sobre isso, a terapeuta corporal Anna Sólyom estabelece, em seu livro Reconecta con tu Cuerpo (Reconecte-se com seu corpo), a seguinte analogia: “Assim como quando um carro começa a falhar ou faz ruídos estranhos nós o levamos à oficina porque não queremos ficar parados na estrada, vale a pena ouvir as mensagens de dor. A dor é nossa amiga, nossa melhor aliada, já que busca nossa sobrevivência, busca corrigir o que fazemos mal para prolongar a vida do organismo (...). Estamos diante de um professor que ninguém quer”.


Vejamos quatro medidas cotidianas para aprender a ouvir nosso corpo e ficar amigo dele:

Fazer um scanner corporalUma técnica muito usada em mindfulness é a meditação focada em cada parte do corpo para saber como ele se sente. Deitados, devemos prestar atenção em diferentes partes e “escutar” o que elas nos dizem.

Dar um passeio diário. A ferramenta mais simples para sair do sedentarismo são nossas pernas. Nosso celular tem aplicativos que nos permitem definir uma meta diária −por exemplo, 5.000 passos.


Alimentar o corpo e a mente. Os japoneses aplicam a regra dos 80%, comendo um pouco menos do que a fome que têm, para promover a leveza corporal. Por outro lado, não devemos reduzir as horas de sono de que nosso sistema necessita para um bom reset diário.


Honrar o mensageiro. Em vez de abafar os sintomas com comprimidos, se escutarmos nosso corpo, ele nos dirá do que precisa. Jenny Moix, professora de psicologia da Universidade Autônoma de Barcelona, resume desta forma: “Nosso corpo precisa ser levado em conta, cuidado, mimado. Normalmente nos esquecemos dele, só a dor nos lembra de que ele existe. É como se fosse o grito do nosso corpo para prestarmos um pouco de atenção nele”.


Francesc Miralles é escritor e jornalista especialista em psicologia.

“Destruição é a agenda do Tradicionalismo”. A ideologia por trás de Bolsonaro e Trump.


Benjamin Teitelbaum passou 15 meses entrevistando os principais ideólogos conservadores atuais para escrever ‘Guerra pela eternidade’, que mostra a relação entre os gurus Olavo de Carvalho e Steve Bannon com esta ideologia antimodernista e de fundamentos religiososO pesquisador da extrema direita e etnógrafo americano Benjamin Teitelbaum.ED. UNICAMP


Entrevista de LETÍCIA DUARTE

Tanto no Brasil quanto nos Estados Unidos, a escalada populista com flerte autoritário dos Governos de Jair Bolsonaro e Donald Trump suscita comparações com o fascismo. Mas para o pesquisador da extrema direita e etnógrafo norte-americano Benjamin Teitelbaum, autor do livro Guerra pela eternidade (Editora da Unicamp, War for eternity: inside Bannon’s far-right circle ―no título original, em inglês), a cruzada em curso contra valores modernos e democráticos nos dois países pode ser melhor compreendida a partir de uma outra doutrina menos conhecida, o Tradicionalismo (com ‘T’ maiúsculo, para diferenciá-lo do conservadorismo tradicional). Não que a alternativa seja melhor, o autor se apressa em esclarecer.

Baseado em mais de 15 meses de pesquisa e entrevistas com ideólogos conservadores como o ex-estrategista da Casa Branca Steve Bannon, o guru do Bolsonarismo, Olavo de Carvalho, e o conselheiro do presidente russo Vladimir Putin, Aleksandr Dugin, Teitelbaum descreve em seu livro como essa teoria obscura seguida por eles têm influenciando os governos dos Estados Unidos, do Brasil e da Rússia.

Nesta entrevista concedida por vídeochamada ao EL PAÍS, o professor de Assuntos Internacionais e Etnomusicologia da Universidade do Colorado (EUA) explica por que ele considera esta ideologia mais radical em suas concepções antimodernistas do que o próprio fascismo. “Há um elemento de destruição no Tradicionalismo que não necessariamente existe no fascismo”, alerta. Mesmo após a derrota de Trump e a prisão de Bannon (sob acusação de desvio de recursos para a construção do muro entre os EUA e o México), o autor avalia que as forças que eles representam continuarão vivas —e testando as instituições democráticas. Também examina como o Tradicionalismo legitima desde o racismo até a propagação de teorias conspiratórias em relação à pandemia do coronavírus.

Pergunta. Seu livro descreve como o Tradicionalismo, que até pouco tempo era considerada uma doutrina marginal dentro da própria extrema direita, alcançou influência global. Para quem ainda não leu o livro, como o senhor sintetizaria essa doutrina?

Resposta. O Tradicionalismo é originalmente uma escola espiritual filosófica que se tornou política em certo nicho. Os seguidores basicamente acreditam que a humanidade está ao fim de um longo ciclo de declínio e que vai ser concluído com destruição e renascimento. O que foi perdido neste ciclo de declínio foi o conhecimento verdadeiro da religião e também a ordem nas nossas sociedades —incluindo a diferença entre homens e mulheres, posições sociais e espirituais. No lugar disso, teríamos um mundo massificado e secularizado, neste processo de modernização. O Tradicionalismo acredita que é preciso haver um cataclismo para restaurar o que acreditam ser a verdade. Um dos elementos desse Tradicionalismo politizado de direita é acreditar que é preciso restaurar uma hierarquia onde homens arianos e líderes espirituais estão no topo, em oposição a materialistas, não-arianos e mulheres.

P. Quais as principais consequências do Tradicionalismo, e o que mais lhe surpreendeu durante a pesquisa para o livro?

R. Vou começar pelo fim. A grande consequência é que o Tradicionalismo acrescenta uma motivação espiritual para o que poderia ser simplesmente uma agenda política do populismo de direita, antiglobalista, antiprogressista. As pessoas podem aderir a isso por diferentes razões, como ressentimento econômico, racismo, antifeminismo… Mas o Tradicionalismo oferece uma motivação religiosa. E esse é um elemento importante. No caso de Olavo de Carvalho, por exemplo, ele não expressa apenas um ódio às elites, desprezo à ciência, à mídia, às universidades. Existe também a visão, um certo mandato espiritual, com o desejo de destruir grandes organizações, como a União Europeia, as Nações Unidas. A seus olhos, a destruição é uma coisa boa. Isso é assustador e preocupante. Os tradicionalistas acham que essas grandes organizações querem unificar e homogeneizar o mundo com o comunismo, ou com dominação chinesa. Então Olavo quer ver o establishment no Brasil ser quebrado em peças e fraturado: sejam os militares, a universidade, a mídia. Destruição é a agenda.

O que me surpreendeu é que não sei por que isso aconteceu agora. Olavo, Bannon e Dugin são bem diferentes. Não conseguem trabalhar juntos, não é um círculo funcional. Mas o estranho é que essas ideias extremas acabaram vindo à tona basicamente no mesmo momento, e não pelas mãos de Bolsonaro, Trump, e Putin, mas pelas mãos das figuras atrás deles, como uma espécie de Rasputin... os conselheiros místicos, influentes.

P. Desde a publicação do livro nos Estados Unidos, no início deste ano, o cenário político mudou. Bannon foi para a prisão e Trump perdeu as eleições. Como você interpreta essas mudanças?

R. Eu sinto quase como se isso pudesse liberar a verdadeira mensagem do livro, porque o real sujeito do livro não são as ações de Bannon, Olavo e Dugin. É a história mais ampla por trás disso, para entender por que em lugares diferentes, com trajetórias independentes, vimos essa ideologia aparecer. A história não é sobre a ação de indivíduos. É sobre o que está por trás disso tudo, porque nos encontramos em um momento em que as pessoas estão buscando ideologias que parecem destoar tanto do padrão. E essa ideologia não é o comunismo, não é liberalismo, não é fascismo. O Tradicionalismo é tão fora do mapa que nenhum cientista político, nenhuma think tank em Washington, ninguém no Congresso e nenhum candidato à presidência jamais ouviu falar dele. E esse movimento ainda assim se sustenta. Há tanto desencanto, tanta frustração com o status quo, que nós vemos atores buscando alternativas radicais.

P. Vários pesquisadores vêm definindo essa guinada populista de direita que estamos vivendo em países como Brasil e Estados Unidos como uma retomada do fascismo. Você discorda, então?

R. Eu discordo, e isso não é pra dizer que eu acho que é melhor. Essa definição é errada, e há um certo nível de falta de interesse e rigor que leva a essa caracterização como fascismo. Mas o único jeito de compreender essa ideologia é levá-la a sério e ouvir o que ela realmente diz, em vez de olhar apenas a fachada. O Tradicionalismo é anti-progressista num nível que raramente vemos. Muitas pessoas costumam chamar a si mesmas de conservadoras, mas quase todo mundo no campo conservador é basicamente progressista no mundo ocidental. Elas acreditam que, se você reduzir as regulações governamentais do capitalismo e aumentar a liberdade individual sobre a propriedade, você pode criar uma sociedade melhor. Eles não são nostálgicos. O Tradicionalismo vai na direção diametralmente oposta. Eles não acreditam que é possível mudar ou melhorar a história, acham que é preciso desfazer todo o mal feito para as nossas sociedades, e isso não significa voltar apenas décadas para trás, mas séculos.

P. Qual a principal diferença entre o fascismo e o Tradicionalismo?

R. O fascismo é futurista, modernista, a despeito de tudo. Hitler e Mussolini queriam transformar radicalmente suas sociedades, revolucioná-las. O Tradicionalismo vai na direção contrária: quer voltar para trás, num nível que ninguém leva muito a sério. E é nesse ponto que as ideologias se separam. Ambas se opõem ao feminismo, ao multiculturalismo, às políticas emancipatórias contemporâneas. Mas as diferenças são significativas. Há um elemento de destruição no Tradicionalismo que não necessariamente existe no fascismo.

P. Você descreve no livro que certos autores tradicionalistas, como o italiano Julius Evola, colaboraram com o fascismo e com o nazismo. Qual o marco dessa separação ideológica?

R. O fascismo historicamente era amistoso com a ideia de modernização e com o pensamento científico. Quando Evola rompeu com os nazistas, foi justamente quando ele achou que eles estavam sendo materialistas demais, científicos demais. O entendimento de raça dos nazistas era visto como muito modernista e biológico para ele. O grande contexto é que o Tradicionalismo é cético em relação à ciência. E não acho que seja coincidência que pessoas na administração Bolsonaro, como Ernesto Araújo, e o próprio Olavo e pessoas de seu círculo, que leem e celebram o trabalho de autores como Guénon [o francês René Guénon, patriarca do Tradicionalismo] e Julius Evola, sejam também os mais adeptos a teorias da conspiração em relação ao coronavírus. Isso não é muito facilmente explicável olhando para o fascismo. É muito mais fácil de entender pelas lentes do Tradicionalismo.

P. Um ingrediente comum das teorias da conspiração em relação ao coronavírus é culpar a China pela pandemia. Seu livro conta que Bannon recebeu um milhão de dólares para militar contra o Partido Comunista Chinês. Não parece ser coincidência que, antes de ser preso, Bannon também tenha sido um dos primeiros a articular essa narrativa conspiratória do “vírus chinês”. No Brasil, vemos o mesmo discurso contra a China. Por que esta questão é tão crucial?

R. No caso de Bolsonaro, isso parece se justificar por uma oposição ao comunismo. Mas, para Bannon e Ernesto Araújo, há uma questão mais específica: o fato de a China ser secular, antirreligião, e ao mesmo tempo massificante, globalizante, por estar eliminando fronteiras. Isso é um problema para os nacionalistas. Não por acaso, Araújo escreveu em seu blog meses atrás que o maior problema não era o fato de a China ser um país contra o capitalismo, mas por ser contra o espírito. Então, para os tradicionalistas, a China não é uma vilã apenas pela questão econômica, mas é um demônio metafísico.

P. Como você vê o papel do Olavo nesse contexto?

R. Comparando com os outros, Olavo é ao mesmo tempo o mais tradicionalista de todos e também o menos. É mais porque não há um partido tradicionalista oficial, um clube, então o único jeito de ser oficialmente afiliado é ser iniciado em um centro religioso afiliado às ideias de Guénon, por exemplo, que podem ser centros hare krishna ou tariqas muçulmanas sufistas. E Olavo foi iniciado numa dessas linhas muçulmanas. Essas são credenciais tradicionalistas muito antigas, que são passadas por uma longa rede de pessoas. Mas olhando para Olavo hoje, ele não segue o Tradicionalismo de forma ortodoxa. É como se o Tradicionalismo fosse um tempero em seu pensamento. E isso é comum entre os tradicionalistas, pessoas que são inspiradas por essas ideias, mas as misturam com outras. E esse parece ser o caso de Olavo.

Jair Bolsonaro ao lado do ideólogo de extrema direita Olavo de Carvalho e do chanceler Ernesto Araújo, em meados de 2019.ALAN SANTOS / AFP

P. Depois da publicação, o Olavo atacou você, classificando-o como mentiroso.

R. Olavo disse que eu era um mentiroso, mas ele nunca respondeu quando eu enviei para ele um capítulo do livro antes da publicação. Os documentos que reuni mostram basicamente que Olavo se converteu ao islã, era chamado de Sidi Muhammad. E eu acredito que ele ainda seja, de acordo com algumas tradições religiosas.

P. Você disse que Olavo foi o “pior” dos seus entrevistados, o que reagiu de forma mais furiosa à publicação do livro. Por que você acha que Olavo teve a pior reação?

R. Eu acho que há duas coisas: primeiro, que ele ficou um pouco envergonhado de eu expor sua ligação com a tariqa do Schuon [Frithjof Schuon, herdeiro intelectual de Guénon], porque isso contradiz a imagem que ele projeta hoje, de um cristão zeloso. E ele fala e escreve melhor baseado em uma posição de vitimização. É mais fácil me chamar de mentiroso, em vez de ter revisado os materiais que eu havia mandado para ele com antecedência. E há uma questão de personalidade. Eu não quero fazer uma psicanálise, mas nenhum dos outros personagens pareceu tão desapontado.

P. Quando eu entrevistei Olavo, ele me disse que não tinha projeto para a sociedade, que ele só sabia o que ele era contra, não o que era a favor. Isso parece reforçar essa lógica tradicionalista de destruição.

R. Interessante você mencionar isso, porque uma das coisas mais perspicazes que o Olavo me disse durante sua entrevista foi uma frase sobre o tradicionalista René Guénon. Ele disse que Guénon estava certo em tudo o que ele rejeitava e errado sobre tudo o que ele apoiava. E, de certa forma, senti quase como se o Olavo estivesse falando de si mesmo quando estava falando isso. Ele pode criticar , mas não há meta alguma. Não há muito o que construir, é tudo sobre destruição. E se você pensar historicamente, a crítica é muito fácil. A construção de algo é que é difícil. Olhando para o pensamento conservador, a crítica que fazem ao marxismo é justamente o fato de Marx criticar tanto o capitalismo e não conseguir imaginar muito o que colocar no seu lugar.

P. Como o senhor imagina o futuro do Tradicionalismo?

R. Eu não sei quantas pessoas vão se identificar como tradicionalistas. O que eu sei é que muitos republicanos bem posicionados, trabalhando para organizações nacionais, estão mais sintonizados com o Tradicionalismo do que eu jamais imaginaria. O Tradicionalismo está circulando, e isso vem de leituras da alt right. Não é necessário que haja uma evangelização, não precisa. Steve Bannon nunca pensou em fazer isso. Essas são ideias circulando entre a direita intelectual dissidente, pessoas que querem tomar o lugar dos conservadores nos Estados Unidos. Então essas ideias são atraentes para pessoas que se consideram intelectuais e ideólogos. Mas eu acredito que isso é o sintoma de algo maior. Há uma frustração e uma insatisfação política que vai fazer com que essas pessoas continuem procurando ideólogos e pensadores que querem alternativas e mudanças radicais, que querem repensar nossa democracia. E isso pode acontecer via Tradicionalismo ou outra ideologia, mas eu acredito que continuaremos vendo essa tendência.

P. Como a derrota de Trump afeta essa tendência? O movimento se enfraquece?

R. Trump perdeu, mas ele continua sendo incrivelmente popular entre a direita. Não há nada parecido, nenhum republicano jamais recebeu tantos votos nos Estados Unidos. E além disso os republicanos ainda foram muito bem nas votações do Senado, no Congresso. Eles têm uma penetração crescente entre grupos minoritários e pessoas sem diploma. Tenho entrevistado muitos jovens republicanos e eles seguem a cartilha de Trump. Eles acreditam que Trump mostrou que, se conseguirem combinar políticas econômicas liberais com políticas sociais conservadoras, eles podem vencer os democratas. Isso deve manter a ideologia trumpista viva.

P. E como o senhor vê as perspectivas para Bolsonaro, um dos maiores aliados de Trump, após a vitória de Biden?

R. Bolsonaro tem um problema real, não vejo o mesmo potencial para ele. Me parece que ele se antecipou ao se aliar aos Estados Unidos e virar as costas para a China. Agora que os Estados Unidos subitamente se transformaram e não o querem mais como parceiro, quem serão os amigos de Bolsonaro? Acho que o que salva Bolsonaro é que nem todos os seus subordinados no setor público levam tão a sério suas ameaças à China e seguem fazendo seu trabalho para manter as relações. Se tudo o que ele diz fosse levado à risca, o Brasil estaria realmente em apuros.

Antes também tínhamos Bannon, que fazia uma boa interlocução com o governo Bolsonaro. Havia um círculo, formado por Araújo, Bannon, Olavo, o embaixador brasileiro, e Gerald Brant. Eles tinham jantares juntos, confraternizaram frequentemente, em todas as visitas, mesmo Bannon não tendo cargo oficial no Governo Trump. Agora que tudo isso implodiu, é difícil saber quem manterá o entusiasmo por Bolsonaro em Washington. Trump não se importa muito.

 

Steve Bannon, ex-estrategista, ao deixar a Corte Federal de Manhattan, em 20 de agosto, após ser acusado de fraude e conspiração. ANDREW KELLY / REUTERS

P. O senhor tem formação em música. Como começou a pesquisar a extrema direita?

R. Eu era um etnomusicólogo e estava estudando a relação entre música e cultura. Estava na Suécia e ia escrever uma dissertação sobre um ritmo assimétrico na música folk sueca. Ninguém no mundo ia ler isso (risos), mas enquanto eu estava lá a extrema direita assumiu o poder no país, e eles disseram que iriam investir na música folk sueca. Achei isso interessante, e decidi entrevistá-los sobre isso. Percebi que isso significava uma grande mudança para eles. Historicamente, a extrema direita era associada à música metal skinhead white power, mas, assim que tomaram o poder, queriam transformar sua imagem. Então havia uma história ali, a história de como estavam tentando reconstruir sua imagem não pela política, mas pela música.

Esse foi o começo, há mais de uma década. O interessante é que quando eu dizia para as pessoas que era um pesquisador de música, as pessoas falavam comigo. Se eu dissesse que era jornalista, historiador, ou cientista político, certamente ficariam mais desconfiados. Quando você chega perguntando sobre sua agenda política, eles se assustam. Mas se você chega perguntando que tipo de música eles mais gostam, eles se abrem.

P. Uma pergunta que ouço com frequência é por que devemos estudar pessoas como Olavo de Carvalho, ou Bannon. Há quem diga que são malucos, radicais, e que ao escrever sobre eles estaríamos dando plataforma. Por que, na sua opinião, é importante estudá-los?

R. Eu sou um acadêmico. Sou um etnógrafo, um antropólogo. E antropólogos estudam pessoas. Acreditam que todos merecem ser estudados. Meu editor tem uma explicação diferente. Ele diz que essas pessoas geram consequências, e que por isso precisamos compreendê-las. Acho que há um outro aspecto importante: muita análise que se faz da extrema direita é realmente ruim, simplista. Existe tanto medo em contribuir para a criação de mitos que a resposta acaba sendo muito simplista, com rótulos como ‘eles são racistas’, ‘eles são nazistas’. Mas devemos prestar atenção para o fato de que esse discurso também é anti-intelectual. As pessoas ficam com medo dos detalhes, das nuances. E a consequência acaba sendo uma falta de entendimento, se perde o grande contexto. Quando você estuda um fenômeno social, as questões precisam ser bem mais amplas do que se isso é bom ou ruim.

BENJAMIN TEITELBAUM, AUTOR DE 'GUERRA PELA ETERNIDADE' E PROFESSOR DA UNIVERSIDADE DO COLORADO.
Benjamin Teitelbaum passou 15 meses entrevistando os principais ideólogos conservadores atuais para escrever ‘Guerra pela eternidade’, que mostra a relação entre os gurus Olavo de Carvalho e Steve Bannon com esta ideologia antimodernista e de fundamentos religiosos

Redes Sociais: os idiotas sempre tiveram voz, a diferença está em quem os ouve

 As redes sociais deram voz a uma legião de idiotas. Desde que o filósofo italiano Umberto Eco fez o raciocínio em 2015, ele virou uma verdade absoluta da internet, já que o idiota é sempre o outro. Quando recebia o título de doutor honoris causa em comunicação e cultura na Universidade de Turim, o escritor fez um discurso sobre a sociedade do espetáculo. Começou com o idiota da aldeia, algo que sempre existiu. Com a TV, o idiota da aldeia já conseguiu um patamar superior e, na internet, "têm o mesmo direito à palavra de um Prêmio Nobel", defendeu. Na aldeia, a baderna do idiota era logo calada. Na internet, ele é mais ouvido que os demais.

Evidente que, ao possibilitar contato imediato o tempo inteiro com pessoas em todos os cantos do planeta, a internet nos apresenta idiotas e formas de ser idiota que ainda não conhecíamos. Ocorre que também apresenta muita coisa que presta. O problema está no idiota, na possibilidade do idiota falar, no tipo de coisa que o idiota fala ou na aldeia? Inspirada pela colorista digital Marina Amaral, especializada em história e ícone mundial em sua área, trago a vocês o desafio de comparar o que escrevemos nas redes com o que se escrevia em 79 d.C..

Quem visita a fascinante Pompéia, ao pé do vulcão Vesúvio, no sul da Itália, geralmente chega atraído pelos corpos petrificados na erupção há 2 mil anos. Mas é no lupanar, a "casa de tolerância", que a gente reconhece a essência da alma humana que segue sendo a mesma tanto tempo depois. As frases escritas na parede por prostitutas, clientes e frequentadores do local são frases que, nos anos 80, caberiam na porta de um banheiro público e hoje são mundialmente unificadas no Twitter.

As redes sociais encorajam anônimos a despejar publicamente toda sua frustração, insegurança, inveja e recalque em forma de discurso violento e maldoso. Será? Recentemente, arqueólogos começaram a coletar frases pichadas em 79 d.C. por toda Pompeia, além do lupanar. Será que as redes sociais mudaram o que dizemos ou o que escolhemos ouvir e reverberar? Confira.

Há 2 anos, uma maledicência escrita numa casa particular mudou a história que conhecemos de Pompéia. Até então, a data da erupção do Vesúvio era estimada entre agosto e setembro, mas com base na transcrição de um documento oficial, feito pelo historiador Pliny com o relato da tragédia 25 anos depois que ela aconteceu. Essa pichação é a prova científica de que a erupção foi depois, no inverno, pelo menos em outubro. Como foi feita em carvão, que se apaga com facilidade, foi preservada apenas porque toda a cidade acabou atingida pela erupção no máximo uma semana depois da inscrição, explicou a arqueóloga Kristina Killgrove na Revista Forbes norte-americana.

Nos acostumamos a ver a história da humanidade contada a partir de grandes atos e grandes feitos, como se as miudezas do nosso dia a dia estivessem apartada de tudo o que nos faz evoluir. A descoberta da diferença de dois meses pode parecer uma bobagem, mas é algo fundamental para todos os estudos mais avançados sobre epidemias, pandemias e doenças recorrentes.

Os bioarqueólogos estudam os restos mortais de cadáveres ancestrais encontrados pelo mundo em busca de patógenos que se assemelhem aos que hoje causam doenças, então comparam os dados históricos do que ocorreu com aquela população, se a doença migrou, voltou, acabou. Dois meses são a diferença entre inverno e outono. Ou seja, uma doença recorrente de inverno é causada por um patógeno que age melhor em temperatura mais baixa. Agora, na pandemia, vemos o quanto a questão da temperatura influi nos estudos sobre o vírus e sobre possíveis vacinas e remédios.

É uma frase que pode ter um impacto enorme nos estudos de história, arqueologia e biologia. Sem dúvida, é uma frase histórica de 79 d.C., que ficou durante 2 mil anos escondida até escavações recentes. O que dizia? Em latim: "XVI (ante) K(alends) Nov(embres) in[d]ulsit pro masumis esurit[ioni]." Em português: "No dia 17 de outubro, ele se empanturrou de comida".

O pé do Vesúvio é um terreno arqueológico que não temos nem ideia de quando terminará de ser estudado. Em Pompéia, as escavações ainda prosseguem. Já foi encontrada uma cidade mais antiga, que também sucumbiu a uma erupção e está embaixo da que conhecemos. Outras áreas continuam sendo escavadas e analisadas com tecnologia cada vez mais moderna. É uma amostra de que a natureza humana, essa que conhecemos das pequenas alegrias e sofrimentos do cotidiano, permanece a mesma.

As "redes sociais" de Pompéia

Trago aqui uma coletânea de frases encontradas nos mais diversos lugares de Pompéia. Algumas são anônimas, as outras são assinadas, mas impossível saber se pelo real autor ou se com nome de outra pessoa. A maioria era feita com materiais que logo se apagavam e em locais onde outras pessoas podiam ver. Podemos imaginar que a única diferença entre as pichações e as redes sociais é que antes não tinha print. Pois é, só que estamos aqui 2 mil anos depois vendo todas essas frases na internet.

"O ministro das finanças do imperador Nero disse que esta comida é veneno", anônimo, na casa de Cuspius Pansa, integrante de uma família de políticos poderosos.

"Floronius, soldado privilegiado da 7a legião, esteve aqui. As mulheres nem perceberam a presença dele. Só 6 mulheres vieram aqui para conhecê-lo, bem poucas para tal garanhão", anônimo, no quartel dos gladiadores.

“Para aquele que anda defecando aqui. Cuidado com a maldição. Se você desprezar esta maldição, pode ter um Júpiter zangado como inimigo” - inscrição na porta da casa de Pascius Hermes.

Arqueologia ou rede social?
Arqueologia ou rede social?

Neste pequeno quadrado da parede da basílica, temos 3 frases:

"Virgula para seu amigo Tertius: você é repugnante."
"Lucius Istacidius, eu trato como estranho qualquer um que não me convida para jantar."
"Samius para Cornelius: se enforque!"

Todas as paredes têm inscrições. Vamos a mais exemplos:
"Phileros é eunuco."
"Ephapra, você é careca!"
"Chie, espero que suas hemorróidas se esfreguem tanto que doam mais do que antes!"
"Ephapra joga bola mal."
"O homem com quem eu estou jantando é um bárbaro."
"Eu poderia acariciar as costelas de Vênus com um pedaço de pau e chicotear suas nádegas com uma alavanca: ela perfurou meu coração, e eu ficaria feliz em quebrar sua cabeça com um porrete!"

"Ó, paredes, vocês suportam tanto grafitti tedioso que eu fico impressionado que ainda não tenham tombado" - anônimo, na Basílica de Pompéia.
"Ó, paredes, vocês suportam tanto grafitti tedioso que eu fico impressionado que ainda não tenham tombado" - anônimo, na Basílica de Pompéia.

Sabem essa história de "fake news" e campanhas eleitorais difamatórias? Então, também tinha em Pompéia. O print é eterno.

Fake News difamando Vatia, candidato a administrador de Pompéia, no meio da campanha positiva de dois outros candidatos.
Fake News difamando Vatia, candidato a administrador de Pompéia, no meio da campanha positiva de dois outros candidatos.

"Os bandidinhos pedem que Vadia seja eleito para aedile (administrador da cidade)."
"Todos o bando que bebe até tarde é a favor da eleição de Vadia."

"Vesonius Primus apóia a eleição de Gnaeus Helvius para aedile, um homem à altura do cargo."
"Os ourives de forma unânime apóiam a eleição de Gaius Caspius Pansa para aedile."
 (É o mesmo que recebeu, em outro grafitti uma "crítica" à comida que serve em sua casa.)

Estas inscrições anteriores não são feitas por cidadãos comuns, são inscrições encomendadas a profissionais, utilizados nas campanhas políticas e também nos anúncios comerciais de Pompéia, colocados nos locais mais movimentados da cidade. No caso, era um bar, onde também há inscrições de pessoas comuns, como:

"Dois amigos estiveram aqui. Enquanto estavam, eles receberam um serviço ruim em todos os sentidos de um cara chamado Epafrodito. Eles o expulsaram e gastaram 105 e meio sestércios (moeda local) mais agradavelmente com prostitutas."

"Manuseie com cuidado." - ao lado da pintura de um pênis.

Nos livros de história, as pessoas que viveram no tempo de Cristo parecem muito diferentes de nós. Eu não consigo encontrar palavras para descrever a sensação de constatar que estamos há 2 mil anos reclamando das mesmas coisas e repetindo as mesmas pequenas maldades indefinidamente. Por que só agora as pessoas enlouquecem tanto e parecem hipnotizadas? O que mudou é a configuração da praça pública e a maioria de nós ainda não percebeu.

Fake News eleitorais: Pompéia x Brasil

Após anos de estudo e dedicação, fico sabendo que as campanhas políticas na época de Cristo falavam exatamente as mesmas coisas que falamos hoje. A diferença está no impacto, distribuição e reação ao conteúdo. Imagine se fosse possível controlar essas variáveis para favorecer ou prejudicar um candidato. Vamos voltar à parede do bar para um exemplo prático.

Todos os que passavam por lá viam, ao mesmo tempo, as seguintes frases:
"Os bandidinhos pedem que Vadia seja eleito para aedile (administrador da cidade)."
"Todos o bando que bebe até tarde é a favor da eleição de Vadia."

"Vesonius Primus apóia a eleição de Gnaeus Helvius para aedile, um homem à altura do cargo."
"Os ourives de forma unânime apóiam a eleição de Gaius Caspius Pansa para aedile."

Imagine se fosse possível mostrar às pessoas só as frases que interessam, por exemplo, a Vesonius Primus, que era o então administrador de Pompéia.

A primeira providência seria diminuir o máximo possível o alcance informação do apoio unânime dos ourives a Gaius Caspius Pansa e maximizar o alcance do apoio de Vesonius Primus a Gnaeus Helvius. Depois, seria necessário fazer os boatos sobre Vadia chegarem a pessoas que já nutrem alguma antipatia por ele, melhor ainda se tivessem sido vítimas dos pequenos ladrões da cidade ou não gostassem dos bêbados que ficavam pelas ruas até tarde. Quanto mais os simpatizantes de Vadia demorassem para saber dos ataques, melhor.

As informações selecionadas deveriam chegar às pessoas num momento em que não estivessem perto de ninguém em que confiam e que duvidasse do que foi dito. O cenário perfeito seria montar essa operação enquanto as pessoas pensassem que todas elas estão vendo as mesmas frases na parede. Isso hoje tem o nome de Facebook, Twitter, Google, YouTube e Instagram. Não é à toa que são bilionários e tornaram os políticos e a imprensa reféns.

Todos os jornalistas estão inseridos no mesmo contexto. Dessa forma, a percepção de mundo que boa parte da imprensa passa a ter é construída a partir de informações selecionadas de acordo com o perfil individual. A própria imprensa passa a dar importância àquilo que é mais visível e causa mais indignação aos indivíduos que compõem uma redação. Ocorre que esses processos são artificiais e se atribui importância a fatos sem que se tenha acesso ao todo.

Prender o jornalismo no ecossistema das redes sociais faz com que se tornem o tema do dia os não-fatos ou as passagens anedóticas, como o conflito Bolsonaro-Dória sobre a vacina que ainda nem existe. Enquanto isso, assuntos espinhosos que não interessam a quem gasta com os anúncios passam despercebidos. Um exemplo? O Fundo Eleitoral não está sendo gasto com campanhas, falta menos de um mês para as eleições e a maioria do dinheiro não foi repassada para os candidatos, principalmente mulheres.

Na semana passada, o Wall Street Journal publicou uma reportagem investigativa mostrando que o próprio Mark Zuckerberg, depois de jantar com políticos e lobistas importantes, pediu e supervisionou mudanças no algoritmo do Facebook para maximizar a distribuição de alguns produtores de conteúdo e diminuir a de outros. Os atingidos pela redução já haviam percebido, mas julgavam ser questão ideológica. Não era. Os que esclarecem as pessoas sobre como as plataformas desinformam são os alvos, em qualquer espectro ideológico. O que produzem tem menos alcance, gente falando bem tem menos alcance e a difamação é maximizada.

Logo após as eleições presidenciais nos Estados Unidos, as plataformas foram chamadas ao Congresso Nacional para esclarecer a lambança que haviam feito. Em seguida, explodiu o escândalo da Cambridge Analytica, até então a empresa mais famosa em capturar a história de vida e comportamento das pessoas para direcionar informação que interessa a seus clientes. O Facebook declarou oficialmente que iria mexer no algoritmo para reduzir o alcance de postagens políticas e aumentar o que vemos de posts pessoais dos nossos amigos, objetivo inicial da plataforma.

Isso foi feito, mas iria afetar demais clientes gordíssimos do Facebook, os novos "comunicadores independentes", gente paga por políticos, empresas e instituições para emitir opiniões sensacionalista mexendo com os medos e traumas das pessoas. Eles são os melhores clientes das plataformas porque, como a incoerência no comportamento pode ser percebida até por crianças, precisam apelar para a manipulação das emoções individuais para ganhar confiança do público. Isso custa dinheiro e é legalizado, chama-se impulsionamento e marketing segmentado.

Na primeira mudança, um dos clientes mais gordos teve um impacto além do esperado e, conforme noticiado pela imprensa na época, os donos do empreendimento jantaram com Mark Zuckerberg na mesma época em que ele manteve reuniões com órgãos tradicionais de mídia, que foram menos afetados porque têm reputação mas queriam acertar as coisas. Agora, o WSJ informou que os engenheiros do Facebook foram chamados a fazer uma segunda mudança, pessoalmente supervisionada por Zuckerberg. Era preciso dar um grau extra de diminuição aos veículos que combatiam esses clientes.

Você já deve ter visto reclamações de diminuição de alcance de postagens tanto à direita quanto à esquerda e isso nos faz questionar qual a ideologia das plataformas. Chama-se dinheiro. Os que mais precisam colocar dinheiro na plataforma para chegar às pessoas são os que têm conteúdo com potencial explosivo, sem credibilidade e bancado por algum interesse econômico que não pode ser dito abertamente. Quem os incomodar sofrerá as consequências.

Este não é um problema do Facebook. Citei o caso específico porque é o mais novo. O que mais me incomodou, particularmente, é em outra plataforma. No ano de 2018, foi criado o YouTube Kids, para que nossos filhos não fossem expostos a conteúdo adulto, violento, malicioso ou de desinformação. Pois bem, 3 anos depois que a plataforma estava no ar e milhões de pais em todo o mundo pensavam ter resolvido um problema, a Business Insider descobriu que o algoritmo do YouTube oferecia às nossas crianças teorias conspiratórias em vez de conhecimento.

A reportagem fez buscas simples, dessas que a gente fazia em enciclopédia. Procuraram, por exemplo, "chegada do homem à Lua". Todos os vídeos que apareciam no YouTube Kids eram diferentes teorias de como a NASA nunca foi à Lua e de que forma encenou uma mentira para o mundo todo. Ao vê-los, a crianças era sugada para um universo paralelo de medo: seres humanos híbridos vivendo entre nós a serviço de extraterrestres, sacrifícios humanos feitos em lojas maçônicas, o governo dos EUA planejando o assassinato do presidente Kennedy, os aliens que vivem na Lua, difamação de vítimas de tiroteios em escolas. Isso era o conteúdo para crianças.

A resposta do YouTube para a Business Insider foi: "O aplicativo YouTube Kids oferece uma grande variedade de conteúdo que inclui vídeos enriquecedores e divertidos para famílias. Esse conteúdo é exibido usando sistemas treinados por humanos. Dito isso, nenhum sistema é perfeito e às vezes erramos o alvo. Quando o fazemos, tomamos medidas imediatas para bloquear a exibição de vídeos ou, conforme necessário, canais no aplicativo. Continuaremos trabalhando para melhorar a experiência do aplicativo YouTube Kids."

Um novo mundo?

Há dois mil anos temos as mesmas ambições, as mesmas irritações, as mesmas frustrações e reagimos a tudo isso do mesmo jeito. A qualidade humana, sagrada e imperfeita, atravessa os séculos com as mesmas glórias, os mesmos defeitos e uma única segurança: a união nos equilibra. Seja uma família, uma empresa, uma pequena comunidade ou um país, viver sabendo que somos parte de um todo e iguais em dignidade e direitos é o que possibilita que as qualidades de um supram os defeitos do outro.

O que o nosso mundo novo trouxe não é uma nova teoria nem uma nova forma de negócio. Dividir para governar é ancestral. A diferença é que isso antes só era possível para uns poucos, os que têm instinto, talento para governar, força, poder e aliados. Agora, está ao alcance de qualquer um que queira pagar por impulsionamento e segmentação de anúncios. É uma espécie de integração homem-máquina em que a máquina supre a capacidade que falta a um indivíduo para causar divisão social e ganhar com ela.

Não é um mecanismo feito para a política. Como na nossa ancestral Pompéia e seus letreiros profissionais, começou para promover negócios e depois o mundo político achou uma boa ideia. O problema da nossa era é matar a galinha dos ovos de ouro, distorcer a praça pública e fragmentar a sociedade de uma forma que nos deixa vulneráveis como indivíduos e como povos. Precisamos urgentemente sair da zona de conforto que é debater apenas conteúdo, nosso futuro está em entender e controlar o contexto.

COLETÂNEA PARA APRESENTAR JUNG