Caro Membro Anônimo, você me fez lembrar um conto que a uma grande professora me contou no exercício do chá, em Porto Alegre a uns 20 anos... A Parábola da Semente de Mostarda.Fala de "Kisa Gotami" que era uma jovem mulher que pertencia a uma família humilde e que se casou com um bom homem com quem teve um único filho, a quem amava profundamente. Quando a criança ainda era pequena, adoeceu gravemente e morreu.Enlouquecida pela dor, Kisa Gotami se recusava a aceitar a morte do filho e fugiu de casa carregando o corpo do menino nos braços, ela percorreu a sua vila, suplicando a todos que encontrasse por um remédio que pudesse trazê-lo de volta à vida.
As pessoas a consideravam louca, mas um homem, compadecido com toda aquela dor, sugeriu que ela fosse até o homem que as pessoas chamavam de "Buda", que quer dizer: "Aquele que esta acordado", e que estava meditando em um bosque próximo. As pessoas diziam que ele se tornara incrivelmente sábio e poderoso... Que até realizava milagres!Ela correu na direção em que falavam que ele estava e chegando até o Buda, ela se ajoelhou e implorou: "Ó Iluminado, por favor, dê-me um remédio que possa curar e trazer de volta à vida o meu único filho."O Buda, com grande compaixão, ouviu o seu desespero e concordou em ajudá-la. Ele disse: "Deixe seu filho aqui comigo e vá até a cidade e traga-me um punhado de sementes de mostarda. No entanto, há uma condição: essas sementes devem vir de uma casa onde nunca tenha ocorrido uma morte, onde nenhum ente querido tenha sido perdido. Peça as sementes e pergunte sobre essa condição! Quando obtiver as sementes de um lugar assim me traga!"Cheia de esperança, Kisa Gotami saiu imediatamente. Ela bateu na porta da primeira casa e pediu algumas sementes de mostarda. As pessoas buscavam as sementes de bom grado, quando ela perguntava sobre a condição para o ato mágico funcionar: "Esta casa já foi tocada pela morte? Já perderam alguém aqui?", a resposta era sempre a mesma: "Sim, já perdemos um pai", "Há alguns anos perdemos nossa filha", "Meu avô faleceu aqui no inverno passado", "Este ano mesmo perdi alguém que eu amava... e isso ainda dói..." Assim por diante.Todos a quem ela perguntava traziam suas histórias de dor e perdas antigas e vivas ou recentes e muito sofridas, e a medida que ela ouvia sua histórias aos poucos foi entendendo o poder da dor e da perda de cada família, de cada pessoa... e se tomando d e compaixão por cada história e cada pessoa com quem falava.Casa após casa, família após família, as histórias se repetiam e ela percebia com um espelho da sua própria dor. Ela não conseguia encontrar um único lar que estivesse livre do sofrimento e da perda. Vila por Vila, até a percorrer toda a cidade, ela finalmente compreendeu a profunda verdade que o Buda queria lhe mostrar.Exausta e transformada, ela retornou ao Buda sem as sementes. A sua dor egoísta deu lugar a uma compreensão universal. Ela disse ao Buda: "É impossível encontrar uma casa assim. A morte é um destino comum a todos. O sofrimento é parte da vida."O Buda confirmou: "Naquele momento você pensava que apenas você sofria, mas a lei da vida é a mesma para todos. Tudo o que nasce está sujeito à morte (anicca - impermanência). O sofrimento (dukkha) é inerente à existência. Agora vamos dar os ritos ao seu amado filho!"Kisa Gotami então cremou o filho, jogou as cinzas no rio e voltou para onde Buda falava para jovens aprendizes, pedindo para ser aceita como sua discípula. Ela se dedicou profundamente à prática espiritual e, diz a tradição, eventualmente atingiu a própria "iluminação".O Buda não curou o menino magicamente. Em vez disso, ele guiou Kisa Gotami para que ela mesma visse e aceitasse a verdade da vida, curando assim a sua mente do sofrimento desnecessário causado pela negação e pelo apego.
A escolha de estudar psicologia ou psicanálise a partir de um lugar de sofrimento pessoal e necessidade de compreensão não é incomum — na verdade, muitos profissionais entram na área por esse caminho.
Salvo raras exceções, os primeiros psicanalistas era todos analisandos de Freud. E a primeira forma de "formação" psicanalítica tratava de ter como regra a pessoa se por como paciente em uma terapia formal…
Daí a regra da “Análise Didática" (ou terapia pessoal obrigatória) não ser um capricho de Freud; mas a condição “SINE QUA NON” para a prática. Ele reconhecia que o instrumento principal de trabalho do analista não é uma teoria, um teste ou uma técnica, mas a própria mente do analista.
Você fala: ““A situação: pessoa que pensa em engajar na carreira de psicologia ou psicanálise motivado não apenas pelo auto sustento, mas sim pela curiosidade e necessidade.””
1º: Se há uma curiosidade genuína no aprendizado ele, para ser saudável, precisa ser distanciado da simples necessidade de segurança e controle, que é uma armadilha potencial em quem não trata da própria idiossincrasia.
Percebe?
A busca por entender a natureza da mente humana é, em si, próxima de uma busca espiritual. O estudo pode ser uma forma de "dharma", um ensinamento sobre a condição humana. Se a pessoa conseguir usar o conhecimento para desenvolver compaixão por si e pelos outros, entendendo a universalidade do sofrimento (como Kisa Gotami), o caminho será benéfico. A psicanálise veria essa escolha potencial como um exemplo clássico de sublimação.
O risco é o da intelectualização como forma de apego.
MAS ESTE RISCO EXISTE SE VOCÊ NÃO BUSCAR A EDUCAÇÃO E A FORMAÇÃO TAMBÉM!
Uma pessoa pode — e frequentemente se encontram pessoas que fazem isso por aí — “racionalizar” e responder de forma inadequada aos outros e a vida sem nunca ter estudado psicologia.
A racionalização não é um conceito inventado pela psicologia; é A DESCRIÇÃO de um mecanismo de defesa natural da mente humana, identificado e nomeado pela psicanálise. A psicologia apenas descreve, estuda e ajuda a identificar esse processo, que já acontece com qualquer um.
O Zen alerta contra confundir o mapa (a teoria) com o território (a experiência real).
Se a pessoa estudar apenas para construir uma fortaleza intelectual que a separe da ansiedade e da dor, sem de fato se engajar com sua própria experiência, estará se afastando da iluminação. E por tabela o mesmo vale para a psicologia. É como "beber água sobre a sede de outro". Nisso a pessoa vive como uma forma de evitar olhar para o próprio sofrimento.
2º A descrição aponta para a percepção de "sempre se sentir diferente"; De Isolamento Social ou dificuldade de encontrar pessoas com quem se identifique e possivelmente de ter construído uma ferramenta emocional onde tem necessidade de controle para se sentir confiante.
Nisso a escolha pela psicologia pode ser um estilo de coping saudável. É uma maneira de a pessoa usar sua hipervigilância e necessidade de entender (um "modo esquema") para se reconectar com os outros, transformando sua dor em um propósito. É uma forma de buscar "reparentagem" pessoal, dando a si mesma, através do estudo, o entendimento e a segurança que não teve.
Coping saudável (ou enfrentamento saudável) refere-se ao conjunto de estratégias conscientes e adaptativas que uma pessoa utiliza para gerir de forma eficaz situações de estresse, conflito, dor emocional ou adversidade.
Então o perigo é que a escolha seja uma “compensação rígida”. Ou seja, em vez de curar o sentimento de incompetência ou isolamento, a pessoa se torna "supercompetente" teoricamente para mascarar a ferida, sem nunca realmente se curar.
Então você pergunta: “E então vocês diriam que isso é saudável ou não?”
A decisão de sair da reclusão e "enfrentar os desafios" para "entender as pessoas" é um movimento incrivelmente corajoso e saudável em direção a um apego mais seguro.
É a tentativa de mapear o território humano para navegá-lo com menos medo.
O risco é que a profissão (QUALQUER PROFISSÃO QUE SE ESCOLHA) se torne uma forma de cuidar dos outros para evitar ter que ser cuidado.
A pessoa pode se colocar sempre no papel do ouvinte, do especialista, do forte, evitando assim a vulnerabilidade de ser a que precisa de ajuda.
Isso pode reforçar o sentimento de isolamento ("ninguém me entende como eu entendo os outros") e levar a uma solidão profunda.
Então pode ser uma tentativa legítima e admirável de cura e adaptação.
A pessoa não estaria fugindo; ela estaria se engajando ativamente com a fonte de sua ansiedade de uma maneira produtiva.
A chave para que isso permaneça saudável está na intenção e no processo!
Esta pessoa precisa ser seu próprio primeiro caso de estudo.
Ela deve engajar em terapia pessoal (seja psicanalítica, ou não, mas por via de processo formal) paralelamente aos seus estudos.
Isso transforma o risco da intelectualização em uma oportunidade de integração.
O que você acha?
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