Bernard-Henri Lévy: “Bolsonaro derrotou mais a direita do que a esquerda”

Bernard-Henri Lévy: “Bolsonaro derrotou mais a direita do que a esquerda”

Filósofo lamenta a "pornografia política" do presidente eleito brasileiro, a quem compara com Nicolás Maduro

Bernard-Henri Lévy fala sobre Jair Bolsonaro
Bernard-Henri Lévy, durante sua visita a São Paulo, em 24 de novembro. JANSSEM CARDOSO

Bernard-Henri Lévy visita o Brasil em um de seus momentos mais turbulentos, quase como nos tempos em que este filósofo, formado igualmente entre maoístas e holofotes, ainda estava construindo sua reputação de pensador de ação e ia ao Irã nos anos setenta ou à Bósnia nos anos noventa. Vestido com seu eterno uniforme – terno escuro camisa branca parcialmente desabotoada – com o qual se tornou um dos pensadores mais midiáticos e conhecidos da França e de grande parte da Europa, Lévy (Argélia, 1948) vai direto ao problema entre goles de chá em um hotel em São Paulo: “Todo o mundo está olhando para o Brasil. O que seu presidente eleito, [Jair] Bolsonaro, faz é discutido em todos os lugares e o que estamos vendo é um presidente sem programa, nostálgico de um dos momentos mais sombrios da história do país e sem amor genuíno por sua terra natal. O mundo está assombrado com a incrível vulgaridade de alguns de seus comentários. É pornografia política. Como fala das minorias, das mulheres. O mundo está estupefato”, repete com finíssima indignação parisiense. E resume a questão que mais escandaliza os cientistas políticos de todo o mundo: “E não venceu dando um golpe, mas através das urnas”.
O Brasil é apenas uma frente de uma guerra global, pondera com um certeiro cruzamento de pernas, uma guerra que absorve praticamente o mundo inteiro. “Há uma luta ideológica entre a xenofobia e o humanismo, entre os extremos, da esquerda à direita, que se alinharam nas ruas para destruir os valores republicanos e as forças do progresso”, diz. “O Brasil está dentro dessa corrente global e, de certo modo, seu líder populista é o mais caricatural de todos.”
Pergunta. Quando Trump ganhou a presidência em 2016, o senhor alertou os norte-americanos de que, para além da ideologia do vencedor, “milhões de gênios acabaram de sair da lâmpada” com aquela vitória. O senhor estenderia esse alerta hoje aos brasileiros?
Resposta. Fiz duas advertências quando Trump foi eleito. Os geniozinhos saíram da lâmpada e também avisei aos judeus que se cuidassem dos presentes e afetos de Trump. O afeto que não nasce do amor verdadeiro é muito perigoso e tem efeitos colaterais terríveis. Diria o mesmo aos brasileiros. A eleição de Bolsonaro libertou milhões de geniozinhos. E eu diria a eles para terem cuidado com esses gestos de amizade aparente, não porque podem se revelar uma mentira amanhã, mas porque podem ter um significado inesperado e triste amanhã. Não vi na história uma época em que os judeus não acabem como vítimas.
P. O senhor se mobilizou especialmente contra o Brexit nos últimos anos. Compartilha das comparações de que essa votação e a vitória de Bolsonaro pertencem à mesma convulsão destrutiva contra a ordem estabelecida?
R. O Brexit não está destruindo o establishment; o Brexit é o establishment. Boris Johnson, as pessoas que clamam pela separação, são o establishment. O que é que o Brexit destrói? O Reino Unido. Não o establishment. Da mesma forma, Bolsonaro também não faz dano algum ao establishment, ele o faz ao Brasil. Ou poderia fazer, pelo menos. Ele faz parte do establishment, do pior do Exército e do pior da direita das cavernas. E se é uma arma de destruição, não é da destruição das elites, mas do que foi construído neste país, desde que, mais ou menos, terminou a ditadura militar (1964-1985).
P. Ele, no entanto, declara guerra à esquerda e consegue que a direita o deixe em paz, talvez motivada por esse inimigo comum. Mas Bolsonaro não é mais inimigo?
R. A vitória de Bolsonaro é uma derrota da esquerda, mas é uma derrota muito mais importante da direita. Bolsonaro a devorou. Essa direita liberal, limpa, republicana, que quis construir um país de costas para a ditadura, essa direita é o objetivo principal de Bolsonaro. Ele quer acabar com ela e em parte conseguiu. Hoje ela está fora do jogo.
P. Bolsonaro fez com que milhões de pessoas falassem da esquerda como uma entidade única que abarca do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao venezuelano Hugo Chávez...
R. [interrompe] Não existe comparação possível entre Lula e Chávez. Mas existe entre Chávez e Bolsonaro, que pertencem à mesma família de líderes: populistas, mentirosos, líderes que não se importam com o seu país. Lula pode ter cometido erros, eu não sei, talvez o saibamos no dia em que for julgado com justiça. Mas, para mim, até agora, era um líder bom e decente para o Brasil, e sua presidência foi um momento honorável na história do país. Bolsonaro e Chávez, ou Bolsonaro e Maduro, têm mais semelhanças entre si do que diferenças.
P. Durante quase 40 anos e até recentemente o senhor disse que devíamos “quebrar a esquerda”, citando Maurice Clavel, para derrotar a direita. O senhor ainda mantém isso hoje?
R. A esquerda já está quebrada. Você tem por um lado Lula no Brasil, [o ex-presidente socialista François] Hollande na França e o [ex-primeiro-ministro italiano Matteo] Renzi na Itália, grandes líderes da esquerda ocidental, que se separaram da outra esquerda, a falsa, a radical. Na França não há relação entre o ex-presidente Hollande e [o líder da esquerda alternativa francesa, Jean-Luc] Mélenchon. Essa dissociação já aconteceu lá e na Itália também. A verdadeira rachadura, e isso existe na Europa e na América Latina, é o populismo contra os princípios humanistas, universalistas e reformistas. Lula é a personificação dessa diferença. Ele é a esquerda humanista, a verdadeira, aquela que defende os interesses do povo contra o nacionalismo, a xenofobia e a mentira. Contra as tentações de Chávez. Mas a história dele não acabou.
P. As eleições vencidas por populistas não foram desprovidas de candidatos, digamos, tradicionais, aceitáveis, de esquerda e de direita. O senhor está preocupado que certas formas se percam?
R. Esquerda e direita não importam mais. A única corrente que existe agora é que estamos vivendo um momento populista. Com a ajuda da Internet e das redes sociais, a subcultura das televisões, passamos por um momento que dá vantagem aos líderes populistas. E todo político republicano, democrático, razoável e old school deve se adaptar à nova situação. Eles ainda não o fizeram, mas terão de fazê-lo para não serem devorados por esse enorme monstro que está surgindo em todo o mundo.
P. É preciso se adaptar ou contra-atacar?
R. Será preciso tempo. As épocas sombrias nunca duram para sempre. Nos anos vinte, trinta e nos cinquenta havia multidões no Ocidente contra a democracia. E ainda assim esta prevaleceu. Eu acho que a mesma coisa vai acontecer agora. Do que tenho certeza é que não se derrotará o novo populismo usando suas mesmas armas. Os democratas devem ter a coragem de não cair nessa armadilha. Eles têm de defender seus valores mesmo se durante algum tempo são minoria e não são ouvidos o suficiente. Se abandonarem seus valores, estarão perdidos.
P. O mundo se aproxima desse paradoxo de ter que defender a democracia quando a maioria está contra ela?
R. O sonho de muitos líderes é acabar com a democracia. Trump, Bolsonaro, [Viktor] Orban na Hungria. Mas nos Estados Unidos estamos vendo até que ponto a democracia é capaz de resistir. O verdadeiro muro americano não é o que Trump quer construir entre os Estados Unidos e o México, mas o que a sociedade civil norte-americana construiu para ele. Trump não é livre para fazer o que quer e está dando cabeçadas na parede. Talvez isso acabe quebrando a cabeça dele, vamos ver. E o que eu desejo para o Brasil é algo parecido, que se revele um muro da democracia e enfrente a vulgaridade, a estupidez e a ausência de ideias.

PEQUENO EXERCÍCIO "ANTI- ALGORÍTIMO":

PEQUENO EXERCÍCIO "ANTI- ALGORÍTIMO":


-> Escolha alguém que você não se comunica a muito tempo, mas que você teve contato via Facebook. Quanto mais antigo e ausente nas suas rotinas de pesquisas e feed, melhor.

-> Clique na página (foto/ícone) da pessoa no Facebook.

-> Navegue pelas postagens do seu amigo(a)/conhecido(a).

-> e dê "likes" nas postagens dele que você gostou, mas NÃO TINHA VISTO ainda.

Estima-se que um usuário médio tenha acesso a, pelo menos, 1500 posts diários no feed de notícias, mas que, no final, presta atenção em apenas 20% disso. O Facebook (vale para todas as outras formas de "rede sociais") utiliza uma série de fatores individuais baseado nas SUA rotina de atenção (seu tempo sobre uma página ou post, o Nº de likes, o tipo de Likes : ) , S2 ) e tentam “traduzir” o que esses 20% tinham de diferente de todo o restante, e com os dados coletados, ele passa a buscar combinações, definindo o que deve, ou não, vir a figurar na sua tela inicial. Praticamente o Facebook te empurra para as postagens que são parecidas com o você demonstrou interesse, as que você mais prestou atenção APENAS para colar publicidade em torno do assunto, para você associar seus interesses a produtos de consumo.

Involuntariamente VOCÊ se afasta de pessoas que NÃO ESTÃO ASSOCIADAS a esses produtos ou interesses... oque não quer dizer que estas pessoas não sejam interessantes ou bacana, ou menos importantes.

Isso é a tal da “bolha” que muitos falam por aí.

Daí o exercício:

Escolha alguém que você não se comunica a muito tempo.

Quanto mais ausente nas suas rotinas de pesquisas e feed de notícias melhor.

Clique na página da pessoa no Facebook.

Navegue pelas postagens do seu amigo(a)/conhecido(a)... e dê likes nas postagens dele que você gostou, mas NÃO TINHA VISTO ainda.

Isso é importante.

Liberte-se do algoritmo do navegador.
Liberte-se do algoritmo do FACEBOOK.

Faça isso um dia para cada pessoa que lembrar...
Comece por parentes.

E o mais importante: Me conte como foi!




“Quer saber como Bolsonaro mente e manipula pra enganar você sobre o Mais Médicos”?



O médico de Recife Thiago Silva publicou uma série de tuítes, esclarecendo alguns mitos sobre os médicos cubanos que participavam do programa e que agora deixarão o país

Por Redação

Depois do anúncio de que Cuba deixará de participar do programa Mais Médicos, em consequência de declarações, no mínimo, desastradas e desrespeitosas de Jair Bolsonaro sobre os profissionais cubanos, o médico recifense, radicado em São Paulo, Thiago Silva, resolveu postar uma série de tuítes, com o objetivo de esclarecer as afirmações do militar. Seus tuítes viralizaram.


Thiuago faz uma espécie de roteiro em suas postagens, que começam com o título: “Quer saber como Bolsonaro mente e manipula pra enganar você sobre o Mais Médicos?”. Seguem as postagens:

Fórum precisa ter um jornalista em Brasília em 2019. Será que você não pode nos ajudar nisso? Clique aqui e saiba mais


“Cuba faz cooperação com 66 países em todo o globo, inclusive europeus. Sabe como isso começou? Com a brigada Henry Reeve, criada em 2005, como forma de ajuda humanitária pra atender às vítimas do Furacão Katrina nos EUA. Fidel chamou centenas de médicos e pediu que se organizasse a brigada. EUA negaram a ajuda. A brigada permaneceu mobilizada, pois em pouco tempo haveria a crise em Angola e terremoto no Paquistão.

Na maioria dos países que faz parceria, Cuba envia médicos e medicamentos de graça, sem cobrar dos países. Isso aconteceu em Angola, no Nepal, Haiti, Congo e tantos outros países pobres do mundo. Quem arcava com os custos? O próprio governo cubano.


E como o governo cubano fazia, já que é vítima de um bloqueio econômico há décadas, uma ilha pequena do Caribe que não consegue nem produzir a própria energia, pelas características de seu território? Alguns países começaram a oferecer trocas pela Força de Médicos. A Venezuela ofereceu petróleo.

Alguns países europeus começaram a pagar mesmo diretamente pro governo Cubano. E essa parceria virou uma fonte de renda pra ilha, com impacto em suas contas públicas, dado o volume de médicos atuando no mundo todo.


E como funciona o pagamento?

Cuba abre edital via uma empresa estatal para contratar os médicos. Eles podem se oferecer ou não. As condições salariais e os países são conhecidos previamente por todos antes de assinarem contrato. Contrato, conhecem? Pois é.

A maior parte do “salário” pago fica com o governo cubano? Sim e não. Sim, porque se você pegar o total de recurso destinado ao programa e dividir pelo número de médicos vai ser menor. Mas não, porque não são os governos contratantes os responsáveis pelo salário dos cubanos. Quem é responsável pelo salário dos cubanos é a estatal com a qual eles assinaram contrato! Simples!

Ela é responsável por lesão corporal, por invalidez , por seguro, por assistência à família em caso de morte etc . Cubanos morreram aqui, sabiam? E sabe o que fez o governo brasileiro? Nada. Pois é. Quem cuida das famílias e repassa dinheiro para famílias é a estatal.


Além disso, a “diferença salarial” não vai pra financiar outra coisa que não a Saúde e Educação de todo povo cubano.

Detalhe, eles têm isso DE QUALIDADE e de GRAÇA pra todos lá, viu?

Ou seja, o “salário” dos médicos fora de Cuba (quando estão em países que pagam, que não são a maioria) sustenta os direitos sociais de todos os moradores da ilha. É uma fonte de renda pro povo. Impacta o PIB. Como vender nióbio a preço de banana pra canadense, saca?

Sabe quantos médicos cubanos saíram do programa revoltados com o que é feito com o salário? Um total de …. 1! Isso mesmo. Uma cubana que foi comprada e sustentada pela AMB [Associação Médica Brasileira] numa certa época pra criar uma campanha vergonhosa contra o mais médicos.

Houve algumas deserções, como sempre há, já que tem médicos cubanos que acham que vão enriquecer de medicina nos EUA. Claro que tem. Em todo canto do mundo tem gente que não se importa em pensar apenas no próprio umbigo. Mas foram uma minoria irrisória.

Revalidação de diplomas: Essa é uma piada. Cuba manda médicos pra 66 países, sabe o único que teve gente cobrando isso? Pois é, o Brasil. Ainda tem o disparate de dizer que eles não são médicos, quando tem norte-americano pegando lancha e indo pra Cuba se tratar.

Mesmo assim, por conta dessa pressão, os Cubanos foram avaliados quando chegaram aqui, com a aprovação da lei. Avaliados pela fluência no Português e questões de Medicina. Foram avaliados por professores e preceptores de medicina brasileiros, a maioria de universidades federais.

É claro que teve gente reprovada. É claro que vieram no meio dos 14 mil médicos, tipos ruins, medianos, bons e excelentes. Mas você acha que entre 14 mil brasileiros viriam apenas médicos bons? Anham…

*Sou Chefe de um pronto socorro do SUS onde só tem brasileiro, e vejo isso todo dia …

Impacto do término do programa: 700 municípios brasileiros não tinham uma alma de lençol branco nem pra confundir com médicos. Os números do Mais Médicos são acachapantes: 63 milhões de pessoas cobertas. 4 mil municípios. Hoje em mais de 1.500 municípios só tem cubano.

Lembram do escândalo das digitais de ponto, em que médicos falsificavam a entrada nos serviços de Saúde? Muitos pequenos municípios no interior vão voltar a depender deste tipo de colega, infelizmente.

Parabéns ao envolvidos”.





Quer saber como @jairbolsonaro mente e manipula pra enganar você sobre o Mais Médicos?

1- Salário dos Médicos

A- Cuba faz cooperação com 66 países em todo o Globo, inclusive europeus. Sabe como isso começou? Com a brigada Henry Reeve criada em 2005 ...

EXPLICAÇÃO SIMPLES PARA A VITÓRIA DE ALEXANDRIA OCASIO-CORTEZ: O SOCIALISMO

Por Briahna Gray, 2 de Julho de 2018


Resultado de imagem para "Socialistas Democráticos da América"NINGUÉM NOS EUA consegue parar de falar sobre Alexandria Ocasio-Cortez, a ex-garçonete de 28 anos que venceu nas primárias do Partido Democrata o congressista Joe Crowley, em exercício há dez mandatos, e tomou seu lugar como representante do partido na 14º Zona Eleitoral de Nova York, na terça-feira.
Mas seria bom que algumas pessoas parassem.
Como já escrevi antes, cada disputa eleitoral de agora até 2020 vai ser cuidadosamente avaliada por seu valor preditivo, analisada em pormenores em busca de ideias para derrotar Trump. Algumas percepções dos analistas que ignoraram a campanha de Ocasio-Cortez até sua vitória, no entanto, talvez não sejam exatamente perceptivas.
Uma infinidade de narradores dessa corrida estavam determinados a afastar a ideologia de Ocasio-Cortez de qualquer análise sobre as causas de sua vitória, sem nenhum outro motivo a não ser preservar por mais um ciclo eleitoral as estratégias fracassadas do partido e os estrategistas pagos para colocá-las em prática. Outros diminuem a natureza radical de sua plataforma política e incorporam ao centro sua posição de esquerda, fingindo que a escolha de se identificar como socialista democrática é uma distinção irrelevante.
Para que ninguém confunda o entusiasmo por Ocasio-Cortez, que é uma participante bastante ativa dos Socialistas Democráticos da América, com o entusiasmo pelo socialismo democrático, Benjamin Wallace-Wells, da revista New Yorker, se apressou em distanciá-la do senador Bernie Sanders (sem partido, do estado de Vermont), o político que teve maior influência na popularização do socialismo democrático nos últimos anos.
Eu topo
“Embora Ocasio-Cortez tenha usado parte do discurso e das propostas políticas de Sanders”, ele escreveu, “ela também representou um conflito mais diversificado com o poder”. Como? Segundo Wallace-Wells, se “o movimento em torno de Sanders algumas vezes pareceu tão pedante e obstinado quanto seu herói, vidrado na influência dos bilionários”, Ocasio-Cortez se distingue porque “deu entrevistas aos veículos The Cut e Vogue”, viajou para uma das instalações provisórias no Texas onde crianças migrantes estão sendo detidas, e, “vestida de branco”, denunciou as violações de direitos humanos que acontecem ali.
Se o argumento de Wallace-Wells é que Ocasio-Cortez lida melhor com a interseccionalidade do que Sanders, faz sentido: ela é mais articulada no tema da identidade do que qualquer outro político que já ouvi. A relevância política de sua entrevista à Vogue ou de suas escolhas de vestuário, porém, não ficou clara para esta jornalista.
Enquanto isso, na New York Magazine, Frank Rich disse explicitamente que os resultados de terça-feira “não devem ser interpretados como um prenúncio do que poderá acontecer em âmbito nacional em novembro”. Para Rich, “embora Ocasio-Cortez adote o rótulo de socialista, não há nada de radical na plataforma com a qual ela concorreu”. Ele argumenta que ensino superior custeado pelo governo, Medicare [sistema de saúde] para todos e extinção do Serviço de Imigração e Controle Aduaneiro [ICE, Immigration and Customs Enforcement] são “posições sólidas do Partido Democrata”. Isso é novidade para qualquer pessoa que se lembre da estratégia de Hillary Clinton nas primárias em 2016, de caracterizar essas iniciativas à moda de Bernie como políticas que “nunca, jamais seriam aprovadas”, ou da recente defesa que a senadora pela Califórnia Kamala Harris fez do ICE: “Sim, o ICE tem um propósito, o ICE tem um papel, o ICE deveria existir”, ela disse numa entrevista em março. (Desde então, ela mudou de opinião.)
O equívoco de Rich, que vejo ser repetido em um artigo de opinião atrás do outro sobre essa corrida eleitoral, é enxergar as escolhas de campanha de Ocasio-Cortez de forma apartada em relação a um foco “obstinado” na disparidade extrema e essencialmente antiética de renda que existe nos Estados Unidos.
A plataforma de Ocasio-Cortez não ganhou força apenas por sua precisão retórica, por ser franca onde os outros tergiversam. Ela consegue ser franca porque sua ideologia tem coerência interna e não é afetada pela influência do dinheiro, da mesma forma que os outros se valem de eufemismos quando a verdade seria incômoda para os seus financiadores.
A mensagem socialista de Ocasio-Cortez não é uma parte acidental de uma questão demográfica mais ampla.
Sua popularidade também não pode ser resumida à sua identidade racial e à composição demográfica de perfil racial semelhante no seu distrito eleitoral – embora tenham surgido várias tentativas nesse sentido. Wallace-Wells, por exemplo, observa no começo de seu artigo que, entre os eleitores do 14º distrito, metade é de origem hispânica e só um quinto são brancos. “Crowley perdeu em razão das mudanças na composição demográfica em seu distrito”, escreveu Dana Milbank no The Washington Post. Essa conclusão está tão disseminada que Ocasio-Cortez sentiu a necessidade de dar uma resposta pelo Twitter: “Algumas pessoas estão dizendo que eu venci por razões ‘demográficas’. Em 1º lugar, isso é falso. Vencemos c/ eleitores de todos os tipos.”
E ela está certa. A parte sul do distrito (que corresponde à região nordeste do bairro de Queens) foi onde Ocasio-Cortez teve o melhor desempenho, escolhida por 60 a 100% dos eleitores em detrimento de Crowley, embora essa região tenha apenas 15 a 40% de hispânicos.
A mensagem socialista de Ocasio-Cortez não é uma parte acidental de uma questão demográfica mais ampla. Seu socialismo não deveria ser tratado como um vírus oportunista que se aproveita de sua origem latina como vetor. O socialismo é inseparável do sucesso de Ocasio-Cortez porque é o segredo por trás de sua capacidade de fazer o que há muito tempo o Partido Democrata não tem conseguido – articular uma visão progressista holística dos Estados Unidos.
O SOCIALISMO É UMA estrutura que dá suporte à ideia de que um país onde todos possam viver com dignidade não é uma questão de fantasias ou “pôneis”, nem é um sonho egoísta de uma população privilegiada que quer ganhar alguma coisa a troco de nada. É uma concepção socialista do mundo que dá a Ocasio-Cortez a coragem de declarar, em um conhecido programa de auditório, que “em uma sociedade moderna, moral e rica, ninguém nos EUA deveria ser tão pobre que não consiga viver”.
O socialismo revela que o capitalismo – um sistema onde os privilégios prevalecem sobre a comunidade – não é uma verdade natural, mas uma escolha política para a qual existem alternativas. Ele mostra que a riqueza de Jeff Bezos não pode ser dissociada das condições dos trabalhadores da Amazon, e sim, que é uma consequência de seu sofrimento. Ele revela que o reconhecimento do mérito de um homem se dá às custas da remuneração de uma mulher, e desafia a sociedade a valorizar os seres humanos para além da capacidade laborativa. É ele que permite a Ocasio-Cortez tratar a dignidade humana como inegociável. Onde Nancy Pelosi graceja que “somos capitalistas, é assim que funciona”, o socialismo diz que isso não é bom o bastante.
Wallace-Wells se equivoca ao dizer que o “principal insight” da campanha presidencial de Sanders foi que “a estrutura do partido Democrata é tão fraca quanto a do partido Republicano” durante o governo Obama. O principal insight da campanha de Sanders e da vitória de Ocasio-Cortez é que o socialismo é uma ideologia forte.
Na mencionada entrevista para a Vogue, conduzida pela repórter socialista Bridget Read, Ocasio-Cortez faz uma crítica ao sistema atual que é tão inédita na mídia de massa que soa como heresia: “Quando falamos sobre o socialismo mundial, o que isso realmente significa é apenas uma participação democrática em nossa dignidade econômica, e a nossa dignidade econômica, social e racial (…) depende de que haja representação direta e de que o povo efetivamente tenha poder e interesse sobre seu bem-estar social e econômico, no fim das contas. Para mim, o que o socialismo significa é a garantia de um nível básico de dignidade.”
Como Ocasio-Cortez afirmou na noite da eleição: “Não há nada de radical na transparência moral em 2018.” Exceto pela radicalidade de adotar essa plataforma de campanha.
O que deveria assustar os centristas em ambos os partidos é o quanto essa simples afirmativa moral é difícil de derrubar. Como Ocasio-Cortez afirmou na noite da eleição: “Não há nada de radical na transparência moral em 2018.” Exceto pela radicalidade de adotar essa plataforma de campanha.
Se algo distingue Ocasio-Cortez da maioria – e se há uma lição a ser aprendida pelos democratas que pretendem reproduzir sua mágica nas eleições de meio de mandato em 2020 – deveria ser isso.
Nancy Pelosi, no entanto, a quem Ocasio-Cortez negou apoio na disputa pela liderança da casa, vê a situação de outra forma. “Fizeram uma escolha em um distrito”, declarou em uma coletiva de imprensa na quarta-feira. “Então não vamos nos deixar levar por especialistas em questões demográficas, nem por nada disso (…) temos uma série de gêneros, gerações e geografias, existem opiniões em nossa convenção, e temos orgulho disso. O fato de que um distrito muito progressista de Nova York se tornou ainda mais progressista que Joe Crowley – que é progressista, mas ela está ainda mais à esquerda que Joe Crowley – diz respeito apenas àquele distrito.”
Se tudo correr bem, surgirá uma liderança mais perceptiva que compreenderá que, embora as questões demográficas sejam relevantes, a identidade deve ser politizada apenas na medida em que atenda a uma ideologia inclusiva, progressista e humanista.
Ocasio-Cortez disse melhor: “No fim das contas, sou uma candidata que não recebe dinheiro de empresas, que defende acesso universal ao Medicare, uma garantia federal de empregos, a extinção do ICE, e um novo New Deal ‘verde’ [com preocupações ambientais]. No entanto, eu olho para essas questões pelas lentes da comunidade onde vivo. E isso não é tão fácil de dizer quanto ‘política identitária’.”

  • Socialistas Democráticos da América é uma organização política multi-tendência de orientação democrática, socialista, social democrata e trabalhista nos Estados Unidos. 
  • Briahna Gray  é a editora sênior de política no "The Intercept". Ela também é uma colunista de opinião com foco em política progressista, bem como questões relacionadas à identidade e cultura. Seu trabalho apareceu no The Guardian, na New York Magazine, na Rolling Stone, na Current Affairs e na The Week, entre outros. Suas idéias sobre o empoderamento da identidade na esfera política contemporânea podem ser encontradas no documentário “Trumpland: Kill All Normies” da Fusion, bem como em vários podcasts e programas online, incluindo NPR, TYT e The Real News. Antes de ingressar na The Intercept, ela atuou como advogada em uma empresa especializada em litígios em Nova York e foi uma das editoras da Current Affairs Magazine. Ela também é coapresentadora do podcast “SWOTI (Someone's Wrong na Internet)”, no qual ela aplica uma lente esquerdista a assuntos relacionados à política e à cultura pop.

    Ela recebeu um Juris Doctorate pela Harvard Law School em 2011 e um Bacharel em Artes pelo Harvard College em 2007. Ela divide seu tempo entre Nova York e Washington, D.C.

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