Freud na hipnoterapia: a história que ninguém te contou

 

Sigmund Freud foi um dos maiores nomes da Psicologia e ajudou a popularizar a Hipnose em todo mundo. No entanto, antes de criar a Psicanálise usava o método para investigar os problemas de seus pacientes.


Foi então que encontrou dificuldades para hipnotizar a todos, o que fez com que abandonasse o uso da técnica. Mas, será que Freud realmente parou de utilizá-la? E quais as influências da hipnose na psicanálise difundida pelo especialista?


O grande encontro com a hipnose


Freud nasceu em 1856, em Príbor, na região da Morávia e formou-se em medicina pela Universidade de Viena em 1881. Por isso ao praticá-la se viu inconformado quanto as limitações da psiquiatria na prática da saúde mental.


Foi então que em 1885, se interessou pelas doenças nervosas e ficou fascinado com as palestras ministradas por Jean-Martin Charcot.


Charcot foi um cientista francês, que vinha ganhando destaque na comunidade cientifica por ser capaz de diferenciar doenças físicas de distúrbios mentais. Sem falar que tinha como principal ferramenta a Hipnose.


A técnica utilizada por Charcot era por meio da sugestão direta, na qual ele induzia seus pacientes a um estado de transe. Dessa forma, poderia sugerir que, ao acordar, o paciente não apresentasse determinado sintoma.


Depois disso, o paciente acordava, e muitas vezes de fato sem sintomas. Diante dessa demonstração, Freud percebeu que muitos sintomas físicos na verdade poderiam derivar de transtornos psicológicos, como é o caso da histeria, e isso se tornou seu principal objeto de estudo.


Dentre os métodos usados para casos como a histeria, estavam as massagens genitais e até choques elétricos. Foi então que Freud utilizou a hipnose para aliviar os sintomas de seus pacientes histéricos. Por isso com o tempo, tentou convencer toda a comunidade cientifica dos benefícios da técnica, mas sem êxito, decidiu abandonar a academia.


Contudo, Freud percebeu ao longo do tempo que seus trabalhos com a hipnose estavam se tornando mecânicos. Afinal, ele queria descobrir a real causa desses sintomas e não simplesmente retirá-los do paciente.


Foi então que em 1889, viajou novamente para a França, dessa vez para a Escola de Nancy, ministrado pelo neurologista Hyppolyte Bernhein, para aprender novas técnicas de hipnose.


A descoberta da mente inconsciente


Bernhein mostrou para Freud, que na realidade, os distúrbios mentais estão atrelados à memórias traumáticas, e que é possível acessar esse conteúdo reprimido com o uso da hipnose.


O neurologista afirmou que o paciente em estado “não hipnótico” possuía uma espécie de barreira, a qual era quebrada em transe, sendo possível acessar esse conteúdo retraído.


Foi então que Freud começou a imaginar que nossa mente se dividia em níveis, pois em determinados níveis de consciência não era possível acessar todo o conteúdo reprimido.


No entanto, havia memórias que eram mais profundas que outras, e foi então que começou a desenvolver seu estudo sobre o inconsciente (mas só se consolidou quando criou as bases da Psicanalise).


A “cura pela fala” e o método catártico


Em 1893 Freud, junto com Josef Breuer, escreveram vários artigos e um dos mais famosos foi o “Estudos sobre a Histeria” que tinha como princípio a hipnose e o método catártico.


Afinal, ele consistia em uma técnica de hipnose na época, na qual o hipnotizador pedia para que o paciente falasse tudo o que vinha em sua mente. Assim, por meio desse conteúdo, ele investigava a verdadeira causa dos sintomas chegando até a memória traumática. Então quando de fato o hipnotizado tinha consciência de tal fato, os sintomas simplesmente desapareciam.


Estava tudo caminhando para o sucesso quando Freud atendeu Anna O. (nome fictício para Bertha Pappenheim) em 1880.


O caso de Anna


Esse caso tinha sido apresentado como “um caso de cura pelo método catártico”, que mostrava sua eficácia. Porém, em 1890, quando atendeu Emmy Von N, que um ano após ter sido considerada curada pelo mesmo método, voltou a apresentar sintomas.


Emmy fez uma sugestão a Freud, disse para ele não interromper a sua fala e não se manifestar, e ele a deixou a falar livremente sobre suas lembranças, sem usar a hipnose. Foi então que Freud percebeu que a melhora utilizando o método catártico era apenas passageira, pois ao sair do transe, as pessoas não se lembravam mais do que haviam sido sugestionadas.

Após o caso frustrado de Emmy Von, Freud alegou que a hipnose não era 100% eficaz, e que não se considerava um bom hipnotista. Ele via que a hipnose curava os sintomas, mas não entendia o motivo de serem curados. Decidiu então procurar um método próprio com os aprendizados do caso de Emmy Von.

Foi então que criou a “associação livre” que foi uma das premissas da Psicanálise, que consistia no paciente, agora consciente e deitado em um divã, para falar o que viesse à sua mente, permitindo ao analisado expor seu medos, desejos, pensamentos, sonhos e lembranças.

Sendo assim, com esses estudos foi possível que as primeiras criações de Freud fossem realizadas. Dessa forma, ele identificou fenômenos mentais além dos perceptíveis pela consciência e teorizou que nossa mente possui o consciente, o inconsciente e o pré-consciente.

Freud realmente abandonou a hipnose?

Até aqui, você entendeu toda a trajetória de Freud utilizando a hipnose até a criação da Psicanálise.

É notório que ao longo do tempo, a Hipnose sofreu diversas modificações em seu método vem se tornando cada mais científico. Mas voltando a época de Freud, o método da hipnose ainda era feito de forma arcaica, sem muitas comprovações, apenas sabia que poderia ter acesso à memórias do inconsciente por meio da indução.

No entanto, não tinha uma técnica eficaz para chegar a raiz do problema e sanar as questões trazidas pelos pacientes. Por esse motivo, Sigmund Freud decidiu parar de utilizá-la.

Mas traçando um paralelo com a teoria da Psicanálise e as evoluções da hipnose podemos perceber muitas semelhanças até mesmo em técnicas usadas por ambas as abordagens.

Será que de fato Freud decidiu parar de utilizá-la ou apenas a adaptou e decidiu dá-la um novo nome?

Venha entender como seria possível essas adaptações.







As instâncias da mente


Freud, quando começou utilizar a hipnose, entendeu que a mente é divida em níveis, e para a Psicanálise basicamente a mente se divide em três instâncias, o ID, EGO e SUPEREGO.



O “Id” é a representação do nosso lado mais primitivo, fica localizado no nível “Inconsciente” do cérebro, e não reconhece elementos sociais, portanto, não há certo ou errado.


Sendo assim, é atemporal e não se importa com as consequências de seus atos. Por isso prefere ficar na zona de conforto, qualquer coisa que ele tenha que gastar energia fazendo, ele prefere deixar para lá. E é lá que estão nossas pulsões e emoções.


Sentiu alguma semelhança? Mas calma, que ainda tem mais!


O “Ego” para Freud é o elemento principal entre as três instâncias. Ele evolui através do Id e sua principal função é ser mediador entre o “Id” e o “Superego”, pois ele possui vínculo tanto com a parte inconsciente como a parte consciente.


Ele é guiado pelo princípio de realidade, e também funciona como uma espécie de “película”, por exemplo. Assim, o Id é a parte mais profunda da nossa mente, e lá também estão guardadas nossas memórias e traumas.


Sendo assim, através do Ego, ele escolhe todo o conteúdo que pode ser passado para o nível da consciência, ou seja, aqueles que forem causar menos dor e desconforto.


O superego


E por fim, o “Superego” que representa o aspecto social das três instâncias. Ele representa a moralidade que foi resultado em grande parte, das imposições e castigos sofridos na infância. Por isso pode ser visto como uma instância reguladora. Assim como a ética, a noção de certo e errado e todas as imposições sociais se internalizam no Superego.


Após ter um entendimento sobre as instâncias da mente proposto por Freud, vamos traçar um paralelo com o Modelo da Mente proposto por Gerald Kein, o fundador da OMNI Hypnosis Training Center.


Ela pressupõe que a mente se divide em três partes, o Consciente, o Inconsciente e o Subconsciente. Apesar de ter nomes diferentes as duas abordagens explicam o mesmo fenômeno.


O Id para Freud pode se assemelhar tanto com as instâncias do Subconsciente como a do Inconsciente, A memória de longo prazo assim como as emoções são funções do Subconsciente, e também são esferas atemporais e não gostam de sair da zona de conforto. Também é função do Id nos manter vivos e lá onde estão nossos impulsos mais primitivos que no modelo da mente esse é o papel do Inconsciente (ambas representam a parte mais “profunda” da mente).


O Ego pode ser comparado com o Fator Crítico, ambas estão ligadas com a parte do Consciente e servem como mediadoras das outras duas instâncias. Além disso, também como uma espécie de “guardião” para que memórias traumáticas ou conteúdos que possam gerar qualquer desconforto venha à tona e cause grandes estragos emocionais.


E por último, o Superego pode se assemelhar com o Consciente, pois ambas são analíticas e extremamente racionais, comandando também a moralidade e a ética existente em nós.


STEAMS x Associação Livre


Como foi explicado no texto, a Associação Livre é uma das premissas da Psicanálise, que “substituiu” a hipnose, mas vamos entender de fato como funciona essa técnica.


O paciente deve estar deitado no divã, e o Psicanalista vai pedir para ele que o diga tudo o que lhes viesse à mente, sem pensar muito, e pode dar esse comando várias vezes.


Dessa forma, a associação livre é uma maneira de driblar as defesas do Ego e acessar os conteúdos do inconsciente.


Além disso, existe também uma técnica na Hipnose que se chama STEAMS (Terapia Gestalt), que consiste basicamente na mesma técnica da Associação Livre. Assim, o hipnoterapeuta vai falar uma frase e pedir que o cliente a termine.

Ainda assim, não satisfeito com a primeira resposta, vai pedir várias vezes até que consiga driblar o fator crítico e chegar nas respostas do subconsciente.


Freud continuou a usar a hipnose, simplesmente utilizou uma “indução” diferente, e a nomeou como “associação livre”. Dessa forma, Freud enquanto estava na Escola de Nancy aprendeu que “toda hipnose é uma auto-hipnose” e simplesmente facilitava o processo com a sua sala, que era cheia de objetos, papeis de parede exóticos e o divã.


Assim quando seus pacientes entravam em sua sala era uma forma de “indução instantânea”, uma jornada neste território sem o uso da incessante influência verbal que os hipnotizadores menos experientes pensavam que era necessário.


Sim, Freud usou a hipnose


É fato que a Psicanálise surgiu com as contribuições da Hipnose na Psiquiatria. Sigmund Freud criou esse método pois sua grande insatisfação com a hipnose era que ele via o fenômeno, mas não entendia qual era a raiz do problema de seus pacientes e por diversos fatores como por exemplo ele não se achar um bom hipnotista.


A questão é que, independentemente quais foram os motivos pelos quais ele deixou se utilizar a hipnose de Breuer em suas sessões, toda a construção da sua abordagem girou em torno das premissas da Hipnose. Sendo assim, a mente se divide em níveis e é possível acessar o inconsciente com algumas técnicas.


Portanto, a hipnose de 1880 não é a mesma que a de hoje, pois ao longo do tempo ela sofreu diversas modificações e hoje é uma técnica aceita até mesmo pelo Conselho Federal de Psicologia. Ao longo de muitos anos de estudo e aprofundamento, ela vem sendo objeto de estudo das comunidades cientifica e vem sendo desmistificada cada vez mais.


O objetivo desse artigo foi promover um estudo sobre a Psicanálise no olhar da Hipnose e como a construção dessa abordagem teve grande influência dessa técnica. Não apenas na Psicanálise, mas também na Psicologia em geral.


– Por Laura Medeiros

O RETORNO DE FREUD

O retorno de Freud

Depois de passar décadas no ostracismo científico, as teorias de Freud voltaram a aparecer nos laboratórios — desta vez, com o apoio da neurociência.

Por Jeanne Callegari Atualizado em 3 Maio 2019, 17h17 - Publicado em 26 jun 2018, 11h49
1) SONHOS: Para Freud, eram evidências do que se passava na mente. Hoje, é consenso de que eles são essenciais ao aprendizado e para “treinar”o cérebro. Lambuja/Superinteressante

Era julho de 2008. A capa da SUPER estampava: “Terapia funciona?”, em frente à imagem de um Freud sisudo de sobrancelhas cerradas. E completava: “Sim, o autoconhecimento funciona. Mas Freud talvez não tenha nada a ver com isso”. Dentro da revista, a reportagem era ainda mais implacável com o barbudo de Viena: lia-se que as teorias de Freud não tinham embasamento científico, que o tratamento era longo e imprevisível, e que o austríaco tinha até inventado fatos quando elaborou suas teses. Ao final do texto, o pai da psicanálise aparecia (metaforicamente) roxo e inchado, de tanto que havíamos batido nele.

A verdade é que Freud andava desacreditado havia tempo. Nos anos 1970, o filósofo austríaco Karl Popper já tinha chamado a psicanálise de pseudociência – segundo ele, suas hipóteses eram muito amplas para serem testadas e, portanto, impossíveis de confirmar.

Céticos apontavam que ninguém tinha encontrado, no cérebro, a localização de áreas correlatas ao id, ao ego ou ao superego. Mulheres diziam que não, elas não tinham inveja do pênis, muito obrigada. O complexo de Édipo e o medo da castração pareciam ficção, contada para pessoas dispostas a gastar muito dinheiro por anos a fio com um tratamento não comprovado pela ciência.

“Sem dúvida, nenhuma outra figura importante da história esteve tão errada quanto Freud a respeito de todas as coisas importantes que disse”, escreveu o professor de filosofia canadense Todd Dufresne.

Criticá-lo passou a ser lugar comum, e o “Freudbashing” (“bater em Freud”, em tradução livre) se tornou quase um esporte. O desenvolvimento de terapias mais curtas e pontuais parecia trazer as verdadeiras respostas para todos os males da mente. E, para completar, os medicamentos psiquiátricos nunca haviam sido tão eficientes. A psicanálise tinha sido deposta para sempre.

Opa, para sempre?

Surpreendentemente, nos últimos anos, Freud ressuscitou para a ciência – e começou a ser resgatado do lixo científico. Em vez de focar nos detalhes da sua teoria, as pesquisas começaram a reparar que os grandes conceitos do austríaco – a existência do inconsciente, o significado dos sonhos, as repressões de sentimentos – não eram exatamente histórias para boi dormir.

Também surgiram estudos mostrando que as terapias inspiradas na psicanálise, que costumam ser longas e custosas, são as mais eficientes para tratar males mentais. E mais: até mesmo a neurociência apareceu para dizer que… bem, Freud explica.

Fluxogramas do bem-estar

Primeiro, é bom entender como a terapia freudiana funciona. Um tratamento clássico pode envolver de quatro a cinco sessões por semana, por meses ou até anos. O paciente deve falar livremente o que lhe passa pela cabeça, enquanto o terapeuta escuta e faz questionamentos pontuais.

É um caminho tortuoso e lento – e, por isso, é difícil medir seus avanços. “A terapia tradicional vai muito além da redução de sintomas. O que os pacientes estão buscando é mais qualidade de vida, mais confiança e segurança nos relacionamentos, mais perspectiva sobre si mesmos”, diz Nancy McWilliams, professora da Universidade Rutgers e autora da obra Psychoanalytic Psychotherapy.

Nesse cenário, ainda nos anos 1960, psicólogos começaram a procurar soluções mais práticas e mensuráveis para os problemas da psique humana. A resposta foi a Terapia Cognitivo-Comportamental, ou TCC. Criada por Albert Ellis e Aaron Beck, dois psicanalistas desiludidos com o método freudiano, a TCC prometia uma abordagem mais pé no chão, que não exigia chafurdar no lodo de nossos conflitos inconscientes.

Bastava ajustar pensamentos prejudiciais – causados por crenças pessimistas a respeito de nós mesmos, do mundo e do futuro – e comportamentos pouco funcionais que surgem desses pensamentos. Nada de focar no passado, o foco é o presente. “Não é preciso saber como uma pessoa quebrou o braço para poder tratá-lo”, diz o terapeuta cognitivo Stefan G. Hofmann, autor do livro An Introduction to Modern CBT (“Introdução à TCC”, sem edição no Brasil). Nas sessões, o paciente pode preencher fluxogramas sobre seu estado mental e recebe dicas de exercícios para alterar os pensamentos e comportamentos negativos em momentos de crise.

Em 1961, Aaron Beck desenvolveu um questionário de 21 itens para medir o grau de depressão de seus pacientes. E conseguiu provar que alguns meses da técnica eram suficientes para aliviar os sintomas em cerca de metade deles.

Muitos estudos se seguiram a esses primeiros, sempre com resultados favoráveis à técnica. Tanto que, com o tempo, o termo “terapia baseada em evidência” passou a ser sinônimo do método, e a TCC, barata e com duração mais curta – o total varia de acordo com o paciente, mas a estimativa é entre 8 e 16 semanas –, foi adotada com entusiasmo como principal política de saúde mental em diversos países.



2) INCONSCIENTE: Hoje, a ideia de que nossa experiência mental não se limita à consciência – e de que a mente pode reprimir a realidade – é aceita por diferentes áreas da ciência. Lambuja/Superinteressante

A volta de Sigmund

Assim como ocorreu com a psicanálise, porém, a TCC começou a ter sua hegemonia questionada. Em 2015, pesquisadores noruegueses publicaram uma meta-análise mostrando que a eficácia da terapia cognitiva para tratar a depressão caiu pela metade desde os primeiros estudos, em 1977.

Meses depois, na Suécia, auditores do governo publicaram um relatório devastador sobre um experimento de saúde mental do país, que pagou ao longo de oito anos R$ 2,6 bilhões em TCC para os cidadãos suecos. O programa do governo, concluíram os auditores, falhou completamente em seus objetivos.

E um artigo de 2004 mostrou como os pesquisadores da TCC, para tornar os resultados mais fáceis de interpretar, excluíam dos estudos justamente o tipo de paciente mais comum nos consultórios, aquele com mais de um problema psicológico.

Ao mesmo tempo em que a TCC era posta em dúvida, uma novidade inesperada começou a surgir nas publicações científicas: o resgate da abordagem freudiana de terapia. Ao contrário do que se dizia, a psicanálise e as terapias psicodinâmicas funcionam, sim, e muito bem.

Um estudo de 2016, enorme e feito no sistema de saúde inglês, mostrou que, para os pacientes com depressão mais grave, 18 meses de análise foram muito mais efetivos que o tratamento padrão, que incluía TCC. O mesmo resultado vale para outros transtornos, inclusive os mais severos.

É o que demonstra uma meta-análise publicada em 2008 no prestigioso JAMA, Journal of the American Medical Association, que concluiu que terapias freudianas com mais de um ano de duração são mais eficazes que terapias de curto prazo para pacientes com patologias complexas, como transtornos de personalidade.

O mais impressionante dos dados é que, diferente da terapia cognitiva e dos remédios, os benefícios da análise não só permaneceram, como ficaram ainda maiores após o final do tratamento, causando mudanças duradouras nos pacientes.

O cérebro no divã

Além das pesquisas populacionais comprovando sua eficácia, a psicanálise passou a ser endossada pela neurociência. Até o final da década de 1990, psicologia e neurociência falavam línguas completamente diferentes, apesar de estudarem o mesmo órgão. Com o avanço das técnicas de mapeamento cerebral, porém, a distância entre as duas áreas diminuiu.

A neurociência começou a se interessar por alguns dos conceitos fundamentais da psicanálise, como o inconsciente. Hoje, já se sabe que a maioria das nossas decisões e ações acontece, primeiro, nessa parte oculta da mente; só alguns milésimos de segundos depois é que tomamos consciência delas. Ou seja, o inconsciente já sabe o que você vai dizer antes mesmo de você pensar que quer dizer alguma coisa, e até escolhe as palavras para você.


  • É assim também com todas as habilidades que aprendemos na vida, como tocar violão ou pular corda. A prática faz com que essas habilidades fiquem gravadas em uma parte do inconsciente chamada “memória não declarativa”. Isso faz com que não precisemos pensar antes de executar cada movimento ou arremessar a bola na cesta: o inconsciente já sabe como chegar lá.

    Hoje, já é senso comum que boa parte da atividade cerebral se passa no inconsciente – a estimativa dos neurocientistas é de que apenas 5%, ou até menos, se passe no nível da consciência.

    Outro campo da neurociência que parece confirmar ideias da psicanálise é o dos sonhos. Freud teorizou que os sonhos apontam, de forma codificada, para nossos desejos inconscientes. Essa teoria foi praticamente enterrada nos anos 1970, quando pesquisas indicavam que os sonhos ocorriam durante o sono REM e eram controlados por um neurotransmissor produzido em uma região do tronco cerebral “menos importante” para os processos mais complexos da mente.

    Por conta disso, passou-se a acreditar que os sonhos eram desencadeados por substâncias químicas que nada tinham a ver com a emoção e a motivação, ou seja, eram apenas estímulos aleatórios sem significado.

    Essa teoria perdurou até o início dos anos 2000, quando o neurologista e psicanalista sul-africano Mark Solms viu que, ao contrário do que se pensava, pacientes com lesões na área do tronco cerebral continuavam sonhando, ao passo que outros, com lesões em outra região do cérebro – a área tegmentar ventral, que fica no centro da sua cabeça –, paravam de sonhar completamente, apesar de entrarem em REM.

    As regiões afetadas nos pacientes que pararam de sonhar compõem o sistema mesolímbico-mesocortical, o chamado sistema de recompensa do cérebro. E o mais decisivo: além de parar de sonhar, as pessoas com lesões nesse sistema perdiam a motivação e o interesse pela vida. Com isso, Solms propôs que os sonhos estão ligados às nossas expectativas de punição e recompensa, algo não muito distante da teoria freudiana sobre o tema.

    “É difícil dizer, hoje, que os sonhos são ‘desprovidos de mente’”, afirma o neurobiólogo Sidarta Ribeiro, diretor do Instituto do Cérebro da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, em Natal. O interesse de Ribeiro pela psicanálise veio no início de seu doutorado nos Estados Unidos, quando ainda não estava adaptado ao país e teve uma depressão. Durante os dois meses que durou o episódio, ele sentia muito sono, chegando a dormir 16 horas por dia. Quando a crise passou, ele se interessou pelo sono e pelos sonhos, chegando a Freud.

    O tema acabaria se tornando a linha de pesquisa principal do neurocientista, que desenvolveu estudos para ver o que acontece durante o sono quando os animais passam por períodos de aprendizado. Ele colocou eletrodos no cérebro dos bichinhos e descobriu que, se um rato não passou por nada de novo no dia dele, seu cérebro fica num estado de baixa plasticidade. Mas, se coisas diferentes acontecem durante a vigília, a atividade durante o sono REM muda. “É como se o cérebro estivesse aprendendo de novo”, afirma o cientista.

    Para Ribeiro, essa é uma demonstração de que os sonhos contêm restos diurnos, o que Freud cravou em 1900. “O sonho não é aleatório. Ele revela as memórias que foram geradas, e que são a base do inconsciente”, afirma. Alguns sonhos, por sua vez, podem ser até “premonitórios”: uma pesquisa, publicada na revista Nature em 2015, mostrou que análises quantitativas da descrição de sonhos de adolescentes podem prever quadros psicóticos com até 30 meses de antecedência.

    3) CIÊNCIA: A manchada reputação da psicanálise como “pseudociência” hoje é redimida pela neurociência, que usou as melhores ideias de Freud como inspiração. Lambuja/Superinteressante

    Reprimidos de verdade

    O neurologista indiano Vilayanur Ramachandran, diretor do Centro para o Cérebro e Cognição da Universidade da Califórnia, em San Diego, é outro entusiasta da aproximação entre psicanálise e neurociência.

    Em 1994, ele fez estudos com pessoas que sofriam de anosognosia, uma condição na qual pacientes não computam os graves danos físicos que haviam sofrido por causa de lesões cerebrais. Uma das pacientes de Ramachandran sofreu um derrame e perdeu os movimentos do braço, mas negava ter qualquer problema. Oito dias após o derrame, o cientista estimulou artificialmente o hemisfério direito da paciente, que, nessas condições, reconheceu a paralisia.

    Ao término do estímulo, porém, a paciente voltou a acreditar que o membro estava normal, e perdeu qualquer lembrança de ter percebido a lesão, embora se lembrasse em detalhes do restante da conversa com o médico.

    Ou seja, a informação da deficiência chegou ao cérebro da paciente, ao menos de forma inconsciente. Ela era, porém, incapaz de admitir isso em momentos de plena consciência.

    Fato semelhante acontece com uma síndrome conhecida como psicose de Korsakoff, em que portadores de danos na região límbica frontal têm amnésia mas não admitem, inventando histórias para preencher as lacunas da memória.

    É o caso de um paciente da neuropsicóloga Aikatereni Fotopolou, relatado por Mark Solms, que inventava narrativas mirabolantes para justificar a cicatriz em sua cabeça, ou a presença do pesquisador na sala. Ao longo dos dias, a história variava: Solms era um cliente; companheiro de bar; um colega do time em que jogara quando mais jovem; o mecânico de um carro esporte – que ele não possuía. Tudo, menos um médico tratando de um problema que, afinal, ele não admitia ter.

    Ao analisar quantitativamente as alegações do paciente, Fotopolou percebeu que não eram aleatórias: a maioria representava aspirações, coisas positivas, desejos. Assim como os pacientes de Ramachandran, o homem reconstruía a realidade como gostaria que fosse. Era uma forma de lidar com a perda, equivalente à repressão teorizada por Freud – a ideia de que algumas memórias seriam dolorosas demais para mantermos e, por isso, acabam varridas para o fundo do inconsciente.

    Na verdade, é difícil bater o martelo e afirmar que “Freud acertou aquilo” ou “Freud errou isso”. Como tudo que envolve a mente humana, não há uma única resposta para nossas inquietações – o que dirá uma única pessoa que seja capaz de explicá-las.

    O que publicamos aqui na SUPER lá em 2008 não estava errado: a teoria de Freud é realmente cheia de generalizações e escorregões.

    Talvez o maior acerto do austríaco tenha sido outro: “Mais que qualquer teoria específica, o legado de Freud é uma apreciação da riqueza e da complexidade da mente, do fato de que as coisas têm significados para além do que se pode ver na superfície”, diz Jonathan Shedler, psicólogo e professor de psiquiatria da Universidade do Colorado.

    O que a ciência está fazendo agora é tentar fornecer as bases fisiológicas para toda essa complexidade. Algo que o próprio Freud, que era médico, neurologista e psiquiatra, aprovaria.

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    ALÉM DO DIVÃ

    As diferenças entre as duas principais linhas de psicoterapia: psicanálise e terapia cognitivo-comportamental (TCC)

    TEORIA

    Psicanálise: o sofrimento é causado por conflitos mentais que costumam ter origem no inconsciente, dos quais não temos conhecimento.
    TCC: o sofrimento vem das cognições (pensamentos) automáticas e de crenças pessimistas sobre si mesmo e o mundo.

     

     

    ABORDAGEM

    Psicanálise:
    – Olha para a relação entre passado e presente.
    – Busca desvendar os impulsos inconscientes.
    – Procura ajudar o paciente a examinar a própria vida, além de aliviar os sintomas.
    – A relação com o terapeuta é importante para ajudar a perceber padrões nas formas de se relacionar.

    TCC:
    – Foca no presente.
    – Busca ajustar pensamentos e crenças prejudiciais.
    – Costuma ser voltada para problemas específicos, como fobias ou ansiedade.
    – Está interessada nos sintomas isolados.
    – É educacional: o terapeuta ensina habilidades e passa tarefas de casa.

    COMO É UMA SESSÃO

    Psicanálise: na análise clássica, o paciente se deita no divã e fala livremente. Nas terapias psicodinâmicas modernas, o divã não é necessário. A análise clássica tem até 5 sessões por semana, e dura anos. As psicodinâmicas podem ser mais breves e têm 1 ou 2 sessões semanais.
    TCC: os encontros são estruturados. O terapeuta pode pedir que o paciente faça exercícios que ajudam a identificar pensamentos automáticos. Um tratamento comum pode ter de 8 a 16 semanas, mas há casos mais graves em que a terapia pode levar mais tempo.

     

    O TERAPEUTA FAZ TERAPIA?

    Psicanálise: tanto na psicanálise quanto nas terapias psicodinâmicas, é fundamental que o analista passe, ele mesmo, pelo processo.
    TCC: o terapeuta pode, mas não precisa passar pelo processo, a não ser que tenha algum transtorno específico.

     

     

    VISÃO SOBRE EMOÇÕES DOLOROSAS

    Psicanálise: são algo a ser aceito, entendido e trabalhado, como uma febre que aponta para a existência de uma infecção.
    TCC: vistas como consequências de pensamentos automáticos, são como um tumor ou um vírus: algo a ser eliminado do organismo.

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