Uma raça inferior


Documentário da socióloga americana Jane Elliot sobre discriminação racial. Trata-se de um experimento onde pessoas de "olhos azuis" são taxadas como uma raça inferior e por conta disso passam a sentir na pela um pouco do que os negros americanos sofrem diariamente.

Richard Gere fala sobre seus muitos anos de prática budista



Considero como um sinal do nosso cinismo atual acharmos difícil de acreditar que celebridades também possam ser pessoas sérias. O destaque recente de “celebridades budistas” provocou alguns comentários sarcásticos na imprensa, e até mesmo entre os budistas, mas, pessoalmente, estou muito agradecido aos atores, diretores, músicos e outras figuras públicas que trouxeram uma maior visibilidade para a causa da liberdade tibetana e o valor da prática budista. São artistas e pessoas atenciosas, alguns budistas, outros não, entre eles Martin Scorsese, Leonard Cohen, Adam Yauch, Michael Stipe, Patti Smith, e, claro, Richard Gere. Conheci Gere em seu escritório em Nova York recentemente, e nós conversamos sobre seus muitos anos de prática budista, sua devoção ao seu mestre o Dalai Lama, e seu trabalho em nome do Dharma e da causa do povo tibetano.








Melvin McLeod: Como foi o seu primeiro encontro com o Budismo?


Richard Gere: Eu tenho dois flashes. Um deles, quando eu realmente encontrei os textos do Dharma, e dois, quando eu conheci um mestre. Mas antes disso, eu estava envolvido na busca filosófica já na escola. Então eu cheguei a ele através de filósofos ocidentais, basicamente Berkeley.


Melvin McLeod: “Se uma árvore cai na floresta e ninguém ouve, a árvore realmente caiu?”


Richard Gere: Sim. Idealismo subjetivo era a sua tese, a realidade é uma função da mente. Basicamente, ele pregava a escola da “mente apenas”. Bastante radical, especialmente para um padre. Fiquei muito entusiasmado com ele. Os existencialistas também me interessavam. Lembro-me de carregar uma cópia de O Ser e o Nada, sem saber exatamente por quê. Mais tarde, percebi que “nada” não era a palavra adequada. “Vacuidade” [Emptiness] era realmente o que eles estavam procurando – uma visão positiva, e não niilista.


Meu primeiro encontro com o Dharma budista aconteceu quando eu tinha vinte e poucos anos. Eu acho que, como a maioria dos jovens, eu não estava particularmente feliz. Eu não sei se eu era um suicida, mas eu estava muito infeliz, e eu tinha perguntas como: “Por que existe algo?” Percebendo que eu provavelmente estava atingindo os limites da minha própria sanidade, eu estava explorando livrarias noturnas lendo tudo o que podia, em muitas direções diferentes. Os livros de Evans-Wentz sobre o budismo tibetano tiveram um enorme impacto em mim. Eu simplesmente devorava esses livros.


Melvin McLeod: Muitos de nós encontramos inspiração nesses livros. O que você encontrou neles que chamou a sua atenção?


Richard Gere: Esses livros tinham tudo o que um bom romance tem, de modo que você poderia realmente mergulhar neles, mas, ao mesmo tempo, eles ofereciam a possibilidade de você viver aqui e ser livre ao mesmo tempo. Eu ainda não tinha considerado isso como uma possibilidade – eu só queria sair – assim a ideia de que você poderia estar aqui e estar fora ao mesmo tempo – vazio – foi revolucionária.


Assim, o caminho budista, particularmente a abordagem tibetana, foi, obviamente, me atraindo, mas o Zen Budismo foi a primeira tradição em que me envolvi. Meu primeiro professor foi Sasaki Roshi. Lembro-me de ir para Los Angeles para três dias de sesshin [programa de meditação Zen]. Preparei-me, alongando as pernas por meses e meses para que eu pudesse passar por isso.


Eu tive uma espécie de experiência mágica com Sasaki Roshi, uma experiência da realidade. Eu compreendi que isto é um trabalho, isto é um trabalho. Não se trata de voar pelos ares; não se trata de qualquer magia ou romance. É um trabalho sério em sua mente. Essa foi uma parte importante do caminho para mim.


Sasaki Roshi foi incrivelmente rigoroso e muito gentil ao mesmo tempo. Eu era um completo neófito e não sabia de nada. Eu era arrogante e inseguro e estava ferrado. Mas eu estava falando sério sobre querer aprender. Chegou a um ponto no final do sesshin em que eu preferia nem ir ao dokusan [entrevista com o mestre Zen]. Eu sentia que estava tão mal preparado para lidar com os koans que eles tinham que me arrastar. Finalmente, chegou a um ponto em que eu apenas ficava sentado lá, e eu me lembro dele sorrindo naquele momento. “Agora podemos começar a trabalhar”, ele disse. Não havia nada a dizer – nenhuma besteira, nada.


Melvin McLeod: Quando alguém tem uma conexão intuitiva tão forte, o budismo sugere que é por causa do karma, alguma conexão passada com os ensinamentos.


Richard Gere: Bem, eu perguntei aos mestres sobre o que tinha me levado a isso. Eles apenas sorriam para mim, como se eu pensasse que havia alguma decisão nesse sentido ou então fosse apenas o acaso. Bem, não é assim que o karma funciona. Obviamente há alguma ligação muito clara e definitiva com os tibetanos ou isso não teria acontecido. Minha vida não teria se expressado desta maneira.


Eu acho que eu sempre senti que a prática era a minha vida real. Eu me lembro quando eu estava apenas começando a praticar a meditação, aos 24 anos, tentando lidar com a minha vida. Eu estava escondido no meu pequeno apartamento horrível por meses, apenas fazendo tai chi e fazendo o meu melhor para realizar a meditação sentada. Eu tinha um sentimento muito claro de que eu sempre estive em meditação, que eu nunca saí da meditação. Isso era uma realidade muito mais substancial do que aquilo que normalmente se considera como realidade. Isso era muito claro para mim já naquela época, mas levou todo esse tempo da minha vida para trazê-lo para fora, para o mundo, com mais tempo de prática, observando minha mente, tentando gerar bodhicitta.




Melvin McLeod: Quando você encontrou o Dalai Lama pela primeira vez?


Richard Gere: Eu tinha sido um estudante do Zen por cinco ou seis anos antes de conhecer Sua Santidade na Índia. Nós começamos com um pouco de conversa fiada e então ele disse: “Ah, então você é um ator?” Ele pensou sobre isso um segundo, e disse: “Então, quando você faz uma cena em que o personagem se irrita, você realmente está irritado? Quando o personagem está triste, você realmente se entristece? Quando o personagem chora, você está realmente chorando? “Eu dei a ele algum tipo de resposta de ator, eu disse que seria mais eficaz se você realmente acreditasse na emoção que você estava retratando. Ele olhou profundamente em meus olhos e começou a rir. Histericamente. Ele estava rindo da ideia de que eu pudesse acreditar que emoções são reais, que eu iria me esforçar para acreditar em raiva, ódio, tristeza, dor e sofrimento.


Essa primeira reunião teve lugar em Dharmsala em uma sala onde eu o vejo com bastante frequência agora. Eu não posso dizer que o sentimento tenha mudado drasticamente. Eu ainda fico incrivelmente nervoso e projeto todos os tipos de coisas sobre ele, mas a essa altura ele já está acostumado. Ele passa por todas essas coisas muito rapidamente, porque seus votos são tão poderosos, tão abrangentes, que ele é muito eficaz e hábil em chegar ao ponto. Porque a única razão pela qual alguém iria querer vê-lo é a vontade de remover o sofrimento de sua consciência.


A minha vida mudou completamente desde a primeira vez que estive na presença de Sua Santidade. Não há dúvida sobre isso. Não foi como se eu sentisse, “Oh, eu vou doar todos os meus bens e ir para o monastério agora”, mas naturalmente senti que era isso que eu tinha que fazer, trabalhar com esses mestres, trabalhar dentro desta linhagem, aprender tudo o que eu pudesse, envolver-me nisso. Apesar dos diferentes graus de seriedade e compromisso, desde então, eu realmente nunca me afastei desse caminho.


Melvin McLeod: Sua Santidade trabalha pessoalmente com você, combatendo suas neuroses das muitas maneiras que os mestres budistas fazem, ou ele lhe ensinar mais através do seu exemplo?


Richard Gere: Não há dúvida de que Sua Santidade é o meu guru-raiz, e ele tem sido muito duro comigo às vezes. Eu tive que explicar às pessoas que podem ter uma visão um pouco romântica de Sua Santidade que, às vezes, ele me confronta abertamente, mas com muita habilidade. Eu não digo que tenham sido agradáveis para mim os momentos em que ele agiu dessa maneira, mas nunca houve apego ao ego da sua parte. Eu sou muito grato a ele por confiar em mim o suficiente para ser incisivo e servir de espelho. Lembre-se, as primeiras reuniões não eram assim. Eu acho que ele estava ciente de quão frágil eu era e estava sendo muito cuidadoso. Eu acho que agora ele sente que a minha seriedade a respeito dos ensinamentos aumentou e minha própria compreensão dos ensinamentos aumentou. Ele pode ser muito mais duro comigo.


Melvin McLeod: A escola Gelugpa do budismo tibetano coloca uma forte ênfase na análise. O que o atraiu para uma abordagem mais intelectual?


Richard Gere: Sim, é engraçado. Eu acho que provavelmente eu teria sido atraído instintivamente pela Dzogchen [A Grande Perfeição, ensinamento da escola Nyingma]. Eu acho que o instinto que me atraiu para o Zen é o mesmo que teria me levado para Dzogchen.


Melvin McLeod: Espaço.


Richard Gere: O não-conceitual. Basta ir direito ao espaço não-conceitual. Recentemente eu tive alguns mestres Dzogchen que tiveram a gentileza de me ajudar, e eu vejo como o Dzogchen incrementa grande parte das outras formas de meditação que eu pratico. Muitas vezes o Dzogchen tem realmente me proporcionado uma visão fresca e tem me feito perceber o tipo de caminho limitado que eu estava percorrendo através do condicionamento e da preguiça.


Mas no geral, acho que a escolha mais sábia para mim é trabalhar com os Gelugpas, embora o espaço seja o espaço onde quer que seja. Eu acho que a abordagem analítica – que busca os não-limites desse espaço – é importante. De certa forma, as pessoas alcançam a estabilidade ao se tornarem capazes de ordenar a mente racional. Quando o espaço não está lá para você, o trabalho intelectual ainda vai mantê-lo apoiado. Eu ainda me encontro em situações onde as minhas emoções estão fora de controle e a raiva surge, e nessa situação é muito difícil adentrar em um espaço ‘puro’ e límpido. Assim, a abordagem analítica para trabalhar com a mente é extremamente útil. É algo muito concreto em que se apoiar e bastante estabilizador.


Melvin McLeod: Qual foi a evolução das práticas para você, na medida em que você pode falar sobre isso, depois que entrou no caminho vajrayana?


Richard Gere: Fico um pouco hesitante em falar sobre isso, porque, um, eu não tenho a pretensão de saber muito, e dois, sendo uma celebridade estas coisas são citados fora de contexto e isto às vezes não é favorável. Posso dizer que quaisquer que tenham sido as formas de meditação que eu pratiquei, eles ainda envolvem as formas básicas de refúgio, de geração de bodhicitta [mente e coração despertos] e dedicação de mérito para os outros. Todos os níveis de ensinamentos que meus professores me permitem receber envolvem essas formas básicas.


No geral, o tantra tornou-se menos romântico para mim. Parece mais familiar. Essa é uma fase interessante no processo, quando essa versão particular da realidade torna-se mais normal. Eu não estou dizendo que é normal, no sentido de comum ou mundano, mas eu posso sentir que é tão normal quanto o que eu considerava antes como realidade. Eu posso confiar nisso.


Melvin McLeod: Que livros do Dharma foram importantes para você?


Richard Gere: As pessoas estão sempre me perguntando que livros budistas eu recomendaria. Eu sempre sugiro Mente Zen, Mente de Principiante a alguém que diz: “Como posso começar?” Eu sempre incluirei algo de Sua Santidade. Seu livro Bondade, Amor e Compaixão é extraordinariamente bom. Há coisas maravilhosas lá. The Tantric Distinction, de Jeffrey Hopkins é muito útil. Há tantos.


Melvin McLeod: Você vai para a Índia com frequência. Isso lhe dá a oportunidade de praticar em um ambiente com menos distrações?


Richard Gere: Na verdade, é provavelmente quando me distraio mais! Quando eu vou lá, eu sou apenas um estudante simples como todo mundo, mas eu também sou um cara que pode ajudar. Quando estou na Índia, há uma série de pessoas que necessitam de ajuda e é muito difícil dizer não. Portanto, não é o momento mais tranquilo da minha vida, mas apenas estar em um ambiente onde todo mundo está focando no Dharma e onde Sua Santidade é o centro do foco já é extraordinário.


Melvin McLeod: Quando você está em Dharmsala você tem a oportunidade de estudar com o Dalai Lama ou outros mestres?


Richard Gere: Eu tento me manter em contato com todos os meus mestres. Alguns deles são eremitas nas montanhas, mas eles vêm para baixo quando Sua Santidade dá ensinamentos. É um tempo para se atualizar em tudo isso, e recordar. Para mim, isso significa recordar. A vida aqui é uma distração incrível e é muito fácil se desviar do caminho. Ir para lá é uma oportunidade de lembrar, literalmente, qual é a missão, por que estamos aqui.


Melvin McLeod: Aqui você está envolvido no mundo da produção cinematográfica, que as pessoas consideram extremamente desgastante, de alto nível e extremamente competitivo.


Richard Gere: Isso é tudo verdade. Mas é como a vida de todo mundo, com a diferença de que ela aparece nos jornais. Só isso. São as mesmas emoções. O mesmo sofrimento. As mesmas questões. Não há diferença.


Melvin McLeod: Você não acha que tem uma vida um pouco cindida, indo e vindo entre esses mundos?


Richard Gere: Acho que cada vez mais o meu envolvimento em uma carreira, em uma vida de chefe de família normal, é um grande desafio para aprofundar os ensinamentos dentro de mim. Se eu não estivesse no mercado, não haveria nenhuma maneira pela qual eu seria capaz de realmente enfrentar os cantos e recantos mais escuros dentro de mim. Eu simplesmente não iria vê-los. Eu não sou tão tenaz; eu não sou tão inteligente. Preciso da vida me dizendo quem eu sou, me mostrando minha mente constantemente. Eu não iria vê-la em uma caverna. O problema comigo é que se eu pudesse, eu provavelmente encontraria algum estado de felicidade, e permaneceria lá. Isso seria a morte. Eu não quero isso. Como eu disse, eu não sou um praticante extraordinário. Eu sei muito bem quem eu sou. É bom para mim estar no mundo.


Melvin McLeod: Existem maneiras específicas pelas quais você tenta trazer o dharma para o seu trabalho, além de trabalhar com sua mente e tentar ser um ser humano decente?


Richard Gere: Bem, isso já é muito! Isso é coisa séria.


Melvin McLeod: É verdade. Mas esses são os desafios que todos enfrentamos. Eu só estava me perguntando se você tenta trazer uma perspectiva budista ao mundo específico do cinema?


Richard Gere: No cinema, nós estamos jogando com algo que, literalmente, fragmenta a realidade, e eu acho que estar ciente da fragmentação do tempo e do espaço auxilia a prática, ajuda soltar a mente. Não há nada de verdadeiro no cinema. Nada. Não podemos nem mesmo comprovar a existência das partículas de luz que projetam o filme. Nada está lá. Nós sabemos isso quando estamos atuando; nós somos os mágicos que fazem o truque. Mas, mesmo assim mantemos a crença de que tudo é real, que essas emoções são reais, que este objeto realmente existe, que a câmera está capturando alguma realidade.


Por outro lado, há algum sentido mágico que a câmera vê melhor do que nossos olhos. Ela vê o interior das pessoas de uma forma que normalmente não conseguimos. Portanto, há uma vulnerabilidade em estar na frente da câmera que não se tem de suportar na vida normal. Há uma certa quantidade de pressão e estresse nisso. Você está sendo visto, você realmente está sendo visto, e não há lugar para se esconder.


Melvin McLeod: Mas não há nenhuma maneira de realmente lidar com a situação para…?


Richard Gere: Você quer dizer, aprender através disso? Não, acho que essas coisas são muito misteriosas para que se pudesse fazer isso conscientemente. Sem dúvida, estando eu mal preparado para ser um bom aluno, eu tive um monte de ensinamentos, e alguns permaneceram. De alguma forma eles se comunicam, não por causa de mim, mas, apesar de mim. Então eu acho que há um valor aí. É o mesmo com todo mundo: todas as energias positivas que nos tocaram em vidas inumeráveis exercerão sua influência de alguma forma. Quando você olha em seus olhos, quando a câmera da um close, há algo lá que é misterioso. Não há nenhuma maneira pela qual você poderia escrevê-lo, não há nenhuma maneira pela qual você poderia planejar, mas uma câmera vai buscá-lo de uma maneira diferente do que alguém poderia fazer sentado do outro lado da mesa.


Melvin McLeod: Como você se sente em seu papel como o porta-voz do Dharma?


Richard Gere: Para o Dharma? Eu nunca, nunca aceitei isso, e eu nunca vou aceitar. Eu não sou um porta-voz do Dharma. Eu não tenho as qualidades necessárias.


Melvin McLeod: Mas você está sempre sendo questionado em público sobre ser um budista.


Richard Gere: Eu posso falar sobre isso apenas como um praticante, do ponto de vista limitado que eu tenho. Embora tenham se passado muitos anos desde que eu comecei, eu não posso dizer que eu sei mais agora do que antes. Eu não posso dizer que tenho controle sobre minhas emoções. Eu não conheço minha mente. Estou perdido como todos os outros. Então, eu certamente não sou um líder. No curso real das coisas, eu falo sobre essas coisas, mas apenas no sentido de que isso é o que os meus mestres me deram. Nada de mim.


Melvin McLeod: Quando você é perguntado sobre o budismo, existem certos temas que você retoma e que sente que são úteis, tais como a compaixão?


Richard Gere: Absolutamente. Eu provavelmente diria sabedoria e compaixão, de alguma forma, que são os dois pólos que estamos aqui para explorar – expandindo nossas mentes e nossos corações. Em algum momento, espero ser capaz de abranger todo o universo dentro da mente, e a mesma coisa com o coração, com compaixão. Espero que os dois ao mesmo tempo. Inseparáveis.


Melvin McLeod: Quando você diz isso, eu me lembro de algo que me surpreendeu quando eu vi o Dalai Lama falar. Ele estava ensinando sobre a compaixão, como tantas vezes acontece, mas eu não pude deixar de pensar no que aconteceria se ele falasse para um público mais amplo sobre o entendimento budista da sabedoria, isto é, sobre o vazio (vacuidade). Eu só queria saber o que aconteceria se este líder espiritual reverenciado dissesse ao mundo, bem, vocês sabem, tudo isso realmente não existe de uma maneira substanticial.


Richard Gere: Bem, o Buda girou a roda do Dharma muitas vezes, e considero o papel de Sua Santidade da mesma forma. Se estamos tão perdido em nossa natureza animal, a melhor maneira de começar a sair dessa situação é aprender a ser gentil. Alguém perguntou a Sua Santidade, como você pode ensinar uma criança a se preocupar as coisas vivas e tratá-las com respeito? Ele disse, tente levá-las a amar e respeitar um inseto, algo que nós instintivamente repelimos. Se elas puderem enxergar a sua senciência básica, o seu potencial, a plenitude do que ele é, com bondade básica, então isso é um grande passo.


Melvin McLeod: Eu estava lendo o que o Dalai Lama disse sobre o amor de mãe, que para ele é o melhor símbolo para o amor e compaixão, porque é totalmente desinteressado.


Richard Gere: Nectar. O néctar é isso! [Na prática Vajrayana, as bênçãos espirituais são visualizadas como néctar descendo sobre o praticante.] Isso é o leite materno; que está vindo direito da mãe. Absolutamente.


Melvin McLeod: Embora você seja cauteloso ao falar sobre o Dharma, você é um porta-voz apaixonado pela questão da libertação do Tibete.


Richard Gere: Com relação a isso, eu já passei por diferentes fases. A raiva que eu poderia ter sentido 20 anos atrás é bem diferente agora. Estamos todos no mesmo barco aqui, todos nós, Hitler, os chineses, você, eu, o que fizemos na América Central. Ninguém está imune à ignorância que causa todos esses problemas. Os chineses estão produzindo a causa de um futuro e uma vida futura ruim para si mesmos, e não se pode deixar de ser compassivo com eles por isso.


Quando falo com os tibetanos que estiveram em confinamento solitário por 20 ou 25 anos, eles me contam, do fundo do coração, que o problema é maior do que o que eles sofreram nas mãos dos seus torturadores, e que sentem pena e compaixão por estas pessoas que estavam agindo de maneira desnaturada. Depois de estar na presença desse tipo de sabedoria de coração e mente você não pode mais recuar.




Melvin McLeod: É notável que um povo inteiro, de maneira geral, esteja imbuído de um espírito parecido.


Richard Gere: Estou convencido de que houve aí uma política de Estado. Obviamente, surgem problemas quando não há separação entre Igreja e Estado. Mas estou convencido de que o propósito dos grandes reis do Dharma é criar uma sociedade baseada nessas ideias. As instituições foram projetadas para criar pessoas boas; tudo na sociedade estava lá para apoiá-las. Isso se tornou decadente, houve bons e maus períodos. Mas a essência da sociedade era a criação de pessoas boas, bodhisattvas, era criar um ambiente muito forte onde as pessoas pudessem alcançar a iluminação. Imagine isso na América! Quero dizer, nós não temos nenhuma estrutura para a iluminação. Nós temos uma forte herança cristã e judaica, de compaixão e de altruísmo. Boas pessoas. Mas temos muito pouco que estimula a iluminação – liberação total.


Melvin McLeod: Considerando como as violações dos direitos humanos têm atraído a atenção da consciência mundial, como no Tibete e na África do Sul, antes disso, o trabalho de celebridades como você capazes de usar sua fama habilmente tem sido um fator importante.


Richard Gere: Espero que seja verdade. É uma gentileza sua dizer isso. É uma situação estranha. Anteriormente eu havia trabalhado na América Central e em algumas outras questões políticas e de direitos humanos, e é preciso conhecer um pouco as regras do jogo para trabalhar com o Congresso e o Departamento de Estado. Mas isso realmente não se aplica a esta situação. O Tibete está muito longe, e o envolvimento americano lá tem sido extremamente limitado.


Achei também que a questão da Sua Santidade, em termos de um movimento político, era muito complicada. É um movimento de não-violência, o que é um problema em si mesmo porque você não obtém manchetes com a não-violência. E Sua Santidade não se vê como Gandhi; ele não cria situações dramáticas ou espetaculares.


Então, nós acabamos tendo uma espécie muito mais constante de abordagem. Não é uma ação dramática. Trata-se de, pouco a pouco, ir construindo a verdade, e eu acho que esse processo provavelmente tem sido mais profundo por causa disso. Os senadores, deputados, legisladores e parlamentares que se envolveram vão muito além do que eles normalmente iriam por uma causa em que acreditassem.


Acho que a universalidade das palavras e ensinamentos de Sua Santidade são muito maiores do que a causa do Tibete. Quando Sua Santidade recebeu o Prêmio Nobel da Paz, houve um salto quântico. Ele não é mais visto como apenas um tibetano; ele pertence ao mundo. Nós estávamos falando antes sobre o que a câmera capta, uma simples foto de Sua Santidade já parece comunicar muito. É cativante, e ao mesmo tempo revela uma abertura. Você pode imaginar como teria sido ver o Buda. Apenas ver o seu rosto iria colocá-lo muitos passos à frente. Eu acho que muito do que temos feito é apenas colocar Sua Santidade em situações em que ele poderia tocar tantas pessoas quanto possível, o que ele sempre faz com impecável bodhicitta.


Eu continuo dizendo que o Tibete vai ser levado em consideração no processo, mas se trata de como salvar todos os seres sencientes, e enquanto mantivermos nossos olhos sobre o prêmio, o Tibete vai ficar bem. É claro que no Tibete existem questões imediatas que devem ser tratadas. Trabalhamos com elas o tempo todo. Embora tivéssemos razão para acreditar que uma comunicação mais aberta com os chineses estava evoluindo, o otimismo gerado pela visita de Clinton à China não se confirmou. Na verdade, os tibetanos, bem como as chineses pró-democracia, estão enfrentando o período mais repressivo desde o final dos anos oitenta, desde o massacre da Praça de Tiananmen.


Melvin McLeod: Eu sempre fico impressionado com um ponto que o Dalai Lama acentua, muito semelhante ao que o meu próprio mestre, Chögyam Trungpa Rinpoche, apresenta nos ensinamentos da Shambhala. É a necessidade de uma espiritualidade universal com base em verdades simples da natureza humana que transcende qualquer religião em particular, ou a necessidade de uma religião formalizada. Isto me atinge como uma mensagem extraordinariamente importante.


Richard Gere: Bem, eu acho que é verdade. Sua Santidade diz que o que todos nós temos em comum é a aprovação da bondade e da compaixão; todas as religiões têm isso. Amor. Nós todos nos inclinamos para o amor.


Melvin McLeod: Mas, além disso, ele assinala que bilhões de pessoas não praticam uma religião de maneira nenhuma.


Richard Gere: Mas eles têm uma religião, a religião da bondade. Todo mundo responde à bondade.


Melvin McLeod: É fascinante que um grande líder religioso defenda de fato uma religião de nenhuma religião.


Richard Gere: Claro, é isso que o torna maior do que o Tibet.


Melvin McLeod: Faz com que ele seja maior do que o budismo.


Richard Gere: Muito maior. O Buda foi maior do que o budismo.


Melvin McLeod: Você é capaz de patrocinar uma série de projetos de apoio ao Dharma e à independência do Tibete.


Richard Gere: Eu me encontro em uma posição única. Eu tenho algum dinheiro em minha fundação, então eu sou capaz de oferecer algum capital a vários grupos e ajudá-los a iniciar seus projetos. Patrocinar os livros do Dharma é importante para mim – tradução, publicação – mas eu acho que a coisa mais importante que posso fazer é ajudar a patrocinar a instrução. Trabalhar com Sua Santidade e ajudar a patrocinar a instrução na Mongólia, Índia, Estados Unidos e em outros lugares, nada me dá mais alegria.


O programa que estamos fazendo neste verão prevê quatro dias de ensinamentos do Dalai Lama em Nova York. Entre os dias 12 e 14 de agosto haverá o ensino formal por Sua Santidade sobre Kamalashila’s “Middle-length Stages of Meditation” e “The Thirty-seven Practices of the Bodhisattvas.” Será no Beacon Theater e há cerca de 3.000 bilhetes disponíveis. Tenho certeza de que serão vendidos rapidamente. Se as pessoas não puderem comparecer, haverá uma aula pública gratuita no Central Park no dia 15. Estamos supondo que haverá espaço para 25 a 40 mil pessoas. Por isso, todos que quiserem poderão comparecer. Sua Santidade vai dar uma aula sobre os Oito Versos que Transformam a Mente, um poderoso ensinamento lojong, um dos meus favoritos, na verdade. Em seguida, Sua Santidade vai dar uma iniciação [wang], um empoderamento completo para Tara Branca.


Eu vi Sua Santidade dar ensinamentos da bodhicitta como estes, e ninguém pôde ir embora sem chorar. Ele toca tão profundamente no coração. Ele deu um ensinamento em Bodh Gaya, no ano passado, sobre In Praise of Bodhicittade Khunu Lama, que é um longo poema. Só de pensar nisso agora, eu estou começando a chorar. Tão bonito. Quando ele estava ensinando sobre In Praise of Bodhicitta, de Kunu Lama, que foi seu próprio mestre, Oh! Estávamos dentro de seu coração, da maneira mais extraordinária. Um lugar sobre o qual você não consegue falar, você não consegue ler a respeito, nada. Você está na presença de Buda. Eu tive vários mestres que dão ensinamentos maravilhosos sobre a sabedoria, mas ver alguém que realmente tem a grande bodhicitta.


Então esses são os ensinamentos que eu acredito que Sua Santidade está aqui para dar. Isso é o que toca.


Esta entrevista foi dada em 1999.

“A corrupção está dentro de nós” ... é "absurdo" que parlamentares "votem em nome de Deus"

Publicado no "El país" edição brasileira por MARINA NOVAES

Em São Paulo 2016


Monja budista mais pop do Brasil fala sobre o impeachment de Dilma e a intolerância política. Para ela, num Estado laico como o nosso é "absurdo" que parlamentares "votem em nome de Deus"



A Monja Coen, no Templo Soto Zen Budista Taikozan Tenzuizenji, em São Paulo, onde recebeu a reportagem do EL PAÍS, em 21 de abril. RICARDO MATSUKAWA

Vestida de branco dos pés à cabeça, Cláudia Dias Baptista de Souza, 69 anos, se misturou à multidão que ocupava a avenida Paulista no dia 18 de março para se manifestar contra o impeachment da presidenta Dilma Rousseff. Apenas a carequinha denunciava que estava ali a líder budista mais popdo Brasil, a Monja Coen, que há 33 anos deixou a vida regada a sexo, drogas e rock n' roll para se dedicar ao zen budismo. Sorridente, com um semblante tranquilo de observadora, ela decidira participar como "pessoa física", sem o habitual samue (o manto dos monges), de sua primeira manifestação desde o início da conturbada crise política que o Brasil atravessa desde 2015. Alguns a reconheceram e pediram para tirar fotos. Mas, nas redes sociais, nem todos ficaram felizes ao saber que a religiosa tinha escolhido um lado.



A política não é tema das conversas dentro do templo soto zen budista que lidera no Pacaembu, bairro nobre da região central de São Paulo. Mas, fora dele, ela sentia que era hora de se manifestar. "Eu sou contra o impeachment. No momento em que eleições legitimamente realizadas estão sendo questionadas, estamos dando um retrocesso político", respondeu, semanas depois, ao receber o EL PAÍS em sua casa para uma entrevista sobre atitudes zen em meio à tensão social atual.

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Cláudia se tornou Coen (Co quer dizer só e En significacírculo, ou seja, um só círculo) em 1983, quando fez votos monásticos e entrou para o Mosteiro Feminino de Nagoia, no Japão, onde viveu por mais de uma década. Ex-jornalista, prima dos Mutantes Sérgio Dias e Arnaldo Dias Baptista, ela descobriu aos 36 anos, em Los Angeles, "essa coisa maravilhosa que é a meditação", quando fazia uma reportagem sobre sociedades alternativas nos Estados Unidos. Deixou para trás um passado agitado, que inclui um casamento aos 14 anos (e uma gravidez e divórcio aos 17), uma fase de groupie da banda de rock Alice Cooper, uma prisão na Suécia por tráfico de LSD e uma tentativa de suicídio. 

A partir dali abraçou um estilo de vida que lhe trouxe serenidade e uma vocação. Nunca escondeu seu passado por ver em sua trajetória o exemplo prático de como é possível virar qualquer vida do avesso e recomeçar. Se tornou a primeira mulher a ocupar a presidência das Seitas Budistas no Brasil, se casou com um monge (de quem se separou anos depois), escreveu livros sobre a vida zen e hoje se define como uma "monja e dona-de-casa", que roda o Brasil dando palestras sobre felicidade e vê alegria em coisas triviais, como caminhar no parque com seus três cachorros e votar. "Me alegra poder dar meu voto. Eu vivi muito tempo numa época em que não podíamos votar". Na definição da filha Fábia, 52 anos, é "uma figura", "iluminada e de bem com a vida".

E é justamente só (como diz o nome que ganhou do professor japonês) que assume sua posição política. Antes de continuar a entrevista, faz questão de esclarecer: essa é a sua opinião pessoal e não representa a comunidade que lidera, que tem liberdade para pensar como quiser. Também esclarece que não é filiada a nenhum partido político, não vota sempre no mesmo grupo, nem possui uma ideologia partidária. E que "entende muito pouco desses assuntos". Razões pelas quais não vê como quem pensa diferente dela deveria se sentir incomodado com sua opinião, já que conviver com pessoas que pensam diferente é, para ela, algo que deveria ser "enriquecedor" e, mais: necessário.

"Nós não falamos de política aqui. Mas eu tenho notado que as pessoas ficam muito virulentas quando vão discutir o seu ponto de vista... Há muitas pessoas intolerantes hoje. Teve uma senhora que frequentava o templo e veio aqui chorando me dizer que não poderia mais ser guiada por mim porque soube que eu me manifestei publicamente sobre o tema. Olha isso que interessante... Aí tem gente que diz: 'Ah, mas a monja não pode ter uma opinião política'... Isso não é verdade. Todos temos. Nós estamos numa democracia e existem várias formas de pensar", diz.

"Cada um de nós tem que assumir aquilo que pensa. E assumir, com isso, as consequências"

Para ela, há certos momentos em que é preciso se posicionar no mundo. “Cada um de nós tem que assumir aquilo que faz, aquilo que é e aquilo que pensa. E assumir, com isso, as consequências", ponderou, sem rodeios. Por isso lembrou que não falava em nome de mais ninguém a não ser dela mesma.

Circo político versus Estado laico

Para a missionária budista, o Estado ser laico é fundamental para a democracia brasileira, o que a faz achar "um completo absurdo" o fato de deputados federais citarem mais a palavra Deus que as acusações contra Dilma ao votarem por sua destituição. "É um absurdo falarem 'estou aqui votando em nome de Deus', porque o nosso Estado é laico. É importante que seja laico. Nem todos os evangélicos, os católicos, os budistas, enfim, são a favor do impeachment... Então você não pode falar em nome de todas essas pessoas sem consultá-las antes", disse, em referência à aprovação, pela Câmara Federal, da continuidade do processo contra Dilma no dia 17 de abril. 

"O que eu vi naquela votação na Câmara foi um circo. E pensei depois: que bom que eu estou do lado daqueles que perderam essa votação. Porque eu não gostaria de estar do lado daqueles que ganharam. Porque eu teria muita vergonha. Pois aquilo não foi honesto."
Cisão da sangha

"É um absurdo falarem 'estou aqui votando em nome de Deus' porque o nosso Estado é laico"

Coen se diz especialmente preocupada com a divisão do Brasil e o clima de intolerância. Uma das poucas referências políticas que faz quando se dirige à comunidade budista é sobre a importância de não deixar com que esse momento de crise —que é passageira, frisa ela— divida "famílias, separe amigos, destrua comunidades". "Buda, ele dizia que um dos crimes maiores que podia ser cometido era a cisão da sangha, divisão da comunidade. Que é o que a gente está vivendo no Brasil. Que lamentável. Seja qual lado que ganhe ou que perca todos nós perdemos e ganhamos juntos."

Para a missionária, neste sentido, "todos os lados" da história estão errados, sejam governistas ou opositores. "Nós não precisamos destruir o outro para provar que temos capacidade. E nisso, todos eles estão na mesma panela", observou, reprovando o discurso do "nós contra eles", tão presente em falas políticas. "Eu não gosto da palavra luta, por exemplo, e muitos partidos políticos usam isso. Eu não acho que a gente deve lutar por coisa alguma. Eu acho que a gente deve trabalhar para construir algo", completa, retomando o tom zen do papo.

Monja Coen fala frases duras, gesticula bastante, mas não eleva o tom da voz. Mantém o olhar suave mesmo nas vezes em que usa palavras como "hipocrisia" ao falar dos que usam a bandeira "contra a corrupção" para destituir o Governo."Então somos todos contra a corrupção e os corruptos. E os juízes quem são? São esses senhores que têm as perninhas presas em escândalos", diz. Também não altera o timbre ao dizer que a "mídia brasileira não é democrática" e "manipula a população ocultando um dos lados da história".

Foi um livro de Léon Trotsky (não se lembra qual), que fazia menção ao combate à corrupção, que a motivou a se tornar monge nos anos 80. O livro apontava justamente que qualquer mudança social positiva só seria possível se a transformação fosse interna."Se a mudança não for do coração, interna de cada um de nós, não vão ser partidos políticos, sistemas econômicos que vão fazer a diferença. Porque nós somos corrompíveis. Todos nós. Em níveis diferentes. E como é que você pode acessar um nível de incorruptibilidade? Como fazer isso através de uma visão clara da realidade de que estamos todos e tudo interligados? Como é que eu mexo nisso sem ódio, sem criar atrito? Isso, pra mim, é uma arte. É uma arte de fazer política. E nós ainda não chegamos lá."
Desapego 

Demonstra paixão ao falar e gesticula muito, mas não perde o tom sereno. RICARDO MATSUKAWA

Questionada, porém, sobre as acusações de corrupção que pesam contra o PT e contra o Governo Dilma, a monja relativiza o poder que "um presidente tem dentro de um jogo político que inclui muitos interesses" e o quão reais são as acusações. Não se aprofunda no assunto, mas diz não "botar a mão no fogo por ninguém". Apesar disso, nega ter medo de admitir estar errada, mais uma vez recorrendo ao budismo ao avaliar essa hipótese.

"Eu acredito na Dilma. Acho que é uma senhora honesta. Acho que ela queria fazer coisas pelo bem do Brasil e está sendo impedida porque não soube fazer as barganhas políticas. Mas posso estar errada? Posso. E se ficar provado que não era isso, vou dizer: eu me enganei. Porque eu descobri uma coisa maravilhosa que é o zen budismo, que me tira o apego de tudo, inclusive de um ponto de vista. Eu posso errar. Eu não sou uma ativista política. Eu apenas tenho uma opinião política."

— E, diante de todo esse cenário de caos político, como a senhora tem conseguido se manter zen?

Ela recebe a pergunta com uma gargalhada. Pensa alguns segundos e responde:

— A vida continua, apesar de tudo e apesar de todos os aspectos e revezes. Eu continuo meditando, continuo fazendo o meu trabalho. Esse é um dos princípios básicos do budismo: não há nada fixo, nada permanente. Então neste momento que estamos atravessando essa turbulência, vamos apertar nossos cintos, vamos controlar nossas finanças, manter a calma… Porque sabemos que a turbulência passa. Não vamos fazer disso essa coisa tão negativa, como se o mundo fosse acabar, porque não vai. Eu ainda acredito que nós podemos construir uma cultura de paz. Uma cultura de respeito. Isso tudo vai passar...

Monja Coen, em seu templo em São Paulo. RICARDO MATSUKAWA

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