Você não é mais aquele...

Eu estava revisando um prontuário e um link me lembrou esta história... Que possa trazer algum proveito a alguém.


Devadatta (em Sânscrito, Pali e Japonês: Daibadatta) era filho do Rei Dronodana e era primo de Sidarta Gautama (o *Buda*), de quem, um dia, se tornou, inicialmente, um discípulo e, posteriormente, inimigo.


Nas escrituras budistas ele é descrito como um homem perverso, que por ciume, intenta matar o Buda e destruir a Ordem Budista.


Quando ambos eram jovens (antes de Sidarta dedicar-se a uma vida religiosa), diz-se que ele matou um elefante branco que Gautama lhe havia presenteado, e que chegou a disputar com o primo a mão da princesa Yashodhara, que viria a se casar com o futuro Buda. Mas quando Sidarta retirou-se da vida mundana e alcançou a iluminação, Devadatta converteu-se em um de seus discípulos. Por um tempo.


Um dia, quando Buda atravessava um desfiladeiro, Devadatta, então tomado de ciume e inveja, fez rolar uma pedra enorme com a firme intenção de atingir o Iluminado mortalmente. No entanto, a pedra passou ao seu lado.


Buda não só não se abalou como ainda viu o autor de tal tentativa de homicídio, mas não perdeu em momento algum a sua postura compassiva.


Algum tempo depois do ocorrido, Sidarta Gauthama cruzou com Devadatta em seu caminho, e para espanto deste, saudou-o com carinho e afeto.


Devadatta, cabisbaixo e se sentindo culpado, perguntou-lhe:


- Sabes o que eu fiz. Sabe o que eu quis... Não me odiais Senhor?


- Não, evidentemente que não – respondeu Buda.


- Como assim? – perguntou Devadatta numa atitude de espanto e simultaneamente de culpa.


Buda disse:


- *Neste momento já não és tu quem arremessou aquela rocha, assim como eu não sou mais aquele que estava no desfiladeiro quando a pedra foi arremessada.* *Sejamos melhores. Ambos.*




Paulo Freire e os rinocerontes de cabeça pra baixo

A sensação de que o Brasil virou de cabeça para baixo vem acompanhando boa parte do país há algum tempo, mas fica sempre a dúvida se isso é fruto da inépcia ou se é método do governo. Acredito numa combinação forte das duas coisas, e um estudo curioso sobre rinocerontes talvez sirva de analogia para pensarmos sobre essa metodologia do caos.


A pesquisa, feita pela Universidade de Cornell, dos Estados Unidos, mostrou que é mais seguro transportar rinocerontes voando de cabeça para baixo do que em macas, porque assim basta içá-los, o que torna a operação mais ágil e reduz a dose necessária de anestésico. Ou seja, é mais barato e mais seguro.


O estudo é tão inusitado que ganhou o prêmio Ig Nobel, criado pela Universidade de Harvard como uma espécie de paródia ao Nobel, e tem um objetivo nobre, voltado à preservação dos rinocerontes na Namíbia, mas gera reflexões em outras direções quando fazemos um paralelo com a nossa realidade.



A cegueira de uma parcela da população que continua idolatrando o presidente parece uma combinação dessas estratégias de içamento e sedação. Estão semi adormecidos e de cabeça para baixo, mas aqui a motivação dos que os transportam não é a preservação da vida dos sedados. O objetivo é que sirvam apenas de eco e trampolim para os pulos mal dados de um governo “manco, xoxo, fraco e inconsistente”.


Neste domingo em que Paulo Freire completaria 100 anos, vale lembrar algumas reflexões de seu livro “Pedagogia do Oprimido”, que tem tudo a ver com isso.


Quando ele pontua as estratégias dos opressores para a perpetuação da opressão, aponta como métodos a postura antidiálogo e a ação de dividir para conquistar. Destaca ainda o esforço em “matar nos homens a sua condição de ‘admiradores’ do mundo”. Como os opressores não conseguem fazer isso de forma completa, acabam por mitificar tudo à sua volta, levando as massas conquistadas e oprimidas à admiração de um falso mundo: “Um mundo de engodos que, alienando-as mais ainda, as mantenha passivas em face dele”.


A obra é mais pertinente do que nunca e alguns trechos parecem ter sido escritos para os dias de hoje. Um deles, que fala sobre essa “ação divisória”, soa como uma análise direta da forma de agir do governo brasileiro: “encontramos nela uma certa conotação messiânica, através da qual os dominadores pretendem aparecer como salvadores dos homens a quem desumanizam. No fundo, porém, o messianismo contido na sua ação não pode esconder o seu intento. O que eles querem é salvar-se a si mesmos. É salvar sua riqueza, seu poder, seu estilo de vida, com que esmagam aos demais”.


Quando lembramos dos casos de nepotismo, rachadinha, envolvimento com milícias, crueldade diante da pandemia etc, fica claro que não há nada mais atual.


Há ainda outro paralelo com os rinocerontes que também afeta essa realidade. Eles têm o hábito de marcar seus territórios com grandes quantidades de excrementos, formando pilhas que podem chegar a um metro de altura à sua volta. Quando se olha para as consequências do caos criado pelo governo atual, percebe-se que não apenas estão sedando e virando de cabeça para baixo uma parte do país, como ainda estão marcando o território brasileiro da mesma forma que os rinocerontes.


Como resolver isso?


É aí que vale trazer Paulo Freire de volta à mesa. E, para quem já cansou de ouvir o presidente falando que é contra o “viés ideológico” na educação, talvez uma das principais propostas de Freire vá deixar os bolsonaristas com um nó na cabeça: “É necessário desideologizar”, diz o grande intelectual no livro.


Para isso, ele prega o diálogo como um caminho fundamental para a libertação. O objetivo maior, segundo Paulo Freire, “não é ‘desaderir’ os oprimidos de uma realidade mitificada em que se acham divididos para ‘aderi-los’ a outra”, mas sim proporcionar aos oprimidos maneiras de reconhecer o porquê e o como de sua adesão a esses mitos, para que se libertem dessa ilusão e se unam em busca de uma transformação verdadeira da realidade injusta.


A jornada até lá é tortuosa, longa e cheia de rinocerontes voadores no caminho, mas a última frase do livro de Paulo Freire talvez seja um dos maiores anseios dos brasileiros hoje: “que permaneça nossa confiança no povo. Nossa fé nos homens e na criação de um mundo em que seja menos difícil amar”.


* Daniel Fraiha é jornalista e roteirista, Mestre em Criação e Produção de Conteúdos Digitais pela UFRJ e sócio da Projéteis – Criação e Roteiro

Não existe força mais destrutiva que o radicalismo político. Graças a ele, tivemos o holocausto, os gulags de Stálin, o genocídio de Ruanda. Mesmo assim, o extremismo segue atraindo toneladas de adeptos, à esquerda e à direita. 


O motivo? 


Quem melhor explicou não foi um sociólogo, um filósofo, muito menos um político. 


Foi um humorista: John Cleese, do Monty Python:

 

“A gente tem ouvido muito sobre extremismo recentemente. O clima está duro, agressivo: muito desrespeito e pouca empatia”, ele diz, num esquete de humor dos anos 80. “O que nunca se ouve por aí é sobre as VANTAGENS de ser extremista”

 

“E a maior dessas vantagens” – continua Cleese – “é que o radicalismo faz você se sentir bem. Porque ele te proporciona inimigos. Com isso, você pode fingir que toda a maldade do mundo está nos seus inimigos, e que toda a bondade está, claro, em você.”

 

O britânico, então, apresenta a lista de inimigos dos extremistas. Duas listas, na verdade: 


“Se você se juntar à esquerda radical, os inimigos serão a polícia, os EUA, os juízes, as multinacionais, os moderados.


"Já se você preferir ser um extremista da direita, sem problema, também vai ter uma bela lista de inimigos: minorias, sindicatos, manifestantes, socialistas e, claro, os moderados."


Uma vez armado de umas dessas listas de inimigos, você pode fazer a perversidade que for, e ainda assim sentir que o seu comportamento é moralmente justificável”.


É isso. Quando você tem certeza de que o seu grupo carrega a chama da verdade absoluta, enquanto o resto do mundo é dividido entre obscurantistas (seus inimigos) e covardes (os “isentões”), você é um extremista. E se você é um extremista, está do lado errado – seja ele qual for.



https://www.youtube.com/watch?v=a677GavT2aM

‘Protocolos dos Sábios de Sião’: como uma antiga fake news volta à cena

 

‘Protocolos dos Sábios de Sião’: como uma antiga fake news volta à cena

Obra apócrifa criada pela polícia czarista no início do século 20 sobre uma sinistra conspiração judaica para dominar o mundo ainda conquista adeptos entre extremistas de várias latitudes


Capa de edição americana da obra publicada em 1934: repercussão nos mais variados cantos do mundo. Crédito: Humus sapiens/Wikipedia

Uma farsa antissemita com mais de um século apareceu novamente enquanto a Convenção Nacional do Partido Republicano dos Estados Unidos estava em andamento na semana passada.

Mary Ann Mendoza, membro do conselho consultivo da campanha de reeleição do presidente Trump, deveria falar em 25 de agosto. Mas ela foi repentinamente retirada da programação depois de retuitar um link para uma teoria da conspiração sobre elites judaicas planejando assumir o controle do mundo.

Em seu tuíte excluído, Mendoza exortou seus cerca de 40 mil seguidores a ler um longo tópico que alertava sobre um plano para escravizar os goyim, ou não judeus. Incluía denúncias febris sobre uma família judia historicamente rica, os Rothschilds, bem como o principal alvo do extremismo de direita hoje, o filantropo judeu liberal George Soros.

O tópico também fazia referência a uma das fraudes mais notórias da história moderna: Os Protocolos dos Sábios de Sião. Como estudioso da história judaica americana, sei quão durável esse documento tem sido como fonte da crença em conspirações judaicas. O fato de ainda estar circulando nos arredores da direita política hoje é uma prova da longevidade dessa fabricação.

Notícias falsas

Certamente, nenhuma falsificação total na história moderna jamais se provou mais durável. No início do século 20, os Protocolos foram elaborados pela polícia czarista conhecida como Okhrana, com base em um obscuro romance alemão de 1868, Biarritz, no qual misteriosos líderes judeus se encontram em um cemitério de Praga.

Essa cabala fictícia aspira ao poder sobre nações inteiras por meio da manipulação de moeda e busca o domínio ideológico por meio da divulgação de notícias falsas. No romance, o Diabo ouve com simpatia os relatos apresentados por representantes das tribos de Israel, descrevendo a devastação e a subversão que causaram e a destruição que ainda está por vir.

A Okhrana (“proteção” em russo) trabalhou para o que era então o regime antissemita mais poderoso da Europa e queria usar a farsa para desacreditar as forças revolucionárias hostis às políticas reacionárias e ao misticismo religioso do governo czarista.

O documento se tornou um fenômeno global apenas cerca de duas décadas após a fabricação da Okhrana. A ampla publicação e republicação coincidiu tanto com a pandemia de gripe de 1918-20 quanto com o rescaldo da Revolução Bolchevique em 1917 – ambas as quais despertaram temores de forças obscuras que ameaçavam o controle social.

Bodes expiatórios

Judeus como bodes expiatórios por doenças e distúrbios políticos não eram novidade. Muitos judeus medievais haviam sido massacrados após acusações de envenenamento de poços e disseminação de pragas.

Mas, há um século, a crise na saúde pública provavelmente importava menos do que a tomada do poder pelos comunistas na Rússia, que, se não fosse controlada, poderia subjugar a ordem política que a Grande Guerra havia desestabilizado. O fato de alguns dos líderes revolucionários serem judeus de nascimento parecia reforçar as previsões dos Protocolos.

O czar Nicolau II, o último dos Romanov, era conhecido por ter lido os Protocolos antes de ser executado pelos bolcheviques em 1918. No ano seguinte, Hitler fez seu primeiro discurso gravado, no qual descreveu uma conspiração internacional de judeus – de todos os judeus – para enfraquecer e envenenar a raça ariana e para extinguir a cultura alemã.

O próprio Hitler não tinha certeza da autenticidade dos Protocolos – uma questão de verificação que pode não ter importado tanto para os nazistas. O führer disse a um de seus primeiros associados que os Protocolos eram “imensamente instrutivos” em expor o que os judeus podiam realizar em termos de “intriga política” e em demonstrar sua habilidade em “engano [e] organização”.

Henry Ford (segundo à esquerda) em viagem à Alemanha, em 1930. O magnata da indústria automobilística professava ideias antissemitas e publicou os “Protocolos” nos EUA. Crédito: German Federal Archives/Wikimedia
Conspiração ‘americanizada’

Nos Estados Unidos, a farsa foi amplamente divulgada pelo empresário mais admirado de sua época: Henry Ford. Em 1920, a Ford havia “americanizado” o documento forjado como O Judeu Internacional: o principal problema do mundo. Foi publicado como trechos em seu jornal, o “Dearborn Independent”, por 91 semanas consecutivas. O Judeu Internacional foi traduzido para 16 idiomas.

Embora a liderança comunal judaica montasse um processo que forçou o magnata do setor automobilístico a emitir uma retratação em 1927, o ódio maligno por trás dos Protocolos continuou a se infiltrar na conversa pública.

Na década de 1930, o popular “padre da rádio” anti-New Deal Charles E. Coughlin publicou um trecho dos Protocolos em seu jornal “Social Justice”. Mas o padre Coughlin estava receoso de endossar sua exatidão e apenas declarou que poderia ser do “interesse” de seus leitores.


História como conspiração

Por que esse documento comprovadamente falso continua a ter impacto hoje?

Talvez a explicação mais simples seja a irracionalidade humana, que nem a educação nem o iluminismo jamais conseguiram derrotar.

A disposição de acreditar na fantasia de um domínio sub-reptício dos judeus na economia internacional e na mídia de massa também valida a visão do historiador da Universidade de Columbia Richard Hofstadter. Ele traçou no extremismo político de direita e esquerda uma tendência apocalíptica e uma crença em um confronto iminente entre o bem e o mal absolutos.


Hofstadter estava bem ciente de que as conspirações pontuam os anais do passado. Mas, especialmente para os americanos que anseiam pela segurança de um modo de vida estabelecido, a paranoia política é tentadora, como a crença – como escreveu Hofstadter – de que “a história é uma conspiração”, na qual forças invisíveis são os obscuros mecanismos motrizes do ser humano destino.

Como o antissemitismo sobreviveu por quase dois milênios, nenhuma forma de preconceito encontrou um lugar mais vívido na imaginação. E o fato de que nenhuma conspiração judaica internacional jamais foi localizada nunca esgotou o poder dos Protocolos de acessar as correntes subterrâneas de demonização.

Dos Rothschilds a Soros

O que sustenta a influência dos Protocolos entre excêntricos e extremistas não é a linguagem do texto em si – que poucos deles provavelmente leram completamente em suas várias versões –, mas o que essa falsificação pretende sublinhar, que é a influência surpreendentemente astuta dos judeus na história moderna.

Os Protocolos, portanto, não têm importância em si; eles são espúrios. Mas eles conferem precisão aos medos apocalípticos, que não poderiam sobreviver sem algum ingrediente de plausibilidade – por mais absurdo que seja.

A família Rothschild foi fundamental para o surgimento do capitalismo financeiro na Europa do século 19. A empresa familiar tinha filiais na Alemanha, França, Áustria, Itália e Inglaterra, o que deu crédito à acusação de “cosmopolitismo” durante uma era de nacionalismo crescente. As oscilações de expansão e queda da economia geraram não apenas miséria, mas também queixas contra os financistas que pareciam se beneficiar com tais incertezas.

Hoje, Soros, um judeu americano nascido na Hungria e educado na Grã-Bretanha, tornou-se uma figura especialmente odiada pela extrema direita. Entre os investidores mais astutos do mundo, ele gastou bilhões de dólares promovendo causas progressistas. Ele parece personificar o que Ford chamou de “o judeu internacional”.

O veneno contra outras minorias que não os judeus não resultou em nenhum equivalente aos Protocolos. A judeufobia produziu uma documentação enganosa que o preconceito contra nenhuma outra minoria jamais suscitou. Talvez a própria explicitação dos Protocolos ajude a fortalecer a suspeita de que as crenças e interesses da maioria estão sob ataque e mantenha viva essa forma perigosa de antissemitismo.

 

* Stephen Whitfield é professor de Civilização Americana na Universidade Brandeis (EUA).

** Este artigo foi republicado do site The Conversation sob uma licença Creative Commons. Leia o artigo original aqui.

DA PONTA DA PRAIA ÀS QUATRO LINHAS DA CONSTITUIÇÃO ~ Sete de Setembro desfilou nova roupagem jurídica do golpismo de Bolsonaro – a que se apropria do texto constitucional para interpretá-lo a seu modo


DA PONTA DA PRAIA ÀS QUATRO LINHAS DA CONSTITUIÇÃO

Sete de Setembro desfilou nova roupagem jurídica do golpismo de Bolsonaro – a que se apropria do texto constitucional para interpretá-lo a seu modo

RAFAEL MAFEI ~ 07set2021

Jair Bolsonaro é o pior governante que o Brasil já teve nos 199 anos desde o Sete de Setembro de 1822? Tudo depende da régua pela qual medimos seu desempenho. Se esperamos dele as realizações de um governo comum, como atender às grandes urgências do país ou pôr em prática um plano que nos eleve de patamar como nação, então, sim, Bolsonaro é o pior líder que já tivemos desde o grito do Ipiranga.

Mas e se seu plano for outro? Ou melhor: e se o plano de Bolsonaro for o mesmo desde sempre, aquele pelo qual ele trabalhou em todos os instantes de sua vida em que não estivesse dormindo, comendo, tomando banho, contratando funcionários fantasmas ou ensinando a arte da rachadinha aos filhos? Se enxergarmos em Jair Bolsonaro o propósito de trabalhar firmemente pela destruição da democracia implementada pela Constituição de 1988, documento que ele sempre desprezou por consagrar a derrota da ditadura cuja idolatria é o único sentido de sua vida pública, então Bolsonaro não vai mal. Ao contrário: nunca um presidente foi tão bem-sucedido em corroer as instituições de um sistema constitucional em tão pouco tempo.

Para um presidente que vive de hostilizar a democracia liberal, com as limitações de poder a ela inerentes, a tarde de hoje foi uma glória. Rivalidades políticas à parte, é impossível não se preocupar com a quantidade de gente que gastou um feriado ensolarado para se aglomerar empunhando cartazes golpistas, tietar Fabrício Queiroz e ouvir ameaças explícitas ao Poder Judiciário disfarçadas de exortações ocas à Constituição e suas quatro linhas, que Bolsonaro desenha conforme lhe convém. Em São Paulo, especialmente, o protesto foi expressivo.

É curioso notar a frequência com que Jair Bolsonaro tem invocado a Constituição que ele sempre desprezou. Até as vésperas da sua posse, a retórica dominante era a da guerra e da eliminação dos adversários, fuzilados ou encontrados na ponta da praia. Não era só papo de candidato: nos primeiros meses da pandemia, Bolsonaro e seu entorno mais fiel, inclusive de ministros de Estado, voltaram à carga contra os demais poderes que a Constituição empodera tanto quanto a Presidência da República: “não queremos negociar nada”, “acabou a época da patifaria”, alertou o presidente poucos dias após o STF confirmar os poderes de governadores e prefeitos na gestão da pandemia.

Desde então, estava claro o fundamento pelo qual Bolsonaro julgava que podia fazer o que faz: a especial relação que ele diz ter com uma parcela do povo que é tão especial quanto ele, por representarem, todos juntos, os verdadeiros brasileiros. “Agora é o povo no poder”, “agora é Brasil acima de tudo e Deus acima de todos”. Os partidos de oposição e Rodrigo Maia, Alexandre de Moraes e o resto do STF, prefeitos e governadores, a crescente proporção de brasileiros que reprova o seu governo, todos precisariam esquecer os direitos, as competências e poderes que a Constituição lhes reconhece e “entender que estão submissos à vontade do povo”, que não se confunde nem com maiorias eleitorais episódicas, nem com aqueles que oscilam na aprovação ou reprovação ao governo. O povo é quem se liga a Bolsonaro por uma relação de confiança e identificação metafísica. “Eu estou aqui porque acredito em vocês. Vocês estão aqui porque acreditam no Brasil”, disse ele em 19 de abril de 2020, como poderia ter dito neste Sete de Setembro de 2021.

De lá para cá, ao menos duas mudanças importantes aconteceram no xadrez político nacional. A primeira, o controle da Câmara dos Deputados por Arthur Lira (PP-AL), político com quem Bolsonaro selou – “heteramente”, ele frisaria – um casamento de conveniência, no qual deputadas e deputados fazem a festa com o cartão de crédito do Tesouro Nacional, Bolsonaro segue destruindo a Constituição, e Paulo Guedes não reclama. A segunda, que se liga à primeira e explica muito do tom deste Sete de Setembro, foi a elevação do Supremo Tribunal Federal ao posto de inimigo número um de Bolsonaro. Performando ao fundo, enquanto isso, esteve a popularidade decrescente do governo, cuja percepção de ruim/péssimo subiu mais de 20 pontos percentuais desde abril de 2020 até o mês passado, pressionando Bolsonaro a recorrer cada vez mais à única habilidade de seu repertório: a capacidade de barbarizar.

É possível imaginar que essa mudança deva-se não apenas à neutralização da ameaça que poderia vir do Congresso Nacional, onde a turma liderada por Arthur Lira está ocupada demais fazendo o papel de cupim, como também à percepção do presidente de que o STF assumiu o papel impróprio de oposição ao governo. Em maio de 2020, o então decano Celso de Mello, liderança incontestável do Supremo àquela altura, expôs ao Brasil as entranhas de uma reunião de governo ocorrida no mês anterior, onde ministros como Abraham Weintraub e Damares Alves falavam em prisão de adversários, inclusive ministros do STF. Estavam todos inflamados pela derrota imposta pelo tribunal ao governo federal na disputa contra prefeitos e governadores por conta da possibilidade de decretação de medidas restritivas em razão da pandemia. A decisão é até hoje pretexto para mentiras e campanhas de desinformação, inclusive com participação pessoal do presidente.

O antagonismo entre STF e Bolsonaro espraiou-se a partir de então para o inquérito das fake news, uma investigação que existia desde 2019 e não havia incomodado o governo até ali, enquanto mirava apenas adversários como os procuradores da Lava Jato de Curitiba e outras figuras desimportantes da fauna bolsonarista. A coisa mudou de figura quando os canhões do inquérito voltaram-se contra nomes importantes do bolsonarismo nas redes sociais, como os blogueiros Oswaldo Eustáquio e Allan dos Santos, em julho de 2020. Foi só então que Bolsonaro passou a invocar as balizas da Constituição, insistindo na ilegalidade de um inquérito tocado à revelia do Ministério Público: a PGR já havia se manifestado pelo arquivamento da investigação desde a gestão Raquel Dodge, em abril de 2019. O restante da Constituição, que ordena coisas como decoro presidencial, demarcação de terras indígenas ou proteção do meio ambiente, ele seguiu ignorando.

Dando a Jair Bolsonaro um crédito que ele não merece, é possível especular que o seu transtorno paranoide contra o STF, que serviu de principal mote aglutinador para o festival golpista de hoje, tenha chegado ao cume com a surpreendente decisão do ministro Edson Fachin de anular as condenações do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em março de 2021. A decisão, que abriu caminho para devolver a Lula os direitos políticos a tempo das próximas eleições, não é mesmo fácil de ser explicada, não tanto pelo seu mérito, e sim por seu indecifrável percurso.

Desde os primeiros momentos da Lava Jato, Lula brigou com unhas e dentes por sua inocência nas ações penais e depois por seu direito de candidatura, na Justiça Eleitoral, e invariavelmente perdeu. Como era possível que, apenas três anos depois, os mesmos ministros e ministras reconhecessem que tudo estava errado, e havia de ser desfeito? Um espanto adicional vinha tanto do meio – uma decisão solitária do ministro Fachin, que aparentemente desautorizava um edifício de julgamentos anteriores que vinham da primeira instância e alcançava o próprio STF – quanto do fundamento de sua decisão, que apontava a incompetência da 13ª Vara de Curitiba para a condução dos processos. O leigo perguntará, como toda razão, se algum dos supremos achava que Moro era juiz do Guarujá, ou de Atibaia. É evidente que os mais céticos se perguntarão se não houve mesmo cálculos políticos por trás dessa suprema bateção de cabeças.

O percurso absolutamente irracional do Supremo para decidir as ações em que os interesses e direitos de Lula estavam em jogo fornece um importante combustível para a desconfiança do imaginário bolsonarista contra a integridade das eleições e da Justiça Eleitoral. Os protestos contra “voto não auditável” e “apuração sigilosa” ganham apelo para quem enxerga que os mesmos ministros que defendem o atual formato das votações deram um cavalo de pau em sua jurisprudência para reabilitar um candidato condenado em duas instâncias, e que estava dentro de uma cela, com aval desses mesmos ministros, quando Bolsonaro foi eleito.

Como fazem os céticos das vacinas e da Terra esférica, é claro que esses mesmos descrentes ignoram as evidências que vão contra suas certezas, como as reportagens da Vaza Jato e as vozes de tantos juristas que sempre apontaram ilegalidades na atuação de Sergio Moro e da trupe de Deltan Dallagnol. Preferem fixar-se na certeza da qual não estão dispostos a abrir mão: todos que estão contra Bolsonaro participam de uma conspiração esquerdista para impedir o sucesso de seu governo, e não há por que excluir dela os membros do tribunal que estão montando o tabuleiro para a derrota do Mito no ano que vem, seja escolhendo o candidato com mais chances de batê-lo (Lula), seja escolhendo as urnas (eletrônicas e sem comprovante de voto impresso) na qual a farsa eleitoral será encenada. Neste Sete de Setembro, os gritos contra as urnas foram também gritos contra o Supremo Tribunal Federal.

2021 foi o ano em que Jair Bolsonaro percebeu que seu projeto de destruição substantiva da nossa democracia seria muito mais difícil se ele mantivesse sua tradicional retórica de explícito antagonismo à Constituição de 1988. Celebrar a ponta da praia, o coronel Ustra e o fuzilamento de adversários objetivamente reduz as chances de êxito desse seu objetivo maior, porque aliena apoio de gente que acha a atual Constituição ruim e toparia substituí-la por outra sem pestanejar, mas não fica totalmente à vontade em comemorar extermínios e tortura. A retórica ponta da praia dá combustível fácil a quem quer desacreditar Bolsonaro como sujeito cruel, pecha que se tornou mais crível para fora do círculo de seus adversários a partir de seu comportamento chocantemente insensível e desumano para com as mortes da pandemia.

Para mudar esse quadro, ele precisa, de um lado, desacreditar a instituição majoritariamente associada à defesa da Constituição em nosso imaginário político – o Supremo Tribunal Federal. Este tem sido o principal objetivo político no qual ele realmente se empenha de uns tempos para cá. De outro lado, Bolsonaro precisou começar a adotar ele próprio uma retórica valorização da Constituição, ainda que completamente desprovida de substância. Isso explica por que temos ouvido, à exaustão, a cantilena das “quatro linhas”, que começou a ser repetida por ele a partir de março deste ano, mesma época em que o STF começou a reabilitar a candidatura de Lula para 2022, e foi repetida em suas falas de hoje.

Bolsonaro parece ter aprendido duas lições valiosas que ensinamos nas faculdades de direito. A primeira é que estar ao lado do direito é uma vantagem para qualquer governante, seja ele um democrata ou um autoritário: além de eficiência burocrática, o direito fornece um princípio de legitimidade para qualquer ação governamental, que passa pela simbologia de suas formas e pela aparência de normalidade que ele confere. A segunda é que o direito é relativamente indiferente à qualidade democrática dos atos que ele viabiliza: as economias escravistas, os governos segregacionistas na África do Sul e nos Estados Unidos, o nazismo e as ditaduras sanguinárias da América Latina, todos tinham direito, constituições e juristas que os justificavam com naturalidade.

A escolha entre aniquilar uma constituição ou apropriar-se dela para mudar-lhe totalmente o sentido é, para uma alma autocrática com a de Bolsonaro, uma decisão de momento, a ser tomada à luz da conjuntura do dia. É neste pé que se encontra seu projeto golpista, bastante visível nas comemorações de hoje: como já aconteceu com a camisa amarela da Seleção, com a bandeira do Brasil e com a própria data festiva da Independência, seu principal objetivo de momento é apropriar-se da Constituição, desde que ele possa controlar o modo como ela é interpretada. Para isso, além da insistente projeção de desconfiança sobre o Supremo como intérprete preferencial do texto constitucional, há um trabalho de formiguinha que Bolsonaro e seu séquito têm cumprido com obstinação.

A habilidade de distorcer a Constituição para enxergar nela o que convém vem sendo treinada na esfera pública há algum tempo pelos bolsonaristas, que teimam em defender que o artigo 142 da Constituição eleva as Forças Armadas a uma espécie de Poder Moderador. O atual fetiche dessa escola de pseudopensamento jurídico está no conceito de “liberdade”, que para os bolsonaristas se resume à ausência de limites, sem parâmetros ou responsabilidades. No imaginário constitucional bolsonarista, não há diferença entre aquilo que o bêbado pode dizer em um boteco vazio sobre os ministros do STF e aquilo que o presidente da República pode incitar a seus milhões de apoiadores a fazer contra o tribunal, ainda que a Constituição textualmente exija deste último o compromisso com o livre exercício do poder Judiciário, concorde ele ou não com suas decisões.

Nessa Constituição imaginada, as quatro linhas aplicam-se mais aos outros do que ao presidente. Do Poder Judiciário, por exemplo, o presidente pode exigir que não estique a corda, ao mesmo tempo em que ele próprio fica dispensado de considerar a temperatura e a pressão do momento, pintando alvos a todo instante nas costas de ministros do Supremo com os quais ele escolheu antagonizar. Como alguém que insiste em se identificar essencialmente com o povo, que é soberano – não por acaso, outro trecho da Constituição reiteradamente lembrado por Bolsonaro –, os limites da ordem jurídica valem mais para os outros. Ele observa as regras de cima, sem submeter-se propriamente a elas. No constitucionalismo bolsonarista, esquerdistas devem ir para a cadeia e Alexandre de Moraes deve sofrer impeachment, mas o presidente da República nunca será preso e só deixa o cargo quando Deus quiser.

Outro pilar da fantasia constitucional bolsonarista está na ideia estapafúrdia de que o Executivo, com apoio das Forças Armadas, tem o direito de responder “fora das quatro linhas” caso o STF tome alguma medida que o mesmo Executivo julgue constitucionalmente imprópria. Além do contrassenso de que a própria Presidência da República será o juízo final das circunstâncias nas quais ela pode justificadamente abandonar a Constituição e partir para cima de um tribunal, esse poder não existiria sequer na hipótese de haver relativo consenso jurídico sobre o erro de alguma decisão judicial. A Constituição não pode garantir que juízes, ou qualquer outra autoridade, acertem sempre; ela só pode garantir meios para que eventuais erros tenham a chance de ser corrigidos, através de recursos. Mas de modo algum o dever de obediência a decisões judiciais, especialmente por parte de agentes públicos, está condicionado à concordância com o mérito das decisões.

Por fim, essa Constituição inventada acaba com a proibição de que militares tomem partido nas disputas políticas civis. Até aqui, nunca houve dúvida sincera de que a linha que demarca o protesto legítimo ou ilegítimo desses agentes esteve no binômio ativa versus reserva: militares da ativa devem guardar estrita neutralidade diante das oposições que agitam a política civil, pois terão o dever de servir a qualquer lado que vença eleições. Na nova hermenêutica bolsonarista, os binômios pretendem-se outros, sempre de modo a permitir que oficiais da ativa, que empunham armas e exercem o monopólio estatal da violência, tomem partido: militares em dia de folga, de férias, ou simplesmente sem farda estariam liberados para participar de manifestação que pedem o fechamento de um tribunal que, no dia seguinte, eles podem ser convocados para proteger – ou seria para constranger? A hermenêutica golpista de Bolsonaro dá fundamentação jurídica à anarquia militar.

Sete de Setembro de Jair Bolsonaro, ao fim e ao cabo, foi uma grande encenação para passar alguns recados claros. O primeiro é que o governo está enfraquecido por sua incompetência notória e por sua impopularidade crescente, mas não é uma força política morta. Bolsonaro não foi amador como Fernando Collor, que convocou um protesto de improviso em 1992 e viu o tiro sair pela culatra: preparou sua manifestação por meses, empenhou-se pessoalmente em sucessivas convocações e garantiu financiamento para caravanas e carros de som, de modo a não correr o risco do insucesso. A briga está longe do fim, o governo não está morto e sabe usar seus poderes, inclusive legais, para manter-se na disputa.

O segundo recado é estampar, em cores fortes e letras garrafais, o risco que o Supremo corre ao seguir tomando decisões que o governo desaprove, já que há um número não desprezível de cidadãos e organizações dispostos a bancar o Executivo em um confronto com o Judiciário mesmo “fora das quatro linhas”. Quem esteve hoje nas ruas, e quem aprova as manifestações mesmo sem ter ido a elas, aplaudirá qualquer medida do governo que desafie o tribunal, que terá cada vez mais de fazer o cálculo mais perigoso para uma instituição judicial: como garantir que suas decisões sejam cumpridas caso o governo ou seus apoiadores oponham resistência a elas. O Supremo terá força para executar uma decisão sua que fira os brios do Exército, ao atingir, digamos, um militar que faz ou tenha feito parte do governo? Os ministros mandariam empregar força contra um local cercado por apoiadores civis do presidente? Eles terão como garantir fidelidade de agentes policiais dos quais suas ordens poderão depender?

Os ministros do STF hão de saber que qualquer recuo seu, a partir de agora, perigará desacreditar o tribunal, o que seria fatal para sua autoridade. Tribunais só têm força na medida em que há expectativa social de que suas decisões serão obedecidas, pois são legítimas e obedecê-las é um dever inegociável. Se a alternativa da desobediência tornar-se carta que algum dos jogadores se disponha a jogar, o tribunal precisa garantir que esse jogador seja exemplarmente punido e eliminado do jogo, sob pena de rumar para a irrelevância. Mas como garantir isso quando esse jogador é o próprio presidente da República, embalado por um número considerável de fiéis apoiadores, e blindado por uma costura até aqui bem feita na Câmara dos Deputados? Esta carta está no jogo, e Bolsonaro a tem nas mãos: este foi um segundo recado de hoje, especialmente em sua fala na Avenida Paulista.

Um terceiro recado foi para os outros ministros do Supremo que não são Alexandre de Moraes ou Luís Roberto Barroso: ou o STF “enquadra os seus”, ou acontecerá “aquilo que não queremos”. Hoje foi o dia em que o presidente da República convocou multidões para servirem de testemunha à escolha que ele apresentou aos demais ministros do tribunal. Ou eles convencem seus dois colegas a deixarem o governo em paz, ou todos os onze estarão em situação pior em breve. Na Constituição imaginada de Bolsonaro, ele tem o direito constitucional de não ser contrariado por juízes. Ameaçá-los em praça pública é liberdade de expressão, não crime de responsabilidade.

"Tento terapia ou pago a conta de luz?".

 Ao longo do ano nos deparamos com diversas campanhas pró-saúde que ganham destaque durante os meses. Essas ações são de extrema importância para conscientizar e incentivar a população sobre o tema em destaque. Alguns exemplos são o Novembro Azul e o Outubro Rosa, que marcam, respectivamente, o combate ao câncer de próstata e a importância da prevenção e do diagnóstico precoce do câncer de mama - e também do câncer de colo de útero.

Além desses, também contamos com o Setembro Amarelo, que é o mês dedicado à campanha de prevenção ao suicídio aqui no Brasil. Por conta de todo o apelo da "data", é natural vermos com mais frequência matérias e postagens sobre o assunto permeando a internet. Esse é um tema de importância inquestionável, mas que, muitas das vezes, acaba sendo tratado com pouca profundidade - e em alguns casos, pouca responsabilidade - e certa "desconexão" com outras realidades.

Mas vamos ser sinceros, né? Falar de saúde mental em pleno Brasil de 2021 pode ser encarado como um luxo e tanto. E é uma pena que atualmente a maior parte da população precise escolher todos os dias do que abrir mão. Daí surgem aqueles dilemas injustos pra caramba, cuja resposta é sempre óbvia e a mais urgente: "Cuido da minha saúde mental ou compro gás?" "Tento terapia ou pago a conta de luz?".

Bom, vivendo os meus 20 e poucos anos, posso dizer que a minha geração lida com o assunto de um jeito mais leve, e a maioria não encara a saúde mental como algo raso ou "não tão importante". Pelo contrário. Claro que isso varia de pessoa pra pessoa e também abarca pontos como a realidade de vida de cada um. No entanto, sabemos que, quanto mais velhas as gerações, maiores as chances de esbarrarmos no tabu acerca do tema.

Recentemente perguntamos no Instagram da Chico Rei quem fazia algum tipo de acompanhamento psicológico e pedimos que aqueles que não faziam nos contassem o motivo. Como já era de se esperar, a maioria das respostas apontava a questão financeira como principal impedimento, mas também encontramos outras respostas e dúvidas pertinentes que pretendemos sanar por aqui da forma mais esclarecedora possível - prometo.


#1: Questão financeira



Ainda que o custo de sessões semanais seja alto para muitas pessoas manterem, existem opções de atendimentos sociais e até gratuitos por todo o país. Uma referência é a RAPS (Rede de Atenção Psicossocial), que faz parte da Política Nacional de Saúde Mental do SUS. Você pode acessar mais informações neste documento disponibilizado pelo Ministério da Saúde. Como a Beatriz bem disse no vídeo, no geral, os profissionais são abertos a negociação de acordo com o contexto social e o entendimento da demanda de cada pessoa.

Em Juiz de Fora, também existe o INFA (Instituto da Família de Juiz de Fora), uma organização não governamental composta por profissionais que oferecem vagas sociais* de atendimento psicológico para crianças e adultos, presencialmente ou a distância. Desde o início da pandemia, as consultas online são uma realidade e permitem que pessoas de outras cidades também possam se beneficiar do atendimento.

Atualmente existe uma lista de espera e, para se cadastrar, basta entrar em contato por telefone. Quando uma nova vaga surge, a secretaria realiza uma análise de cadastros e então entra em contato para agendar a entrevista do interessado com a assistente social. Todas as consultas são individuais e não existe restrição de idade para os atendimentos.

*O valor é estipulado pela assistente social de acordo com a renda da pessoa.

O telefone de contato do INFA é o (32) 3215-9989, e o horário de funcionamento é das 8h às 12h, de segunda a sexta, e das 14h às 18h, de segunda a quinta.

Por último, mas não menos importanteCVV - Centro de Valorização da Vida, diferente dos citados acima, não oferece acompanhamento psicológico, mas se trata de uma associação sem fins lucrativos que presta serviço voluntário e gratuito de apoio emocional e prevenção do suicídio para todas as pessoas que querem e precisam conversar, sob total sigilo e anonimato. Mesmo que você não tenha certeza se precisa de alguma ajuda, não tenha receios e entre em contato através do número 188.

Durante a pandemia, os atendimentos presenciais estão suspensos, mas existem diversos Postos do CVV espalhados pelo país. Você pode consultá-los clicando aqui.


#2: “Como funciona?”

Além de todo o estigma e tabu que existem em torno do tema, são diversas as razões pelas quais as pessoas ainda resistem à ideia de buscar por ajuda. É importante reconhecer e validar as suas necessidades, até porque o profissional do outro lado vai poder te orientar da melhor forma de acordo com as suas demandas - mesmo que você não saiba dizer exatamente o que tem sentido e qual situação te gera desconforto.


#3: A dificuldade de confiar em um estranho

Realmente essa pode ser uma tarefa complicada e um tanto desconfortável. Uma boa forma de encarar a situação é pensar que, num primeiro momento, o profissional exerce sim o papel de escuta, mas o ambiente da consulta é isento de julgamentos, e tudo que for levantado e tratado ali é sigiloso. Um bom começo de terapia poderia até ser sobre esse desconforto em relação a se abrir para alguém que você não conhece e confia.


#4: Os diferentes caminhos

É interessante encarar o contato com o psicólogo como uma relação mesmo. Algumas vezes ela flui melhor com outras pessoas, faz parte. Além disso, na Psicologia existem diferente linhas teóricas, além do estilo de trabalho adotado por cada profissional. Em alguns casos, eles explicam como costumam conduzir esse processo terapêutico na primeira consulta (que pode funcionar como uma "apresentação" dos dois lados). Por isso, caso você tenha tido alguma experiência que não tenha te agradado, saiba que existem diferentes abordagens e profissionais dispostos a ajudar.


A verdade mesmo é que ninguém tá bem, seja física ou mentalmente, e que sair ileso de todo o contexto dos últimos anos é uma tarefa quase impossível - exceto para os 40 novos bilionários do país. Eles devem estar radiantes.

Os objetivos de toda essa campanha por aqui é desmistificar, informar e acolher! Espero que de alguma forma isso tenha sido útil por aí.


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SETEMBRO AMARELO



Governo Bolsonaro deixa vencer R$ 243 mi em vacinas, testes e remédios e agora, todos esses produtos devem ser incinerados.



Estoque deve ser incinerado; diretor de logística diz que situação é indesejával, mas normal .

6.set.2021
Escrito por Constança Rezende, Raquel Lopes e Mateus Vargas de BRASÍLIA


*O Ministério da Saúde deixou vencer a validade de um estoque de medicamentos, vacinas, testes de diagnóstico e outros itens que, ao todo, são avaliados em mais de R$ 240 milhões.* 


*Agora, todos esses produtos devem ser incinerados.*


O cemitério de insumos do SUS está em Guarulhos (SP), no centro de distribuição logística da pasta. Ali estão 3,7 milhões de itens que começaram a vencer há mais de três anos. Quase todos expiraram durante a gestão de Jair Bolsonaro (sem partido).


Todo o estoque é mantido em sigilo pelo ministério. A pasta usa documento interno de 2018 para negar pedidos de acesso aos dados sobre produtos armazenados ou vencidos, argumento já apontado como inadequado pela CGU (Controladoria-Geral da União).


Mas a Folha teve acesso a tabelas do ministério com dados sobre os itens, número de lote, data de validade e valor pago pelo governo. A lista de produtos vencidos inclui, por exemplo, 820 mil canetas de insulina, suficientes para 235 mil pacientes com diabetes durante um mês. Valor: R$ 10 milhões.


O governo Bolsonaro também perdeu frascos para aplicação de 12 milhões de vacinas para gripe, BCG, hepatite B (quase 6 milhões de doses), varicela, entre outras doenças, no momento em que despencam as taxas de cobertura vacinal no Brasil. Só esse lote é avaliado em R$ 50 milhões.


Os produtos vencidos também seriam destinados a pacientes do SUS com hepatite C, câncer, Parkinson, Alzheimer, tuberculose, doenças raras, esquizofrenia, artrite reumatoide, transplantados e problemas renais, entre outras situações.

Alguns itens que serão incinerados estão em falta nos postos de saúde.


No fim de agosto, o governo da Bahia reclamou do atraso na entrega de medicamentos pelo ministério, como o metotrexato, usado para alguns tipos de câncer. Há 24 mil frascos-ampola vencidos no almoxarifado do governo Bolsonaro.


O Ministério da Saúde também guarda cerca de R$ 345 mil em produtos perdidos dos programas de DST/Aids, principalmente testes de diagnóstico, além de R$ 620 mil em insumos para prevenção da malária.


Dados internos do governo mostram que devem ser incinerados mais de R$ 32 milhões em medicamentos comprados por ordem da Justiça. A maior parte desses fármacos é de alto custo e para tratamento de pacientes de doenças raras, uma bandeira do governo. Ao lado da primeira-dama, Michelle Bolsonaro, o ministro Marcelo Queiroga (Saúde) lançou no último dia 31 a “Rarinha”, nova mascote do SUS.


No meio deste estoque há um frasco-ampola de nusinersena, avaliado em R$ 160 mil, e 908 frascos de eculizumab, que custaram R$ 11,8 milhões. São medicamentos usados em dois dos tratamentos mais caros existentes.


Vice-presidente do Instituto Vidas Raras, Amira Awada afirma que há grave desabastecimento e estima que mais de mil pacientes aguardam por remédios.


“O que nós mais escutamos é que somos culpados pelo déficit orçamentário do Ministério da Saúde, mas é a pasta que perde milhões ao deixar medicamentos vencerem. Nós passamos da fase da revolta, estamos sem perspectiva", disse Awada.


A entidade calcula que 15 milhões de pessoas vivem com doenças raras no Brasil. “Eu nunca vi uma situação tão difícil em 12 anos. Não conseguimos nem falar com eles [representantes do ministério].”


Parte dos medicamentos de doenças raras foi devolvida ao ministério por pacientes que deixaram de usar os produtos ou morreram. A Saúde não respondeu se fez o remanejamento dos fármacos.


O deputado Luis Miranda (DEM-DF), que também teve acesso aos dados, fez questionamentos ao Ministério da Saúde sobre o volume de material desperdiçado. Para o deputado, que denunciou suspeitas de irregularidades na compra da vacina Covaxin à CPI da Covid, os medicamentos vencidos são ainda mais preocupantes.


“A conduta é um escárnio com a saúde do Brasil. Medicamentos e recursos públicos, que poderiam salvar vidas, estão apodrecendo. Qual a razão para a compra desses medicamentos não utilizados? Qual o motivo de mantê-los armazenados depois de vencidos? Enriquecer empresas?”, disse.

Em plena pandemia, o governo Bolsonaro também perdeu cerca de 2 milhões de exames RT-PCR para Covid, avaliados em mais de R$ 77 milhões.


A fabricante fez uma doação de exames da Covid novos à Saúde para repor o estoque vencido, mas o intervalo e a burocracia até a chegada do produto fizeram cair a entrega dos exames ao SUS, como mostrou a Folha.


O ministério ainda guarda 2,2 milhões de exames sem validade para o diagnóstico de dengue, zika e chikungunya, todos vendidos pelo laboratório público Bahiafarma. Estes lotes custaram cerca de R$ 60 milhões e foram interditados em 2019 por ordem da Anvisa. A Saúde não informou se pediu ressarcimento ou reposição destes exames.


Com isso, ao todo, os testes de diagnóstico sem validade respondem por cerca de 60% (R$ 140 milhões) do valor dos insumos vencidos.


O diretor do Dlog (Departamento de Logística) da Saúde, general da reserva Ridauto Fernandes, disse à Folha que a perda de validade de produtos “é sempre indesejável”, mas ocorre “em quase todos os ramos da atividade humana”. Ele afirmou que “não pode comentar” sobre o estoque.


“Em supermercados, todos os dias, há descarte de material por essa razão”, disse o general. “Nos esforçamos para que isso não ocorra”, completou.


Área que atua na ponta da linha da gestão dos insumos, o Dlog ficou sob comando de Roberto Dias, indicado do centrão, durante a maior parte do governo Bolsonaro. Ele só foi exonerado em 29 de junho, após o cabo Luiz Paulo Dominghetti afirmar à Folha que recebeu de Dias cobrança de propina para destravar a venda de vacinas.


Em alguns casos, como de falha do produto ou quando ele é fornecido com validade curta, o governo consegue repor parte do estoque vencido por acordos contratuais com as fabricantes, mas a operação pode atrasar os tratamentos.


Mas há situações de prejuízo total aos cofres públicos e aos pacientes, como no caso das canetas de insulina. Apesar da alta demanda, a Saúde não entregou e vai incinerar cerca de 20% da compra de estreia deste produto no SUS, feita em 2018.


O endocrinologista Fadlo Fraige Filho, presidente da Anad (Associação Nacional de Atenção ao Diabetes), afirmou que erros cometidos ainda em gestões anteriores à de Queiroga levaram ao atraso na entrega das canetas aos pacientes.


Ele disse que, além de demorar para comprar agulhas para as canetas, o governo exigiu que os produtos fossem liberados em centros especializados e após a apresentação de laudos complexos. "Elas deveriam ser distribuídas como são as (insulinas) regulares, nas unidades básicas, eventualmente no Farmácia Popular", disse.


Procurada, a Saúde não explicou por que os produtos perderam a validade e qual o tamanho e valor do estoque que conseguiu repor nas negociações com fabricantes. Também não apresentou dados da série histórica dos estoques nem disse qual valor paga para armazenar e descartar os insumos vencidos.


Em nota, a Bahiafarma disse que a diretoria da Anvisa ainda não julgou recurso sobre a interdição dos lotes. Também afirmou que os testes vencidos já começaram a ser recolhidos e que estão estocados em armazéns dos estados. Dados do ministério obtidos pela Folha, porém, apontam que há exames vencidos deste laboratório na central de distribuição do governo federal em Guarulhos.


Para o presidente do Conass (Conselho Nacional de Secretários de Saúde), Carlos Lula, o estoque é desproporcional. “A situação é gravíssima e precisa ser apurada. Pode derivar não só de má gestão, mas ser ato de improbidade.”


Representante da Abrasco (Associação Brasileira de Saúde Coletiva), Wagner Gastão afirma que o volume de insumos vencidos é sinal de “degradação e desmonte” do ministério.


“É uma máquina complexa, mas a história do ministério não é essa. Sempre há produtos vencidos, mas tem de ser algo residual, senão é indicador grave de ineficiência”, afirma Gastão. Ele também é professor de medicina da Unicamp e ex-secretário-executivo da Saúde (2003 a 2005).

MINISTÉRIO DA SAÚDE ESCONDE CEMITÉRIO DE INSUMOS DO SUS


Dados obtidos pela Folha mostram estoque de medicamentos, testes e vacinas vencidos avaliado em mais de R$ 240 milhões. Há cerca de 3,69 milhões de itens, que podem servir a um número muito maior de pessoas no SUS, pois cada frasco de vacina, por exemplo, têm até dezenas de doses.


*Produtos vencidos*


CGLAB (Coordenação Geral de Laboratórios): R$ 140,73 milhões


Mais de 2 milhões de testes RT-PCR de Covid, além de exames de dengue, zyka, chikungunya, leishmaniose e diversos reagentes.


Vacinas: R$ 49,59 milhões


Cerca 12 milhões de imunizantes para BCG, gripe, pólio, hepatite B, tetra viral, soros para diversas doenças, além de diluentes


Remédios comprados por ordem judicial: R$ 32,99 milhões


Principalmente medicamentos de alto custo para doenças raras, como eculizumab (HPN) e atalureno (Distrofia Muscular de Duchenne).


Medicamentos excepcionais: R$ 17,72 milhões


Caneta de insulina e tratamentos para hepatite C, esclerose múltipla, Alzheimer, Parkinson, entre outras doenças


Outros: R$ 1,93 milhão


Hemoderivados, tratamentos de raiva, tuberculose e produtos de prevenção à malária​


Programas de DST/Aids: R$ 420 mil


Principalmente kits de diagnóstico de HIV e HCV



Fonte: *documentos internos do próprio Ministério da Saúde*!


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