Qual o impacto do celular no nosso corpo e no nosso cérebro? Podemos ficar viciados em celular? E oque é NOMOFOBIA e HIKIKOMORI? Estão ligados?



Qual o impacto do celular no nosso corpo e no nosso cérebro? Os supostos malefícios tem evidencia cientifica?

A Internet fez 50 anos, mas faz menos de 25 anos que começou a entrar nas nossas casas e pouco mais de 10 anos que a carregamos para todos os lugares dentro de nosso celular.

Uma das perguntas mais prevalentes: podemos ficar viciados em celular? Para responder essa pergunta devemos olhar para o comportamento e o cérebro e verificar se encontramos um padrão de comportamento e atividade cerebral que se assemelhe a outros vícios como, por exemplo, álcool, cigarro, compras, sexo etc. E a resposta é Sim. No comportamento, essas pessoas apresentam - por exemplo - buscar recompensa imediata, tal e qual em outros vícios. No cérebro, esse processamento também se mostra alterado.

Estudo muito recente publicado em uma revista da Nature analisou 60 jovens de 18 a 30 anos saudáveis, mas se autodeclarando viciados em Internet. Foram analisadas duas redes neurais que são conhecidas por ter padrão de ativação alterada em pessoas com outros vícios e os autores encontraram essas redes também alteradas nesse grupo, sugerindo que, de fato, o vicio por celular é possível e, logo, tem consequências graves como os outros vícios. Portanto, fica o alerta: podemos viciar em celular.

Mas não sabemos se o uso causa essa alteração cerebral ou se a pessoa já tem essa propensão que facilita a instalação do vício. Vale lembrar que histórico familiar de vício é um alerta para todo mundo. Mais que isso: como isso é algo novo em nossas vidas, não temos pesquisa para dizer quais as consequências da utilização na infância e quais os desdobramentos na vida adulta. Vale lembrar que hoje a miopia é um problema epidemiológico, provavelmente como resultado da redução de atividades física e aumento do tempo de tela.

Então, esse vício já tem nome oficial, NOMOFOBIA (no mobile fobia) definido pelo medo de ficar sem celular, e que pode causar o HIKIKOMORI um termo japonês para descrever o afastamento social grave resultado do vício pelo celular.

Estudo com estudantes norte-americanos (548 e 296 cada um) mostra que a mera presença do celular interfere na capacidade de raciocínio, o que eles chamam de dreno cerebral que rouba a capacidade cognitiva. Para checar isso, eles testaram os estudantes em 3 situações: celular na mesa, celular na mochila e celular em outra sala. Dessa forma verificaram que quanto mais perto pior o raciocínio e esse custo cognitivo é pior para quem tem mais dependência do celular.

Estudo que acabou de sair do forno com 265 estudantes universitários chineses mostra que dependência do celular no primeiro ano aumenta a chance de depressão ou ansiedade no terceiro ano, mas que ajuste monitorado durante o segundo ano para a redução da dependência reduz essa chance, melhorando a saúde mental.

Estudo com 478 estudantes universitários japoneses mostra que, em geral, os jovens do gênero masculino preferem jogos online e do gênero feminino preferem o networking das redes sociais.

São centenas de estudos que avaliam depressão e ansiedade. Quando eles são analisados todos juntos, que chamamos de meta-análise conclui-se que aproximadamente 25% das crianças e dos jovens apresentam uso problemático do celular e tem maiores chances de desenvolver depressão, ansiedade, piora na qualidade do sono, entre outros. Utilizar o celular a noite é pior, mas já tem gente que usa aplicativo com filtro para evitar a produção hormonal que desregula o sono (mas infelizmente esses aplicativos não funcionam tão bem quanto parece).

Pode causar tumor no cérebro? Parece que não. Estudos em larga escala na Dinamarca e nos Estados Unidos mostram que o numero de tumores no cérebro continuam os mesmos e se fossem causados pelo uso do celular deveriam ter aumentado muito uma vez que o uso do celular cresceu exponencialmente. Mas pode causar dores de cabeça? Sim, mas não para todo mundo. A chance de dores de cabeça aumenta com o tempo falando no celular e o numero de ligações diárias.

Pode causar dores musculares? Sim! Estudos recentes indicam que o celular deve ser usado entre 0 a 15 graus de inclinação da cabeça para evitar dores no pescoço. E mais: usar o celular em pé trás menos danos que sentado e uso inadequado aumenta chances de dores musculares e podendo evoluir para o que se conhece por transtorno musculoesquelético. Mas de novo, por ser muito novo, não temos como definir o que é uso saudável ou não em crianças e as consequências quando for adulto. De novo cabe o bom senso e o lembrete que o corpo em movimento é fundamental e não pode ser substituído por tempo no celular.

E o impacto nos relacionamentos? Namoro, amizade, pais e filhos? Como fica? 174 millenniuns foram monitorados 5x dia por uma semana e verificou-se que se quando divididos (com o celular perto) entre o presencial e o virtual, eles se sentiam mais desconectados; quando apenas com o contato real (sem o celular por perto), eles se sentiam mais conectados.

Não há dúvidas de que a Internet trouxe benefícios gigantescos, um dos mais relevantes é a possibilidade de interação ativa, totalmente diferente da TV, do cinema e do radio que trouxeram informação de forma passiva.

O celular pode ser análogo a invenção da escrita e suas transformações podem ser tão benéficas quanto, por exemplo, a produção coletiva na Wikipedia, etc.

Com o celular, podemos estar perto de quem amamos mesmo estando geograficamente muito longe! Verificamos isso com a pandemia.

A melhor forma de usar o celular é o caminho do meio, pois é preciso ser digital com consciência. Por isso, precisamos dominar o celular e não sermos dominados por ele. Quanto mais o uso é problemático, maior a necessidade de tirar ferias dele (e esse numero está crescendo). Enfim, precisamos ser seres digitais conscientes.


Referências:

  • Darnai, G., Perlaki, G., Zsidó, A. N., Inhóf, O., Orsi, G., Horváth, R., … Janszky, J. (2019). Internet addiction and functional brain networks: task-related fMRI study. Scientific Reports, 9(1), 15777. https://doi.org/10.1038/s41598-019-52296-1

  • Eitivipart, A. C., Viriyarojanakul, S., & Redhead, L. (2018). Musculoskeletal disorder and pain associated with smartphone use: A systematic review of biomechanical evidence. Hong Kong Physiotherapy Journal, 38(02), 77–90. https://doi.org/10.1142/S1013702518300010

  • Frei, P., Poulsen, A. H., Johansen, C., Olsen, J. H., Steding-Jessen, M., & Schuz, J. (2011). Use of mobile phones and risk of brain tumours: update of Danish cohort study. BMJ, 343(oct19 4), d6387–d6387. https://doi.org/10.1136/bmj.d6387


  • Little, M. P., Rajaraman, P., Curtis, R. E., Devesa, S. S., Inskip, P. D., Check, D. P., & Linet, M. S. (2012). Mobile phone use and glioma risk: comparison of epidemiological study results with incidence trends in the United States. BMJ, 344(mar08 1), e1147–e1147. https://doi.org/10.1136/bmj.e1147


  • Namwongsa, S., Puntumetakul, R., Neubert, M. S., & Boucaut, R. (2019). Effect of neck flexion angles on neck muscle activity among smartphone users with and without neck pain. Ergonomics, 62(12), 1524–1533. https://doi.org/10.1080/00140139.2019.1661525

  • Sohn, S., Rees, P., Wildridge, B., Kalk, N. J., & Carter, B. (2019). Prevalence of problematic smartphone usage and associated mental health outcomes amongst children and young people: a systematic review, meta-analysis and GRADE of the evidence. BMC Psychiatry, 19(1), 356. https://doi.org/10.1186/s12888-019-2350-x

  • Tateno, M., Teo, A. R., Ukai, W., Kanazawa, J., Katsuki, R., Kubo, H., & Kato, T. A. (2019). Internet addiction, smartphone addiction, and hikikomori trait in Japanese young adult: Social isolation and social network. Frontiers in Psychiatry, 10(JULY). https://doi.org/10.3389/fpsyt.2019.00455

  • Wang, J., Su, H., Xie, W., & Yu, S. (2017). Mobile Phone Use and The Risk of Headache: A Systematic Review and Meta-analysis of Cross-sectional Studies. Scientific Reports, 7(1), 12595. https://doi.org/10.1038/s41598-017-12802-9

  • Ward, A. F., Duke, K., Gneezy, A., & Bos, M. W. (2017). Brain Drain: The Mere Presence of One’s Own Smartphone Reduces Available Cognitive Capacity. Journal of the Association for Consumer Research, 2(2), 140–154. https://doi.org/10.1086/691462

  • Yang, J., Fu, X., Liao, X., & Li, Y. (2019). Association of problematic smartphone use with poor sleep quality, depression, and anxiety: A systematic review and meta-analysis. Psychiatry Research, 112686. https://doi.org/10.1016/j.psychres.2019.11268

  • Zhang, G., Yang, X., Tu, X., Ding, N., & Lau, J. T. F. (2020). Prospective relationships between mobile phone dependence and mental health status among Chinese undergraduate students with college adjustment as a mediator. Journal of Affective Disorders, 260, 498–505. https://doi.org/10.1016/j.jad.2019.09.047


Publicado por Claudia Feitosa-Santana, Arquiteta e Engenheira;
Mestra em  Psicologia Experimental pelo Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo;
Doutora em Neurociência e Comportamento pelo Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo;
Pós-doutora em Neurociência Integrativa pela Universidade de Chicago;
Fundadora da Neurociência para o Desenvolvimento Humano e
Atualmente é Pesquisadora no Hospital Israelita Albert Einstein, Na Universidade Federal do ABC , Na Universidade de São Paulo no Brasil e Na Universidade do Minho em Portugal.




Nenhum comentário:

"Bateria Social"!

"Bateria social" ou "Energia social é como é comumente é chamado a "força" que nos impulsiona a interagir com outra...