Como descobri que não tinha amigos homens!

Como descobri que não tinha amigos homens e o que aprendi com as mulheres para mudar isso'

Por Ronald Ávila-Claudio, BBC News Mundo, 15 março 2024.

Estudos nos Estados Unidos e no Reino Unido indicam que os homens têm menos amigos do que as mulheres. E tendência se acentua ao longo dos anos.

Numa noite em que organizava os detalhes de seu casamento, Max Dickins, comediante e escritor britânico, percebeu que não tinha amigos homens.

Depois de tomar alguns drinks, foi para casa e tentou fazer uma lista de possíveis candidatos a padrinho para sua festa de casamento.

Os nomes que lhe vieram à cabeça, diz o londrino, eram principalmente de colegas de trabalho. E quem não pertencia a esse círculo eram pessoas com quem "não falava, em alguns casos, há um, dois ou três anos."

Como disse Dickins ao programa Woman's Hour, da BBC Radio 4, ele decidiu fazer uma rápida pesquisa no Google — foi o momento em que ele percebeu que não estava sozinho.

"Desde que os cientistas sociais começaram a medir estas coisas [amizades entre gêneros], os homens têm se mostrado com menos amigos, especialmente menos amigos próximos, do que as mulheres", diz ele.

"Fica pior à medida que eles envelhecem. A tal ponto que se olharmos para o luto, para o divórcio e para a aposentadoria, os homens sofrem piores resultados de saúde física e mental do que as mulheres por causa desse isolamento."

Uma pesquisa de 2019, realizada pelo Survey Center for American Life, apontou que 15% dos homens americanos que participaram do estudo disseram não ter amigos próximos. Isso representa uma proporção cinco vezes superior à de um estudo anterior realizado em 1990.

No Reino Unido, uma pesquisa YouGov, em levantamento também de 2019, revelou que um em cada cinco homens participantes não tinha amigos próximos, o dobro da proporção das mulheres.

Embora seja difícil encontrar estudos semelhantes na América Latina, Niobe Way, cientista especialista em Psicologia do Desenvolvimento, afirma que o fenômeno se repete entre homens de diversas nacionalidades.

Way, professora titular da Universidade de Nova York, entrevistou centenas de adolescentes ao longo de sua carreira e viu como, à medida em que eles cresciam, perdiam seus melhores amigos.




CRÉDITO, BBC RADIO 4 foto: Max Dickins: 'Muitas vezes tratamos as mulheres nas nossas vidas como um departamento de recursos humanos. Elas organizam amizades e os homens dependem dos seus grupos sociais'

E tanto ela como Robin Dunbar, professor de Antropologia e Psicologia Evolutiva da Universidade de Oxford (Reino Unido), concordam que as consequências que Dickins viu no Google são mais do que provadas pela ciência: a falta de conexões fora da família tem consequências devastadoras para os seres humanos.

Para remediar e implementar mudanças, como tentou fazer Dickins ao escrever seu livro, é preciso entender por que isso ocorre.

As causas são complexas e os especialistas não necessariamente estão de acordo quanto a elas, porque, como afirma Dunbar, "o que os humanos manejam em seu mundo social é enorme, caótico e imprevisível".

Desejo genuíno de amizade

Homens têm dificuldade em construir pontes de amizade tanto com mulheres como com pessoas do mesmo sexo, diz Dunbar.

Em relação às mulheres, diz Way, os homens tendem a posicioná-las como "cuidadoras emocionais" e procuram que elas os ouçam, atribuindo-lhes um papel quase de "terapeuta". No entanto, não é uma relação de mão dupla. A mulher "não sente que seja mútuo", diz ela.

Niobe Way conduziu durante anos estudos em escolas com populações de baixa renda em Nova York e se concentrou em tentar compreender as relações de amizade entre homens. Ela tem a sua própria teoria sobre o problema enfrentado por Dickins e tantos outros homens.

As crianças, ressalta a professora, têm um desejo natural de ter amigos.

Em suas entrevistas com pré-adolescentes porto-riquenhos, dominicanos, negros, asiáticos, ela os ouvia dizer coisas sobre seus amigos homens como "não consigo viver sem ele" ou "conto a ele meus segredos mais profundos".

À medida que amadurecem, por volta dos 15 anos ou mais, as crianças passavam a perder os amigos, sentindo-se sozinhas e isoladas.

A razão dessa mudança, segundo seu livro Deep Secrets: Boys Friendship and the Crisis of Connection (Segredos profundos: a amizade dos garotos e a crise da conexão, em tradução livre), é que, quando estão crescendo, os homens assimilam uma ideia hegemônica de masculinidade, idealizada principalmente pela cultura americana.

Mostrar vulnerabilidade, por exemplo, não é visto como um comportamento normal - é associado à comportamento "típico feminino". E isso, continua ela, dificulta o relacionamento deles.

"A ideia americana de masculinidade, branca, rica e heteronormativa foi introduzida com suas variantes nas amizades masculinas em todo o mundo", sustenta.

A sociedade, entretanto, permite a alguns grupos que desafiem essas normas, acrescenta Way.

Principalmente homens envolvidos em atividades ligadas diretamente à ideia do "masculino", como o esporte.

"Os atletas não sentem que sua masculinidade está sendo questionada, então eles podem dar tapinhas na bunda do outro", diz.


CRÉDITO,GETTY IMAGESLegenda da foto,Nos pré-adolescência, os homens costumam falar com emoção sobre seus amigos. À medida em que crescem, eles mudam sua visão sobre a amizade, diz pesquisadora

Herança psicológica

Dunbar tem outra opinião. Em sua perspectiva de cientista evolucionista, ele afirma que os seres humanos "herdaram mecanismos psicológicos" de nossos ancestrais.

Segundo ele, diferentemente das mulheres, as amizades entre os homens são mais "casuais, giram em torno de grupos e geralmente são baseadas em atividades".

"Essa atividade pode ser tomar uma cerveja no bar, assistir a um jogo de futebol ou escalar uma montanha", diz o pesquisador de Oxford.

"As mulheres tendem a manter relações de amizade conversando entre si, trocando intimidades", acrescenta.

E a raiz de tudo, afirma ele, está "nos problemas que cada sexo enfrentou nas sociedades mais antigas".

"As relações dos homens são provavelmente mais físicas e, ao mesmo tempo, mais casuais, porque no passado eles tinham a necessidade de trabalhar junto para proteger a comunidade", diz.

"Os homens costumavam ser os guerreiros e protetores nessas sociedades. E para fazer isso com sucesso, eles basicamente precisavam ter bons laços uns com os outros."

"Mas, por outro lado, eles não poderiam levar isso muito a sério caso um de seus parceiros se machucasse ou morresse, porque tudo desmoronaria. Eles têm que ter flexibilidade e resiliência na forma como seus relacionamentos funcionam", Dunbar disse à BBC News Mundo, serviço em espanhol da BBC.

As mulheres nestas sociedades, continua Dunbar, dedicavam-se a outros serviços e, além disso, grande parte das suas vidas girava em torno da procriação.

"Elas tiveram que se mudar de acordo com a comunidade do marido, estavam sozinhas e nesse contexto precisavam de outro tipo de apoio emocional (não físico), e de pessoas que as ajudassem nos cuidados. Você vê a mesma coisa em muitas sociedades ao redor do mundo."

Consequências


CRÉDITO,GETTY IMAGESLegenda da foto,Os homens muitas vezes baseiam as suas amizades em alguma atividade, diz o professor Robin Dunbar, da Universidade de Oxford.

O isolamento social, em geral, tem sido associado a graves problemas de saúde, conforme detalhado em um relatório do órgão dos EUA responsável pela previsão de doenças no país.

A entidade, em documento publicado em 2023, indica que "a falta de ligações provoca maior risco de doenças cardiovasculares, demência, acidentes vasculares cerebrais, depressão, ansiedade e mortes prematuras".

E o problema, como também apontou a Organização Mundial da Saúde (OMS) no ano passado, é de escala global: um em cada quatro idosos vive isolamento social e entre 5 e 15% dos adolescentes sofrem de solidão no mundo.

Mas, no caso dos homens, sofrer com a falta de vínculos significativos, bem como com a desconexão consigo mesmos e com a sua vulnerabilidade, levou-os à violência, destaca Way.

"As consequências da crise de conexão são depressão, ansiedade e violência. E quando falo sobre violência, incluo a violência pública, como tiroteios, e violência sexual [no contexto dos EUA]. Pesquisas relacionam solidão com violência", comenta.

Way reitera que os homens, vistos a partir da sua teoria, vivem em uma sociedade que os reprime e não "permite que expressem a sua própria humanidade".

"São consequências de uma cultura que não valoriza a nossa natureza, que não nos permite nutrir plenamente a nossa humanidade."

Aprenda com as mulheres

Dickins, em sua busca por quebrar o ciclo que condena o homem à solidão e suas consequências, decidiu se aprofundar nos motivos e, justamente, conversou com especialistas como o professor Robin Dunbar.

Para ele, a resposta estava em entender como as mulheres administram suas amizades para imitá-las. Entre as mulheres, entendeu o comediante, "há uma troca emocional maior e muitas vezes dizem que têm um melhor amigo que conhecem mais de perto do que o seu par romântico".

Então a primeira coisa que ele fez foi "se abrir para os amigos mais próximos", em vez de apenas tratá-los como "parceiros" em algumas atividades que faziam juntos.

"Eu costumava ter todas as minhas amizades definidas completamente pelo prisma do humor e das piadas e isso colocava um fosso de agressividade ao meu redor. Então, tentei demonstrar mais carinho pelos meus amigos, dizer-lhes que queria uma mudança junto com eles. Tentei ficar vulnerável", conta.

Mas ele também reforçou as estruturas que unem os amigos, para que com o passar dos anos as relações não desaparecessem.

"Uma coisa muito simples que fiz, por exemplo, foi organizar um grupo que jogasse futebol toda semana e depois de jogar íamos beber em um pub. Foi uma coisa muito simples que fez uma grande diferença."

O escritor também percebeu que precisava "assumir mais controle" de seu mundo social. Ele percebeu que geralmente dependia da parceira para organizar as atividades que realizavam com outras pessoas.

"Acho que muitas vezes tratamos as mulheres nas nossas vidas como um departamento de recursos humanos. Elas organizam amizades e os homens dependem dos seus grupos sociais", diz.

"Acho que é porque não somos ensinados a fazer aquele trabalho social, aquele trabalho de nos comunicar com as pessoas, de organizar reuniões, de enviar postais, todos os pequenos esforços que são necessários para manter e criar vínculos".

E, por fim, ele ressalta que, por mais ocupada que a vida adulta possa ser, é preciso reservar tempo para os outros. "Apareça quando solicitado, tome a iniciativa e siga em frente, mesmo quando for difícil", diz.

A busca pessoal de Dickins o levou a escrever seu livro, mas ele nunca encontrou um padrinho para seu casamento com Naomi, sua parceira.

Então ele decidiu que suas duas melhores amigas ocupariam esse papel.

"Elas aceitaram e fizeram um ótimo trabalho", diz ele.


CRÉDITO,GETTY IMAGESLegenda da foto,A professora Way diz que uma ideia de masculinidade branca e heteronormativa foi exportada dos EUA para o resto do mundo

Alguns conselhos dos professores Way e Dunbar

Reconheça que o desejo de ter amigos é inerente ao ser humano e não está relacionado a sexo ou gênero;

Outros homens também têm interesse em fazer amigos do mesmo sexo;

Comece a fazer perguntas que mostrem que você é vulnerável;

As pessoas andam por aí com perguntas que gostariam que outros lhes fizessem, mas não se concentre em seus traumas pessoais. Por exemplo, você pode perguntar: qual é a sua lembrança favorita de infância? Em quem você confia e por quê? Quando foi a última vez que você se sentiu ouvido?;

Encontre lugares e atividades que você tem em comum com seus amigos para poder compartilhar. É preciso buscar afinidades para que o relacionamento aconteça naturalmente;

E lembre-se que tudo isso tem que ser de mão dupla. Se alguém lhe fizer perguntas, além de responder, você também deve perguntar.

Lidar com pessoas difíceis!





Comparar pessoas intolerantes a crianças emocionalmente pode ser uma simplificação, mas existem muitas características que podem ser semelhantes, isso porque pessoas intolerantes, pessoas difíceis, muitas vezes apresentam comportamentos e reações emocionais imaturas.

RIGIDEZ MENTAL: Assim como crianças pequenas que ainda estão desenvolvendo a capacidade de entender diferentes perspectivas, pessoas intolerantes tendem a ter esquemas mentais rígidos e dificuldade em aceitar opiniões diferentes.

REAÇÕES EXPLOSIVAS: A intolerância pode levar a reações emocionais intensas e desproporcionais, semelhantes às birras de crianças quando algo não sai como elas querem.

Necessidade de Controle: Pessoas intolerantes frequentemente sentem a necessidade de controlar situações e pessoas ao seu redor, algo que também é comum em crianças que ainda estão aprendendo a lidar com a incerteza e a falta de controle.

DIFICULDADE EM LIDAR COM CRÍTICAS: Assim como crianças que podem reagir mal a críticas, pessoas intolerantes muitas vezes não aceitam bem feedbacks ou opiniões contrárias, reagindo de forma defensiva ou agressiva.

Essas características podem ser sintomas de falta de desenvolvimento emocional em certos aspectos, mas é importante lembrar que a intolerância é um comportamento complexo e pode ter várias causas subjacentes, incluindo fatores culturais, sociais e, por fim, psicológicos.

Lidar com a intolerância no dia a dia pode ser bem desafiador, mas existem várias estratégias que podem ajudar a promover um ambiente mais respeitoso e compreensivo. por exemplo:

PRIMEIRO ESTRUTURE A SUA EMPATIA: Tente entender a perspectiva da outra pessoa. Mesmo ela sendo emocionalmente rígida, mesmo que você não concorde com ela, TENTE SE POR EM UMA POSIÇÃO EMPÁTICA COM ELA! Isso pode ajudar a reduzir a tensão e abrir um diálogo mais construtivo;

SÓ CONVERSE SE ESTA CAPAZ DE MANTER A CALMA: Responder com calma e compostura pode desarmar situações potencialmente conflituosas. Evite reagir de forma impulsiva ou agressiva;

EDUQUE-SE e DEPOIS Eduque os Outros: Muitas vezes, a intolerância vem da falta de conhecimento. Compartilhar informações e educar-se sobre diferentes culturas, crenças e estilos de vida pode ajudar a reduzir preconceitos;

ESTABELEÇA LIMITES: É importante saber QUANDO SE AFASTAR de uma situação ou pessoa que está sendo intolerante. Estabelecer limites claros pode PROTEGER SEU BEM-ESTAR EMOCIONAL. Você não vai resolver os problemas de todo mundo… Portanto, vá com calma!

PROMOVA O DIÁLOGO: Incentive conversas abertas e honestas sobre diferenças e semelhanças. O diálogo pode ajudar a construir pontes e aumentar a compreensão mútua;

SEJA UM EXEMPLO POSITIVO: Demonstre comportamentos tolerantes e respeitosos em suas próprias ações. Ser um modelo positivo pode influenciar os outros a fazerem o mesmo;

Impacto na vida adulta de abusos sofridos na infância é diferente para homens e mulheres.

Impacto na vida adulta de abusos sofridos na infância é diferente para homens e mulheres.

Por Liam Davenport em 11 de abril de 2023, França .





O impacto psicopatológico de experiências traumáticas durante a infância é equivalente entre mulheres e homens, mas há diferenciais de gênero em relação ao tipo de trauma, segundo pesquisa.

Pesquisadores constataram que a violência emocional e sexual na infância afeta mais as mulheres, enquanto os homens, por sua vez, são mais prejudicados pela negligência emocional e física.

“Nossos achados indicam que a exposição a maus-tratos durante a infância aumenta o risco de sintomas psiquiátricos em homens e mulheres”, disse a primeira pesquisadora do estudo, Dra. Thanavadee Prachason, Ph.D., afiliada ao Departamento de Psiquiatria e Neuropsicologia do Maastricht Universitair Medisch Centrum, nos Países Baixos, em um comunicado à imprensa.

"A exposição a abusos emocionais ou sexuais durante a infância aumenta o risco de diversos sintomas psiquiátricos, especialmente para mulheres. Por outro lado, história de negligência emocional ou física na infância aumenta o risco de sintomas psiquiátricos mais para os homens [que nas mulheres]", acrescentou a Dra. Thanavadee.

Os achados foram apresentados no congresso de 2023 da European Psychiatric Association (EPA).

Um importante fator de risco para transtornos psiquiátricos

A apresentadora do estudo, Dra. Laura Fusar-Poli, Ph.D., psiquiatra afiliada ao Departamento de Neurociência e Ciências do Comportamento da Università degli Studi di Pavia na Itália, disse que as diferenças nos impactos relacionados aos diferentes subtipos de trauma em homens e mulheres indicam que tanto o gênero quanto o tipo de situação adversa vivenciada na infância precisam ser considerados em estudos futuros.

A Dra. Laura começou a apresentação destacando que 13% a 36% das pessoas sofreram algum tipo de trauma na infância, sendo que 30% delas foram expostas a pelo menos dois tipos de trauma.

O trauma já foi identificado como um fator de risco para diversos transtornos psiquiátricos.

"Estima-se que, mundialmente, cerca de um terço de todos os transtornos psiquiátricos esteja relacionado a traumas [vividos] na infância", disse o pesquisador sênior Dr. Sinan Gülöksüz, Ph.D., psiquiatra também afiliado ao Maastricht Universitair Medisch Centrum.

Consequentemente, "o trauma infantil é um dos principais fatores de risco evitáveis para [diversos] transtornos psiquiátricos", ele acrescentou.

Pesquisas anteriores sugeriram que o subtipo de trauma tem impacto nas alterações biológicas e nos desfechos clínicos, e que existem diferenças de gênero relacionadas aos efeitos do trauma infantil.

Para tentar compreender melhor essa questão, os pesquisadores analisaram dados do TwinssCan, um estudo de coorte belga com uma população de irmãos gêmeos e não gêmeos, de 15 a 35 anos, sem diagnóstico prévio de transtorno global do desenvolvimento.

O estudo incluiu 477 mulheres e 314 homens que responderam ao Childhood Trauma Questionnaire – Short Form (CTQ) e ao Symptom Checklist-90 SR (SCL-90), ferramentas usadas para determinar a exposição a situações adversas na infância e os níveis de psicopatologia, respectivamente.

Os resultados mostraram que os escores totais no CTQ foram significativamente associados aos escores totais no SCL-90 tanto em homens como em mulheres, e essa relação também foi vista em cada um dos nove categorias de sintomas do SCL-90 (p < 0,001 para todas as associações), que eram os seguintes: psicoticismo, ideação paranoide, ansiedade, depressão, somatização, obsessão-compulsão, sensibilidade interpessoal, hostilidade e ansiedade fóbica.

Não houve diferenças significativas entre homens e mulheres nas associações relacionadas aos escores totais no CTQ.

No entanto, quando os pesquisadores analisaram os subtipos de trauma e os níveis de psicopatologia, surgiram diferenças de gênero evidentes.

Eles encontraram uma associação significativa entre a violência emocional detectada no CTQ e os escores totais no SCL-90 tanto em homens (p < 0,023) como em mulheres (p < 0,001), sendo que essa associação foi significativamente mais forte em mulheres (p = 0,043).

A violência sexual teve associação significativa com os escores totais no SCL-90 em mulheres (p < 0,001). Por outro lado, a negligência emocional e física foi significativamente relacionada com os escores de psicopatologia em homens (p = 0,026 e p < 0,001; respectivamente).

“A negligência física pode englobar, por exemplo, situações nas quais a criança não tem o que comer, veste roupas sujas, não é cuidada adequadamente ou não é levada ao atendimento médico quando necessário”, disse a Dra. Thanavadee.

“A negligência emocional pode abranger sentimentos experimentados durante a infância, como não se sentir amado ou importante e não se sentir próximo da [própria] família.”

Nas mulheres, a violência emocional foi significativamente associada a todas as nove categorias de sintomas do SCL-90. A violência sexual, por sua vez, foi associada a sete categorias: psicoticismo, ideação paranoide, ansiedade, depressão, somatização, obsessão-compulsão e hostilidade.

Nos homens, a negligência física foi significativamente associada a todas as categorias de sintomas, exceto a somatização, enquanto a negligência emocional foi relacionada apenas com a depressão, relatou a Dra. Laura.

"Esse estudo mostrou uma consequência muito importante do trauma infantil, e não apenas em indivíduos com transtornos psiquiátricos. Gostaria de ressaltar que essa é uma população comum, composta de adolescentes e adultos jovens, que estão em uma faixa etária na qual a maioria dos transtornos psiquiátricos surgem, disse a Dra. Laura ao Medscape.

Ela reforçou que os transtornos psicóticos são apenas uma parte do "amplo espectro" de doenças que podem estar relacionadas a traumas infantis, os quais "podem ter um impacto em sintomas subclínicos capazes de afetar o funcionamento e a qualidade de vida da população em geral".

Comentando sobre os diferentes achados em homens e mulheres, o Dr. Sinan disse que as mulheres podem ser mais "vulneráveis do que os homens aos traumas [vividos] na infância", simplesmente porque "estão expostas a mais [episódios de] violência sexual e emocional".

No entanto, disse ele, isso é "algo que ainda precisamos compreender", considerando a provável existência de um mecanismo subjacente ao problema, "e não apenas um mecanismo biológico, mas também social".

O Dr. Sinan também disse que pode haver diferenças entre sociedades em termos do impacto causado pelo trauma infantil. "Nossa amostra era da Bélgica, mas o que aconteceria se realizássemos esse estudo na Itália ou na Índia?", questionou ele.

Comprometimento cognitivo e emocional

Comentando sobre os achados para o Medscape, a Dra. Elaine F. Walker, Ph.D., professora de psicologia e neurociência na Emory University nos EUA, disse que a exposição ao estresse em geral, inclusive ao trauma infantil, "tem efeitos transdiagnósticos sobre a vulnerabilidade a transtornos psiquiátricos".

“Esses efeitos são mediados principalmente pelo eixo hipotálamo-hipófise-adrenal, que induz a liberação de cortisol. Quando os níveis de cortisol se mantêm elevados, isso pode resultar em processos neurobiológicos que podem gerar efeitos adversos sobre a estrutura e os circuitos cerebrais que, por sua vez, comprometem o funcionamento cognitivo e emocional", disse a Dra. Elaine, que não participou do estudo.

Ela observou que, "embora seja possível que existam diferenças entre os sexos com relação à sensibilidade biológica a certos subtipos de trauma infantil, também é possível que as diferenças de gênero relacionadas à probabilidade de exposição a certos tipos de trauma sejam o verdadeiro fator [de risco] fundamental".

"Atualmente, não existem protocolos de tratamento específicos para a abordagem dos subtipos de trauma infantil; no entanto, terapeutas mais experientes têm incorporado as informações sobre a história individual de trauma no tratamento desses pacientes", acrescentou a Dra. Elaine.

Também comentando sobre a pesquisa, o Dr. Philip Gorwood, Ph.D., psiquiatra e coordenador na Clinique des Maladies Mentales et de l'Encéphale no Centre Hospitalier Sainte-Anne na França, disse que os resultados são "relevantes, visto que o trauma infantil é considerado um importante fator de risco para a grande maioria dos transtornos psiquiátricos; no entanto, [temos] pouco conhecimento sobre as especificidades em cada gênero".

“Entender quais aspectos do trauma são mais prejudiciais conforme o gênero irá facilitar as pesquisas sobre [como se dá] o processo de resiliência. Muitas estratégias de intervenção irão, de fato, se beneficiar de uma abordagem mais personalizada", disse em um comunicado o Dr. Philip, que não participou do estudo.

Congresso de 2023 da European Psychiatric Association (EPA): Abstract O0049. Apresentado em 27 de março de 2023.

Este conteúdo foi originalmente publicado no Medscape

https://portugues.medscape.com/verartigo/6509423?form=fpf#vp_3

 





















 


 


As vezes o Diagnóstico é uma forma de "NÃO ESCUTAR"!

O texto relata a história do americano Will Hall. Uma figura de crescente importância nos movimentos internacionais de sobreviventes e recuperação na saúde mental.  Will mora na cidade de São Francisco nos Estados Unidos.

Desde criança, tenho lutado com emoções extremas, vozes e poderosas experiências fora do corpo. Lembro-me de cair no chão uma vez na terceira série, me contorcendo de agonia acreditava que algo estava agarrando minhas costas.

Vi desenhos animados projetados no teto, e meu medo as vezes era tão forte que ficava mudo. Muitas vezes me escondia, sozinho, oprimido e incapaz de descrever o que estava acontecendo.

Levei tudo isso escondido dentro de mim por toda a minha vida, indo de terapeuta em terapeuta, mas nunca me sentindo seguro o suficiente para realmente falar sobre o que estava acontecendo.

Minha primeira experiência com psiquiatria foi quando fui encaminhado a um médico aos 24 anos. Saí depois de uma consulta com uma receita de Prozac e um punhado de amostras grátis.

No início, o Prozac foi como a melhor xícara de café que já tomei, eu estava sendo muito produtivo, levantando cedo e realmente me sentindo bem. Mas então eu tive uma reação maníaca.

De repente, eu estava agindo de maneira muito diferente no trabalho, vestindo roupas estranhas e discutindo ruidosamente com as pessoas ao meu redor.

Foi a primeira vez que algo assim aconteceu, e foi absolutamente assustador. Meu médico e terapeuta, não me avisaram sobre os efeitos colaterais do medicamento.

Como resultado desse efeito colateral maníaco e da vergonha de como agi, acabei deixando o trabalho, uma posição de carreira em uma organização ambiental e meu primeiro grande emprego fora da faculdade. Perdi todos os meus colegas, amigos, contatos profissionais e cheguei na pobreza.

Aos 26 anos, atingi um ponto de ruptura e vaguei pelas ruas de São Francisco a noite toda ouvindo vozes raivosas me dizendo para me matar.

Acabei na unidade de saúde na ala psiquiátrica pública em San Francisco. Nunca me perguntaram se eu queria ir para o hospital ou se eu tinha opções ou apoio para descobrir o que fazer.

Acabei de ser observado por várias horas em uma clínica, e então eles anunciaram que eu não poderia sair. Disseram-me que era um perigo para mim mesmo e que era para o meu próprio bem.

Implorei a eles que não me prendessem, porque não queria perder meus dois empregos. Eu ficava dizendo: Por favor, me deixe ir trabalhar, por favor, posso fazer um contrato sem prejuízo, não quero perder o trabalho. Mas acabei perdendo esses empregos.

Quando cheguei ao hospital, parecia uma prisão. O caos e a violência, a aglomeração e os gritos eram aterrorizantes. Em meu estado emocional vulnerável e frágil, o impacto desse pandemônio foi devastador. Eu estava em choque de medo.

Isso deu início a uma permanência de um ano no sistema público de saúde mental. Eu precisava de ajuda, mas em vez disso fui tratada como uma criança desobediente com o cérebro quebrado, punida e controlada, incluindo mais de dois meses em uma unidade trancada.

Passei de ser humano a paciente mental. Fui preso, não por causa de qualquer coisa que eu fiz, mas eles disseram que era apenas para me transportar para o hospital.

Depois de ser contido, tive pesadelos de que estava sendo estuprada e ainda tenho reações de flashback a qualquer coisa que me lembre dessa experiência.

Durante o tempo em que estive no sistema, fui trancado em uma cela de isolamento, ameaçado de ser revistado, administrado mais de uma dúzia de medicamentos diferentes.

Passei vários meses tomando um medicamento muito poderoso chamado Navane, usado para tratar a esquizofrenia. Mudou completamente minha personalidade e negou-me o senso mais básico de quem eu era; isso me deixou mais estúpido, mais lento, mais gordo e também, por causa dos efeitos colaterais, às vezes mais desesperado e suicida.

No prédio em que eu tinha me mudado após o período de internação, um homem se matou pouco antes de eu chegar. Este fato me afetou muito. Quando eu estava tomando remédios, era impossível saber o quanto da minha dor era a medicação, não os problemas que eu tinha para começar.

Eu tenho fotos daquela época, e o olhar nos meus olhos é totalmente diferente. Eu era basicamente um zumbi, mas estava sendo dócil, então eles consideraram isso uma recuperação.

Meu pai é um veterano da Guerra da Coreia e antes tinha passado um período em um hospital psiquiátrico, no qual fui submetido a eletrochoque. As cicatrizes emocionais do meu pai, afetaram diretamente a mim e ao resto da minha família, porque ele nunca teve ajuda adequada e carregou traumas graves durante toda a minha infância.

Quando meus próprios psiquiatras descobriram que meu pai também tinha estado em hospitais psiquiátricos, eles usaram isso para tentar me convencer de que meus problemas eram disfunções cerebrais genéticas corrigíveis por medicamentos.

Nenhuma vez eles me perguntaram sobre minhas próprias experiências de traumas de infância, ou estabeleceram a conexão destes fato com as minhas dificuldades.

Só mais tarde, depois de pesquisar coisas por conta própria e descobrir a escrita de Robert Whitaker e outros, aprendi que não há ciência sólida por trás de culpar as predisposições genéticas e os desequilíbrios químicos, e que o trauma da infância pode desempenhar um grande papel no que é rotulado como ‘doença mental.’

Depois de mais de dois meses no hospital, os médicos disseram que já haviam tentado de tudo.

O que eles queriam dizer é que haviam experimentado todos os medicamentos diferentes que conseguiram imaginar. Eles disseram que quando nada mais ajuda, o eletrochoque é necessário. Eu queria desesperadamente melhorar, então considerei concordar em ir em frente com isso.

Meu pai me contou sobre sua má experiência com o eletrochoque e como isso prejudicava sua memória: ele mantém uma citação do autor Ernest Hemingway na sua mesa, e eu sabia que Hemingway havia se matado após receber o eletrochoque. No hospital, eles me disseram que era totalmente seguro e eficaz e não tinha efeitos colaterais negativos.

Mas então eu tive muita sorte. Uma assistente social veio e de repente anunciou que eles estavam me liberando imediatamente. Ela disse que o seguro público que estava pagando minha estadia havia acabado.

Então, da noite para o dia, passei de muito doente, para ter alta. Acabei em um abrigo para pessoas em situação de rua que era violento e degradado.

O teste que fizeram no hospital levou-os a me dar um diagnóstico de transtorno esquizoafetivo.

Fui encorajado a me ver como um inválido, a esquecer meus pontos fortes e, em vez disso, focar em minhas fraquezas e vulnerabilidades como evidência de ser um ser humano defeituoso.

Aprendi a temer o que estava dentro de mim como sinais da minha “desordem” e a transferir a autoridade da minha mente e experiência para médicos e terapeutas. Tudo se tornou um sintoma.

Lembro-me de dizer ao meu psiquiatra do hospital que estava lendo existencialismo e filosofia marxista e, mais tarde, descobri que ele havia anotado isso em meu prontuário médico como uma forma de comportamento bizarro.

Meu ‘plano de tratamento’ me instruiu a desistir de minha paixão pelo ativismo e organização. Quando tentei falar sobre minha sexualidade e ser bissexual, eles me disseram que meus sentimentos faziam parte do meu transtorno.

Por tudo isso, hoje vivo com medo do estigma. Tenho que esconder minha história psiquiátrica da maioria das pessoas em minha vida.

O estigma causa muito sofrimento e já passei por muitas situações de preconceito por ter sido usuário de saúde mental, temendo você ou agindo de forma diferente em relação a você, você aprende a manter sua história oculta.

Isso significa uma vida nas sombras, um cidadão de segunda classe, um sentimento de não pertencer a comunidade. Experimente viver com isso e veja se você começa a se sentir paranóico.

Hoje estou fora do hospital há mais de 14 anos. Abandonei a medicação, aprendi sobre nutrição e mudei minha dieta alimentar.

Tenho que evitar leite, cafeína e açúcar, que causam diretamente o agravamento da minha ansiedade e dos sintomas. Claro, no hospital, todas as refeições incluíam leite, cafeína e açúcar.

Tive aulas de Yoga e meditação e comecei a ver um acupunturista. Eu faço muitas coisas para promover minha própria saúde mental, mas não aprendi absolutamente nada no sistema de saúde mental.

Eu também procuro sinais de alerta de problemas e tenho ferramentas de bem-estar para me apoiar, como exercícios regulares e prestar muita atenção aos meus padrões de sono.

Também comecei a considerar os aspectos espirituais do que estava passando, ouvindo as vozes que ouvia e explorando seu significado. A certa altura, em São Francisco, por exemplo, ouvi uma voz alta me dizendo que eu precisava fazer yoga ou morreria.

Foi assustador, mas percebi que era como a voz de um pai zangado cuidando de mim. Então foi por essa voz que comecei a praticar yoga.

Posso ser diferente da maioria das pessoas ao meu redor, mas ser diferente também significa ser criativo e sensível. Parei de me ver como uma pessoa quebrada, sem chance de ter uma vida.

Mais importante ainda, procurei outras pessoas que também tinham sido diagnosticadas como transtornos mentais e começamos a apoiar uns aos outros na descoberta de nossos próprios caminhos.

Por muito tempo eu estava tentando fazer tudo isso sozinho. Ter pessoas ao meu redor que acreditaram na minha Recovery foi crucial.

Levei dez anos para começar a pesquisar sobre essas questões, sem ser dominado pelo medo e pelas memórias traumáticas; hoje ainda fico confuso ao tentar ler livros sobre o sistema de saúde mental.

Quando me mudei para Northampton, tive a sorte de conhecer Oryx Cohen, um sobrevivente de abuso psiquiátrico que foi diagnosticado como bipolar. Não havia nenhum grupo dirigido por e para as próprias pessoas com transtornos mentais. Ninguém estava falando sobre grupos de ajuda mutua. Eu e Oryx criamos uma organização para desenvolver o apoio de pares pelos EUA.

Aprendemos que o sistema de proteção e defesa, os oficiais de direitos humanos, o sistema de reclamações do DMH – pode ser melhor do que há vinte anos, mas o sistema ainda não protege os direitos básicos das pessoas.

Portanto, fazemos o que podemos. Ajudamos as pessoas a evitar a hospitalização, ajudamos a trabalhar para ter acesso ao telefone, contamos às pessoas sobre os efeitos colaterais dos medicamentos que seus médicos não faziam, ajudamos as pessoas hospitalizadas a obter direitos básicos como acesso a atendimento odontológicos.

Fizemos tudo isso como voluntários e com um orçamento apertado. Também trabalhamos com equipes e profissionais de saúde mental. Convidamos os profissionais a se juntarem a nós como aliados e apoiadores, porque entendemos que os funcionários estão nesta profissão porque se preocupam com as pessoas e que muitas vezes estão presos em instituições que desejam mudar.

Não falamos as pessoas o que fazer ou para parar de usar medicamentos. Ajudamos as pessoas a descobrirem por si mesmas o que funciona melhor para elas, porque só você pode determinar o que o ajuda.

Para atender às necessidades das pessoas por orientação sobre medicamentos, publicamos recentemente o Guia de redução de danos para abandonar as drogas psiquiátricas, disponível gratuitamente online e também traduzido para o português.

O Guia aconselha as pessoas a tomarem suas próprias decisões, equilibrando a utilidade que algumas pessoas encontram nos medicamentos psiquiátricas com os perigos que também podem advir delas, em uma abordagem de redução de danos para encontrar as pessoas onde estão.

Precisamos de mais financiamento para apoio social, terapia e opções alternativas de cuidados de saúde.

Recentemente, assisti a um vídeo da Inglaterra e fiquei completamente surpreso ao ver uma usuária de saúde mental se encontrar com uma assistente social que fazia massagens regulares como parte de seu tratamento

As pessoas dizem que não estamos sendo realistas ao esperar que pessoas em crises de saúde mental tenham acesso a cuidados de saúde alternativos, como massagem e trabalho corporal – mas na verdade já estão começando a fazer isso em outros países.

A saúde mental é parte de um sistema de saúde falido que nos EUA precisa ser completamente reformulado, e tratamentos alternativos e prevenção holística devem fazer parte disso como uma opção para as pessoas.

O Freedom Center também se opõe ao tratamento forçado. Tivemos hospitalização involuntária, restrições, isolamento e uso de drogas forçadas nos aconteceram, e sabemos por nós mesmos como a força pode ser violenta e prejudicial.

Existem alternativas e precisamos começar a financiá-las e usá-las. Os programas voluntários funcionam melhor, custam menos e não correm o risco de traumatizar as pessoas, o que as afasta dos serviços.

O tratamento forçado se baseia na negação de direitos iguais às pessoas perante a lei. Todos na sociedade têm o direito de recusar tratamento médico, mesmo que os médicos digam que isso vai prejudicá-los, como os pacientes com câncer que podem recusar o tratamento. Mas os usuários em saúde mental são rotineiramente negados o direito básico de escolha.

À medida que fiquei mais forte e mais saudável, fui inspirado a me dedicar a ajudar os outros a superar momento difíceis.

Comecei a apresentar um programa de rádio semanal distribuído pela Rádio Pacifica, Madness. Embora muitas pessoas encontrem um bom apoio de médicos e medicamentos, um número cada vez maior em todo o mundo está pedindo alternativas para a abordagem convencional de “tamanho único” para a saúde mental.

O Freedom Center representa um exemplo vivo dessa alternativa e espero que você comece a ouvir mais histórias de pessoas como eu, que descobriram nossas próprias maneiras únicas para viver.
 


Will Hall: Conselheiro, escritor e professor. Foi usuário do serviço de saúde mental, ele é um líder na abordagem de recovery em saúde mental e é um organizador dentro do movimento de sobreviventes psiquiátricos nos Estados Unidos.

http://www.willhall.net

Viver com Diversidade Mental: Novas visões do que significa ser humano, vindas de um consultor treinado em Diálogo Aberto pelo Instituto de Prática Dialógica, é um sobrevivente do diagnóstico de esquizofrenia, autor do Guia de Redução de Danos para Largar as Drogas Psiquiátricas, e Fora da Saúde Mental Exterior: Vozes e Visões da Loucura, e apresentador do Madness Radio.

Referência bibliográfica:

WILL HALL PERSONAL STORY. https://www.voicesireland.com/will-hall-personal-story/

Guia de Redução de Danos e saída de Medicamentos Psiquiátricos. https://materiais.cenatcursos.com.br/830a7edb50be8294a911

https://www.madnessradio.net/

“Vivemos um eterno retorno a Freud. Mas cada vez é um Freud diferente”

“Vivemos um eterno retorno a Freud. Mas cada vez é um Freud diferente”

Poucos autores foram tantas vezes declarados mortos e renasceram feito fênix como Sigmund Freud (1856-1939). Goste-se ou não do que o fundador da psicanálise propõe, tudo leva a crer que ele ainda tem muito a dizer. E é por isso que um dos maiores estudiosos de sua obra no Brasil, o psicanalista e filósofo Gilson Iannini, sugere um retorno às origens… aos textos e às ideias do médico vienense.

Mas o projeto do professor de psicologia da UFMG não se baseia numa reconstrução histórica e datada do pensamento freudiano. Pelo contrário, o mantra é atualizar a discussão, bebendo diretamente da fonte, algo para o qual o neurologista austríaco se presta com naturalidade. “Vivemos um eterno retorno. Mas cada vez é um Freud diferente”, afirma Iannini.

Esse trabalho de garimpagem e reflexão à luz dos desafios da contemporaneidade será materializado com a trilogia Freud no Século XXI (Editora Autêntica), cujo primeiro volume chegou às livrarias. Mas não espere um guia didático da disciplina inaugurada pelo cara do divã em O Que É Psicanálise?

Esse é um livro que, mesclando relato pessoal, imersões conceituais e explorações do noticiário, busca provocar e instigar a saída da zona de conforto, seja para os seguidores, seja para os detratores da escola freudiana.

O que é psicanálise?

Para Iannini, não deveríamos ficar reféns das reinterpretações canônicas do autor, ainda que possamos valorizar parte de seu corolário – algo que se aplica particularmente ao complexo Jacques Lacan. Podemos conectar as ideias sobre o inconsciente lapidadas por Freud aos tempos e às ciências atuais, debatendo, criticando e ressignificando seu legado.

Esse projeto de rever o pai da psicanálise – com as reservas que a figura do pai sempre projeta, já diria Freud – se desdobra dentro e fora da clínica, contribuindo para uma discussão em sociedade e o cuidado com a saúde mental numa era marcada pela ansiedade das redes sociais e a faca de dois gumes da tecnologia.

Com a palavra, Gilson Iannini.


Vivemos um eterno retorno a Freud?

Gostei da expressão “eterno retorno a Freud”. Certamente! Freud é, sem dúvida, o autor que foi declarado morto mais vezes. Quantas vezes alguém já declarou que a psicanálise é coisa do passado, que Freud é uma fraude ou coisas assim? E, no entanto, se lê Freud. Para você ter uma ideia, uma nova tradução inglesa das “Obras completas de Freud” acaba de ser publicada, e com quatro volumes a mais. E essa nova edição procura restabelecer a conversa da psicanálise com as neurociências. No Brasil, editoras importantes disputam o legado freudiano e os livros estão sempre sendo reeditados.

Então, sim: vivemos um eterno retorno. Mas cada vez é um Freud diferente. Freud é um autor multifacetado, que escreveu sobre diversas facetas do sofrimento humano, sob ângulos e perspectivas as mais diversas. Sua obra é um manancial infindável de respostas, se soubermos fazer as perguntas certas, se soubermos desativar as lentes que nos cegam.

Freud é um autor que soube dar voz a quem não tinha voz, nem lugar de fala: deu voz às histéricas, silenciadas pelo discurso médico; deu voz aos homens que voltavam silenciados dos campos de batalha e cujo sofrimento era tratado como mero fingimento; deu voz e sentido à loucura e ao sonho, que puderam finalmente ser escutados como experiências demasiado humanas. Freud não se deixou cegar pelas luzes de seu tempo, e conseguiu enxergar, através das sombras, aquilo que, em cada um de nós, não se cala jamais.

Em seu último livro, o senhor propõe beber direto da fonte freudiana, de seus textos e ideias. Por quê?

Freud é um autor lido e relido dos mais diversos jeitos. A última grande empreitada de leitura sistemática e renovadora da obra de Freud foi empreendida pelo psicanalista Jacques Lacan, nas décadas de 1950 e 60. Usando ferramentas disponíveis no tempo dele, como a linguística estrutural, a etnologia e a dialética, Lacan conseguiu recuperar o gume da experiência freudiana, que tinha sido lida pela psicanálise americana de uma forma muito empobrecida. Mas, de lá pra cá, meio século se passou.


Hoje, dispomos de novas técnicas de leitura, mas também de novos problemas, que nos permitem encontrar em Freud verdadeiras pedras brutas, precisando ser lapidadas. Foram feitos muitos avanços na linguística, na antropologia, nas ciências e assim por diante. E muitas dessas novas descobertas são convergentes com camadas do texto de Freud que estavam meio à sombra – e que podem vir à tona hoje. Nossas sociedades mudaram bastante, nossas formas de sofrer mudaram, nossa forma de experimentar o prazer e o corpo mudaram, mas isso não nos transformou em pessoas mais felizes, menos sofredoras, pelo contrário.

Qual seria a mensagem mais relevante que a obra de Freud tem a dizer sobre esse não tão admirável mundo novo?

Não sei dizer se Freud é um mensageiro. Ele era bastante cético, mas não pessimista, quanto ao mundo. A cada passo que a humanidade dá para a frente, ela tropeça, cambaleia, volta uma casa… Depois volta a avançar. A história não segue uma linha reta. Mas, se eu precisasse escolher alguma coisa, diria que a verdade de cada um de nós não pode ser decodificada por algoritmos, por modelos, por identidades, por categorias diagnósticas. Nossa singularidade é onde a dor e a delícia de viver se entrelaçam. A palavra que fere também cura.


COLETÂNEA PARA APRESENTAR JUNG