Impacto na vida adulta de abusos sofridos na infância é diferente para homens e mulheres.

Impacto na vida adulta de abusos sofridos na infância é diferente para homens e mulheres.

Por Liam Davenport em 11 de abril de 2023, França .





O impacto psicopatológico de experiências traumáticas durante a infância é equivalente entre mulheres e homens, mas há diferenciais de gênero em relação ao tipo de trauma, segundo pesquisa.

Pesquisadores constataram que a violência emocional e sexual na infância afeta mais as mulheres, enquanto os homens, por sua vez, são mais prejudicados pela negligência emocional e física.

“Nossos achados indicam que a exposição a maus-tratos durante a infância aumenta o risco de sintomas psiquiátricos em homens e mulheres”, disse a primeira pesquisadora do estudo, Dra. Thanavadee Prachason, Ph.D., afiliada ao Departamento de Psiquiatria e Neuropsicologia do Maastricht Universitair Medisch Centrum, nos Países Baixos, em um comunicado à imprensa.

"A exposição a abusos emocionais ou sexuais durante a infância aumenta o risco de diversos sintomas psiquiátricos, especialmente para mulheres. Por outro lado, história de negligência emocional ou física na infância aumenta o risco de sintomas psiquiátricos mais para os homens [que nas mulheres]", acrescentou a Dra. Thanavadee.

Os achados foram apresentados no congresso de 2023 da European Psychiatric Association (EPA).

Um importante fator de risco para transtornos psiquiátricos

A apresentadora do estudo, Dra. Laura Fusar-Poli, Ph.D., psiquiatra afiliada ao Departamento de Neurociência e Ciências do Comportamento da Università degli Studi di Pavia na Itália, disse que as diferenças nos impactos relacionados aos diferentes subtipos de trauma em homens e mulheres indicam que tanto o gênero quanto o tipo de situação adversa vivenciada na infância precisam ser considerados em estudos futuros.

A Dra. Laura começou a apresentação destacando que 13% a 36% das pessoas sofreram algum tipo de trauma na infância, sendo que 30% delas foram expostas a pelo menos dois tipos de trauma.

O trauma já foi identificado como um fator de risco para diversos transtornos psiquiátricos.

"Estima-se que, mundialmente, cerca de um terço de todos os transtornos psiquiátricos esteja relacionado a traumas [vividos] na infância", disse o pesquisador sênior Dr. Sinan Gülöksüz, Ph.D., psiquiatra também afiliado ao Maastricht Universitair Medisch Centrum.

Consequentemente, "o trauma infantil é um dos principais fatores de risco evitáveis para [diversos] transtornos psiquiátricos", ele acrescentou.

Pesquisas anteriores sugeriram que o subtipo de trauma tem impacto nas alterações biológicas e nos desfechos clínicos, e que existem diferenças de gênero relacionadas aos efeitos do trauma infantil.

Para tentar compreender melhor essa questão, os pesquisadores analisaram dados do TwinssCan, um estudo de coorte belga com uma população de irmãos gêmeos e não gêmeos, de 15 a 35 anos, sem diagnóstico prévio de transtorno global do desenvolvimento.

O estudo incluiu 477 mulheres e 314 homens que responderam ao Childhood Trauma Questionnaire – Short Form (CTQ) e ao Symptom Checklist-90 SR (SCL-90), ferramentas usadas para determinar a exposição a situações adversas na infância e os níveis de psicopatologia, respectivamente.

Os resultados mostraram que os escores totais no CTQ foram significativamente associados aos escores totais no SCL-90 tanto em homens como em mulheres, e essa relação também foi vista em cada um dos nove categorias de sintomas do SCL-90 (p < 0,001 para todas as associações), que eram os seguintes: psicoticismo, ideação paranoide, ansiedade, depressão, somatização, obsessão-compulsão, sensibilidade interpessoal, hostilidade e ansiedade fóbica.

Não houve diferenças significativas entre homens e mulheres nas associações relacionadas aos escores totais no CTQ.

No entanto, quando os pesquisadores analisaram os subtipos de trauma e os níveis de psicopatologia, surgiram diferenças de gênero evidentes.

Eles encontraram uma associação significativa entre a violência emocional detectada no CTQ e os escores totais no SCL-90 tanto em homens (p < 0,023) como em mulheres (p < 0,001), sendo que essa associação foi significativamente mais forte em mulheres (p = 0,043).

A violência sexual teve associação significativa com os escores totais no SCL-90 em mulheres (p < 0,001). Por outro lado, a negligência emocional e física foi significativamente relacionada com os escores de psicopatologia em homens (p = 0,026 e p < 0,001; respectivamente).

“A negligência física pode englobar, por exemplo, situações nas quais a criança não tem o que comer, veste roupas sujas, não é cuidada adequadamente ou não é levada ao atendimento médico quando necessário”, disse a Dra. Thanavadee.

“A negligência emocional pode abranger sentimentos experimentados durante a infância, como não se sentir amado ou importante e não se sentir próximo da [própria] família.”

Nas mulheres, a violência emocional foi significativamente associada a todas as nove categorias de sintomas do SCL-90. A violência sexual, por sua vez, foi associada a sete categorias: psicoticismo, ideação paranoide, ansiedade, depressão, somatização, obsessão-compulsão e hostilidade.

Nos homens, a negligência física foi significativamente associada a todas as categorias de sintomas, exceto a somatização, enquanto a negligência emocional foi relacionada apenas com a depressão, relatou a Dra. Laura.

"Esse estudo mostrou uma consequência muito importante do trauma infantil, e não apenas em indivíduos com transtornos psiquiátricos. Gostaria de ressaltar que essa é uma população comum, composta de adolescentes e adultos jovens, que estão em uma faixa etária na qual a maioria dos transtornos psiquiátricos surgem, disse a Dra. Laura ao Medscape.

Ela reforçou que os transtornos psicóticos são apenas uma parte do "amplo espectro" de doenças que podem estar relacionadas a traumas infantis, os quais "podem ter um impacto em sintomas subclínicos capazes de afetar o funcionamento e a qualidade de vida da população em geral".

Comentando sobre os diferentes achados em homens e mulheres, o Dr. Sinan disse que as mulheres podem ser mais "vulneráveis do que os homens aos traumas [vividos] na infância", simplesmente porque "estão expostas a mais [episódios de] violência sexual e emocional".

No entanto, disse ele, isso é "algo que ainda precisamos compreender", considerando a provável existência de um mecanismo subjacente ao problema, "e não apenas um mecanismo biológico, mas também social".

O Dr. Sinan também disse que pode haver diferenças entre sociedades em termos do impacto causado pelo trauma infantil. "Nossa amostra era da Bélgica, mas o que aconteceria se realizássemos esse estudo na Itália ou na Índia?", questionou ele.

Comprometimento cognitivo e emocional

Comentando sobre os achados para o Medscape, a Dra. Elaine F. Walker, Ph.D., professora de psicologia e neurociência na Emory University nos EUA, disse que a exposição ao estresse em geral, inclusive ao trauma infantil, "tem efeitos transdiagnósticos sobre a vulnerabilidade a transtornos psiquiátricos".

“Esses efeitos são mediados principalmente pelo eixo hipotálamo-hipófise-adrenal, que induz a liberação de cortisol. Quando os níveis de cortisol se mantêm elevados, isso pode resultar em processos neurobiológicos que podem gerar efeitos adversos sobre a estrutura e os circuitos cerebrais que, por sua vez, comprometem o funcionamento cognitivo e emocional", disse a Dra. Elaine, que não participou do estudo.

Ela observou que, "embora seja possível que existam diferenças entre os sexos com relação à sensibilidade biológica a certos subtipos de trauma infantil, também é possível que as diferenças de gênero relacionadas à probabilidade de exposição a certos tipos de trauma sejam o verdadeiro fator [de risco] fundamental".

"Atualmente, não existem protocolos de tratamento específicos para a abordagem dos subtipos de trauma infantil; no entanto, terapeutas mais experientes têm incorporado as informações sobre a história individual de trauma no tratamento desses pacientes", acrescentou a Dra. Elaine.

Também comentando sobre a pesquisa, o Dr. Philip Gorwood, Ph.D., psiquiatra e coordenador na Clinique des Maladies Mentales et de l'Encéphale no Centre Hospitalier Sainte-Anne na França, disse que os resultados são "relevantes, visto que o trauma infantil é considerado um importante fator de risco para a grande maioria dos transtornos psiquiátricos; no entanto, [temos] pouco conhecimento sobre as especificidades em cada gênero".

“Entender quais aspectos do trauma são mais prejudiciais conforme o gênero irá facilitar as pesquisas sobre [como se dá] o processo de resiliência. Muitas estratégias de intervenção irão, de fato, se beneficiar de uma abordagem mais personalizada", disse em um comunicado o Dr. Philip, que não participou do estudo.

Congresso de 2023 da European Psychiatric Association (EPA): Abstract O0049. Apresentado em 27 de março de 2023.

Este conteúdo foi originalmente publicado no Medscape

https://portugues.medscape.com/verartigo/6509423?form=fpf#vp_3

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