Elucubrações sobre a Força, Fragilidade e Evolução! Três leituras e alguma ideias...

A Biosfera 2 foi uma tentativa ambiciosa de criar um ecossistema fechado e autossustentável no deserto do Arizona em meados de 1991. A ideia era simular as situações de uma estação fora do planeta terra e produzir um laboratório auto suficiente em alimentos e oxigênio... O projeto envolveu oito voluntários vivendo dentro da estrutura por dois anos, com o objetivo de simular uma colônia humana em Marte ou na Lua! Uma das coisa interessantes foram as tentativas de cultivar árvores nesse ambientes controlados, lhes trazendo água e nutrientes de forma ótima para o bom desenvolvimento destas...


Curiosamente, no ambiente fechado e autossuficiente montado para simular a biosfera terrestre, as árvores lá cultivadas não desenvolveram corretamente! Muitas até morreram 
ou não cresceram adequadamente, caindo sob próprio peso! Segundo estudos posteriores as árvores não desenvolveram a "resistência" necessária porque estavam protegidas do vento e de outras adversidades naturais.  Suas raízes eram incompatíveis com a função natural de sustentá-las 

Uma árvore criada na natureza é periodicamente empurrada pelas brisas, pelo vento e pela chuva... nessa contínua interação com o ambiente e com a natureza lhe dá uma firmeza progressiva e maleabilidade. Obrigando a criar RAÍZES que sejam compatíveis com o clima e com o terreno onde esta plantada.

O Matemático e financista Nassim Taleb menciona o programa Biosfera 2 em seu livro “Antifrágil”, usa o exemplo dessa experiência para ilustrar como sistemas protegidos de estressores externos acabam por se tornar frágeis. Taleb usa esse exemplo das árvores para argumentar que ele chama de a exposição a estressores e desafios parte são essencial para o desenvolvimento da condição de "antifragilidade". Isso quer dizer que sistemas que são protegidos de qualquer tipo de estresse tendem a se tornar frágeis e menos capazes de lidar com adversidades quando elas inevitavelmente surgem. Mas o contrário (sistemas que geram padrões rígidos) também são ruins, pois a rigidez não permitem adaptações e mudanças necessárias.

O "senso comum" nos faz crer que a "felicidade" e o "sucesso individual" não é muito diferente de uma grande maratona, que exige disciplina e perseverança. Poucas pessoas tem capacidade de suportar fracasso atrás de fracasso até alcançar a vitória. Mas afinal, é isso mesmo? E a estabilidade emocional se dá pela mesma estratégia?

Seja Forte?

Se buscarmos definições de
Força teremos em comum a noção de que é a capacidade de um corpo ou sistema de resistir a uma carga ou pressão sem se deformar ou quebrar. É algo que NÃO MUDA diante das circunstâncias e do ambiente. Algo que não muda sob pressão. 


Nassim Taleb chama a força de "Robustez", a capacidade de um sistema ou pessoa de resistir e se manter forte diante de desafios e adversidades. Em engenharia e ciência dos materiais, robustez refere-se à resistência de um material a falhas sob condições variadas. Não muda.

Uma pessoa que é extremamente rígida e inflexível em suas decisões, com ideas duras, recusando-se a considerar novas ideias ou adaptar-se a mudanças se percebe como uma "pessoa forte", determinada. Difícil até... Embora possa sentir-se forte, essa rigidez vai lhe trazer sérios problemas quando surgem situações inesperadas, pois a falta de adaptabilidade vai resultar em falhas. Falhas por ser rígido e inflexível. Então, o forte acaba sendo frágil!

Seja fragil?

Já a Fragilidade é a condição de algo ou alguém que possui pouca resistência e é facilmente alterado ou danificado. Pode ser aplicada em diferentes contextos: Física: Refere-se a objetos ou materiais que são delicados e suscetíveis a danos, como um copo de vidro. Emocionalmente se refere à sensibilidade e vulnerabilidade emocional de uma pessoa, que pode ser mais suscetível a estresse e ansiedade. Ou à vulnerabilidade de determinados grupos ou indivíduos em relação às condições sociais e econômicas, como pessoas em situação de pobreza ou idosos. Essas definições ajudam a entender como esses conceitos se aplicam em diferentes áreas e contextos. Se precisar de mais detalhes ou exemplos, estou aqui para ajudar!

Nesse contexto a Fragilidade seria
 uma pessoa que foi super protegida quando criança. Resguardada de perigos sociais, como criminalidade e violência, bem alimentada e com cuidados com a saúde. Ela naturalmente foi "educada" a evitar qualquer tipo de conflito ou desafio, foi incapacitada de adquirir ferramentas emocionais para lidar com conflitos, preferindo sempre a zona de conforto. Potencialmente essa pessoa será alguém que nunca tenta aprender novas habilidades por medo de se expor! Não esta acostumada a lidar com falhas. Essa pessoa é frágil porque qualquer pequena adversidade pode causar um grande impacto negativo em sua vida.

Da mesma forma, muitas crianças e adolescentes hoje foram podadas de experiências que lhe dessem parâmetros de frustração saudáveis e simplesmente não sabem lidar com opiniões adversas e alteridades. 

Nessa interpretação uma pessoa forte e uma pessoa frágil tem um problema comum: Respostas ruins as adversidades naturais da vida... e nesse sentido são iguais!

Segundo o psicólogo social Jonathan Haidt, pesquisador e autor do livro “A Geração Ansiosa: Como a infância hiperconectada está causando uma epidemia de transtornos mentais” o entendimento errado dos conceitos de "resiliência", de "força" e de "fragilidade" somados a cultura da hiperconectividade e o uso excessivo de telas estão reforçando os erros e afetando negativamente a saúde mental de crianças e adolescentes... e de adultos.


Brené Brown é uma pesquisadora Social e autora renomada, conhecida por seu trabalho sobre vulnerabilidade, coragem, vergonha e empatia. Ela argumenta que a vulnerabilidade não é uma fraqueza, mas sim uma medida de coragem. Segundo Brown, a vulnerabilidade é essencial para a autenticidade e a conexão genuína com os outros.

Em seu livro “A Coragem de Ser Imperfeito”, Brown explora como aceitar nossa vulnerabilidade pode nos levar a uma vida mais plena e significativa. Ela destaca que, ao nos permitirmos ser vulneráveis, estamos nos abrindo para experiências de incerteza, risco e exposição emocional, o que pode ser assustador, mas também extremamente recompensador. Brown inclusive aponta a importância de abraçar a vulnerabilidade no ambiente de trabalho inclusive, argumentando que líderes que evitam a vulnerabilidade tendem a evitar conversas difíceis e feedbacks honestos, o que pode levar a um ambiente de pouca confiança e inovação.

O caminho do meio: Não é a luta, mas Aceitar a fragilidade e as adversidades da vida! E se permitir A APRENDER com elas.

Assim como as árvores na Biosfera 2, que não desenvolveram a resistência necessária devido à ausência dos ventos, tão naturais no mundo externo, os seres humanos também precisam voltar a enfrentar desafios, adversidades e contrariedades para se tornarem verdadeiramente resilientes, diferente do que tem sido quando tutelados pelos algoritmos e suportes das redes sociais e "sites" de busca. Então não é exposição as dificuldades que é o maior problema, mas não se permitir interagir com DIVERSIADES de opiniões e pontos de vista divergentes que são responsáveis por fundamentarem a nossa capacidade de nos adaptar as idiossincrasias alheias, que são essenciais para o desenvolvimento da “antifragilidade”. Evoluir não é apenas "resistir" ao estresse, e se recondicionar, mas principalmente  se fortalecer "com" ele. Se permitir MUDAR!

Portanto, ao invés de buscar desenvolver uma posição rígida para com o mundo presumido ser "
força" e inflexibilidade para si mesmo, como uma armadura, é muito mais benéfico cultivar uma "resiliência adaptativa", que nos permita crescer e evoluir diante das adversidades. Buscar propositadamente conviver com pessoas que não tenham as mesmas afinidades e opiniões distintas nos torna melhores! A verdadeira força está na capacidade de se adaptar para prosperar, não na rigidez de vencer. Encara o que nos torna vulneráveis e as inevitáveis mudanças e desafios da vida depende de nos permitirmos nos expor e encarar o que a vida nos apresenta.

A rigidez na forma de pensar e sentir é antiadaptativa. A
o invés de nos isolarmos em bolhas de pensamento homogêneo, devemos buscar ativamente ambientes que nos desafiem a pensar de maneira diferente e a crescer com essas experiências. A rigidez na forma de pensar e sentir é, portanto, antiadaptativa e nos torna mais vulneráveis às inevitáveis mudanças e desafios da vida. Cultivar uma resiliência adaptativa, que nos permita prosperar em meio às adversidades, é a verdadeira força que devemos almejar



A era dos exaustos: por que estamos cada vez mais cansados?
Por Marília Marasciulo, com edição de Nathalie Provoste 22/09/2024

Cansaço vem se tornando reclamação tão comum e generalizada que está sendo chamado de "a grande exaustão".

Acompanhado do aumento alarmante em casos de burnout, fenômeno levanta questões sobre o porquê estarmos tão cansados e quais são as consequências disso.

Aumento dos casos de burnout levar pesquisadores a refletirem sobre o cansaço nos tempos atuais

O cansaço é tanto, que até atividades que sempre considerei relaxantes, como ir à praia, me parecem cansativas — ficar deitada na cama é mais atrativo do que a função de preparar a bolsa e arrumar tudo quando voltar. Quanto mais reclamo, porém, mais percebo que não sou a única.

Uma amiga me contou que se tornou o que ela mais temia: a pessoa que dorme no sofá por não ter energia para ir até a cama.

Outra disse sentir que está somente existindo, e tentando descansar entre trabalhar e voltar a trabalhar.

Uma terceira parou de se exercitar porque estava muito cansada para isso, mas acabou com menos energia do que antes.

O cansaço vem se tornando tão comum e generalizado que o fenômeno ganhou até nome: a grande exaustão.

Em um artigo publicado na revista The New Yorker em dezembro de 2023, o cientista da computação e professor da Universidade de Georgetown Cal Newport sugeriu que, no mundo pós- pandemia, o que começou como a grande renúncia (fenômeno observado a partir de 2021, quando um grande número de trabalhadores passou a pedir demissão) se transformou na grande exaustão.


“Alguma coisa ainda está errada e vai além dos desafios usuais da vida no escritório. Todos estão cansados”, escreveu Newport.

Pesquisas recentes sobre burnout, síndrome que tem como uma das dimensões o sentimento de exaustão, apontam um aumento alarmante de casos. Em junho, um levantamento realizado pela consultoria Boston Consulting Group com 11 mil trabalhadores de oito países revelou que 48% desse grupo está sofrendo de burnout.

No Brasil, a Associação Nacional de Medicina do Trabalho (ANAMT) estima que 40% das pessoas economicamente ativas sofram de burnout. E os afastamentos por burnout aumentaram quase 1.000% em uma década, segundo dados do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). 

“Certamente parece que a nossa era é a da exaustão, uma era caracterizada acima de tudo pelo cansaço, pela desilusão e pelo burnout”, escreve a historiadora cultural e especialista em burnout Anna Katharina Schaffner no livro Exhaustion: A History (Exaustão: Uma História, em tradução livre, publicado em 2016 pela Columbia University Press e sem edição no Brasil). Segundo a autora, a exaustão pode ser entendida não só como um estado físico, mental ou espiritual individual, mas como um fenômeno cultural mais amplo.



E, em sua obra mais recente, Exhausted: An A–Z for the Weary (Exausto: Um A–Z para os cansados, em tradução livre, publicado em janeiro deste ano pela Profile Books e sem edição no Brasil), Schaffner considera que o burnout é o sentimento que define o mundo pós-pandemia. Mas por que estamos tão cansados? E quais podem ser as consequências de tamanha exaustão?

Mal antigo Embora seja geralmente considerada uma aflição relacionada à vida moderna, a exaustão é um fenômeno milenar cujo próprio entendimento variou ao longo da história.

A exaustão é um estado que podemos quantificar cientificamente, ou é uma experiência completamente subjetiva?

É uma condição mental ou física?

É uma experiência individual ou sociocultural?

É realmente um problema da modernidade ou outros períodos da história também se consideraram os mais cansados?

Na Grécia Antiga, por exemplo, o poema épico Argonáuticas, de Apolônio de Rodes, sobre a expedição de Jasão e seus companheiros (os argonautas) em busca de um carneiro mitológico com pelagem de ouro, descreve a exaustão como resultante da influência da mente sobre o corpo.

Séculos depois, no período romano, o médico Galeno de Pérgamo aprofundou a teoria humoral do grego Hipócrates para sugerir exatamente o oposto: a exaustão seria o resultado de desequilíbrios no corpo, que então afetariam a mente.

Na Idade Média, virou sinônimo de uma falha espiritual e moral.

No Renascimento, os astros entraram no jogo: Saturno foi associado à exaustão por seus supostos vínculos com a melancolia e sua influência nos estados intelectual e existencial. O planeta era visto como moldador do intelecto por causa de sua posição como o mais alto dos planetas e, se não bem administrado, poderia influenciar as energias humanas e, potencialmente, provocar exaustão. 

Na era moderna, a partir principalmente do século 19, o entendimento sobre a exaustão ganhou contornos mais parecidos com os atuais: esse cansaço passou a ser visto como uma reação à urbanização, industrialização e os estresses da vida moderna.

Em 1869, o neurologista americano George Beard cunhou o termo neurastenia para descrever um quadro de exaustão física e psicológica que seria o resultado de fatores endógenos e exógenos — uma combinação de predisposição genética para ansiedade, depressão e para o cortisol (hormônio envolvido na resposta ao estresse) com situações que poderiam incluir desde um trabalho frustrante a problemas familiares. Entre os principais sintomas estavam as dores de cabeça e no corpo, fraqueza e dormência, dificuldade de concentração, transtornos do sono (insônia ou excesso de sono) e problemas gastrointestinais. Os tratamentos incluíam mudanças na alimentação, atividade física, repouso e psicoterapia. 

Meu argumento principal é que o burnout é como um canário em uma mina de carvão. Ele avisa que há um problema — Christina Maslach, professora emérita da Universidade da Califórnia em Berkeley

Pouco mais de um século depois, entre os anos 1970 e 1980, a neurastenia foi rebatizada de burnout, e o esgotamento antes relacionado a diferentes situações passou a ser atribuído somente ao trabalho.

No início dos anos 1970, o psicólogo alemão Herbert J. Freudenberger, que atuava nos Estados Unidos, sentiu napele os efeitos do excesso de trabalho: após um ano de uma rotina que incluía 10 horas de atendimentos em uma clínica privada durante o dia e mais um turno em uma reabilitação para dependentes químicos, ele não conseguiu levantar da cama no dia em que deveria sair de férias.

Resolveu então investigar o próprio episódio e, em 1974, publicou um artigo em que descreveu os sintomas do burnout e quem estaria mais propenso a sofrer dele — trabalhadores dedicados e comprometidos, que trabalham por muito tempo e muito intensamente, com pouco reconhecimento ou compensação financeira.

Mais ou menos na mesma época, a psicóloga Christina Maslach, professora emérita da Universidade da Califórnia em Berkeley, também iniciava suas pesquisas sobre burnout. Em 1981, ela desenvolveu o Maslach Burnout Inventory (MBI), um instrumento de avaliação psicológica composto por 22 itens de sintomas que têm relação com o esgotamento ocupacional.

Quase meio século depois, as três dimensões fundamentais do burnout identificadas pelo MBI — exaustão, despersonalização (ou ceticismo) e a baixa realização profissional — serviram como base para o entendimento atual da Organização Mundial da Saúde (OMS).

Antes descrito como um estado de exaustão vital, em 2022 o burnout passou a ser reconhecido na Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID) como uma síndrome resultante de estresse crônico no ambiente de trabalho.

Até onde vai o burnout?

A psicóloga Ana Maria Rossi, presidente da International Stress Management Association no Brasil (Isma-BR), destaca que, embora similares ou quase idênticos, burnout e grande exaustão não são sinônimos. “A grande exaustão é a sensação de que a pessoa está além dos seus recursos, mas não se configura como burnout porque não tem duas dimensões [despersonalização e baixa realização profissional]”, afirma.

Enquanto no burnout a pessoa culpa o trabalho pelas sensações desagradáveis, na grande exaustão as causas estariam mais relacionadas a incertezas, inseguranças ou falta de perspectiva. “Tenho visto uma deturpação muito grande do que é burnout, com o uso de termos como burnout da mulher, da maternidade digital. Não sei de onde as pessoas estão tirando essas informações, porque não tem pesquisa que ateste isso”, reforça Rossi.

O problema é que, desde o surgimento do termo burnout e a popularização do fenômeno, os limites entre a vida pessoal ou o lazer e o trabalho ficaram cada vez mais difusos. Para a psicóloga Emily Ballesteros, autora do recém-lançado A Cura do Burnout: Como encontrar equilíbrio e recuperar sua vida após o esgotamento (Editora Rocco, setembro de 2024), existem muitos espaços e situações não limitados ao ambiente do trabalho em que as pessoas podem ter os mesmos sinais e sintomas de burnout. “Não me parecia justo excluir essas experiências das conversas sobre burnout só porque elas aconteceram em um espaço diferente”, afirma Ballesteros, em entrevista a GALILEU. Ela divide o burnout em três categorias: por volume (quando há mais tarefas do que a pessoa consegue fazer), social (resultante do excesso de demandas interpessoais) e por tédio (desinteresse crônico pela vida). “Eu defino burnout como um estado de exaustão, estresse e desalinhamento (com os rumos que sua vida está levando) durante um período prolongado”, escreve no seu livro.

Se é difícil diferenciar burnout da grande exaustão ou mesmo outros transtornos que têm o cansaço como sintoma, talvez ainda mais desafiador seja definir quando essa sensação é motivo de alerta. “Embora as culturas ocidentais se preocupem em teorizar patologias centradas no esgotamento de energia, é interessante notar que, além do modelo prosaico de ingestão de calorias, não há atualmente modelos cientificamente aceitos para medir energia humana na medicina ocidental”, escreve Anna Katharina Schaffner em Exhaustion: A History.

Segundo a presidente da Isma-BR, dores musculares, distúrbios de sono (como insônia, excesso de sono, sono fragmentado ou prematuro) e problemas gastrointestinais são alguns dos sinais de que você pode estar esgotado. Ballesteros acrescenta que a exaustão não é somente física, mas também mental e emocional. “Dá para perceberbem rápido. Quando ficamos exaustos por muito tempo, nossas vidas começam a desmoronar um pouco”, afirma. Isso pode significar desde deixar de ir à praia por preguiça de limpar tudo depois, até adormecer no sofá com mais frequência, deixar de ir à academia ou aumentar a frequência dos pedidos de delivery. A longo prazo, a exaustão crônica pode ser um fator de risco para doenças como hipertensão e transtornos do humor como ansiedade e depressão.

A pioneira nas pesquisas sobre burnout, Christina Maslach, afirma que associar burnout a outros aspectos além do trabalho tem se tornado mais popular do que nunca, mas não é algo novo. “O problema é que quanto mais for usado de diferentes formas, menos significado passa a ter, por que o que não é burnout?”, aponta. Para a especialista, o mais importante é se questionar se chamar tudo de burnout nos ajuda a entender como o problema se insere em um contexto social mais amplo. “Meu argumento principal é que o burnout é como um canário em uma mina de carvão. Ele avisa que há um problema”, continua. O mesmo se aplicaria à grande exaustão, segundo Maslach. Mais importante do que tentar classificá-la é olhar para o fato de que é algo generalizado e compartilhado, e buscar compreender o que pode estar causando isso.

Sociedade do cansaço

Coincidência ou não, no mesmo período em que as pesquisas de burnout eram realizadas, a sociedade começou a passar por transformações que favoreceram o esgotamento. “Passamos de uma sociedade disciplinar, que tinha o paradigma da obediência, para um modelo empresarial, que tem o paradigma da ação”, avalia o sociólogo Elton Corbanezi, professor da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) e autor do livro Saúde mental, depressão e capitalismo (Editora Unesp, 2021). Enquanto na sociedade disciplinar as pessoas eram limitadas por uma negatividade externa que limitava suas ações, sem as máximas de obediência ao outro, do cumprimento da lei e do dever, nessa nova sociedade do desempenho o indivíduo vira uma espécie de “empresário de si mesmo”. Ele passa a ser o responsável por sua própria condição social, econômica e de saúde mental, em um excesso de positividade que faz tudo parecer possível. É a onda do “sim, nós podemos”: bastaria ter motivação, iniciativa e flexibilidade para realizar o que se deseja.

Embora à primeira vista tudo isso possa parecer sinônimo de liberdade, o sujeito acaba preso na exploração de si mesmo. Tal diagnóstico foi sintetizado pelo filósofo sul-coreano Byung-Chul Han, professor da Universidade de Artes de Berlim, no livro Sociedade do Cansaço (Editora Vozes, 2015). Na obra, Han avalia que esse excesso de positividade faz as próprias pessoas se cobrarem por resultados e produtividade. Ao fazerem isso, elas setornam tanto vigilantes quanto carrascas de suas próprias ações. É como aquela sensação de culpa que pode bater quando você se deitar no sofá sem fazer nada.

"A sensação de cansaço é subjetiva ou individual, mas a produção de exaustão é social. E uma sociedade que busca desempenho só pode produzir a exaustão ou o esgotamento." — Elton Corbanezi, sociólogo e professor da Universidade Federal.


O antropólogo Michel Alcoforado, que entre outros temas pesquisa sobre como as transformações tecnológicas alteram as formas de viver, concorda. Na visão dele, com o avanço das plataformas digitais, já vínhamos observando mudanças no perfil do trabalho, que acabou “engolindo a nossa vida de uma forma que não aconteceu com nenhuma outra geração”. “A pandemia exacerbou isso por uma digitalização mais intensa da economia e por nos fazer abrir mais nacos da nossa vida para a digitalização de uma forma que não estava dado antes”, opina o antropólogo, que recentemente lançou o livro De tédio ninguém morre: pistas para entender os nossos tempos (Editora Telha,2024). Nessa transformação, virou normal conversar com o chefe online a qualquer hora ou mesmo trabalhar durante as férias.

A pesquisadora Christina Maslach também destaca que, nos últimos tempos, temos ouvido cada vez mais que “temos que fazer mais com menos”. “Esse é basicamente o mantra do burnout. Nós somos péssimos em subtrair”, afirma. Segundo a especialista, é importante prestar atenção ao estresse crônico. “Isso significa sentir estresse todo o tempo ou na maior parte do tempo — não importa o que você faça, não importa quão duro você trabalhe. A gente [pesquisadores] sabe que as pessoas não se recuperam tão bem de estressores crônicos como se recuperam de estressores agudos ou ocasionais”, pontua.

Ao sermos pressionados a fazer mais com menos, talvez o mais grave é passarmos a vender até coisas que não deveríamos ter que vender, na visão de Alcoforado. Ele cita como exemplo o debate corrente sobre a priorização das soft skills (competências subjetivas, como a resiliência) em detrimento das hard skills (habilidades técnicas) no trabalho. “Isso me preocupa, porque colocamos à disposição do mercado não aquilo que sabemos fazer, mas aquilo que somos. E aquilo que somos, somos 24 horas por dia. Então estamos 24 horas por dia trabalhando, e nem sempre estamos sendo pagos para isso, o que traz esse sentimento de exaustão ad infinitum”, destaca.

No contexto pós-pandemia, a pressa para se ajustar de volta à normalidade pode ter contribuído para um “rebote” na forma de exaustão, observa Ballesteros. “Nós tentamos empurrar a pandemia para baixo do tapete muito rapidamente sem reconhecer os anos de vidaque as pessoas perderam e as mudanças no trabalho”, aponta. “Mas muito trabalho individual vem sendo feito para tentar criar esses bolsões de normalidade. Algumas pessoas estão conseguindo se ajustare se adaptar, mas outras estão realmente lutando.” O cansaço é um efeito lógico e esperado quando o indivíduo não consegue realizar os valores da sociedade em que está inserido, completa Elton Corbanezi.

Boca no trombone
Na visão do sociólogo da UFMT, aliviar ou mesmo solucionar a grande exaustão passa por repensar elementos da nossa sociabilidade que podem provocar esgotamento. Ele considera que a sociedade atual reconhece que existe um problema gravíssimo de saúde mental, mas tende a relacioná-lo a fatores socioeconômicos — e também não invoca uma transformação social. Além disso, ele compara a grande exaustão ao esgotamento climático e ambiental. “O capitalismo se mostrou insustentável durante dois séculos e agora tentamos falar em desenvolvimento sustentável. Isso envolve uma contradição grande, porque o modelo de desenvolvimento capitalista não é sustentável. Não adianta querer mudar o clima, tem que mudar o sistema”, diz.


Para Christina Maslach, é preocupante o fato de conhecermos as causas e as consequências do estresse crônico há décadas, e mesmo assim nada ter sido feito para realmente provocar mudanças. “Costumamos focar em como ajudar as pessoas a lidar com o cansaço, como fazê-las se sentirem melhor. A estrutura ainda aponta para a vítima e diz: a culpa é sua”, aponta. “Nós temos um ditadoem inglês que é ‘se você não aguenta o calor, saia da cozinha’ que eu acho que diz mais ou menos o mesmo, como se o problema fosse a gente, não a cozinha. Mas, alô, a gente poderia deixar a cozinha menos quente.” Ela reforça que isso não significa não ajudar as pessoas a se sentirem melhor; é só que essa não é a solução completa. É preciso olhar para o que está causando o problema.

"Colocamos à disposição do mercado não aquilo que sabemos fazer, mas aquilo que somos. E aquilo que somos, somos 24 horas por dia. Então estamos 24 horas por dia trabalhando." — Michel Alcoforado, antropólogo e autor de De tédio ninguém morre: pistas para entender os nossos tempos.

As psicólogas Ana Maria Rossi e Emily Ballesteros, porém, entendem que nem sempre é possível esperar por mudanças sociais. “Gosto de começar pelo aspecto individual só porque é o de que temos mais controle e é a abordagem de baixo para cima. E aí, quando você fez tudo o que podia no seu lado da rua, pode olhar para o outro lado; pode ver o que precisaria mudar para ajudar as pessoas em diferentes espaços”, afirma Ballesteros.

A lista de medidas individuais para evitar ou minimizar a exaustão é tão longa quanto óbvia: ter consciência dos próprios limites (e realmente respeitá-los); inserir na rotina momentos de pausa ou relaxamento (vale de caminhada a respirações profundas e até orações, para quem é religioso); cuidar da alimentação, evitando o consumo de bebidas alcoólicas e cafeína; praticar atividade física; regular o sono; cultivar relacionamentos (em alguns casos, um animal de estimação pode ajudar a trazer conforto); e priorizar momentos de lazer. Para que lidar com o próprio cansaço não se torne exaustivo, a presidente da Isma-BR sugere começar aos poucos. “Não adianta querer mudar tudo ao mesmo tempo, porque isso vai causar mais tensão, mais estresse e sensação de impotência”, pontua.

Nós tentamos empurrar a pandemia para baixo do tapete muito rapidamente, sem reconhecer os anos de vida que as pessoas perderam e as mudanças no trabalho
— Emily Ballesteros, psicóloga e autora de A Cura do Burnout: Como encontrar equilíbrio e recuperar sua vida após o esgotamento

Embora concorde que o problema não é individual e passa por uma solução coletiva, o antropólogo Michel Alcoforado considera que ações coletivas tradicionais — como sindicatos ou movimentos sociais — não dão conta de atender a indivíduos tão distintos. Nesse contexto, iniciar conversas ou simplesmente reclamar talvez seja “a grande sacada” em uma sociedade ordenada por discurso, segundo Alcoforado. É também o que sugere Anna Katharina Schaffner no epílogo de Exhaustion: A History. A autora destaca que é impossível provar se realmente vivemos no período mais exausto da história, mas pode ser que tenha se tornado mais aceitável articular e buscar remédios para o sentimento de estresse, cansaço e desesperança.

“Em um mundo totalmente individualizado, fica muito difícil pensar em uma solução global. Mas, individualmente, a gente precisa colocar a boca no trombone para coletivamente por isso como um problema no debate público”, opina Alcoforado. Na medida em que mais pessoas começassem a questionar o modo de vida imposto, a grande exaustão se transformaria em uma anomia (conceito usado para descrever uma situação em que os valores e regras que guiam o comportamento da sociedade estão enfraquecidos). Para o antropólogo, a conversa recém está começando — mas está acontecendo. “A exaustão é um sintoma e um resultado de um mundo que não faz mais sentido. Toda anomia é a porta de entrada para um caminho de transformação”, avalia. Resta saber quão exaustos estaremos para participar dessas mudanças.

CONVERSAS ANÔNIMAS: É possível se tornar uma pessoa fria?



Pergunta: É possível ser uma pessoa fria?

Resposta: Salvo pessoas profundamente doentes… ninguém “é” FRIO de fato. Existem CONDIÇÕES ESPECIAIS como nos “transtorno de personalidade esquizoide”, por exemplo. Pessoas com esse transtorno tendem a ser emocionalmente distantes, indiferentes e evitam interações sociais. Mas não parece o caso.

Pergunta: Como uma pessoa que tem “sentimentos intensos” pelo outro pode se tornar fria?

Isso é razoavelmente fácil. Na verdade, a psicologia trabalha com várias abordagens e perspectivas para explicar o comportamento humano e como ele pode mudar naturalmente ao longo do tempo.

NINGUÉM é um autômato com sempre as mesmas respostas e condutas. Uma pessoa pode ser afetuosa e passar a ser mais fria… SE as causas e condições lhe forem apresentadas.

A explicação do Comportamento nas TCCs (Teorias Cognitivo Comportamentais) enfatizam a importância do “ambiente” na formação do comportamento! O comportamento é moldado por contingências de reforço e punição.

Reforçado ele continua e progride... Punido... ele extingue.

Então a teoria sugere que nossas “interpretações” dos eventos afetam como reagimos a eles.

Isso quer dizer que a mudança de comportamento pode ocorrer através da “aprendizagem”, onde novos comportamentos são adquiridos (ser menos afetuoso e mais frio) e antigos (ser mais afetuoso e menos frio) são modificados. Isso pode ser influenciado por fatores internos (como a motivação) e externos (como mudanças no ambiente).

Você mesmo pode ser uma pessoa afetada pelo outro e passar a ser diferente com ela.

MAS A PERGUNTA QUE NÃO FOI FEITA É:

QUAL A UTILIDADE DISTO?

 E SE VALE A PENA esse esforço???

No final, o seu "projeto" tende a falhar
!

Você NÃO SABE o que te faz feliz... e esta focado em NÃO SOFRER...

Isso claramente só acontece com pessoas normais e emotivas.

Claramente a sua percepção de que faz uma pessoa feliz é frágil e mal orientada... O que só vai te trazer mais dor e sofrimento.

Lamentavelmente.

O que eu sugeriria no lugar do seu projeto?

Primeiro: Entendo que você possa ter passando ou presenciado momentos difíceis e que está buscando maneiras de se proteger do que viveu ou assistiu... Mas nenhuma vida que valha a pena viver acontece sem decepções e experiencias ruins.

A vida não é "feita" para ser agradável. Ela é uma oportunidade. Existem maneiras mais saudáveis de lidar com a dor e a decepção do que o embotamento das emoções e enaltecer o egoísmo.

Entenda, mesmo que a contra gosto você nasceu humano e isso EXIGE uma dose generosa de CONVIVÊNCIA para funcionar!

Para a nossas espécie conexões humanas são fundamentais para o bem-estar.

Ter relacionamentos significativos pode trazer alegria e apoio, mesmo em tempos difíceis. Você precisou de humanos para aprender a andar, comer e, inclusive, evacuar... Mas precisará aprender a lidar com as pessoas e a ESCOLHER companhias a sua vida toda.

Para isso, em vez de ser um incompetente emocional (narcisista adulto) seria muito mais inteligente aprender a lidar com VARIABILIDADES emotivas!

Pense nisso.

Em vez de passar a vida construindo muros e paredes a sua volta (gastando uma energia gigante nisso) Dedique-se a aprimorar as ferramentas emocionais que vai te preparar para "LIDAR" com a vida e as pessoas...

Entenda: ter "sentimentos intensos" É O MESMO que dizer que TEM MUITA POTÊNCIA EMOCIONAL!

Seria um desperdício deixar toda essa energia e potência presas em uma jaula...

Apenda a usar de maneira correta e poderá fazer qualquer outra coisa!




“Nenhum de nós é responsável por quem nos tornamos” - Robert Sapolsky:

Robert Sapolsky:

“Nenhum de nós é responsável por quem nos tornamos”

Robert M. Sapolsky é professor de ciências biológicas e neurologia na Universidade Stanford. Atua também como pesquisador associado dos Museus Nacionais do Quênia. É autor de diversos livros celebrados, entre eles Behave (Comporte-se), já lançado no Brasil.

Em livro o neurobiólogo e primatólogo norte-americano analisa o comportamento humano para entender por que agimos de determinadas maneiras


Você está tendo um dia difícil. Acordou com uma infiltração que alagou seu banheiro. Atrasou-se para uma reunião importante e isso quase custou seu emprego. Você deixa de almoçar para tentar compensar. Quando acaba o expediente, corre rumo ao fast food mais próximo para tentar matar a fome e a exaustão acumulada. Mas os atendentes não parecem ter entendido o conceito do restaurante e conversam tranquilamente enquanto preparam o hambúrguer. Passam-se dez, 12, 15 minutos. Você sente o coração acelerar, um calor sobe à cabeça, o corpo tensiona. E explode. Quando a raiva passa, você sente um misto de vergonha e humilhação pelo ataque de fúria. Mas, para começo de conversa, por que ele aconteceu?

Endocrinologistas diriam que o ataque veio de um excesso de testosterona. Neurologistas defenderiam que o estresse acumulado provocou uma descarga de neurotransmissores no cérebro, acionando o sistema de “luta e fuga”. Psicólogos e antropólogos talvez explicariam que isso ocorreu porque vivemos em uma sociedade imediatista que estimula a violência. Para o neurobiólogo e primatólogo Robert Sapolsky, porém, a resposta provavelmente está em todas as alternativas anteriores: a melhor maneira de explicar e entender os comportamentos humanos é com uma abordagem interdisciplinar.

Em Comporte-se: A biologia humana em nosso melhor e pior, lançado em agosto no Brasil pela Companhia das Letras, o cientista analisa as camadas que compõem atitudes violentas e bondosas, para buscar compreender por que agimos de determinadas maneiras e como nosso cérebro evoluiu em paralelo com a cultura. “Por que você fez o que acabou de fazer? Por causa da natureza do mundo antes disso ou daquilo. E, se você não tiver cuidado, antes que perceba, logo estará discutindo com alguém sobre o Big Bang e o Universo”, afirma Sapolsky, em entrevista a GALILEU.

O livro, cuja tradução chega por aqui quatro anos após o lançamento nos Estados Unidos, foi considerado um dos melhores do ano por jornais norte-americanos como Washington Post e Wall Street Journal. Apesar de parecer óbvio que os comportamentos humanos possam ser interpretados com base em diferentes áreas do conhecimento, nem sempre os cientistas levam em conta essas particularidades, e Sapolsky inova ao propor uma abordagem mais cronológica do que segmentada.

“Cientistas têm que ser incrivelmente estreitos em seus focos, porque eles gastam uma quantidade enorme de tempo e de conhecimento em apenas uma pequena área”, diz. “O perigo está em decidir que ela representa o universo inteiro e explica tudo.” A seguir, ele fala sobre o que descobriu em sua ampla pesquisa para escrever Comporte-se.

 GALILEU - Existem diversos tipos de comportamentos humanos, com suas diferentes complexidades. Por que decidiu escrever um livro focado em violência e gentileza?

Professor Robert M. Sapolsky - Além do fato óbvio de que a maneira como equilibramos os dois comportamentos determina que tipo de planeta nós temos, eles são incríveis simplesmente por causa do tema que domina o livro: você pode ter exatamente o mesmo comportamento, mas em um contexto ele pode representar gentileza; em outro, crueldade. E entender como isso funciona realmente é a questão para compreendermos o nosso comportamento. Todos podemos concordar que, por diversos aspectos, um comportamento pode ser completamente maravilhoso ou inapropriado, mas divergimos sobre quais são as circunstâncias que o qualificam. É um tema que me desafia emocionalmente.

 GALILEU - Em sua visão, quais são os aspectos mais fascinantes da relação humana com essas atitudes?

Professor Robert M. Sapolsky - Acho que é o jeito que a gente interpreta esses comportamentos dependendo do contexto, de quando são interações entre nós e alguém que é outro de nós. Entre nós e eles, ou entre dois deles. E como a gente interpreta isso observando, levando em conta com o que eles [violência e gentileza] se parecem, o que eles foram ou o que serão versus a nossa interpretação situacional. Quando analisamos certas culturas, é preciso ter em mente os tempos difíceis que seus membros passaram e o horror que podemos sentir com o que eles fazem, pensam, comem, e a nossa incapacidade de estender exatamente os mesmos critérios quando olhamos para nós mesmos. Então, é muito fascinante nesse contexto. Nós certamente não temos regras uniformes para decidir o que é bom ou mau.

 GALILEU - Para você, quais são os principais fatores que exercem influência sobre o comportamento de um indivíduo?

Professor Robert M. Sapolsky - Pode parecer que eu estou fugindo da questão ao dizer que realmente não dá para separar em pedaços tudo o que explica por que alguém fez algo a outra pessoa. Por que você fez o que acabou de fazer? Por causa da natureza do mundo antes disso ou daquilo. E se você não tiver cuidado, antes que perceba logo estará discutindo com alguém sobre o Big Bang e o Universo.

Mas no campo do nosso comportamento, é quando vemos, por exemplo, que os níveis de xenofobia de determinada sociedade são estatisticamente previstos pela maneira como ela lidou com uma doença infecciosa 5 mil anos atrás. Tudo se resume a uma constante fusão entre sermos nada mais, nada menos, do que a biologia que nos precedeu e o jeito que interagimos com o ambiente ao nosso redor. São listas e listas de coisas que não temos controle sobre.

"Tudo se resume a uma constante fusão entre sermos nada mais, nada menos, do que a biologia que nos precedeu "Robert Sapolsky, sobre aspectos que influenciam nossas atitudes

 GALILEU - A ciência tende a compartimentar tudo, a abordar as coisas colocando-as em diferentes "caixas". Quais são os riscos de fazer isso?

Professor Robert M. Sapolsky - Quero evitar ser muito autocongratulatório ao falar “pense de uma maneira interdisciplinar”. Cientistas têm que ser incrivelmente estreitos em seus focos, porque eles gastam uma quantidade enorme de tempo e de conhecimento em apenas uma pequena área. Uma vez eu gastei nove anos em meu laboratório trabalhando em um mesmo projeto até obter uma resposta. E parte disso é a ansiedade de descobrir novos fatos, [porque] você tem que aprender mais e mais sobre cada vez menos coisas.

O perigo, claro, é quando você decide pesquisar essa lasquinha de madeira em particular, porque é mais acessível, ou porque você se sente mais confortável com essa abordagem, ou não quer fazer mal às cobaias, ou perguntar coisas às pessoas e só quer ficar sentado sozinho em um laboratório escuro. O perigo está em, depois que você coloca toda a sua existência nessa pequena e estúpida lasca de madeira, decidir que ela representa o universo inteiro e explica tudo.

E essa é a parte mais fácil. Uma bem pior é quando você é movido por alguma ideologia que o faz ver que todas as respostas partem dessa lasca de madeira. Mas, sendo um tanto indulgente, acho que isso ocorre porque você passa tanto tempo pensando em algo que isso começa a se tornar cada vez mais importante para você.

 GALILEU - A respeito da Covid-19, vemos muitas pessoas endossando pontos de vista que podem se transformar em comportamentos perigosos, como a recusa em usar máscara ou se vacinar. Os humanos são a única espécie que adota atitudes de risco em nome de uma ideologia?

Professor Robert M. Sapolsky - Acredito que isso faz parte das lições e maldições pelas quais nos distinguimos das outras espécies. Não somos a única espécie que mata, mas somos a única que mata por causa da parte do corpo que a roupa de outra pessoa está mostrando. Somos a única espécie que mata porque achamos que nosso sistema econômico é melhor que o de outro país. Fazemos isso por uma série de motivos irreconhecíveis, além do que outras espécies são capazes.

E o que eu acho mais fascinante é que, quando fazemos algo assim, usamos os mesmos comandos, os mesmos neurotransmissores e os mesmos circuitos de quando um chimpanzé faz algo parecido. Mas, credo, fazemos isso da maneira mais estranha possível. Matamos pessoas cujos rostos nunca vimos antes; salvamos pessoas que nunca conhecemos. Nos apaixonamos por pessoas que conhecemos online, mesmo sem saber como são seus feromônios, de um jeito que nenhum outro primata consegue. No entanto, estamos usando os mesmos circuitos fundamentais do ponto de vista biológico.

 GALILEU - Quer dizer que, do ponto de vista biológico, não há explicação, mas os mecanismos são os mesmos de comportamentos com motivos biológicos?

Professor Robert M. Sapolsky - O melhor jeito de explicar é quando pegamos um neurônio nosso, o de um chimpanzé, o de um rato de laboratório e o de um caramujo marinho. E quando você os vê por um microscópio, eles se parecem iguais, funcionam igual e usam as mesmas moléculas. Quando um caramujo marinho começa a ser condicionado a fazer algum comportamento defensivo após tomar um choque, e quando nós, humanos, somos condicionados a decidir que odiamos determinado tipo de pessoa que não odiávamos antes, vemos que são as mesmas moléculas sendo usadas. Não são nem moléculas similares. Temos exatamente os mesmos genes que codificam a mesma fosfatase, por exemplo.

O que nos difere? Será que basta reunir neurônios suficientes e simplesmente surge a complexidade que nos caracteriza? E se você quiser transformar um chimpanzé em um humano, basta dar a ele três vezes mais neurônios que ele se tornará versado em teologia, ideologia e estética — provavelmente em diferentes maneiras, mas em igual complexidade? Esses fatores que me fascinam infinitamente.

 GALILEU - Um capítulo inteiro do livro é dedicado ao assunto “nós versus eles”. Considerando que o mundo parece estar se tornando cada vez mais polarizado, quais são as raízes dessa polarização?

Professor Robert M. Sapolsky - Há diferentes versões disso. Tanto o meu quanto o seu país tiveram exemplos incríveis de como o medo e o ressentimento podem conduzir movimentos políticos inteiros e resultar em desastres. Uma das coisas que fica bem clara quando refletimos é que justificamos nossos ódios, nossas lealdades e nossas decisões morais, e tentamos enquadrá-los de forma racional. Mas simplesmente não são. São apenas emocionais. É muito fácil apenas falar “Ó, meu Deus, essas pessoas estúpidas, sem coração, que estão presas no medo e na ansiedade”. E o exemplo americano desse tipo de ideologia que predominou nos últimos quatro anos veio dessa população inteira de cidadãos que costumavam compor este país, definir nossa cultura. Mas agora são um bando de pessoas brancas velhas como dinossauros, pouco educadas e bastante furiosas. Elas costumavam ser donas deste lugar.

"Somos a única espécie que mata por causa da parte do corpo que a roupa de outra pessoa está mostrando"Sapolsky analisa as particularidades do comportamento humano.

 GALILEU - O que você acredita que seja possível fazer para superar esse tipo de comportamento?

Professor Robert M. Sapolsky - A grande conclusão que tiramos ao tentar lidar com as piores versões disso é que você não pode chamá-los de volta à razão. Para começar, eles não agem racionalmente se não obtiverem suas demandas. E o que vimos nesses últimos tempos é que, por mais que você tente apresentar fatos que deveriam convencê-los a mudar, mais fortemente eles se agarram ao que já acreditam. Então você precisa entender quais são os fatores emocionais que levam uma pessoa a essa situação, porque certamente quaisquer explicações racionais que ela dê ou pense vêm depois do choque de tentar se justificar.

 GALILEU - Figuras políticas como Hitler sempre existiram e permanecem até hoje entre nós. Como o comportamento dos que seguem essas ideias retrógradas mudou ao longo do tempo? E qual o papel das mídias sociais?

Professor Robert M. Sapolsky - Acho que existe um conjunto de fatores que influenciam esse comportamento. São os padrões migratórios ao redor do planeta, que para nós [norte-americanos] se torna um problema mais inflamado do que no Brasil. É a globalização das economias, que creio que afete todo país em que os empregos podem migrar para lugares onde crianças de 10 anos trabalham em fábricas. Tudo isso contribui para o surgimento desses movimentos nacionalistas em alguns países.

E com as redes sociais, você simplesmente ouve seus próprios pontos de vista serem gritados no seu ouvido, 24 horas por dia se quiser. E, melhor ainda, elas dão as ferramentas para você decidir o porquê de o outro lado estar mentindo. É como uma barreira em que você pode passar a vida toda recebendo informações totalmente erradas, compartilhadas por pessoas que se parecem e agem como você, e com quem você mantém relações muito gentis. É um mundo todo seu, onde é possível ficar isolado.

 GALILEU - Você diz que devemos buscar entender nossos comportamentos para sermos melhores. O que uma pessoa deve fazer para entender suas próprias atitudes?

Professor Robert M. Sapolsky - Desconfiar de seus primeiros reflexos de julgamento e voltar uma segunda, terceira ou quinquagésima vez dizendo “de onde isso veio?”. Na verdade, isso se justifica no sentido de reconhecermos de onde vêm nossas vulnerabilidades emocionais e trabalharmos duro para entender o perdão que damos a nós mesmos. Porque é entendendo como chegamos onde estamos que compreendemos os processos internos de nossa mente. Todos os outros chegaram aonde estão por causa de suas próprias histórias e das coisas internas às quais não temos acesso.

Nós fechamos outra pessoa no trânsito porque estamos desesperadamente atrasados para uma reunião. Alguém nos fecha porque é um estúpido. Então precisamos entender isso, além da afirmação biológica de que nenhum de nós é responsável por quem nos tornamos. Se você acreditar realmente nisso, é impossível odiar qualquer um.

 GALILEU - Ao mesmo tempo, no livro, você diz não acreditar em livre-arbítrio. Se for assim, como entender nossos comportamentos pode nos ajudar?

Professor Robert M. Sapolsky - Precisamos nos reconciliar com a ideia de que somos organismos determinísticos. Na verdade, nós não decidimos mudar. Somos mudados pelas circunstâncias. E, dependendo do momento, a capacidade daquela circunstância de nos mudar daquela maneira já está definida. Além disso, se você tiver a mentalidade correta, ler sobre uma dessas pessoas que eu apresento no capítulo final do livro fará você fortalecer o circuito neural do otimismo. Dá uma sensação de eficácia. E isso é biológico. Você simplesmente fortalece o circuito que, de alguma maneira, acaba protegendo-a da neurobiologia do desamparo. Ou você fortalece o circuito que lhe ajuda a fazer uma coisa difícil quando está assustada ou quando é tentador fazer de outra maneira. Tudo pode ser alterado dramaticamente pelas circunstâncias. E, como resultado de aprender isso, a mudança ocorre.

 GALILEU - Em suma, você não pode mudar, mas pode mudar as circunstâncias para que elas então mudem você?

Professor Robert M. Sapolsky - Exatamente.

O "Narcisismo das Pequenas Diferenças", o "Dilema do Porco-Espinho" e "Filosofia da Diferença" de Deleuze entram em um bar...

 Neste vídeo se explora um fenômeno intrigante que Freud denominou "narcisismo das pequenas diferenças". Um conceito pouco discutido fora da psicanálise mas importante na antropologia social.


Quanto maiores as diferenças (econômicas, sociais, culturais), maior a chance de confrontos violentos. Ok!

Mas e quando as lutas mais acirradas ocorrem entre aqueles que diferem muito pouco entre si?

O conceito freudiano do narcisismo das pequenas diferenças – aquela estranha tendência de nos incomodarmos mais com aqueles que são "mais semelhantes" a nós ou mais PRÓXIMOS. Será que são essas pequenas diferenças que nos levam a excluir, discriminar e subjugar o outro? E como isso se manifesta em nossos relacionamentos pessoais, políticos e até entre nações?

O vídeo também aborda o "Dilema do Porco-Espinho" de Schopenhauer, a "Filosofia da Diferença" de Deleuze, e o conceito de Alteridade em Levinas, questionando como podemos lidar com a alteridade e coexistir em um mundo de interações sociais complexas.

Será que a chave para a harmonia está em reconhecer e valorizar essas pequenas diferenças, em vez de deixá-las nos dividir?


https://youtu.be/pYj04ZB7PFc?si=LL0sqA5F12D1QYrx

Pode não ter sido trauma! Ou Formulações sobre o papel da NEGLIGÊNCIA EMOCIONAL no Desenvolvimento Emocional Humano!

Pode não ter sido trauma!

Ou

"Formulações sobre o papel da NEGLIGÊNCIA EMOCIONAL no Desenvolvimento Emocional Humano"!

Para criar uma Criança é preciso uma Aldeia!


 Um rascunho.


Nossa espécie é incrivelmente FRÁGIL ao nascer… Diferente de uma tartaruga, por exemplo, que nasce sozinha de um ovo enterrado na areia de uma praia cheia de predadores, que cava sua saída do ninho, corre para o mar, e lá chegando já começa a caçar pequenos animaizinhos e a comer plantinhas…. tudo isso sem ajuda e nos primeiros minutos de vida. Nós não…

Nas palavras do renomado pediatra e psicanalista Donald Winnicott, nos primeiros meses de vida, o bebê está em um estado de dependência absoluta, necessitando de cuidados constantes e imediatos para sobreviver. E um bebe humano não nasce pronto para sobreviver… ele nasce INCOMPLETO fisicamente incompetente e NEUROLOGICAMENTE frágil. 


Durante esse período, o bebê não distingue entre si mesmo e o ambiente. Seu cérebro acredita que tudo é o bebê… Pois não entende a sua realidade a sua volta. Ouve mas não entende o que os sons significa… enxerga mal e não tem força… sente frio, calor, fome... e nada disso faz sentido.

Absolutamente TODOS os bebês humanos são dependentes dos ambientes onde estão. Física e Emocionalmente.

Sigmund Freud
 foi um dos primeiros a enfatizar a importância das experiências infantis no desenvolvimento da personalidade e na formação emocional, mas não foi o único.

Ainda nas palavras de Winnicott, os cuidadores (pais, avós, babás, quem estiver ao alcance do papel de cuidar da criança recém nascida) presentes são RESPONSÁVEIS por ajudar a constituir o AMBIENTE que vai ser FORMADOR do que a criança irá se tornar.

O conceito de “mãe suficientemente boa”, que é a mãe (estende-se a QUALQUER UM que se coloque na posição de cuidador da criança, não exclusivamente a mulher que pariu) que consegue atender às necessidades do bebê de forma consistente e adaptativa. Essa “mãe” cria um ambiente seguro que permite ao bebê desenvolver um senso de confiança e segurança. Preocupação Materna Primária Este é um estado psicológico que a mãe entra durante as últimas semanas de gravidez e as primeiras semanas após o nascimento. Nesse estado, a mãe está altamente sintonizada com as necessidades do bebê, o que é crucial para o desenvolvimento saudável do bebê.

John Bowlby, psicanalista, psiquiatra e psicólogo britânico, notável por seu interesse no desenvolvimento infantil e por seu trabalho pioneiro na teoria do apego, argumentou que os vínculos formados entre a criança e seus cuidadores primários são fundamentais para o desenvolvimento emocional saudável.

Jean Piaget, embora seja mais lembrado por seu trabalho sobre o desenvolvimento cognitivo, também reconheceu a importância das experiências precoces no desenvolvimento emocional e social. Assim como Lev Vygotsky, Erik Erikson, Melanie Klein… Não faltam autores dedicados a escrutinar como a construção emocional do Adulto são dependentes dos primeiros Ambientes Emocionais e da qualidade da segurança emocional das crianças!

Evolutivamente somos PROGRAMADOS PARA DEPENDER dos cuidadores que deveriam nos trazer conforto, nutrição e segurança ideal para o nosso desenvolvimento como bebê. FAZ PARTE DO PROCESSO DE ANIMAIS SOCIAIS!

Crianças brincando em Gaza.
MAS E SE NÃO FOR UM BOM AMBIENTE? Se for um ambiente insuficiente? E se o ambiente afetivo ou material ao qual a criança recém nascida estiver inserida NÃO for o mais adequado para um bom desenvolvimento? Apesar de toda a nossa fragilidade, AINDA TEMOS FERRAMENTAS que a evolução separou para a criança se tornar um adulto… minimamente eficiente?



Sim. Como foi dito antes, Crianças se ADAPTAM ao ambiente que os cuidadores entregam… Aprendem em quem podem confiar e o que podem fazer para conseguir atenção e afeto!

Em ambientes saudáveis a criança aprende o que é “ela” e o que são os outros…


Mas E SE O AMBIENTE NÃO É MINIMAMENTE SAUDÁVEL??? Bom, por uma questão evolutiva a criança humana constituiu ferramentas que constroem uma espécie de HIERARQUIA DO MENOS PIOR!


E ISSO É IMPORTANTE!


Na ausência de um ambiente “ótimo” todas as crianças procuram valorizar o que tem para evitar o RISCO de ficar SEM AO MENOS ISSO!!!

Percebe? Se a criança tem de escolher entre um ambiente INSUFICIENTE, mesmo que numa relação apática, pelo medo da possibilidade de arriscar ficar sozinha… a criança aprende a SUSTENTAR a relação insuficiente!!! Aceitando como NORMAL. Natural e até inescapável!


Mesmo se tóxicas?


Sim, mesmo que tóxica!

Adultos não precisam sofrer traumas agudos de violência e/ou sofrimento drástico para desenvolverem FERIDAS EMOCIONAIS GRAVES!!!

Basta que o seu ambiente original tenha sido NEGLIGENTE EMOCIONALMENTE em construir uma relação segura de afeto, conforto, nutrição e alguma estabilidade. Um ambiente de negligência emocional básica é aquele onde as necessidades emocionais de uma pessoa, especialmente quando criança, não são atendidas de forma minimamente adequada.

Isso pode ocorrer de várias maneiras, como quando os pais ou cuidadores não oferecem suporte emocional durante momentos difíceis... Ignoram ou minimizam os sentimentos das crianças desvalorizando-os.

Por exemplo, na falta de respostas a sinais emocionais, como choro ou sorriso, e falta de iniciativa para interagir e se conectar emocionalmente. As necessidades emocionais das pessoas, quando não são reconhecidas ou são tratadas como relevantes nesses tipos de ambientes podem levar a problemas como baixa autoestima, dificuldade em manter relações interpessoais, e até distúrbios psicológicos mais graves. É importante estar atento a esses sinais e buscar ajuda profissional se necessário.

Ninguém gosta de sofrer…

Mas TODOS preferem (inconscientemente) o insuficiente… SE foi educado pela vida a crer que o insuficiente é tudo que lhe é possível ou é tudo que merece.

A menos que se permita MUDAR essa estrutura neurótica.




COLETÂNEA PARA APRESENTAR JUNG