Começa aqui na parte 1
Aproveitando o lançamento da edição em português do livro Up from Eden, com tradução de Ari Raysnford, apresentamos uma entrevista exclusiva com Ken Wilber (se não o conhece, leia antes a introdução).
1. Qual sua posição em relação ao movimento New Age, já que muitos críticos assim identificam seu trabalho?
É comum que meu trabalho seja incluído no movimento New Age. Contudo, eu tenho sido bastante crítico desse movimento. Considero que, embora a maioria de suas ideias apontem na direção correta, elas basicamente não chegam a lugar nenhum.
Eu não concordo, por exemplo, com o fato de que muitos deles acreditem em astrologia. Não que eu tenha algo contra a astrologia, o fato é que já foram feitos centenas de testes utilizando astrólogos conhecidos e todos falharam. Não existe nenhuma evidência de que a astrologia funcione; sendo assim, a maioria das teorias em que o movimento New Age se baseia estão erradas por seguirem premissas desse tipo.
Penso que a crença de que eu seja um adepto do movimento New Age, quando na verdade eu seja um crítico dele, venha da mídia, jornais e revistas que na realidade não entendem muito bem a espiritualidade e assim rotulam um tanto levianamente meu trabalho sem entenderem todas as nuances e sutilezas que estão envolvidas.
2. E quanto à psicologia transpessoal?
Quando eu comecei a escrever, era comum dizer que haviam quatro escolas de psicologia: psicanalítica, behaviorista, humanista e a transpessoal. Eu comecei escrevendo como psicólogo transpessoal, mas ao longo de dez anos eu pude constatar que a psicologia transpessoal apresentava muitas deficiências, não abria espaço para incluir muitas das verdades importantes das outras escolas.
Então eu formalmente me distanciei da psicologia transpessoal e passei a chamar aquilo que estava fazendo de psicologia integral. Naquela época, nos Estados Unidos, entre um terço e talvez a metade dos psicólogos transpessoais vieram a mim e passaram a se identificar como psicólogos integrais. O termo integral foi selecionado para tentar dar uma indicação de que incluíamos todas aquelas escolas de psicologia na tentativa de desenvolver modelos mais abrangentes.
3. Você escreveu um livro chamado “Uma Teoria de Tudo”. Você têm uma teoria para tudo ou isso é uma paródia?
O título foi uma brincadeira que fiz. A razão porque escolhi esse título é que, de fato, no mundo da física existe uma busca daquilo que se convencionou chamar “Uma Teoria de Tudo”.
O que eu quis fazer foi dizer:
Espere um pouco, o que vocês estão chamando de “tudo” na realidade engloba uma parte muito pequena do mundo. Ao chamá-la de tudo e ao dizer que vocês têm uma teoria para tudo, vocês estão sendo incrivelmente reducionistas, ligando-se a um materialismo incrivelmente limitado onde não há espaço para o mundo interior: a consciência, as emoções, os valores, o bem e a beleza.
Vocês reduzem o mundo a quatro forças – força nuclear forte, força nuclear fraca, força eletromagnética e força gravitacional –, alegam que essas são as únicas forças que existem na natureza e assim, na teoria de tudo, vocês mostram apenas como essas forças interagem.
Bem, não resta dúvida de que seria uma descoberta importante se, de fato, fosse possível criar um único modelo físico que englobasse toda a realidade do mundo em que vivemos. Contudo, eu dei esse título para caçoar dessa noção de que você pode reduzir tudo a um punhado de partículas.
Uma outra razão porque eu usei esse título foi porque, se você quer uma teoria que vai falar sobre tudo, então eu ofereço um modelo que, pelo menos, engloba muito mais aspectos da realidade. Este meu livro foi, portanto, uma maneira de chamar a atenção para o fato de que a busca desse tipo de materialismo científico é, na realidade, uma filosofia muito pobre. Um alerta para que as pessoas tenha cuidado com esse reducionismo simplista.
Link YouTube | Tudo o que você pode descrever sobre si mesmo não é você mesmo.
4. Os temas da religião, ciência e espiritualidade são constantes em sua obra. Como você os entende?
Eles são claramente três das mais importantes disciplinas que os seres humanos abraçam e são variações do Bem, da Verdade e da Beleza (ou Moral, Ciência e Arte).
A ciência, naturalmente, é muito importante por causa dos insights e a verdade que ela propicia nas dimensões objetiva e interobjetiva. As ciências trouxeram uma contribuição enorme ao mundo moderno e pós-moderno nos dando de tudo, desde a cura de doenças até nos colocar na Lua. É claramente uma parte importante do esforço humano no mundo.
Já a espiritualidade e a religião são interessantes porque ambas estão se tornando cada vez mais separadas.
É comum para as pessoas nos Estados Unidos dizerem que “São espirituais mas não religiosas”, ou seja, elas estão separando ambas, elas se identificam com o espiritual mas não com a religião, existe algo sobre a religião que eles não apreciam e existe algo na espiritualidade que eles gostam e esta é a razão deles se definirem daquela forma.
A espiritualidade significa uma consciência mística de uma experiência imediata, que passa diretamente por alguma forma de experiência que não pode ser descrita como parte de alguma mitologia ou dogma, mas pura e simplesmente uma experiência imediata. A religião para essas pessoas significa as formas institucionais de religião e seus mitos, crenças e dogmas; e elas não se sentem mais confortáveis com esse tipo de religião mas se sentem confortáveis com aquilo que eles denominam de espiritualidade, que consiste em não acreditar em dogmas e sim em um processo que emerge na consciência pessoal.
Claramente ambas existem e são importantes para os seres humanos. Provavelmente cerca de 60% da população mundial frequenta algum tipo de religião institucional, seja ela islamismo, judaísmo, cristianismo, budismo ou hinduísmo, eles acreditam em seus fundamentos, sendo muito importante o significado de tudo isso em suas vidas.
Essas questões são centralmente importantes para a condição humana e , assim, continuo a escrever sobre ciência, espiritualidade e religião em uma tentativa de mostrar como elas se fundem e como elas podem ser incluídas em uma visão de mundo coerente.
5. Em 2007, o Dr. James Watson, co-descobridor da hélice dupla do DNA, prêmio Nobel de 1962, fez declarações interpretadas como racistas, estimulando a imagem popular do gênio científico a serviço do mal. Como podemos entender esse paradoxo?
Esta é uma das razões por que é importante olharmos todos os cinco elementos que compõem o Modelo Integral. O que descobriremos quando olharmos as linhas de desenvolvimento é que elas podem se desdobrar de uma maneira muito desigual. Este é o caso de alguém que é altamente desenvolvido cognitivamente, mas moralmente subdesenvolvido.
É um fator importante para se levar em conta para entendermos alguns desses tipos de declarações. Os racistas são indivíduos que podem apresentar um desenvolvimento cognitivo alto e um desenvolvimento moral muito pobre, e o fato de que eles obtenham alta pontuação em testes de Q. I. não significa que esses pontos possam ser traduzidos em feitos concretos – estamos falando de inteligências múltiplas.
6. Frijof Capra e Amit Goswani, que professam um “novo paradigma” misturando física quântica com religião, e ateus no outro extremo – Richard Dawkins, Hitchens, Dennett e Sam Harris – parecem nadar contra a corrente daquilo que você vem propondo. Qual sua posição frente a essas tendências do debate contemporâneo?
O que eu tenho a dizer é que ambos os lados estão errados.
Começando com Richard Dawkins e cia, eles estão simplesmente negando todas as formas de espiritualidade. O que isso quer dizer, na maior parte das vezes, é que eles estão negando as formas literais e míticas da religião.
Abordando a questão no nível científico, eles naturalmente descartam o nível mítico, crítica com a qual eu concordo em parte, contudo existem outros tipos de espiritualidade que precisam ser reconhecidas e entendidas.
Eles simplesmente jogam ralo abaixo o bebê junto com a água do banho.
O outro grupo, do Tao da Física, está querendo dizer inocentemente que as afirmações da física quântica e os ensinamentos das tradições de sabedoria são idênticas.
Eu até entendo o que eles estão querendo dizer, porém eu não acredito que seja verdade.
Penso que tanto a mecânica quântica quanto a espiritualidade sejam verdadeiras mas não creio que a física quântica possa provar ou demonstrar a não-dualidade espiritual.
Em primeiro lugar, a mecânica quântica é um esquema de símbolos de terceira pessoa: quando você experimenta a mecânica quântica você não está tendo nenhuma experiência mística, você está apenas lidando com um esquema de símbolos matemáticos.
É essa operação matemática que eles dizem ser mística, mas não há nada de místico na mecânica quântica. Portanto, em todo esse debate ambos os lados cometeram grandes erros.
Eu até posso concordar em parte com o que eles estão dizendo, mas essencialmente eles estão assumindo posições incorretas em termos de espiritualidade.
Link YouTube | Sátira ao filme new age “What the bleep do we know” (“Quem somos nós”), com falas de Amit Goswami.
7. Você escreveu um romance criticando o narcisismo da geração Baby Boomer (Boomerite, 2002). O que você pensa sobre essa nova geração que vive a era da Internet e parece ficar confusa entre o mundo real e o virtual?
Tenho um sentimento confuso com relação a essa questão porque a impressão que tenho é que há um desnível entre o que eu percebo por estar lidando diretamente com os jovens no Instituto Integral e o que parece estar acontecendo lá fora.
Os jovens com os quais eu travo contato me parecem surpreendentes: não são narcisistas, são inteligentes e demonstram possuir um desenvolvimento saudável. Parece, assim, ser uma grande geração.
Contudo, algumas das coisas que eu leio sobre essa geração são de fato perturbadoras.
Nos Estados Unidos, por exemplo, alguns alunos recentemente graduados das escolas secundárias receberam testes para medir o Q.I. e também para avaliar o seu grau de narcisismo.
De acordo com esses testes parece que essa geração é a mais narcisista de todos os tempos.
8. Quais são as principais características do novo milênio e quais são os desafios que atualmente a humanidade precisa enfrentar?
É interessante notar que pela primeira vez na história os principais problemas mundiais são globais e são essencialmente provocados pela ação do homem – e isso inclui coisas como a crise global financeira, a crise ambiental das mudanças climáticas e o terrorismo.
Essas questões são de fato globais, são tendências transnacionais e não há nada que uma nação individualmente possa fazer. Então, estamos enfrentando não apenas problemas que são globais em sua natureza, mas que exatamente por isso as suas soluções precisam, também, ser globais.
Agradecimentos
Gostaria de agradecer ao Dr. Ari Raynsford, o maior especialista na obra de Ken Wilber no Brasil, que gentilmente me recebeu em sua casa me esclarecendo sobre diversos pontos da vida e da obra wilberiana.Deixo também um abraço para o pessoal do PapodeHomem, que abriu um espaço para um autor tão importante quanto desconhecidos por muitos brasileiros.
E aguardo seus comentários. Já conheciam Ken Wilber? Ficaram instigados para ler mais?
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