Postado no encarte "Ilustrada" da Folha de S.Paulo
Por CAMILA CARON e SILVANA ARANTES
Prestes a ocupar a faixa das 18h da Globo, a novela "Joia Rara" mistura a filosofia budista a uma história de amor proibido na década de 1930.
A joia rara em questão é a filha do casal de protagonistas reconhecida como reencarnação de um mestre budista dos Himalaias, que ajudou a salvar a vida de seu pai.
Caio Blat interpreta o monge Sonan
A exemplo do que ocorreu com outros folhetins do canal abordando temas espirituais, a trama já é discutida por seguidores do budismo.
"Para mim, eles já começaram errado. Não se pode colocar a reencarnação numa novela", diz o lama (professor) Zopa Norbu, do centro de difusão do budismo dos Himalaias Jardim do Dharma, em São Paulo.
"No budismo se ensina isso, mas não é um conhecimento para se colocar numa novela, para [ser visto por] milhões de pessoas que não têm essa crença", diz o lama.
Na opinião dele, o alcance da novela pode despertar "o problemão" da intolerância religiosa. A melhor das hipóteses, para Norbu, é que a audiência ignore os aspectos budistas "e veja simplesmente como uma novela".
Já Thelma Guedes, que divide a autoria da novela com Duca Rachid, afirma: "É um erro subestimar a capacidade do público de receber os temas. O público espera ver um folhetim. Se você o fizer, com os clichês que estruturam esse gênero, e abordar dentro dessa estrutura qualquer outro tema, o público estará disponível para recebê-lo".
A lama Sherab, professora residente no Templo de Três Coroas (RS), afirma que "existe o risco de haver um entendimento pela metade" a respeito do budismo, mas diz estar "superfeliz" com a oportunidade de divulgação.
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Particularmente eu não sou contra a novelas sobre tema algum. Nem exatamente a favor, só não assisto nenhuma novela a muitos anos por não ser uma mídia que me atraia, mas reconheço que é uma das que tem alcance mais amplo no país. Mesmo assim me incomoda e preocupa imaginar a maneira que será abordada uma filsofia/religião tão complexa e cheia de facetas como o Budismo.
E que escolheram sustentar a novela exatamente sobre a questão mais complexa de todas: a diferença entre "reencarnação" e "renascimento". Pode surpriender muitos leitores, mas no Budismo não existe reencarnação.
NO BUDISMO NÃO EXISTE REENCARNAÇÃO! ! !
NO BUDISMO NÃO EXISTE REENCARNAÇÃO! ! !
NO BUDISMO NÃO EXISTE REENCARNAÇÃO!
Existe popularmente uma pré-concepção equivocada de que a doutrina budista defende a existência da reencarnação. Não tenho bem certeza de como esta questão teve origem, mas o que se costuma chamar de reencarnação é de fato impossível de acontecer segundo o ensinamento budista.
Entre os ensinamentos mais básicos do budismo, estão os da IMPERMANÊNCIA, o da INTERDEPENDÊNCIA (ligada à origem condicionada dos fenômenos), e o do "Não-Eu" (Anatta em Pali, Anatman em Sânscrito). O renascimento (ou emanação) descrito pelo Budismo é em vez disso uma herança de agregados impermanentes, não de uma verdadeira identidade permanente, que não migra para uma pessoa em particular mas gera efeitos em todas as que são influenciadas pela primeira. Assim como as ondas de uma pedra jogada em um lago.
Em uma imagem mais clara e simplista:
Em uma imagem mais clara e simplista:
- Reencarnação seria como se uma pessoa deixasse uma roupa e vestisse outra, uma mesma pessoa/alma imortal migrando entre vidas distintas
- Já o renascimento seria como se as "peças de roupa" assim como os órgãos e bens que um dia fizeram parte daquela pessoa fossem distribuídas entre outras pessoas e somadas as que cada um já trazia.
Ou seja, segundo o budismo a existência de indivíduos independentes é uma ilusão temporária. Todos somos resultados de muitas ondas e reflexos, continuamente influindo e gerando novas ondas.
Por vias diferentes, tanto o ensinamento Theravada quanto o Mahayana afirmam claramente que é um equívoco pensar em termos de reencarnação, já que não existe uma alma para reencarnar.
Existe, sim, no budismo a importante ideia de RENASCIMENTO ou EMANAÇÃO, que infelizmente tem sido vista com excessiva frequência como sendo equivalente à de reencarnação.
A reencarnação ocorre sempre com a rigorosa transferência de méritos (ou deméritos) de um indivíduo específico para uma continuação sua em uma outra vida como outro único indivíduo. Esses dois indivíduos vivem em épocas diferentes e podem de fato estar muito separados tanto pelo tempo quanto pelo espaço, no entanto, supõe-se que sejam ambos a mesma pessoa.
Pode haver diferenças de língua, nível de instrução, metas de vida e experiências de vida, mas ainda assim em algum sentido são "a mesma" pessoa noutra “roupa” ou aparência. As culturas de duas supostas vidas de um indivíduo reencarnado podem ser completamente alienígenas uma em relação à outra, mas ainda assim é "o mesmo" espírito. Essa crença não pode ser considerada budista.
Não porquê esses “reencarnados” teriam forçosamente uma essência pessoal permanente, uma alma, um ATMAN, conceito hinduísta especificamente refutado pelo Buda. Esta seria capaz de transcender tanto a INTERDEPENDÊNCIA quanto a IMPERMANÊNCIA que moldam sempre nossas vidas e nossas personalidades.
Claramente, certa ou errada, a ideia de reencarnação contradiz os ensinamentos budistas.
Terei de aguardar mais um tempo para poder ver que forma de apresentação e que consequências terá esta novela.
Acredito que ela terá chance de trazer a público uma importante maneira de desenvolvimento espiritual e espero que ela seja caricaturada o menos possível e que a divulgação do Budismo possa trazer frutos positivos a muitas pessoas.
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