O jeito certo de se matar






Escrito por Brad Warner



Eu não conhecia Tyler muito bem, mas vários amigos meus sim. E eles ficaram muito tristes quando Tyler se matou ano passado.

Isso levou as pessoas a me perguntarem – e não pela primeira vez – qual é a opinião budista sobre o suicídio. Eu dei a mesma resposta que dou quando me perguntam sobre a visão budista do aborto: não sei muito bem. O que diz bastante sobre o budismo. Imagine uma pessoa que estudou e praticou o catolicismo por quase trinta anos sem saber qual é a opinião da Igreja sobre aborto ou suicídio. Simplesmente não é possível. Porque esses são assuntos muito sensíveis para os católicos. O fato de eu não ter uma resposta pronta para essa pergunta mostra que esses não são temas fundamentais para budistas da vertente zen.

Os suicídios por autoimolação muito famosos, executados por certos budistas no Vietnã, Tibet, e em alguns outros lugares, levou algumas pessoas à conclusão de que o budismo vê o suicídio como um ato nobre. O que não é verdade. Suicídio geralmente é enquadrado como algo a ser evitado, pois ele levaria a um renascimento menos auspicioso. Não se acredita que alguém é condenado ao inferno para sempre, da maneira como a tradição católica prega, mas sim que essa pessoa estará estabelecendo condições que farão seu próximo nascimento mais difícil do que a vida que ela decidiu terminar prematuramente. Isso porque o suicídio causa muita dor e sofrimento para aqueles que conhecem e amam a pessoa que comete o ato.


Eu mesmo lido com toda essa história de renascimento com bastante ceticismo. Mesmo que nós realmente renasçamos depois de morrer, como alguém pode dizer que tipo de vida uma pessoa provavelmente terá, sabendo apenas que ela se matou? Há muito mais na vida de um indivíduo do que apenas a maneira como acabou. Para aqueles que acreditam em renascimento, a totalidade da vida da pessoa é que determina como ela irá renascer, e não somente a última coisa que fez.

Ao lidar com o suicídio de alguém, especulações vagas sobre renascimento não ajudam muito. É uma maneira de evitar a verdadeira questão: O que fazer para lidar com o fato de que alguém que amamos se matou? Ninguém sabe o que fazer ou dizer quando algo do tipo acontece. O mais importante é ser solidário. Discutir que tipo de próxima vida a pessoa provavelmente terá não é se solidarizar, eu diria.

Eu estava perigosamente perto de me matar num dia ensolarado na primavera de 1992. Minha vida era uma merda. Eu estava morando numa casa decrépita punk rock em Akron, Ohio. Minha namorada tinha me largado. Não tinha dinheiro, habilidades ou perspectivas. Eu tinha lançado cinco discos por uma gravadora indie que conseguiram algumas críticas boas mas que não saíram do lugar em termos de vendas. Meus sonhos de fazer dinheiro como compositor e músico obviamente não iriam se realizar. Sentia que a única coisa que poderia esperar era uma existência insuficiente no lamacento meio-oeste.

Coloquei uma corda no porta-malas do meu carro e dirigi até o Gorge Metro Park, logo no final da rua onde eu morava. Meu plano era carregar a corda o mais longe possível das pessoas, achar uma árvore robusta e cometer o ato.

Mas quando saí do carro, vi algumas crianças brincando no campo bem do lado do estacionamento. Percebi que nunca conseguiria achar um lugar longe o suficiente para não haver uma chance de uma criancinha numa exploração, ou um jovem casal procurando um local para se pegarem, ou um velhinho com uma cesta de piquenique e uma foto de sua falecida esposa, me acharem. Depois pensei na minha mãe e como ela ficaria triste se eu me matasse. E pensei em Iggy, um amigo que havia se matado dez anos atrás e como eu ainda não havia superado. Coloquei a corda de volta no porta-malas e fui para casa.


"Se você tivesse me perguntado antes daquele dia de primavera em 1992, eu teria dito que era absolutamente impossível fazer qualquer uma das coisas que fiz daquele dia em diante."

Aquele dia me mudou para sempre. Decidi viver. Mas também decidi que eu não estava mais ligado a nada que veio antes daquele dia. Decidi que eu havia me matado conceitualmente. Agora poderia fazer qualquer coisa — absolutamente qualquer coisa.

Todas as melhores coisas que aconteceram em minha vida foram depois daquele dia. As coisas têm sido tão incríveis desde então que às vezes eu me pergunto se sou o personagem principal de um filme existencialista estranho e se haverá uma reviravolta final em que a plateia descobre que eu realmente me matei naquele dia.

Se você está pensando em suicídio, meu conselho é: vá em frente e se mate. Mas não faça com uma corda ou uma arma ou um punhado de filmes. Não faça isso destruindo seu corpo. Faça isso cortando fora sua vida antiga e indo numa direção completamente diferente. Eu sei que isso não é fácil. E que pode parecer quase impossível. Se você tivesse me perguntado antes daquele dia de primavera em 1992, eu teria dito que era absolutamente impossível fazer qualquer uma das coisas que fiz daquele dia em diante. Exigiu muito esforço antes das coisas começarem a mudar, mesmo um pouquinho. Mas quando elas mudaram, elas realmente mudaram.

No entanto, talvez você não esteja nesse momento. Talvez você só esteja lá tentando descobrir como reagir à notícia de que alguém com quem você se importava decidiu acabar com a própria vida. Talvez você só queira uma explicação. Talvez você só queira que as coisas sejam como antes. Talvez você pense que seria melhor ter feito algo de outro jeito, dito algo de outra forma, estado em outro lugar onde você poderia ter evitado tudo isso. E para tudo isso, digo: Você não está sozinho.

Todo mundo que já conheceu alguém que se matou têm as mesmas questões e já duvidaram de si mesmos da mesma maneira. Mas saiba que tudo isso são só pensamentos. Eles não querem dizer muito necessariamente. O cérebro humano gosta de organizar as coisas. Ele tenta o máximo possível dar sentido a tudo que encontra. Mas algumas coisas simplesmente não fazem sentido. Não gostamos disso. Mas é a verdade.

É difícil se libertar desses tipos de pensamentos. Mas é a única maneira de lidar com isso. Eles não levam a lugar nenhum. Não ajudam. Se libertar, como quase tudo, é mais fácil de falar do que fazer. Se você descobrir que você não consegue fazer isso, mesmo querendo muito, então só se liberte de se libertar. Aceite o fato de que você não consegue deixar para lá e vá fazer outra coisa. Qualquer coisa que você faça provavelmente será ok. Veja um filme, faça uma caminhada, observe os patos, vá trabalhar. Decida viver, e você pode fazer qualquer coisa — absolutamente qualquer coisa. Como eu fiz.

***
  • Sobre o autor:  Brad Warner, monge e Sacerdote do Soto Zen, baixista, cineasta, japonês-monster-movie-marketer e popular blogger. Ele é o autor de 'Hardcore Zen', 'Sit Down e Shut Up', e 'Zen Wrapped in Karma Dipped in Chocolate'
  • Traduções é uma série sob curadoria de Breno França publicada semanalmente às quartas-feiras.

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