O CONSELHO FEDERAL DE ENFERMAGEM em 04/11/2021 publicou sua preocupação com uma das consequências mais devastadoras da pandemia: *a síndrome de Burnout em profissionais de saúde*.
Por eles trabalharem na linha de frente, estão extremamente expostos ao vírus e são submetidos a jornadas de trabalho sem fim e a um grau de atenção e tensão extremos.
Tanto se identificou o aumento radical da questão que a síndrome – que é ligada ao estresse por excesso de trabalho – *vai ser incluída* a partir do ano que vem na “Classificação Internacional de Doenças” (a CID da OMS - que passará a se chamar *“CID 11”*).
Ligado exclusivamente ao trabalho, o Burnout é um fenômeno ocupacional, uma síndrome crônica que acomete trabalhadores de diversas áreas. Mas a pandemia afeta particularmente diferente aos profissionais de saúde. É muito mais intensa, “normalizada” e velada. Entrando diretamente no que os autores Jean-Yves Leloup, Pierre Weil e Roberto Crema, pensavam quando cunharam o conceito de *patologia da normalidade*, ou *Normose* “os conjuntos de hábitos ou rotinas *considerados “normais”* pelo consenso social mas que, na realidade, são patogênicos e nos levam à doença e à perda de sentido na vida”.
A Síndrome de Burnout na Enfermagem foi NORMALIZADA pois é normal estar cansado. É normal estar sempre correndo, é normal sofrer indisposições, é normal os conflitos e irritabilidades… é normal a apatia diante de tudo, visto que se esta na Enfermagem! E tudo isso é assim mesmo.
Então, compare aos *sintomas mais frequentes* da Síndrome de Burnout SEGUNDO O COFEN (2021):
Cansaço extremo
Indisposição
Desconcentração
Irritabilidade
Perda de vontade de fazer atividades básicas
Não que seja um evento localizado ou pontual. Pesquisa realizada pelo Internet Stress Management Association em 2019 aponta que antes da pandemia o Brasil aparecia na segunda colocação mundial, atrás apenas do Japão. Na época, 32% dos trabalhadores brasileiros (trabalhadores com acesso a internet) sofriam com a síndrome.
Muitos pedidos de demissão da área da saúde nesse período ocorreram por conta de problemas emocionais agravados pelo Burnout, que abre portas para a depressão, que pode agravar outras condições (conforme relata Dorisdaria Humerez - coordenadora da Comissão Nacional de Enfermagem e Saúde Mental do Cofen). O assunto é tão premente que o COFEN, para tentar dar apoio aos profissionais da Enfermagem e combater o esgotamento emocional, criou o programa Enfermagem Solidária durante a pandemia.
A pandemia de Covid-19 tem se mostrado um evento traumático, levando aumento exponencial de sentimento de medo e estresse e os brasileiros têm sofrido drasticamente o período de quarentena e lockdown, em especial pela privação de atividades de lazer fora do ambiente doméstico e dos convívios salutares com as famílias e amigos.
Mas na Enfermagem os problemas já estavam instalados ANTES da pandemia. E a necessidade de manter a atenção e o atendimento digno aos seus pacientes fazem com que os profissionais deixem para segundo plano o que lhes é mais caro ao final: sua própria saúde.
Segundo Roberto Crema, um dos fundamentos da Normose é que esta *”anomalia”* surge quando o sistema no qual se vive encontra-se, dominantemente desequilibrado, quando o que predomina são as contradições ou sintomas como a “*falta de escuta*”, falta de respeito pela dor do outro, falta de auto-cuidado e de espirito/percepção de fraternidade, como uma gradação sutil até uma violência alarmante e crescente contra o indivíduo, a sociedade e a natureza.
Neste contexto, uma pessoa percebida como normal, ou melhor, normótica, é a mais bem *ajustada ao sistema mórbido*, assim contribuindo para a manutenção do mesmo. Segundo a Organização Mundial de Saúde em 1946, apontava que a saúde não é ausência de sintomas, mas a presença de um processo completo de bem-estar nos planos somático, psíquico e social um sistema se encontra num estado patológico em larga medida toda a pessoa realmente em boa saúde mental é aquela capaz de manifestar um estado de “desajustamento consciente”, de uma “indignação justa”, de um “desespero sóbrio”. (Crema R., Três fundamentos da normose, In: Weil P.; Leloup J-Y; Crema R., Normose, a).
A ferramenta mais fácil de percebermos como uma comunidade ou até uma sociedade pode ter eventos Normóticos basta olhar para o passado e observar condutas e conceitos que eram tidos como "Normais" e hoje são percebidos como absurdos. Por exemplo: Enquanto a escravidão foi considerada "Normal" na sociedades não se pensava no absurdo e no horror que ser escravo significava. Mas mais que isso, se buscava racionalizar motivos para a imoralidade e o absurdo da escravidão. Mais que isso, o médico da "Louisiania Medical Association, nos EUA cunhou o termo "Drapetomania" para diagnóstico médico que visava explicar a tendência do escravo de querer escapar da escravidão. Ou outro exemplo na mesma direção era do diagnóstico psiquiátrico de "Disestesia Etiópica", outro diagnóstico que "explicava" como a falta de motivação para o trabalho entre os negros escravizados e a incapacidade de entender o sentido racional de propriedade do "Senhor de escravos" sobre seu escravos. Ou seja: o "normal" é o escravo obidiente. O escravo que quer ser livre é "Doente", é louco!
Mas o mais grave é que a nossa capacidade de se chocar esta diretamente associada a normalização no grupo! Não percebemos quando algo é errado, muitas vezes insalubre, até um nº significativos de pessoas TAMBÉM perceberem e se manifestarem. Isso talvez se deva a algum imperativo social evolutivo, mas o fato é que quando os demais do meu grupo concordam com a "aceitabilidade" de um evento, mesmo que ele não seja racional ou razoável, é aceito como se fosse. É tratado até com inevitável.
Um exemplo comum de “Normose”, hoje em dia pode ser percebido em uma unidade de trabalho onde “recorrentemente” é necessário afastar um profissional para cobrir faltas nas escalas de outras unidades… Um evento plausivelmente comum, percebido em vários serviços de saúde. Ocorre uma vez, por um acidente… uma outra vez por outro acaso… Logo, porém, se “monta uma escala” para não deixar “injusto” o modo de escolha de quem se ausenta. E, assim, todo o mês alguém sai. Logo toda semana alguém sai. E de repente ninguém lembra que o número de funcionários deveria ser outro. Neste aspecto se pressiona os funcionários, paulatinamente “a entenderem como normal” trabalhar sobrecarregado e ainda lhe deixa a sensação de desconforto diante da percepção pessoal/individual de que a situação correta NÃO DEVERIA ser assim. Não poderia ser aceita. DEVERIA existir uma preocupação em manter um RH pensado para que todas as unidades possuírem o número adequado de profissionais. Que deveria ser racional se PENSAR na possibilidade das ausências recorrentes serem FALHA no planejamento do RH! Mas o que ocorre é que, no fundo é esperado QUE OS FUNCIONÁRIOS ACEITEM QUE O NORMAL É ASSIM. Na verdade, essa conduta gerencial é um “sintoma” de uma administração de RH que considera esse um método mais econômico e válido para manter o atendimento. Normal.
Portanto: *Não normalize a ansiedade*. 'Nosso estado normal é aquele a partir do qual o corpo, a mente e a energia funcionam em equilíbrio'. Ao achar que ambientes de trabalho com contínuos “pequenos” desconfortos e sucessivos “conflitos pontuais” são normais, tudo começa a ficar preocupante. Quando normalizamos o errado, o absurdo torna-se praticável.
Não se pode ser feliz diante do sofrimento dos outros. É certo. Mas para poder se trabalhar nestes ambientes é preciso se estar hígido e em equilíbrio… Ou teremos mais um doente precisando de cuidados.
Islan Conceição. Acadêmico de Psicologia.
A síndrome de Burnout em profissionais de saúde - Revisão integrativa, objetivando identificar no universo profissional dos enfermeiros a (in)existência de relação entre a síndrome de Burnout e a ausência de qualidade de vida no trabalho.: http://revista.cofen.gov.br/index.php/enfermagem/article/view/264Normose: A patologia da normalidade, livro de autoria de Jean-Yves Leloup, Pierre Weil e Roberto Crema, publicado em 2003, define que normose é “um conjunto de hábitos considerados normais pelo consenso social que, na realidade, são patogênicos e nos levam à infelicidade, à doença e à perda de sentido na vida”.: https://www.google.com.br/books/edition/Normose/8lovDwAAQBAJ?hl=pt-BR&gbpv=1&printsec=frontcoverOMS incluiu o Burnout na nova Classificação Internacional de Doenças (CID-11). A Síndrome de Burnout foi oficializada recentemente pela Organização Mundial de Saúde (OMS) como uma síndrome crônica, enquanto um “fenômeno ligado ao trabalho”. Deve entrar em vigor em 1º de janeiro de 2022. https://pebmed.com.br/sindrome-de-burnout-entra-na-lista-de-doencas-da-oms/#:~:text=Enquanto%20um%20%E2%80%9Cfen%C3%B4meno%20ligado%20ao,n%C3%A3o%20foi%20gerenciado%20com%20sucesso.
Programa Enfermagem Solidária - Atendimento visa chat será suspenso, e comissão estuda novos formatos de atenção à Saúde Mental. Depois de mais de 7 mil atendimentos aos profissionais da linha de frente da covid-19, com o objetivo de amenizar o sofrimento emocional dos profissionais de Enfermagem que atuaram na linha de frente da covid–19, o Programa Enfermagem Solidária, do Conselho Federal de Enfermagem (Cofen), obteve êxito ao longo de 1 ano e oito meses de pandemia. O atendimento, via chat, que atendia cerca de 130 profissionais por dia, por 24 horas, se despede nesta quinta (18/11), do formato original para seguir novo formato, ainda em estudo.: http://www.cofen.gov.br/programa-enfermagem-solidaria-estuda-novo-formato_93582.html#:~:text=Com%20o%20objetivo%20de%20amenizar,e%20oito%20meses%20de%20pandemia.
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