Por Flávio Tabak e Marlen Couto — São Paulo e Rio 03/07/2022.
O terraplanismo, um remédio milagroso contra o vírus que assolou o mundo ou a “mentira” que querem esconder de você sobre a chegada do homem à lua. Essas são algumas das teorias conspiratórias mobilizadas em diferentes segmentos da sociedade para recrutar medos e ansiedades e, ao mesmo tempo, oferecer conforto e explicações sobre a complexidade do mundo. Tema de estudos feitos por pesquisadores que articulam psicanálise ao fenômeno político, a adesão aos discursos conspiracionistas entre os brasileiros também foi medida e detalhada na pesquisa de opinião pública quantitativa “A cara da democracia”, divulgada neste domingo pelo Pulso.
Os dados ajudam a entender o perfil de quem acredita nessas teses comprovadamente falsas, que ganham escala com as redes sociais, e a evolução de seus resultados. Ao cruzar níveis de escolaridade e respostas a perguntas como se é verdadeiro ou falso que o homem já pisou na lua, verifica-se que, longe de projeto político extremista, os 27% que não compram a ideia de que o homem “deu grande passo para a humanidade” estão mais concentrados em grupos com menos escolaridade. Entre os entrevistados com ensino superior completo e incompleto, o índice cai para 21%.
O mesmo quadro é identificado quando a pergunta é se a terra é plana. Enquanto, na população geral, 20% acreditam na teoria falsa, esse percentual chega a 27% entre quem é analfabeto ou completou somente os anos inciais do ensino fundamental.
O que pensam os brasileiros sobre conspirações — Foto: Arte / O Globo
Nas teorias consideradas mais ideológicas e associadas ao bolsonarismo, no entanto, a escolaridade deixa de ser fator relevante. Um dos casos mais emblemáticos é a afirmação de que há uma conspiração global da esquerda para tomar o poder.
Enquanto 28% da faixa com menor escolaridade dizem acreditar na conspiração, os índices ficam em 38% entre quem tem ensino médio completo ou incompleto e 37% na população com ensino superior completo ou incompleto. O patamar é próximo aos 41% que cursaram ou concluíram os anos finais do ensino fundamental e acreditam na teoria.
Feita pelo Instituto da Democracia (IDDC-INCT), a pesquisa entrevistou presencialmente 2.538 eleitores em 201 cidades em todas as regiões do país entre os dias 4 e 16 de junho, e foi financiada pelo CNPq e Fapemig, com margem de erro total de 1,9 ponto percentual, e índice de confiança de 95%.
Desinformação
O cientista político Leonardo Avritzer, da UFMG, destaca que há os dois caminhos para entender a adesão de brasileiros aos apelos conspiratórios:
— Há, primeiramente, o nível baixo de escolaridade, especialmente em questões como se a terra é plana. Em outros temas, há um amplo processo de desinformação nas redes sociais, especialmente quando recebem informações das estruturas de confiança delas, como instituições religiosas, família, ou local de trabalho.
A pandemia é outro terreno fértil para teorias da conspiração. A afirmação de que a Covid-19 foi criada pelo governo chinês é ratificada por quase metade da população (49%), sem diferenças nas diversas faixas de escolaridade, com exceção do grupo com ensino superior, no qual o índice fica em 42%.
As teorias envolvendo a China costumam ser compartilhadas por políticos e influenciadores ligados ao bolsonarismo. Ao longo da pandemia, o próprio presidente e seus aliados passaram a chamar o novo coronavírus de “vírus chinês”. Bolsonaro também já insinuou publicamente que o país asiático pode ter criado o vírus.
Outro discurso recorrente do presidente medido pela pesquisa é o de que a cloroquina cura a Covid-19. A afirmação falsa perdeu força na comparação com 2021. No ano passado, 30% acreditavam que o remédio sem eficácia contra o vírus combatia a doença, contra 55%. Hoje, 21% dizem que a cloroquina tem efeito, enquanto 67% consideram a afirmação falsa. Nesse caso, a crença no medicamento é maior entre os segmentos menos escolarizados.
Já a avaliação de que a vacina contra a Covid-19 tem efeitos colaterais perigosos é refutada pela maioria da população (51%). Não há diferenças relevantes nos recortes por escolaridade. A eficácia das vacinas contra o novo coronavírus também entrou na mira dos apoiadores do presidente nos últimos meses.