Altas habilidades e superdotação pode ser "bom", não...

A crença de que a Altas Habilidades ou Superdotação (AH/SD) é uma garantia de sucesso é um equívoco comum e perigoso. Longe de ser um "passe de vitória", essa condição neurodivergente envolve uma série de paradoxos e desafios profundos, tanto adaptativos quanto emocionais.

O Descompasso entre Potencial e Ambiente








Frequentemente, espera-se que o superdotado seja um aluno exemplar, mas a realidade é marcada por um desalinhamento entre suas capacidades e o ambiente. Na escola, onde a padronização é a regra, a criança com AH/SD pode se sentir deslocada e desmotivada. Seus interesses intelectuais avançados e seu ritmo de aprendizado acelerado não encontram eco em um currículo rígido, levando a um ciclo de tédio, desatenção e, por vezes, à percepção errônea de que é preguiçosa ou rebelde.


Qualidades intrínsecas são, assim, mal interpretadas:

  • Rapidez de raciocínio vira "desatenção".

  • Curiosidade e questionamento são vistos como "desafio à autoridade".

  • Alta energia mental é confundida com sintomas de TDAH.

Sem o acolhimento adequado, a criança pode ser enquadrada como um problema ou, pior, aprender a suprimir suas próprias habilidades para tentar se encaixar.

A Mente Intensa

Os obstáculos vão além do ambiente externo. Internamente, a experiência da superdotação é intensa e complexa, o que pode ser explicado por alguns conceitos fundamentais:

A Assincronia: É comum que a capacidade intelectual esteja muito à frente da maturidade emocional. Imagine uma criança que discute buracos negros, mas tem uma crise de frustração por perder um jogo. Esse descompasso gera angústia e uma pergunta constante: "Se sou tão inteligente, por que não consigo me controlar?"

A Hiperexcitabilidade (Teoria de Dabrowski): Não se trata de "frescura", mas de uma forma intensificada de experienciar o mundo.

Essa supersensibilidade pode se manifestar de várias formas:

  • Emocional: Emoções profundas e uma empatia avassaladora.

  • Intelectual: Uma fome insaciável por perguntas e conhecimento.

  • Imaginacional: Uma riqueza de fantasia e pensamento visual.

  • Sensorial: Incômodo com sons, luzes ou texturas.

  • Psicomotora: Energia inesgotável e necessidade de movimento.

A Armadilha do Perfeccionismo: Acostumado a aprender com facilidade, o indivíduo pode desenvolver um medo paralisante do fracasso. Isso leva a comportamentos como a evasão de desafios, a autossabotagem (como a procrastinação) e a Síndrome do Impostor — a crença de que seu sucesso é uma fraude.

A Solidão do Diferente: A dificuldade de conexão social é real. Enquanto os pares conversam sobre assuntos comuns, a pessoa com AH/SD pode se interessar por temas atípicos, como filosofia ou astrofísica. Essa diferença de interesses, somada a uma possível dificuldade em decifrar as nuances sociais, pode gerar um profundo sentimento de isolamento e solidão existencial.

A Identificação Tardia e o Como Seguir a Diante?

Diante desse cenário, não é raro que a AH/SD passe despercebida. Muitos adultos só descobrem sua condição após uma vida se sentindo "fora do lugar". O foco excessivo nas notas altas na escola ignora os casos de "dupla excepcionalidade" — quando a superdotação coexiste com condições como TDAH ou dislexia —, onde um talento mascarado pelas dificuldades.

Portanto, a intervenção adequada vai muito além de simplesmente "acelerar" o conteúdo. É necessário um apoio multidimensional que inclui:

  • Desafios intelectuais significativos para engajar a mente.

  • Suporte socioemocional para gerenciar a intensidade de sentimentos e o perfeccionismo.

  • Mentoria e comunidade para conectar o indivíduo com pares que compartilhem interesses similares.

  • Psicoeducação para que a pessoa compreenda seu próprio funcionamento mental, transformando a luta em autoconhecimento e força.

Em última análise, a Altas Habilidades ou Superdotação é uma forma singular de ser. Reconhecer seus desafios não é negar seu potencial, mas sim validar a complexidade da experiência humana e abrir caminho para que essas mentes brilhantes possam, de fato, florescer.


https://www.youtube.com/shorts/fqVjHgUkD6Q




 Neste vídeo o psicólogo Jean relata sua própria trajetória de buscar um diagnóstico (recebendo rótulos como autismo, TDAH, TOC, bipolaridade) e como descobriu as AH, tornando-se especialista e nichando seu atendimento para essas pessoas.



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