Globo caiu num golpe

Em carta aos jornalistas da emissora, Ali Kamel diz que equipe foi procurada por fonte 'absolutamente próxima' do presidente para falar de 'bomba' no caso Marielle

O diretor geral de jornalismo da TV Globo, Ali Kamel, divulgou uma nota interna aos profissionais da emissora para "dar os parabéns mais efusivos" ao repórteres do Rio de Janeiro que fizeram a matéria sobre a citação de Jair Bolsonaro na investigação do assassinato da vereadora Marielle Franco.

Na carta, Ali Kamel dá detalhes de cada passo da investigação jornalística. E revela que, em meio à apuração, que se desenrolava no Rio, "uma fonte absolutamente próxima da família do presidente Jair Bolsonaro" procurou a emissora em Brasília para dizer que "ia estourar uma grande bomba, pois a investigação do caso Marielle esbarrara num personagem com foro privilegiado".

"Eu estranhei: por que uma fonte tão próxima ao presidente nos contava algo que era prejudicial ao presidente? Dias depois, a mesma fonte perguntava: a matéria não vai sair?", afirma Kamel.

Ele ainda diz que o advogado do presidente, Frederick Wasseff, sonegou a informação da existência do áudio na portaria de Bolsonaro quando deu entrevista à TV Globo.

Diz Ali Kamel: "Hoje sabemos que o advogado do presidente, no momento em que nos concedeu entrevista, sabia da existência do áudio que mostrava que o telefonema fora dado, não à casa do presidente, mas à casa 65, de Ronnie Lessa. No último sábado, o próprio presidente Bolsonaro disse à imprensa: 'Nós pegamos, antes que fosse adulterada, ou tentasse adulterar, pegamos toda a memória da secretária eletrônica que é guardada há mais de ano'. Por que os principais interessados em esclarecer os fatos, sabendo com detalhes da existência do áudio, sonegaram essa informação?".

A reportagem foi veiculada na semana passada. Ela mostrava que um porteiro do condomínio em que vive o presidente declarou às autoridades que, horas antes do crime, um dos suspeitos do assassinato de Marielle visitou o local e disse na entrada que iria à casa de Bolsonaro.

O presidente reagiu com um vídeo divulgado na internet em que chamou os jornalistas da TV Globo de patifes, canalhas e porcos e chegou a ameaçar tirar a emissora do ar, deixando de renovar a concessão do canal, prevista para 2022.

Um dia depois, o Ministério Público do Rio de Janeiro afirmou que o porteiro mentiu. Fez isso com base em perícia finalizada em pouco mais de duas horas e que vem sendo criticada por especialistas da área.

"Diante de uma estratégia assim, o nosso jornalismo não se vitimiza nem se intimida: segue fazendo jornalismo", afirma Kamel na nota interna. "É certo que em 37 anos de profissão, nunca imaginei que o jornalismo que pratico fosse usado de forma tão esquisita, mas sou daqueles que se empolgam diante de aprendizados."

O advogado do presidente de Jair Bolsonaro, Frederick Wassef, enviou uma carta à coluna para contestar as afirmações de Ali Kamel. 

"Jamais soneguei informação sobre os áudios conforme alegado pelo diretor geral de jornalismo da TV Globo, Ali Kamel, em carta aos jornalistas da emissora. No dia em que o depoimento do porteiro ia ser divulgado, recebi um telefonema da Rede Globo me convidando a participar do Jornal Nacional e dar entrevista na qualidade de advogado do presidente da República, Jair Messias Bolsonaro", afirma o advogado. 

"Recebi o telefonema convite às 19h27, poucos minutos antes do início do Jornal Nacional. Me encontrava no Pacaembu, em São Paulo, e tive de atravessar a cidade enfrentando um terrível trânsito. Cheguei no local combinado poucos instantes antes do início do Jornal Nacional. Assim que me sentei, passaram a fazer uma série de questionamentos, os quais respondi sem mesmo ter tido tempo de me preparar. De pronto, falei tudo o que eu tinha conhecimento até aquele momento." 

"Fui o primeiro a dizer ao Brasil que se tratava de uma engenharia criminosa arquitetada para, de forma fraudulenta, tentar envolver o presidente da República nas investigações que apuram o assassinato de Marielle Franco. Na minha entrevista, que foi editada, falei de absolutamente tudo que eu poderia falar como fruto da minha mais absoluta convicção. Não falei dos áudios pois não sabia deles e nunca tive acesso aos mesmos e nem ao seu conteúdo, não podendo imaginar do que se tratava", diz ainda o defensor de Bolsonaro.

Leia abaixo a íntegra das cartas de Ali Kamel e do advogado Frederick Wassef:

Carta de Ali Kamel:
Há momentos em nossa vida de jornalistas em que devemos parar para celebrar nossos êxitos.

Eu me refiro à semana passada, quando um cuidadoso trabalho da editoria Rio levou ao ar no Jornal Nacional uma reportagem sobre o Caso Marielle que gerou grande repercussão. A origem da reportagem remonta ao dia 1° de outubro, quando a editoria teve acesso a uma página do livro de ocorrências do condomínio em que mora Ronnie Lessa, o acusado de matar Marielle. Ali, estava anotado que, para entrar no condomínio, o comparsa dele, Elcio Queiroz, dissera estar indo para a casa 58, residência do então deputado Jair Bolsonaro, hoje presidente da República. Isso era tudo, o ponto de partida. 
m meticuloso trabalho de investigação teve início: aquela página do livro existiu, constava de algum inquérito? No curso da investigação, a editoria confirmou que o documento existia e mais: comprovou que o porteiro que fez a anotação prestara dois depoimentos em que afirmou que ligara duas vezes para a casa 58, tendo sido atendido, nas palavras dele, pelo “seu Jair”. A investigação não parou. Onde estava o então deputado Jair Bolsonaro naquele dia? A editoria pesquisou os registros da Câmara e confirmou que o então deputado estava em Brasilia e participara de duas votações, em horários que tornavam impossível a sua presença no Rio. Pesquisou mais, e descobriu vídeos que o então deputado gravara na Câmara naquele dia e publicara em suas redes sociais. A realidade não batia com o depoimento do porteiro. 

Em meio a essa apuração da Rio (que era feita de maneira sigilosa, com o conhecimento apenas de Bonner, Vinicius, as lideranças da Rio e os autores envolvidos, tudo para que a informação não vazasse para outros órgãos de imprensa), uma fonte absolutamente próxima da família do presidente Jair Bolsonaro (e que em respeito ao sigilo da fonte tem seu nome preservado), procurou nossa emissora em Brasilia para dizer que ia estourar uma grande bomba, pois a investigação do Caso Marielle esbarrara num personagem com foro privilegiado e que, por esse motivo, o caso tinha sido levado ao STF para que se decidisse se a investigação poderia ou não prosseguir. A editoria em Brasilia, àquela altura, não sabia das apurações da editoria Rio. Eu estranhei: por que uma fonte tão próxima ao presidente nos contava algo que era prejudicial ao presidente? Dias depois, a mesma fonte perguntava: a matéria não vai sair? 

Isso nos fez redobrar os cuidados. Mandei voltar a apuração quase à estaca zero e checar tudo novamente, ao mesmo tempo em que a Editoria Rio foi informada sobre o STF. Confirmar se o caso realmente tinha ido parar no Supremo tornava tudo mais importante, pois o conturbado Caso Marielle poderia ser paralisado. Tudo foi novamente rechecado, a editoria tratou de se cercar de ainda mais cuidados sobre a existência do documento da portaria e dos depoimentos do porteiro. Na terça-feira, dia 29 de outubro, às 19 horas, a editoria Rio confirmou, sem chance de erro, que de fato o MP estadual consultara o STF. 

De posse de todas esses fatos, informamos às autoridades envolvidas nas investigações que a reportagem seria publicada naquele dia, nos termos em que foi publicada. Elas apenas ouviram e soltaram notas que diziam que a investigação estava sob sigilo. Informamos, então, ao advogado do presidente Bolsonaro, Frederick Wassef, sobre o conteúdo da reportagem e pedimos uma entrevista, que prontamente aceitou dar em São Paulo. Nela, ele desmentiu o porteiro e, confirmando o que nós já sabíamos, disse que o presidente estava em Brasília no dia do crime. Era madrugada na Arábia Saudita e em nenhum momento o advogado ofereceu entrevista com o presidente. 
A reportagem estava pronta para ir ao ar. Tudo nela era verdadeiro: o livro da portaria, a existência dos depoimentos do porteiro, a impossibilidade de Bolsonaro ter atendido o interfone (pois ele estava em Brasilia) e, mais importante, a possibilidade de o STF paralisar as investigações de um caso tão rumoroso. É importante frisar que nenhuma de nossas fontes vislumbrava a hipótese de o telefonema não ter sido dado para a casa 58. A dúvida era somente sobre quem atendeu e só seria solucionada após a decisão do STF e depois de uma perícia longa e demorada em um arquivo com mais de um ano de registros. E isso foi dito na reportagem. Quem, de posse de informações tão relevantes, não publica uma reportagem, com todas as cautelas devidas, não faz jornalismo profissional. 

Hoje sabemos que o advogado do presidente, no momento em que nos concedeu entrevista, sabia da existência do áudio que mostrava que o telefonema fora dado, não à casa do presidente, mas à casa 65, de Ronnie Lessa. No último sábado, o próprio presidente Bolsonaro disse à imprensa: “Nós pegamos, antes que fosse adulterada, ou tentasse adulterar, pegamos toda a memória da secretária eletrônica que é guardada há mais de ano". 

Por que os principais interessados em esclarecer os fatos, sabendo com detalhes da existência do áudio, sonegaram essa informação? A resposta pode estar no que aconteceu nos minutos subsequentes à publicação da reportagem do Jornal Nacional. 

Patifes, canalhas e porcos foram alguns dos insultos, acompanhados de ameaças à cassação da concessão da Globo em 2022, dirigidos pelo presidente Bolsonaro ao nosso jornalismo, que só cumpriu a sua missão, oferecendo todas as chances aos interessados para desacreditar com mais elementos o porteiro do condomínio (já que sabiam do áudio). 

Diante de uma estratégia assim, o nosso jornalismo não se vitimiza nem se intimida: segue fazendo jornalismo. É certo que em 37 anos de profissão, nunca imaginei que o jornalismo que pratico fosse usado de forma tão esquisita, mas sou daqueles que se empolgam diante de aprendizados. No dia seguinte, já não valia o sigilo em torno do assunto, alegado na véspera para não comentar a reportagem do JN antes de ela ir ao ar. Houve uma elucidativa entrevista das promotoras do caso, que divulgamos com o destaque merecido: o telefonema foi feito para a casa 65, quem o atendeu foi Ronnie Lessa, tudo isso levando as promotoras a afirmarem que o depoimento do porteiro e o registro que fez em livro não condizem com a realidade. O Jornal Nacional de quarta exibiu tudo, inclusive os ataques do presidente Bolsonaro ao nosso jornalismo, respondidos de forma eloquente e firme, mas também serena, pela própria Globo, que honra a sua tradição de prestigiar seus jornalistas. Estranhamente, nenhuma outra indagação da imprensa motivada por atitudes e declarações subsequentes do presidente foi respondida. O alegado sigilo voltou a prevalecer. 

Mas continuamos a fazer jornalismo. Revelamos que a perícia no sistema de interfone foi feita apenas um dia depois da exibição da reportagem e num procedimento que durou somente duas horas e meia, o que tem sido alvo de críticas de diversas associações de peritos. 

Conto tudo isso para dar os parabéns mais efusivos à editoria Rio. Seguiremos fazendo jornalismo, em busca da verdade. É a nossa missão. Para nós, é motivo de orgulho. Para outros, de irritação e medo.
Ali Kamel





Carta do advogado Frederick Wassef: 

"Jamais soneguei informação sobre os áudios conforme alegado pelo diretor geral de jornalismo da TV Globo, Ali Kamel, em carta aos jornalistas da emissora. No dia em que o depoimento do porteiro ia ser divulgado, recebi um telefonema da Rede Globo me convidando a participar do Jornal Nacional e dar entrevista na qualidade de advogado do presidente da República, Jair Messias Bolsonaro. 
 

Recebi o telefonema convite às 19h27, poucos minutos antes do início do Jornal Nacional. Me encontrava no Pacaembu, em São Paulo, e tive de atravessar a cidade enfrentando um terrível trânsito. Cheguei no local combinado poucos instantes antes do início do Jornal Nacional. Assim que me sentei, passaram a fazer uma série de questionamentos, os quais respondi sem mesmo ter tido tempo de me preparar. De pronto, falei tudo o que eu tinha conhecimento até aquele momento. 
 

Fui o primeiro a dizer ao Brasil que se tratava de uma engenharia criminosa arquitetada para, de forma fraudulenta, tentar envolver o presidente da República nas investigações que apuram o assassinato de Marielle Franco. Na minha entrevista, que foi editada, falei de absolutamente tudo que eu poderia falar como fruto da minha mais absoluta convicção. Não falei dos áudios pois não sabia deles e nunca tive acesso aos mesmos e nem ao seu conteúdo, não podendo imaginar do que se tratava. 
 

Da mesma forma, jamais tive acesso a qualquer elemento informativo ou cópia de qualquer peça dos inquéritos e da investigação do caso, inclusive estando tudo em segredo de Justiça. Quem obteve com exclusividade o referido material que se encontra em segredo de Justiça foi o jornalismo da Rede Globo. Se eu soubesse ou tivesse a informação concreta de tão precioso material, como este áudio, com absoluta certeza teria falado não só no Jornal Nacional, mas em todas as entrevistas que dei, pois seria do máximo interesse de minha atuação como advogado e da defesa do presidente da República. Jamais perderia a oportunidade de denunciar no Jornal Nacional a existência dos referidos áudios que comprovariam de forma inequívoca e incontestável o todo afirmado por mim.
 

Reafirmo que não sabia da existência deste material ou de seu conteúdo e só vim tomar conhecimento dele pela imprensa, após a publicação de matérias televisivas em que ficou demonstrado que o investigado pela morte de Marielle jamais interfonou para a casa do presidente Bolsonaro. Todo o ocorrido apenas demonstrou que 100% do que eu disse na minha entrevista ao Jornal Nacional é a mais pura verdade.
 

Para minha surpresa, venho saber através de matérias jornalísticas que apenas e tão somente após eu denunciar ao Jornal Nacional, à televisão Bandeirantes, à Band News, a rádio Jovem Pan, à revista Veja e à Folha de S. Paulo, minhas afirmações quanto ao ardil levado a cabo através de uma testemunha plantada para mentir com deliberado propósito de incriminar o presidente da República, é que vieram as autoridades públicas do Rio de Janeiro a requerer os referidos áudios para a realização de perícia e posterior comprovação da fraude que eu mesmo denunciei. 
 

Posteriormente a isso tudo, no dia seguinte a entrevista do Jornal Nacional, o próprio Ministério Público do Rio de Janeiro veio a público dizer que o porteiro mentiu quando fez o seu depoimento. Em outras palavras, o Ministério Público do Rio afirmou, 24 horas depois, o mesmo que eu disse em minha entrevista à Rede Globo, demostrando que tudo o que eu disse era verdade, o que confirmou a denúncia feita por mim, de uma conspiração para atingir o presidente da República levada a cabo por pessoas que certamente estão agindo a mando de terceiros, o que deve ser investigado. 
 

Em entrevista à Folha de S. Paulo, assim como a outros órgãos de imprensa, disse que na entrada do condomínio do presidente Bolsonaro, dentro da cabine, havia de dois a três seguranças e, do lado externo, outros seguranças. Afirmei que também existia um sistema de segurança de áudio e vídeo. A pergunta que fica no ar é: por que as autoridades que investigam o caso, após o depoimento do porteiro que trazia fato tão grave para dentro da investigação, não pediram as imagens do circuito interno de segurança para perícia? Por que não arrolaram todas as testemunhas que trabalhavam a hora e dia dos fatos junto com o porteiro que deu o falso testemunho? Foram omissões propositais? Alguém prevaricou?
 

A Rede Globo, segundo sua própria reportagem, já sabia de tudo e de toda a história há muito tempo e com muita antecedência. Tanto é que foram a Brasília apurar, segundo diz nota do diretor da emissora, se o então deputado federal Jair Bolsonaro se encontrava na capital federal no dia dos fatos. Por tanto, sabiam de tudo, inclusive que o depoimento era falso. De forma que fica o questionamento, por que levaram ao ar uma matéria sabendo de antemão que o depoimento da testemunha era falso? Em outras palavras, a emissora sabia muito antes de todas as informações, podendo fazer apuração e fazer as demais diligências. Não foram pegos de surpresa e muito menos induzidos a erro.
 

Tudo que afirmei nessa carta, falei exaustivamente a todos os jornalistas que me procuraram. Tenho o máximo respeito ao jornalismo e a imprensa que exercem fundamental papel no estado democrático de direito. Sempre tratei com máximo respeito e atenção a todos os jornalistas que me procuraram, inclusive da Rede Globo. Jamais sonegaria uma informação que é de minha total utilidade e interesse e que comprovaria tudo que tenho alegado nas minhas entrevistas.
 

Não podemos analisar o falso testemunho do porteiro de forma isolada. Já a muito tempo pessoas inescrupulosas vem tentado envolver a familiar Bolsonaro na investigação da morte de Marielle Franco, além de outras ilações levianas e irresponsáveis que têm sido feitas. Por tanto, não causa surpresa descobrir tamanha fraude e armação contra a imagem e a reputação do presidente da República em momento especial, quando ele estava no exterior, lutando e trabalhando pelo Brasil para trazer investimentos, para combater a pobreza, gerar riquezas e empregos.
 

Na nota do diretor da TV Globo ele diz que o presidente Jair Bolsonaro ameaçou a emissora de cassar a sua concessão, o que também não é verdade. Para confirmar isso basta assistir a live feita pelo presidente da República e ver que ele diz: “não vou perseguir vocês, basta ter a documentação em dia que a concessão será renovada”.
 

Afirmo ainda que estou apenas praticando o regular exercício da advocacia. Não posso ser atacado ou virar alvo por exercer minha profissão. Não sou político e nem pertenço aos quadros do PSL. O advogado não pode ser confundido com o seu cliente e também virar alvo. O direito ao exercício da advocacia deve ser respeitado."

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