A Influência de Brentano na Psicologia Fenomenológico-Existencial


Franz Brentano viveu de 1838 a 1917. O oposicionismo constituiu-se numa característica marcante de sua existência. Enquanto padre católico opôs-se ao princípio da infalibilidade do papa. Como filósofo discordou do empirismo, do racionalismo e do criticismo kantiano e, ainda, como psicólogo, rejeitou a tese associacionista acerca do conteúdo da consciência como algo permanentemente real, assim como as idéias de Wundt sobre a consciência como um epifenômeno, portanto reduzida ao fisiológico.

Brentano fundou a psicologia do ato, argumentando que o fenômeno psíquico se constitui como atividade e não como conteúdo. Defendeu a proposta de um inédito empírico nos estudos dos fenômenos psíquicos, porém não experimental. Afirmou ainda que a psicologia, da mesma forma que as ciências da natureza, parte da percepção e da experiência. A percepção interna vai constituir-se no seu principal recurso metodológico, indispensável aos estudos dos fenômenos psicológicos.

O ponto de partida na sistematização da psicologia de Brentano não foram os parâmetros enunciados pela ciência de seu tempo. Foi buscar seus fundamentos na filosofia dos escolásticos, em São Tomás de Aquino, em quem encontrou a teoria do intention. Esta desenvolveu-se a partir da intentionaliter, que caracteriza o conteúdo do pensamento que se fixa no espírito e este, por sua vez, estando também intentionaliter nas coisas. A noção de tempo enquanto temporalidade no lugar do temporal como abstração foi a influência extraída de Santo Agostinho.

A proposta de uma sistematização da psicologia do ponto de vista empírico, mesmo com uma fundamentação filosófica, não deixa de se estruturar como ciência. Propôs duas maneiras de se chegar aos fenômenos psíquicos: a psicologia descritiva ou psicognosia, visando alcançar os elementos últimos de que se constitui a totalidade da consciência, desta forma, chegar à marca comum de todas as singularidades: a intencionalidade; a segunda maneira propõe a averiguação das leis do fluir dos fenômenos psíquicos, denominando-a de psicologia genética.

A sistematização das idéias de Brentano vai exercer fortes influências em diferentes áreas de estudo, tais como a filosofia fenomenológica de Husserl, Max Sheler e Martin Heidegger; as investigações sobre ontologia e metafisica, sobre tudo ao que se referem as análises categoriais e os estudos pormenorizados sobre Aristóteles e, por fim, as investigações lógico-linguísticas.

A psicologia de Brentano vai partir de pressupostos diferentes dos da psicologia fisiológica e da comportamental. Na critica aos princípios da fisiologia na psicologia, retoma Aristóteles quando em Tratado da alma refere-se aos movimentos voluntários, afirmando não existir nenhum órgão intermediário entre o desejo e o membro que se movimenta. Neste aspecto considerou, então, que os fatos relativos aos órgãos pertencem a outro ramo de estudos e não à psicologia. Quanto ao comportamento, não concorda que seja determinado alheio à vontade e o que o determina é a intenção que o anima.

O fato de Brentano ter renunciado ao determinismo biológico ou psicológico não significa que ele tenha retornado à psicologia como estudo da alma, nem tampouco que retomou a uma filosofia especulativa, a fim de refletir acerca dos problemas humanos. Ao negar a possibilidade de se levar para o laboratório o psiquismo, propôs que este fenômeno fosse abordado de forma empírica, mas não experimental, e mais, que se abandonasse a introspecção, como método, já que esta implicava em uma observação interna, e aos fenômenos psicológicos cabia a percepção interna. Esta proposta fica claramente descrita em seu livro A psicologia do ponto de vista empírico, no seguinte trecho:

Tal como as ciências da natureza, a psicologia repousa sobre a percepção e a experiência. Mas seu recurso essencial é a percepção interna de nossos próprios fenômenos psíquicos, consistindo em uma representação, um julgamento, o que é prazer e dor, desejo e aversão, esperança e inquietação, coragem e desencorajamento, decisão e intenção voluntária, nunca o saberíamos se a percepção interna de nossos próprios fenômenos não nos lho ensinasse.

Brentano retomou a alma como objeto de estudo da psicologia, porém referiu-se a esta como um substrato substancial de representações, de sensações, de imagens, de lembranças, de esperanças. Denominou a todas estas vivências de fenômenos psíquicos, e como tais são intencionados. São atos que se referem a objetos exteriores e os objetos são imanentes aos atos mentais. A intenção, constituindo-se na propriedade essencial da vida consciente, vai indicar uma direção ou uma tensão da consciência para o objeto. Neste sentido, o espírito nos escolásticos passou a se denominar consciência na psicologia de Brentano.

A consciência na psicologia do ato vai diferir da consciência cartesiana, uma vez que esta se desdobra sobre si mesma e aquela tende sempre para algo no mundo. Em termos desta proposta teórica em psicologia, falar-se-á em consciência intencional. A intencionalidade como a principal característica da consciência vai modificar a noção de experiência como estrutura e como conteúdo. A consciência intencional constitui-se numa atividade, na qual os fatos físicos vão diferir dos fatos psicológicos, que vão ser denominados fenômenos.

Os fenômenos psíquicos constituem-se de experiências intencionais, ocorrem como representações, juízos e fenômenos emocionais e possuem as seguintes propriedades: de intencionalidade, de se constituírem como objetos de percepção interna: portanto evidentes, de existir efetivamente, de se mostrarem como unidade, de se apresentarem como atos de representação.

As idéias de Brentano vão dar início a uma psicologia que irá buscar as propriedades da consciência através da experiência interna. A partir da sistematização de sua teoria vão surgir a psicologia da gestalt, a teoria de Lewin, a psicologia fenomenológica, enfim toda a psicologia cuja ênfase recaia sobre a consciência com sua característica essencial: a intencional idade.


BIBLIOGRAFIA
BRENTANO, Franz. Psichologie du point de vue empirique. Paris: Editions Montaigne, 1944.
ENNIS, Antonio. Aristóteles: tratado del alma. Buenos Aires: Editora Espasa, 1944.
HEIDBREDER, Edria. Psicologias do século XX. São Paulo: Mestre Jou, 198 1.

Ana Maria Lopez Calvo de Feijoo

Nenhum comentário:

O curador que não se cura...

  Quirão ou  Quíron  (  Χείρων,  transliterado de   Kheíron , "mão"  em grego )  nessa mitologia, é uma figura complexa e fascinan...