O passado e o futuro da psicologia experimental: contribuições de Fechner, Wundt e James
Por Saulo de Freitas Araujo
RESUMO
Tanto a ideia de uma psicologia experimental quanto a realização de experimentos psicológicos já estão presentes no século 18. Contudo, é no século 19, primeiramente nas universidades alemãs, que a psicologia experimental adquire um novo estatuto, marcando fortemente a identidade da nova psicologia. O objetivo do presente artigo é apresentar uma reflexão de caráter histórico-filosófico sobre a natureza da psicologia experimental, com base nas contribuições de Fechner, Wundt e James. Depois de apresentar sua dimensão histórica, discutimos sua relação com a psicologia experimental contemporânea, no sentido de esclarecer se elas podem iluminar de alguma forma seu caminho futuro. Concluímos que um diálogo efetivo depende da modificação de certas condições estruturais do modelo atual de formação do psicólogo.
Palavras-chave: Psicologia experimental; História da psicologia; Gustav Fechner; Wilhelm Wundt; William James.
Ao contrário daquilo em que a maioria dos psicólogos ainda acredita, a psicologia experimental não nasceu no século 19, se pelo termo "psicologia experimental" entendermos a concepção ou a realização de experimentos psicológicos. Do ponto de vista historiográfico, não é mais nenhuma novidade que, de fato, isso ocorreu no século 18, mais especificamente na tradição alemã. Christian Wolff (1679-1754), por exemplo, concebeu parte de seu projeto psicológico em nítida associação com os experimentos físicos: "Está claro, até aqui, que a psicologia empírica corresponde à física experimental e, mais ainda, que pertence à filosofia experimental" (1728, §111, p. 51)2. Além disso, Wolff vislumbrou a quantificação e a mensuração de fenômenos mentais. Para ele, tudo o que é finito - incluindo a alma e seus fenômenos - possui uma quantidade determinada que pode ser conhecida: "a atenção, em homens diferentes, difere em grau. Maior é a atenção de um, menor a de outro. […] Quem não sabe que existem vários graus de virtude e vício de acordo com a diversidade de indivíduos?" (Wolff, 1728, §13, p. 6). Ao investigar isso, a psicologia empírica se transformaria em "psycheometria, que fornece o conhecimento matemático da mente humana" [itálicos nossos] (Wolff, 1732, §522, p. 403)3.
Outro exemplo é o do filósofo Johann Nicolas Tetens (1736-1807), que muito contribuiu para o desenvolvimento de uma ciência empírica da alma. Em Tetens, também está clara a presença do método experimental como parte da investigação psicológica, embora essa última não possa ser reduzida à experimentação: "considerar as modificações da alma tais como são conhecidas por meio do auto-sentimento; percebê-las e observá-las cuidadosamente e repetidas vezes, alterando as condições; … essas são as tarefas mais essenciais da análise psicológica da alma, que se baseia na experiência" (Tetens, 1777/2014, p. 1). Assim como no caso de Wolff, Tetens também estava bem atento aos avanços da nova física experimental e pretendia estender seus métodos ao estudo da alma (Araujo & Lauro, 2018; Lauro & Araujo, no prelo). Ao contrário de Wolff, porém, Tetens realizou experimentos psicológicos (p. ex., percepção tátil e imaginação), como ele mesmo relata na sua obra magna (Tetens, 1777/2014).
De forma ainda mais explícita do que em Wolff e Tetens, a defesa da psicologia experimental aparece na obra do médico e naturalista alemão Johann Gottlob Krüger (1715-1759). Em seu Ensaio de Psicologia Experimental, Krüger conclui que, "produzindo mudanças extraordinárias no corpo, é possível produzir modificações na alma que não ocorreriam no curso normal da natureza, e isso significa nada menos do que a possibilidade de conduzir experimentos sobre a alma" (1756, p. 18). Além disso, tem-se aqui, possivelmente pela primeira vez, uma obra que traz já no seu título o termo "psicologia experimental".
É bem verdade que a historiografia mais recente da psicologia tem reconhecido não só a existência, mas também a relevância da psicologia experimental no século 18 (p. ex., Hatfield, 2002; Rydberg, no prelo; Sturm, 2009; Zelle, 2001). Contudo, esses estudos parecem não ter sido suficientes para alterar a crença dos psicólogos contemporâneos aludida anteriormente, cuja persistência explicar-se-ia, então, por mera falta de conhecimento histórico4. Tal hipótese me parece, porém, por demais simplista. O desconhecimento da história da psicologia, ainda que seja pervasivo na formação do psicólogo contemporâneo, pode até justificar parcialmente aquela crença, mas não pode esgotar suas motivações. É preciso, pois, buscar suas raízes mais profundas.
Um olhar mais atento para o desenvolvimento histórico da psicologia revela que as realizações da psicologia experimental no século 18 não apagam as características próprias de sua inserção no século 19 (Gundlach, 1992). Em outras palavras, é no século 19 que os experimentos psicológicos adquirem uma nova dimensão, que, até certo ponto, justifica a impressão de um acontecimento radical: o surgimento da nova psicologia científica, de caráter fundamentalmente experimental. Aqui, ao menos dois aspectos dessa novidade merecem destaque.
Em primeiro lugar, foi no século 19 que, pela primeira vez, a psicologia foi institucionalizada nas universidades alemãs, em termos tanto de uma disciplina de ensino obrigatório quanto de um laboratório de pesquisa experimental (Araujo, 2009; Gundlach, 2006; Haupt, 2001). Em segundo lugar, os programas sistemáticos de experimentação psicológica desenvolvidos por nomes como Gustav Fechner (1801-1887), Wilhelm Wundt (1832-1920) e Hermann Ebbinghaus (1850-1909), entre outros, deram à psicologia experimental uma organização e uma extensão jamais vislumbradas pelos psicólogos do século 18. Tudo isso, aliado à autoridade posterior de alguns historiadores da psicologia, como Edwin Boring (1886-1968), deu aos psicólogos do século 20 e início do 21 uma justificativa para considerar não só que a psicologia experimental nasceu no século 19, mas também que teve um pai fundador5.
É exatamente essa justificativa que vou explorar aqui. Meu objetivo é apresentar uma reflexão de caráter histórico-filosófico sobre a natureza da psicologia experimental, a partir das contribuições de Fechner, Wundt e William James (1842-1910). Pretendo mostrar que essas contribuições não se restringem ao passado da psicologia experimental, mas que, se bem compreendidas e aceitas pelos psicólogos experimentais de hoje, podem ser de grande valia para o futuro da disciplina.
O projeto psicofísico de Fechner
Em termos cronológicos, as contribuições de Fechner antecedem as de Wundt. Quando Wundt chegou em Leipzig, em 1875, Fechner já estava aposentado e há muito afastado das pesquisas experimentais, além de enfrentar problemas cada vez maiores de saúde, como a deterioração de sua visão (Arendt, 1999).
As contribuições de Fechner para a psicologia experimental estão essencialmente ligadas ao surgimento da psicofísica - a ciência que estabelece as relações funcionais6 entre o corpo e a mente -, tal como anunciada no livro que o tornou famoso entre os psicólogos de todo o mundo, a saber, Elementos de Psicofísica (Fechner, 1860). Mas Fechner continuou trabalhando e revisando seu projeto até o fim, como o demonstram seus dois livros subsequentes sobre a psicofísica em geral - Em Matéria de Psicofísica (Fechner, 1877) e Revisão dos Pontos Principais da Psicofísica (Fechner, 1882) -, raramente citados na literatura especializada. É como se suas contribuições se resumissem à obra de 1860!
Mesmo um olhar atento a Elementos de Psicofísica, porém, revela que há uma contribuição de Fechner esquecida na psicologia experimental contemporânea, esquecimento esse que acaba prejudicando a própria compreensão do projeto fechneriano: a distinção entre psicofísica externa e interna (Araujo, 2019; Robinson, 2010). De acordo com Fechner, as relações funcionais entre o corpo e a mente se dão de dois modos:
Pela própria natureza do assunto, a psicofísica se divide em externa e interna, dependendo de como a relação do mental é considerada, se com o mundo corpóreo externo ou com o interno; ou seja, em uma teoria das relações funcionais imediatas e mediatas entre a mente e o corpo [itálicos nossos] (Fechner, 1860, I, pp. 10-11).
Fechner compreendeu bem que o corpo ao qual a mente está intimamente ligada tem duas dimensões, e que ambas são partes igualmente essenciais do projeto psicofísico. Por isso, ainda que a psicofísica externa deva ser o ponto de partida, pois é só através dela que temos acesso direto à experiência, ela nunca pode se desenvolver sem referência à psicofísica interna, pelo simples fato de que "o mundo corpóreo externo só está funcionalmente ligado à mente por meio da interação com o mundo corpóreo interno" (Fechner, 1860, I, p. 11). Em outras palavras, é o próprio papel do cérebro e do sistema nervoso central que está aqui em questão. Não por acaso, existem tentativas recentes de se incorporar a psicofísica à neurociência (e.g., Read, 2015). Causa certa estranheza, portanto, quando a celebração contemporânea da continuidade da psicofísica de Fechner ocorre exclusivamente em termos da psicofísica externa (e.g., Kingdom & Prins, 2016; Solomon, 2011).
Há ainda uma segunda contribuição de Fechner para a psicologia experimental que quero aqui destacar e que permanece em grande parte ignorada entre os psicólogos: a estética experimental (Allesch, 2018). Fechner publicou Sobre a Estética Experimental (Fechner, 1871) e Curso Elementar de Estética (Fechner, 1876), ambas as obras em estreita ligação com seu projeto psicofísico. Desde o início, ele deixou claro que sua estética é "um ramo da psicofísica externa, que […] deve lidar com relações mensuráveis entre estímulo e sensação, ou, em termos mais gerais, entre a estimulação corpórea externa e as consequências psíquicas internas" (Fechner, 1871, p. 3). Mais especificamente, o que caracteriza a estética fechneriana é o foco nos "sentimentos de prazer e desprazer, na medida em que estão imediatamente ligados a representações e sensações provocadas do exterior" (Fechner, 1876, p. 37). O que Fechner quer demonstrar é que também os fenômenos estéticos podem ser parcialmente estudados por meio de experimentos psicológicos - o prazer, por exemplo, gerado pela exposição a um quadro de Holbein ou uma sinfonia de Beethoven. Sendo assim, as leis estéticas expressam os efeitos de uma parcela do mundo exterior sobre a mente e pertencem, pois, à psicofísica externa.
Tudo isso mostra, de forma incontestável, que Fechner contribuiu decisivamente para o desenvolvimento da psicologia experimental. Além dos métodos psicofísicos tradicionais (p. ex., erro médio, limites e estímulos constantes), ele concebeu um amplo programa de investigação experimental que abrangia até mesmo o domínio da estética. Apesar disso, tal como a psicofísica interna, a estética experimental permanece praticamente ignorada7.
A psicologia experimental de Wundt
Mais ainda do que Fechner, Wundt tem sido reconhecido em todo o mundo como o fundador da psicologia científica. O problema é que, como tenho procurado mostrar, seu pensamento é geralmente retratado em termos caricaturais (Araujo, 2016). No entanto, subjacente às caricaturas, há um personagem real, que de fato deu um impulso decisivo para o estabelecimento da psicologia experimental.
Em primeiro lugar, nunca é demais lembrar que, bem antes de chegar em Leipzig - quando ainda estava em Heidelberg -, Wundt já havia concebido um amplo programa de psicologia científica, calcado em seu entusiasmo com o método experimental (Graumann, 1980)8. Desde seu primeiro experimento sobre a concentração de sal na urina até seus experimentos psicológicos iniciais no domínio da percepção tátil e visual, por volta de 1858, Wundt foi um verdadeiro entusiasta do método experimental e defendia, com base nele, uma reforma teórico-metodológica da psicologia, que aparece nos seus dois primeiros livros psicológicos: Contribuições para a Teoria da Percepção Sensorial (Wundt, 1862a) e Preleções Sobre a Mente dos Homens e dos Animais (1863). Nessa reforma, o experimento ocupa um lugar de destaque:
Assim que a mente passa a ser concebida como um fenômeno da natureza e a psicologia, como uma ciência natural, o método experimental também deve poder ser amplamente utilizado nessa ciência. De fato, já temos investigações experimentais que se distanciam do domínio psicofísico e têm como objeto um evento puramente psíquico, na medida em que tal evento exista (Wundt, 1862a, p. xxvii).
Na passagem acima, vemos que Wundt concebia a psicologia experimental em termos mais amplos do que Fechner, e embora aceitasse a psicofísica, acreditava que o experimento genuinamente psicológico estava muito além dela. Aqui, Wundt tinha em mente os primeiros experimentos que realizou sobre a velocidade do pensamento, quando ainda estava em Heidelberg (Wundt, 1862b). Nesse caso, não se tratava mais de medir o efeito de um evento externo sobre a sensação tátil ou visual, mas sim de mensurar o intervalo de tempo decorrido entre duas classes de representações (visuais e auditivas) ou "o tempo mais curto em que uma representação pode se seguir à outra" (Wundt, 1862b, p. 264). Dessa forma, estava aberto o caminho para os experimentos sobre o tempo de reação e a cronometria mental em geral9.
Ainda antes de chegar em Leipzig, Wundt deu outra contribuição decisiva para a psicologia experimental, ao publicar Fundamentos de Psicologia Fisiológica (Wundt, 1874). Foi o primeiro manual de psicologia experimental que serviu de referência para a nova geração de psicólogos alemães pelas décadas seguintes10. Além disso, ele criou, em 1881, o primeiro periódico de psicologia experimental - Philosophische Studien (Estudos Filosóficos) -, cujo objetivo era servir de veículo para a nova psicologia científica que ele defendia11.
Depois de assumir uma das cátedras de filosofia na Universidade de Leipzig, em 1875, Wundt fundou ali o Laboratório de Psicologia Experimental, posteriormente transformado em Instituto de Psicologia Experimental (Wundt, 1909). Até então, nenhuma universidade tinha um instituto próprio para a nova psicologia. Na verdade, muito mais do que um simples laboratório ou instituto, Wundt criou o primeiro centro internacional de formação de psicólogos experimentais, atraindo estudantes de todo o mundo (Araujo, 2009). Foi ele o principal responsável pela disseminação em todo o mundo dessa forma de conhecimento psicológico. Foram os alunos de Wundt que, ao retornar a seus países de origem, estabeleceram novos programas de psicologia experimental e perpetuaram, assim, sua existência. Em outras palavras, além da dimensão intelectual, Wundt contribuiu decisivamente para a propagação e a institucionalização da psicologia experimental em vários países (Araujo, 2014; Rieber & Robinson, 2001; Tinker, 1932)12.
James e a recepção da psicologia experimental nos EUA
Vinda da Alemanha, a nova psicologia experimental penetrou em vários países, encontrando na América do Norte um solo especialmente fértil. Na virada do século 19 para o século 20, já existiam mais de 50 laboratórios realizando experimentos psicológicos nos Estados Unidos e no Canadá, para fins de ensino e/ou pesquisa (Miner, 1904).
Nesse contexto, William James tem um lugar de destaque. De acordo com Daniel Bjork, James é "o pai da psicologia científica americana" (1983, p. 4), uma atribuição que, apesar do tom cerimonial antiquado, serve para indicar realizações importantes. De fato, foi James quem introduziu a nova psicologia alemã nos Estados Unidos, ao oferecer, em 1875, o primeiro curso de psicologia fisiológica e experimental em uma universidade norte-americana, que ele aperfeiçoou e repetiu ao longo dos anos em Harvard (James, 1988)13.
Em segundo lugar, há uma contribuição que não tem recebido muita atenção na literatura contemporânea. Em Harvard, o ensino da nova psicologia rapidamente associou-se à prática de laboratório. E muito embora o contato de James com a psicologia experimental alemã tenha se dado essencialmente por meios teóricos14, ele fundou, em 1875, o primeiro laboratório de psicologia experimental nos Estados Unidos, permanecendo em sua direção até 1892, quando o psicólogo alemão Hugo Münsterberg (1863-1916) assumiu a direção (Harper, 1975; Münsterberg, 1893). Vale aqui reproduzir o relato do próprio James:
Eu mesmo "fundei" o ensino de psicologia experimental em Harvard em 1874-5 ou 1876, não me lembro exatamente. Por muitos anos o laboratório ocupava duas salas do prédio da Faculdade de Ciências, que acabaram entupidas de aparelhos, de forma que uma mudança era necessária. Então, em 1890, decidido a tomar um rumo completamente novo, eu arrecadei muitos milhares de dólares, mobiliei o Dane Hall e introduzi exercícios de laboratório como parte regular do curso de graduação em psicologia (James, 1895, p. 626)15.
Ao contrário, porém, de Fechner e Wundt, James nunca foi um genuíno experimentador, embora tenha mostrado curiosidade e entusiasmo inicial em relação às possibilidades da psicologia experimental. Ao que tudo indica, seu trabalho de laboratório em Harvard servia fundamentalmente a propósitos didáticos. Por isso, embora tenha ilustrado e disseminado o experimento psicológico para seus estudantes, ele mesmo realizou poucos estudos experimentais (James, 1882, 1886, 1887a, 1887b)16.
Sua contribuição decisiva, então, está situada em outro plano, a saber, na publicação dos Princípios de Psicologia (James, 1890/1981), até hoje sua obra mais citada e comentada entre os psicólogos. Foi o primeiro grande livro de referência da nova psicologia científica publicado nos EUA, que serviu de orientação para muitos psicólogos norte-americanos (Leary, 2018; Perry, 1935). De acordo com Richard Evans, "Principles foi a principal fonte de influência de James sobre os psicólogos experimentais e sobre suas psicologias posteriores" (1990, p. 444). Provavelmente, ele desempenhou na formação dos estudantes norte-americanos o mesmo papel que a obra magna de Wundt - Fundamentos de Psicologia Fisiológica - teve nas universidades alemãs.
Dois anos após a publicação de Princípios, James lançou sua versão condensada: Psicologia: Curso Breve (1892/1984). Essa obra, que defende igualmente a então emergente psicologia experimental, também serviu de manual para várias gerações de psicólogos norte-americanos. Com ambas as obras, afirma David Leary, "a natureza e o significado da psicologia tinham se modificado para sempre" (2018, p. 295).
É importante ressaltar que, já no início da década de 1890, James começou a abandonar seu entusiasmo e a mostrar uma atitude oposta à que tinha inicialmente adotado - nas palavras de seu primeiro biógrafo, "um crescente desgosto pela psicologia experimental" (Perry, 1935, II, p. 114). Tanto em sua correspondência quanto em suas publicações, ele começou a se distanciar cada vez mais dos experimentos psicológicos, chegando até mesmo a declarar seu "horror à psicologia experimental" (Skrupskelis & Berkeley, 2001, p. 34)17. Essa nova atitude, porém, embora seja relevante para a compreensão de sua obra posterior, não apaga suas contribuições pioneiras para o surgimento da nova psicologia científica nos Estados Unidos18.
O futuro da psicologia experimental
Concentrei-me, até aqui, no que os três autores escolhidos representam para o passado da psicologia experimental, para o seu surgimento e sua consolidação. É natural, portanto, perguntar agora se essas contribuições se restringem ao passado ou se podem também enriquecer o debate sobre o futuro da psicologia experimental. E minha resposta é positiva.
Em termos gerais, quero destacar um elemento comum a todos os três autores, que parece ter desaparecido do horizonte dos psicólogos experimentais. Falo aqui da íntima relação que Fechner, Wundt e James viam entre os experimentos particulares e a teorização geral em psicologia. Todos os três buscavam uma teoria geral da mente humana, que deveria estar de acordo com os resultados empíricos particulares. Além disso, para todos eles, havia uma íntima conexão entre psicologia e filosofia, que acabou se perdendo ao longo do século 20. Ao contrário do que nossos autores vislumbravam para a psicologia experimental, ao longo de sua evolução ela parece ter se emaranhado nos detalhes e perdido de vista o todo. Como reconheceu recentemente o psicólogo experimental Gerd Gigerenzer, Diretor do Instituto Max Planck de Desenvolvimento Humano, a psicologia ainda possui um baixo grau de teorização (Gigerenzer, 1998).
Em Fechner, a psicofísica é parte de um verdadeiro programa filosófico. Lembremos que, logo após a publicação de Elementos de Psicofísica, ele lançou Sobre a Questão da Alma (Fechner, 1861), discutindo vários aspectos filosóficos da relação entre mente e corpo. Isso para não falar no seu escrito profundamente religioso - Os Três Motivos e Fundamentos da Fé (Fechner, 1863) - e na segunda edição do Pequeno Livro Sobre a Vida Depois da Morte (Fechner, 1866). Toda essa produção metafísica se situa entre a publicação da psicofísica e da estética experimental, o que mostra não se tratar de um devaneio de Fechner. Afinal, ele nunca se definiu como físico, psicólogo ou psicofisicista, mas sim como um "filósofo da natureza" (Fechner, 2004, I, p. 488).
Em Wundt, a psicologia científica, embora tenha autonomia metodológica e epistêmica, é parte de um programa filosófico maior, que ele chamou de filosofia científica (Wundt, 1889). Tanto a psicologia experimental quanto a psicologia dos povos deveriam fornecer elementos para a reflexão filosófica de mais alto nível, a metafísica, cujo objetivo é sintetizar os resultados empíricos das ciências particulares em uma nova Weltanschaaung. Mesmo seu livro mais festejado de psicologia experimental, Fundamentos de Psicologia Fisiológica, vem acompanhado de várias reflexões filosóficas sobre os resultados empíricos oriundos do laboratório e da observação sistemática. Na sua última edição, essas reflexões se tornaram tão abrangentes que se transformaram em um livro à parte (Wundt, 1911).
Em James, existe uma íntima relação entre psicologia, de um lado, e pragmatismo, empirismo radical e pluralismo, de outro (Araujo & Osbeck, 2020; Leary, 2018). Tanto suas investigações psicológicas ligadas à psicologia experimental quanto aquelas ligadas a uma psicologia não experimental - como exposta, por exemplo, em Variedades da Experiência Religiosa (James, 1902/1985) - estão permeadas de questões teóricas mais gerais, como a própria ideia de experiência e de natureza humana. Vale notar também a afinidade entre a obra de Fechner e a de James, que viu no primeiro uma fonte fundamental para suas reflexões filosóficas sobre a consciência, como se vê em Um Universo Pluralista (1909/1977).
Se é verdade, pois, que a psicologia experimental ampliou muito seu poder metodológico e gerou novas formas de conhecimento psicológico, não parece haver dúvidas de que ela encolheu teoricamente, no sentido de privilegiar a microteorização em detrimento da macroteorização, além de ter praticamente expulsado de suas fileiras a elaboração metafísica. Talvez valha a pena, então, ao menos recolocar a questão da teorização em psicologia, e buscar novos caminhos para a integração dos resultados experimentais e das microteorias em teorias mais abrangentes. Uma maior valorização da dimensão teórica, por sua vez, poderia levar a uma nova forma de colaboração entre a pesquisa experimental e a pesquisa teórica - sem ignorar também as tensões inerentes a tal colaboração -, o que acabaria por evidenciar a relevância e a atualidade das macroquestões colocadas pelos três autores aqui discutidos. E se eles não podem responder a todas as demandas contemporâneas da pesquisa experimental - o que seria de fato um contrassenso -, talvez possam ao menos sugerir rumos, insights, ideias. É assim que vejo sua relevância para o futuro da psicologia experimental. Não como fantasmas do passado, mas sim como interlocutores reais.
Considerações finais
Se o argumento que apresentei aqui é válido, cabe então a seguinte pergunta: por que o diálogo com esses autores não ocorre hoje na psicologia experimental?
Num primeiro momento, pelo menos no caso brasileiro, a resposta parece simples, bastando para tanto apontar a falta de acesso aos textos originais. Contudo, se for introduzida uma segunda pergunta - como é possível que ainda hoje não tenhamos uma tradução para o português dessas obras fundamentais? -, vem à tona uma dimensão mais profunda do problema, o que me obriga a buscar alhures uma resposta.
Tal busca, por sua vez, leva à problematização do modelo atual de formação do psicólogo - tanto na graduação quanto na pós-graduação -, que tem como uma de suas características centrais o tratamento caricatural dos grandes autores do passado, incluindo aí os três abordados neste artigo. Na melhor das hipóteses, essas grandes obras servem como referências bibliográficas mencionadas, mas jamais lidas! Como consequência, as discussões mais profundas e potencialmente iluminadoras para a reflexão atual desaparecem do horizonte do psicólogo, que se vê, então, obrigado a consumir mais textos contemporâneos, que, por sua vez, repetem o mesmo problema a ser combatido - um verdadeiro círculo vicioso. É esse modelo de formação, então, que serve como resposta a ambas as perguntas.
Na ausência de princípios teóricos mais gerais, que, em geral, são transmitidos e consolidados ao longo dos anos pelos chamados "textos clássicos" da disciplina, não é possível haver nenhum diálogo efetivo entre psicólogos sobre as relações entre passado, presente e futuro da psicologia, supondo, é claro, que tal interesse exista. Assim, a própria ideia de um diálogo com os psicólogos experimentais do passado perde todo o sentido.
O acesso, então, às obras seria apenas o primeiro passo, um passo necessário, mas não suficiente. Em seguida, seria preciso modificar o modelo de formação do psicólogo, abrindo espaço para que o contato com os clássicos não seja nem cerimonial nem caricatural. Dessa forma, autores como Fechner, Wundt e James deixariam de ser meros fantasmas do passado e passariam a servir como interlocutores potenciais. É somente nesta condição que seu legado pode fazer algum sentido para a formação do psicólogo contemporâneo e, por conseguinte, para o futuro da psicologia experimental.
Agradecimento
O presente trabalho contou com o apoio financeiro do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), ao qual o autor agradece.
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