Afinal, temos livre-arbítrio ou não?

Suzana Herculano-Houzel 



Os estudos mostram: começamos a preparar movimentos até um segundo antes de sentirmos "vontade" de fazer aquele movimento; a atividade do cérebro prediz se escolheremos A ou B a seguir antes de "sabermos" o que escolher; uma decisão já pode ter sido feita pelo cérebro até 7 segundos antes de tomarmos ciência do que vamos decidir. Pergunta: então, livre-arbítrio não existe, certo?


Errado.


Errado, em ao menos três níveis.


Primeiro: ao contrário do que dizem os livros didáticos, o sistema nervoso NÃO serve para "detectar estímulos e organizar respostas a eles". Fosse assim e nós viveríamos presos ao presente, condenados a apenas reagir aos acontecimentos. Nessas condições, até andar seria um problema - pois, para nos mantermos em pé, é preciso antecipar a queda iminente e mover as pernas sempre na expectativa do desastre. Não somos, portanto, máquinas de reagir-a-estímulos: nós nos adiantamos a eles, e fazemos isso porque o cérebro cria modelos internos do mundo, prevê acontecimentos, e toma decisões com base em suas expectativas.


Segundo: não precisamos esperar que estímulos aconteçam. Somos capazes de iniciar comportamentos por conta própria, com base em nossas experiências anteriores e expectativas para o futuro. Só assim é possível entender como decidimos começar a estudar hoje para uma prova amanhã, ou levantar da cama com desejo de assistir a um filme específico, ler aquele livro que um dia você viu na estante, ou ir para a rua correr ao sol.


Terceiro: mesmo que tenhamos decidido fazer, comprar ou falar, é sempre possível voltar atrás, até o último instante - desde que você tome ciência do que está prestes a fazer. Seu cérebro prepara suas ações com segundos de antecedência, mas ao menos meio segundo antes de passar à ação é possível tomar ciência do que se está prestes a fazer - e isso é tempo suficiente para então decidir, se for o caso, NÃO fazer.


E, por último, a razão maior para dizer que livre-arbítrio, sim, existe - e que pode ser ao mesmo tempo a constatação mais difícil e também a mais simples de todas: no que tange às suas decisões, você É o seu cérebro. Se seu cérebro decidiu agora mas só tomará ciência disso daqui a 7 segundos, VOCÊ decidiu agora e só tomará ciência disso daqui a 7 segundos…


(Inspirado em ensaio do biólogo alemão Martin Heisenberg, na revista Nature de 4 de maio de 2009, em que ele sustenta que não é preciso termos consciência de nossas decisões para sermos considerados seres dotados de livre-arbítrio; o que importa é que nossas ações são auto-geradas)


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