Fenomenologia transcendental e a psicologia fenomenológica de Edmund Husserl

 Por  Tommy Akira Goto (Universidade Federal de Uberlândia); Adriano Furtado Holanda (Universidade Federal do Paraná); Ileno Izidio da Costa (Universidade de Brasília).


RESUMO

Este artigo procura resgatar o sentido e a proposição original, em Edmund Husserl, da Psicologia Fenomenológica como uma Psicologia que trata efetivamente da subjetividade e do psiquismo humano a partir do fenômeno essencial que caracteriza o ser humano: a consciência intencional. Desta feita, intenta buscar, com a precisão husserliana, resgatar as bases filosóficas de uma ciência rigorosa do psíquico – a Psicologia Fenomenológica –, que não se confunde com os fundamentos filosóficos da Fenomenologia Transcendental, mas que deveria caminhar, "enquanto ciência de rigor do psicológico" ao lado desta, objetivando superar a crise da psicologia positivista e cientificista e lançando bases para uma efetiva psicologia do ser humano.

Palavras-chave: Psicologia científica, Subjetividade, psíquico.


INTRODUÇÃO: Psicologia e Fenomenologia

"As ciências são criações do
espírito que perseguem certo fim e
devem ser julgadas, portanto, de acordo com esse fim."
Edmund Husserl

É corrente afirmar que a Psicologia, na história das ciências modernas, foi inaugurada oficialmente como ciência natural apenas no final do século XIX, mesmo que argumentos distintos apontem para o início do século. A separação da Psicologia, em relação à Filosofia – passando pela Fisiologia – se deu oficialmente com a fundação dos "Laboratórios de Psicologia Experimental", que se concretizaram pela incorporação e a prática do modelo científico-natural às investigações em psicologia. No entanto, é indispensável destacar que a institucionalização das disciplinas de Psicologia, promovida pela reforma educacional de 1824 na Alemanha, e o progressivo interesse na Psicologia em diversas áreas, não coincide com a institucionalização da psicologia experimental e a consequente proliferação dos laboratórios; fato que promoveu essa definitiva emancipação da filosofia (Araújo, 2013).

No entanto, no processo de emancipação da Psicologia como ciência natural, é possível afirmar que ela não desenvolveu uma metodologia própria. Ou seja, se por um lado não delimitou claramente seu objeto, por outro, não elaborou uma teoria e um método únicos, próprios para suas investigações (específicos ou únicos enquanto paradigma, conforme postula Kuhn, 1991). Ao contrário, passou a se alicerçar – predominantemente – a partir da incorporação direta dos modelos normativos de ciência natural, tais como a observação, a experimentação e a quantificação, a partir da imposição ideológica do Positivismo reinante. Assim, foi a partir da ciência positiva e natural que a Psicologia se apresentou como uma "verdadeira" ciência da consciência, do psiquismo e, posteriormente do comportamento e da cognição.

Cabe lembrar que Auguste Comte (1830-1842/1975), em seu Curso de Filosofia Positiva, anunciou que a validade da observação do humano, e consequentemente a possibilidade de uma Psicologia científica, estaria limitada à observação externa, sendo – portanto – tarefa da Biologia, ou, em última análise, da sociologia (enquanto um conhecimento como história moral). "Assim, ou bem a psicologia se atém à especificidade de seu objeto e, uma vez que ele escapa à observação externa, abre mão imediatamente de sua inscrição na ciência, confundindo-se ora com a metafísica, ora com a literatura; ou bem se submete ao método positivista e, nesse caso, passa a ser ciência da natureza, perdendo de vista seu objeto: o sujeito" (Silveira, 2018, 15-16).

Como é comum a todos, a psicologia científica teve início na tradição filosófica alemã, porém, diferentemente do que indicam os manuais de psicologia, a emancipação da psicologia científica não se deu especificamente com a fundação do Laboratório de Psicologia Experimental de Wilhelm Wundt, na Universidade de Leipzig. Diferentemente, a conquista científica da Psicologia decorreu de uma mudança conceitual e epistemológica no interior de seu estatuto teórico, desde o século XVIII, deixando de ser a reflexão e cuidado da alma para ser a ciência natural da consciência ou dos fenômenos psíquicos, o consequentemente levou a ser uma ciência psíquica de ordem naturalista. Cabe ainda destacar que, em meados do século XX, a Psicologia não se referia mais exclusivamente só aos fenômenos psíquicos – devidos aos problemas epistemológicos do estudo da subjetividade – mas preferencialmente ao comportamento, constituindo em seguida, uma ciência do comportamento. Comenta Heidbreder (1981) que a "Psicologia científica nada mais é do que um prolongamento do método científico a uma região onde a observação desinteressada tem sido particularmente difícil" (p.72).

No entanto, a motivação originária da Psicologia, desde sua elaboração na antiguidade greco-romana, foi a de refletir sobre a alma, de explorar a interioridade humana (ou a subjetividade) e de toda a natureza não material, definindo, assim, historicamente, objetos como: a alma (ou o anímico), o psiquismo, a interioridade da pessoa, o ato mental, o espírito e, por fim, a consciência. Ao se tornar ciência natural, então, a psicologia passou a fazer uso exclusivo de métodos objetivos em suas análises, causando uma confusão interna na explanação de seus pressupostos, além de criar um claro "problema de legitimação" (Canguilhem, 1956/2012).

Sobre esse processo, destaca-se a posição do filósofo e fundador da Fenomenologia, Edmund Husserl (1959-1938) que foi um dos principais críticos à psicologia científica (experimental) da sua época, denunciando os sérios problemas epistemológicos na constituição dessa ciência ao estabelecer-se como psicologia fundamental. Ainda, esteve entre os principais filósofos que elaboraram o "Manifesto contra os psicólogos experimentais", publicado primeiramente na Revista Logos em meados de 1913 e depois em alguns periódicos e jornais alemães. É importante evidenciar, conforme comenta Araújo (2013), que o "Manifesto" tinha como intuito principal, reivindicar a criação de cadeiras de psicologia experimental nos cursos das universidades alemãs, uma vez que os psicólogos experimentais estavam ocupando quase vinte por cento das cadeiras de filosofia.

Deve-se entender que a crítica que Husserl faz à psicologia científica não se resumiu apenas a um ato político, tal como o manifesto, mas – como analisa Merleau-Ponty (1973) – foi a evidente existência de um sério "conflito – filosófico, e portanto, epistemológico – entre as exigências de interioridade racional pura, e as exigências de uma psicologia considerada como ciência da determinação exterior das condutas do homem" (p. 30). Para Husserl, essa confusão está situada na subordinação da vida do espírito à vida natural, postulando, assim, o espírito como um elemento derivado da natureza física. Sobre isso, comenta o filósofo: "Com toda a seriedade, sou da seguinte opinião: não existiu nunca, nem existirá jamais, uma ciência objetiva do espírito, uma doutrina objetiva da alma, objetiva no sentido se atribuir às almas, às comunidades pessoais, inexistência ["existência em"] nas formas da espaço-temporalidade". (Husserl, 1954/2012, p.273).

Nesse sentido, ao adotar o modelo físico-matemático das ciências naturais, a psicologia científica assumiu a realidade do objetivismo natural nos dois mundos – o físico e o psíquico – naturalizando o psiquismo (consciência). E, ao se assumir como uma ciência empírica, natural e probabilística, edificando-se com os métodos das ciências objetivas, perdeu de vista o verdadeiro sentido de uma psicologia como a que aqui tentar-se-á caracterizar. A psicologia científica, como declara Husserl (1954/2012), "(...) fracassou, porque já na sua fundação originária como psicologia de uma nova espécie, ao lado da ciência da natureza moderna, negligenciou questionar o único sentido genuíno da tarefa que lhe é essencial como ciência universal do ser psíquico" (p. 165). Alcançar a abrangência dos resquícios de uma visão positivista de se fazer psicologia é perceber que focar ou privilegiar somente os aspectos objetivos significa, em verdade, a naturalização do saber, do sujeito, da consciência e da vida psíquica. Assim, preconizou Husserl (1954/2012) que "(...) na urgência de nossa vida – ouvimos – esta ciência nada nos tem a dizer. Ela exclui de um modo principal justamente as questões que, para os homens do nosso tempo desafortunado (...) são questões prementes: as questões acerca do sentido ou ausência de sentido de toda existência humana" (p. 3).

A Psicologia que tem o encargo de estudar a vida psíquica per si e a tarefa de acessar a essência da subjetividade na realidade, de modo científico, natural, não o faz. Ao contrário, acabou desviando-se dessa tarefa pela simples incapacidade do Positivismo em captar o autêntico fundamento da subjetividade. Para Husserl (1954/2012), os problemas enfrentados na Psicologia são reflexos daquilo que denominou "crise das ciências", pelos cientistas não compreenderem que, ao contrário do que postulam, a natureza objetiva é possuidora de uma autonomia relativa e não absoluta. Husserl buscou mostrar que é só o "(...) espírito e, exclusivamente o espírito que existe em si mesmo e para si; só o espírito é autônomo e pode ser tratado com essa autonomia, de forma verdadeiramente racional e de modo radical" (Gómez-Heras, 1989, p.57).

Dessa maneira, é do objetivismo adotado com veemência, que deriva o fracasso da psicologia moderna, porque ao tornar-se uma ciência autônoma não alcançou a peculiar essência da consciência e não compreendeu o contrassenso da interpretação psicofísica da subjetividade e da existência humana. Dessa forma, para Husserl, é necessário instaurar na psicologia científica a crítica da predominância da natureza objetiva sobre o psiquismo, ou como pensa o filósofo, sobre o espírito, porque, "como a física, a ciência da natureza no sentido habitual é uma ciência empírica dos fatos materiais, da mesma forma a psicologia é a ciência empírica (ciência da natureza) dos fatos espirituais" (Husserl, 1975, p. 279).

A vida tem dimensões diferentes, ou seja, a vida não possui um sentido apenas fisiológico-natural, mas é uma "vida ativa em vista de fins, realizadora de formações espirituais – no sentido mais lato, na vida criadora de cultura na unidade de uma historicidade" (Husserl, 1954/2012, p. 249). E, nesse sentido, parece um contrassenso subordinar a vida do espírito à natureza, se a própria vida espiritual é produtora do sentido da ciência e da natureza. Husserl, ao expor e analisar o impasse da psicologia científica (praticamente em quase toda sua obra), afirmou que somente com a Fenomenologia Transcendental a psicologia será capaz de restabelecer um método e um fundamento que retome autenticamente a motivação das ciências do espírito (ciências humanas e sociais), tornando-se assim uma autêntica Psicologia, ou seja, uma Psicologia Fenomenológica.

A relação da Fenomenologia com a Psicologia está presente desde as Investigações Lógicas de 1900/1901; porém, as suas distinções e as colaborações entre ambas foram definidas previamente no texto, "Filosofia como ciência de rigor", publicado em 1910 na Revista Logos. Nesse texto, Husserl (1910/1965) afirma, entre outras coisas, que "(...) é de esperar de antemão que a Fenomenologia e a Psicologia devem estar próximas uma da outra, referindo-se ambas à consciência, embora de modos diversos e em ‘orientação' diversa, podendo dizer-se que à Psicologia interessa a ‘consciência empírica', (...) algo existente na continuidade da natureza, ao passo que à Fenomenologia interessa a ‘consciência pura'" (p.19). Em relação à Fenomenologia, é importante salientar que consiste em uma filosofia cujo projeto radical está no retorno à subjetividade transcendental e ao mundo-da-vida, buscando recuperar metodologicamente a origem de todas as vivências, ou seja, a própria automanifestação da subjetividade transcendental. É uma filosofia e um método que consiste, em termos gerais, em um estudo rigoroso e descritivo dos fenômenos, ou seja, constitui-se como uma "ciência dos fenômenos". Para Husserl (1929/2013) não são das filosofias e da ciência que se deve partir o impulso da investigação, mas sim, dos problemas e das próprias coisas.

No entanto, o que entendeu Husserl por fenômenos, ou seja, "as próprias coisas"? Husserl entendeu por fenômenos o modo de manifestação de todas as coisas. A palavra "fenômeno" (φαινόμενον, phainomenon) é entendida por Husserl como tudo aquilo que aparece, ou seja, todas as coisas (Sachen) que se mostram a alguém. Aqui convém observar que "coisa", nesse contexto, não deve ser entendida apenas como coisa física (Ding), como por exemplo, um livro, uma casa, etc., presentes em "carne e osso". As coisas (Sachen, sache) que se mostram às pessoas, devem ser tratadas como fenômenos, porque em suas aparições é possível, de imediato, compreender os seus sentidos e não apenas o sentido físico. Isso acontece porque existe no ser humano uma necessidade de significar tudo aquilo que se mostra em sua experiência. Husserl, então, identifica essa busca de sentido das coisas (Sachen) como o problema fundamental da Filosofia.

É possível perceber isso na própria história do pensamento ocidental, porque muitas foram as filosofias que descreveram o sentido das coisas. Contudo, como analisa Husserl (1954/2012), as filosofias e a própria psicologia (que também tem como objeto de estudo a consciência e seus conteúdos) só alcançaram partes das coisas (ou dos fenômenos), ou seja, ora coisa como física ora como ideia; ou coisa como orgânica, coisa como psíquica, etc. Assim, quando se diz que algo se mostra ou aparece, tem-se já subentendido que aquilo que se mostra, mostra-se a alguém, a nós, seres humanos. Esse é um ponto importante da fenomenologia: a ideia de que os fenômenos e a consciência humana estão sempre correlacionados, em constante movimento (Fernandes, 2011; Goto, 2015).

Também é possível afirmar que o objetivo fundamental de Husserl era encontrar o fundamento de todas as ciências, a fim de garantir que o ato de pensar tenha uma segurança inabalável e, assim, devolver ao estatuto do saber a credibilidade da racionalidade humana. Para isso, no entendimento de Husserl, a fenomenologia tem que constituir-se como fundamento e método – uma atitude filosófica – e não como uma doutrina filosófica, porque sua motivação está em encontrar e discutir a questão do conhecimento e que seja suficiente para restabelecer o estatuto do conhecimento e das relações do ser humano com mundo, seguindo um critério rigoroso (Goto, 2015). Husserl, então, concebe a fenomenologia como uma:

[...] fenomenologia pura, cujo caminho aqui queremos encontrar, cuja posição única em relação a todas as demais ciências queremos caracterizar e cuja condição de ciência fundamental da filosofia queremos comprovar, é uma ciência essencialmente nova, distante do pensar natural em virtude de sua peculiaridade de princípio e que, por isso, só nossos dias passou a exigir desenvolvimento. Ela se denomina uma ciência de "fenômenos". [...] Por diferente que seja o sentido da palavra fenômeno em todos esses discursos, e que significações outras ainda possa ter, é certo que também a fenomenologia se refere a todos esses "fenômenos", e em conformidade com todas essas significações, mas numa atitude inteiramente outra, pela qual se modifica, de determinada maneira, o sentido de fenômeno que encontramos nas ciências já nossas velhas conhecidas. (Husserl, 1913/2006, p.25).

Tomado por esse empreendimento filosófico, Husserl chega ao elemento fundamental da fenomenologia filosófica: o "a priori da correlação universal" entre o objeto da experiência e seus modos pelos quais se dão. Isso significa que originariamente cada consciência ou modo de consciência é correlato com o mundo e tem seus objetos e, ainda, que o mundo e cada objeto têm seus modos peculiares de ser dados à consciência. Nos seus últimos escritos, publicados postumamente em 1954, sob o título de "A Crise das ciências europeias e a Fenomenologia Transcendental", Husserl comenta que o

(...) irromper inicial deste a priori universal da correlação do objeto da experiência e das maneiras de dação (cerca do ano de 1889, durante a elaboração das minhas "Investigações Lógicas"), perturbou-me tão profundamente que o trabalho inteiro da minha vida foi desde então dominado por esta tarefa de uma elaboração sistemática deste a priori da correlação (Husserl, 1954/2012, p.136).

Foi com a descoberta do "a priori da correlação universal" que Husserl modificou significativamente o conceito de "intencionalidade" desenvolvido por Franz Brentano (1838- 1917), mestre e amigo de Husserl, que postulava que toda consciência é sempre "consciência de algo", ou seja, que todo pensar é sempre "pensar em algo", todo sentir é "sentir algo", e assim por diante. É notório que Husserl manteve a ideia geral de intencionalidade e a considerou como um grande avanço filosófico desde Descartes; porém, diferentemente de Brentano, revisitou esse conceito, mostrando que a consciência intencional, em verdade, não é única e exclusivamente psicológica, mas é constituída por uma multiplicidade de atos intencionais, ou seja, que cada modo de consciência tem seus objetos (fenômenos) e vice-versa, indo para além da atribuição psicologista de Brentano (Goto, 2012). Ainda, a intencionalidade não é apenas uma ligação ou conexão com o objetivo, mas é um ato que visa possuir o objeto que acontece por muitos atos. Nas "Investigações", Husserl (1900-1901/2007) descreve a consciência em vários sentidos, indo além do significado psicologista-empírico dado na época, sendo a consciência entendida como unidade de vivências (fluxo de vivências), como percepção interna das vivências (o ser-consciente) e, por fim, como vivência intencional.

A vivência intencional, como analisa Husserl (1900-1901/2007), é tudo aquilo que se vive, ou seja, tudo aquilo de que se tem consciência e que por ela se registra algo. Contudo, é importante destacar que essa ideia não deve ser confundida com o sentido popular de "vivência". Husserl (1900-1901/2007) escreve que "(...) o nosso conceito de vivência [fenomenológico] não está em consonância com o popular", no sentido de um "complexo de acontecimentos externos, e o viver de percepções, ajuizamentos e outros atos, nos quais esses acontecimentos se tornam uma aparição objetiva e, frequentemente, objetos de certo ato de posição referido ao eu empírico" (p.383). Essa ideia se refere à experiência (Erfahrung). Ao contrário, o sentido fenomenológico de vivência não significa viver no sentido da experiência, mas sim, em "darmos conta" daquilo que se vive, ou seja, "o que se vive", referindo-se "aos atos característicos da interioridade do ser humano que vão desde a percepção até a recordação, a imaginação, o pensamento e assim por diante, entendidos como elementos estruturais e constitutivos da consciência" (Bello, 1998, p. 26). Ainda, a vivência de algo é, por assim dizer, a vivência de um sujeito que vive no mundo, que: "a) sempre encontra o mundo como algo pré-dado e pré-existente e que, b) encontrase a si mesmo nesse mundo. No entanto, a vivência, onde o homem encontra o mundo e a si mesmo, é a vivência de um sujeito que possui vivências das coisas como experiência mais originária da consciência" (Gómez-Heras, 1989, p. 211).

Para Husserl (1954/2012), é somente com essa nova filosofia que se poderá acessar à subjetividade enquanto tal e que poder-se-á transcender a concepção positivista, objetivista, da realidade subjetiva e retomar o sentido da humanidade na sua motivação originária. Para isso, Husserl propõe outro método à Psicologia que tenha acesso à subjetividade, evitando a ruptura entre o objeto e o sujeito e suas confusões de limites, ou seja, o método fenomenológico. O método fenomenológico tem como princípio fundamental o de reconduzir a atenção às "coisas mesmas" (Zu den Sachen selbst). Isso significa que se deve dirigir a atenção diretamente ao fenômeno, ou seja, a tudo aquilo que aparece imediatamente à consciência intencional.

Ainda, o "voltar às coisas mesmas" consiste na retomada ao mundo prévio às teorizações, a um mundo que é vivo, originário e de onde parte toda posterior idealização científica. Isso porque, segundo Husserl (1954/2012), o método fenomenológico proporciona a recuperação do mundo das experiências originárias, pré-científicas e constituí-lo em argumento de uma ciência universal fundamental, porque só no mundo-da-vida é que é dado o "reino das evidências originárias". No texto "O mundo-da-vida – explicitações do mundo pré-dado e sua constituição" - textos que datam de 1916 a 1937 - Husserl afirma que o "mundo nos é pré-dado. Se dirigirmos nosso olhar direta e ativamente até algo qualquer, este já estava aí, afetou-me, motivou-me para ‘voltar-se para' e assim, pode agora ser diretamente captado por mim" (Husserl, 2008, p.26).

Entretanto, para o acesso imediato aos fenômenos é preciso dar um primeiro passo metódico, pois para que se possa reconduzir-se ao fenômeno, é fundamental que se deixe de lado, ou "fora de circulação", as teorias ou conceitos teóricos. Ainda, deve-se "deixar de lado", principalmente a maneira natural pela qual se aceita as coisas do mundo e o mundo mesmo, ou seja, todas as crenças estabelecidas e o mundo efetivo. A essa maneira ou orientação natural que se tem das coisas e do mundo, Husserl denominou de "atitude natural". Descreve Husserl:

Pelo ver, tocar, ouvir, etc., nos diferentes modos da percepção sensível, as coisas corpóreas se encontram simplesmente aí para mim, numa distribuição espacial qualquer, estão, no sentido literal ou figurado, "à disposição", quer eu esteja, quer não, particularmente atento a elas e delas me ocupe, observando, pensando, sentindo querendo. Também seres animais, por exemplo, homens, estão imediatamente aí (Husserl, 1913/2006, p.73).

Para isso Husserl concebe como um primeiro passo, a epoché universal que, em síntese, consiste em "tirar de circulação" ou "por entre parênteses" a orientação natural. Significa colocar "fora de ação a tese geral inerente à essência da orientação natural", colocando "(...) entre parênteses tudo o que é por ela abrangido no aspecto ôntico: isto é, todo este mundo natural que está constantemente ‘para nós aí', ‘a nosso dispor' e que continuará sempre aí como ‘efetividade' para a consciência, mesmo quando nos aprouver colocá-la entre parênteses" (Husserl, 1913/2006, p.81). Edith Stein (2003) reforça a importância do método fenomenológico dizendo que a epoché, na prática, consiste em "(...) deixar de lado o quanto for possível o que ouvimos e lemos ou o que nós mesmos produzimos a fim de se achar a melhor solução para a situação. Isso para, por assim dizer, acercarmos-nos das coisas com um olhar livre de preconceitos e poder absorver-nos da intuição imediata" (p. 33). Dessa maneira, o método fenomenológico promove uma passagem da atitude natural à atitude fenomenológica, ou seja, uma nova atitude que deixa de lado todas as posições já aceitas pelo cotidiano e pela ciência, para poder começar uma mais radical e abrangente análise. Contudo, deve-se advertir que essa "colocação entre parênteses" ou a suspensão da tese do mundo natural, não deve de nenhuma maneira ser confundida por aquilo que os positivistas ou os realistas ingênuos entenderam por neutralidade, ou seja, uma ciência "livre de teoria" ou mesmo de metafísica.

A atitude fenomenológica possibilita ao fenomenólogo (psicólogo) tomar distância das intencionalidades da atitude natural e o recoloca frente às intencionalidades mesmas, ou seja, em uma contemplação das mesmas. Ainda, consoante San Martín (1986), a atitude fenomenológica permite encontrar presente pelo menos três níveis ou aspectos do fenômeno: 1) os atos próprios do sujeito (perceber, amar, odiar, desejar, julgar, etc.); 2) aquilo que é dado nos tais atos e, por fim 3) a realidade em si. Para o filósofo, somente com a epoché universal será possível captar o essencial, as irrealidades, ou seja, tudo aquilo que está para além do mundo efetivo, fático, real. Uma vez que a percepção/intuição permitiu a imediaticidade do fenômeno por ele mesmo, ou seja, em sua "autopresentificação originária", é dado então, a captação daquilo que ele é em sua essência, presente nos vários modos de se presentificar. Comenta Stein (1932/2003) que "a intuição não é somente a percepção sensível de uma coisa determinada e particular, tal como é aqui e agora. Existe uma intuição do que a coisa é por essência e isto tem um duplo significado: o que a coisa é pelo seu ser próprio e o que é por sua essência universal" (p. 23).

Husserl (1913/2006) designa por "essência" (Eidos) aquilo que se encontra no ser próprio de um indivíduo como o que ele é, mas que cada um desses ‘o quê' ele é, seja ‘posto em ideia'. Por isso, logo no primeiro livro das "Ideias para uma Fenomenologia Pura e uma Filosofia Fenomenológica", publicada em 1913, o filósofo distinguirá os fatos das essências, porque "cada objeto individual tem uma composição eidética como sua essência, assim como, inversamente, a cada essência correspondem indivíduos possíveis que seriam suas singularizações fáticas" (p.42). Esse processo metódico de captar o essencial, garantindo a evidência daquilo que se analisa, Husserl denominou de método eidético. Pode-se dizer que a fenomenologia eidética é uma ciência eidética, porque se caracteriza em ser uma "visão" direta às próprias coisas, recolhendo delas a "composição eidética", via intuição/percepção, cujo propósito consiste em começar por aquilo que é originariamente (Originär) dado como fundamento de todo o conhecimento. Só assim teremos a garantia daquilo que se mostra, conduzindo-nos ao caminho das evidências (Urevidenz).

É com uma proposta de método radical que se poderá acessar original e genuinamente a subjetividade, e assim, ultrapassar a crise das ciências e retomar o sentido da humanidade na sua motivação originária. É com a Fenomenologia Transcendental e, consequentemente com a Psicologia Fenomenológica, que se terá a possibilidade de retomar um novo sistema de relações entre a subjetividade e a objetividade, evitando a ruptura entre objeto/objeto e mundo vivido e mundo teórico.

 

A CONSTITUIÇÃO DA PSICOLOGIA FENOMENOLÓGICA DE EDMUND HUSSERL

Com a fundação da Fenomenologia Transcendental e as críticas de Husserl à psicologia científica – e ao Psicologismo (Husserl, 1910/1965; 1954/2012) – tem-se, consequentemente, a proposta de reformulação da psicologia moderna/científica para que se constitua uma Psicologia Fenomenológica. Convém lembrar que as aproximações de Husserl com a Psicologia eram recorrentes, desde seus contatos com Brentano; mas, enquanto estabelecia paralelos, nunca foi sua proposta estabelecer uma identidade entre as duas disciplinas, nem a alienação de uma sobre a outra, mas a intenção de constituir uma Psicologia Eidética, sobre a qual se alicerçaria a Psicologia Empírica (Farber, 1956; Rafaelli, 2004; Peres, 2016; Reis, Holanda & Goto, 2016; Goto, Holanda & Costa, 2018).

No entanto, convém dizer também que todo o desenvolvimento da Psicologia Fenomenologia passou por diversos momentos, evidenciando como essa Psicologia mantem sua relação com a própria Fenomenologia. É possível destacar aqui pelo menos três momentos dessa relação: 1. o momento "pré-transcendental", caracterizado pela crítica ao psicologismo e a psicologia científica, cujo intuito estava na diferenciação entre a Fenomenologia e a Psicologia, presente nas obras Investigações Lógicas (1900-1901), Filosofia como ciência de rigor (1911), Problemas Fundamentais da Fenomenologia (1910- 1911); 2. o momento "transcendental", caracterizado pela concepção de "Psicologia Fenomenológica", ou seja, uma disciplina que Husserl vai estabelecer definitivamente como paralela e complementar a Fenomenologia Transcendental, presente nas obras Ideias para uma Fenomenologia Pura e uma Filosofia fenomenológica (1913), Psicologia Fenomenológica (1925), texto da Enciclopédia Britânica (1927); e, por fim, o momento "póstranscendental", que aparecerá na obra A crise das ciências europeias e a Fenomenologia Transcendental (1935-1937), caracterizado pela descoberta que Husserl chamará de surpreendente, ou seja, a identificação da Psicologia Fenomenológica à Fenomenologia Transcendental, postulando assim a Psicologia como Transcendental, tal como comenta Husserl: "O resultado surpreendente da noda investigação pode também, como parece, ser assim expresso: não existe uma psicologia pura como ciência positiva [...]. Só existe uma psicologia transcendental, que é idêntica à filosofia transcendental" (Husserl, 1954/2012, p. 208). Esse momento pode ser entendido como a transformação radical da ciência psicológica em uma "Psicologia Transcendental", que entenderá a vida psíquica humana não mais reduzida a um organismo fisiológico, mas sim fundamentada na subjetividade transcendental.

Cabe dizer que esses "momentos" não são excludentes, mas evidenciam a gênese e o desenvolvimento da Psicologia Fenomenológica. Nesse artigo buscou-se evidenciar apenas o momento "transcendental", por entender que esse momento está mais próximo do psicólogo contemporâneo seja em suas pesquisas empíricas ou nas possíveis 49 reflexões que venha a fazer de sua prática, justamente porque busca conhecer as peculiaridades das vivências psíquicas intencionais, habitualidades psicológicas, ou seja, "a configuração total de uma vida psíquica em geral" (Husserl, 1927/1991). Frente a isso, questiona Husserl (1924-25/2001) que se antes de colocar os objetos psicológicos em experimentos, como faz a psicologia científica experimental, não seria mais importante e fundamental saber primeiro o que eles são ou como são constituídos? Claro que com esses questionamentos, Husserl (1954/2012) não nega nenhum tipo de contribuição que a psicologia científica venha a dar, pois concorda para o fato que existe sim uma psicologia como ciência sobre o solo do mundo pré-dado, ou seja, dos homens e animais simplesmente no mundo. Contudo, para o filósofo, a pesquisa científica é relativa e limitada, tal como a ciência positiva, porque não questiona aquilo que é essencial do psíquico ou da própria consciência. Por isso postulou a Psicologia Fenomenológica que tem, então, como diz, um afã reformador, no sentido de resgatar, a partir do método fenomenológico, a "essência" da vida psíquica. Explica Husserl, na introdução do texto da Enciclopédia Britânica, publicado em 1927:

[...] Ao mesmo tempo em que a fenomenologia filosófica, mas sem se distinguir a princípio dela, surgiu uma nova disciplina psicológica paralela a ela, quanto ao método e ao conteúdo: a psicologia apriorística pura ou "psicologia/fenomenológica", na qual, com um afã reformador, pretende ser o fundamento metódico sobre a qual pode, por princípio, erguer-se uma psicologia empírica cientificamente rigorosa. A demarcação desta fenomenologia psicológica rodeada do pensamento natural seja talvez conveniente como introdução propedêutica para elevarmos a compreensão da fenomenologia filosófica. (Husserl, 1927/1990, p.59)

Foi com as análises fenomenológicas da consciência transcendental que Husserl chegou a uma concepção de uma Psicologia Fenomenológica (via psicológica), pautada na necessidade de primeiro esclarecer a natureza da vida psíquica, as estruturas vividas concretamente e a totalidade dos modos de consciência psíquica. Ainda, deve-se entendê-la não como uma psicologia empírica em suas relações com o físico (como se orienta a psicologia científica), mas como uma psicologia pura, ou seja, uma psicologia que investiga as vivências psíquicas per si e que transcende a relação psicofísica. "A pura psicologia não conhece justamente senão o subjetivo, e admitir aí como existente algo de objetivo é já dela ter aberto mão" (Husserl, 1954/2012, p.209). 50

A delimitação desse "novo" lugar para a Psicologia pode ser muito bem esclarecido naquilo que Husserl (2011), nas lições de 1925-1928, define como seus pontos de partida: tomemos o §5, no qual delimita a psicologia fenomenológica, a partir das distinções com as demais ciências do espírito e da natureza; afirmando – em seu §6 – a "necessidade de um retorno ao mundo da experiência pré-científica e à experiência na qual ela é dada (concordância da experiência)" (p. 56). A Psicologia Fenomenológica aparece, então, como uma psicologia radical em relação às outras psicologias (empíricas e experimentais), porque somente esta está dirigida genuinamente à vida psíquica em si mesma e as suas estruturas, conduzindo seu "olhar" verdadeira e genuinamente para a interioridade psíquica. Diante dessa concepção, a Psicologia Fenomenológica pode ser resumida, como descreve Husserl (1924-25/2001), como possuidora de características básicas, a saber: constitui-se uma ciência a priori; como uma ciência descritiva e eidética, possuindo um caráter intuitivo.

A Psicologia como ciência descritiva – já delimitada nas Investigações Lógicas – refere-se ao caráter propedêutico a uma psicologia naturalista, ou seja, serviria de "fundo", de solo de enraizamento para esta: "Por um lado, ela serve à preparação da Psicologia enquanto ciência empírica. Ela analisa e descreve (especialmente enquanto fenomenologia do pensar e do conhecer) as vivências representativas, judicativas e cognitivas, que devem encontrar na Psicologia a sua explicação genética e a sua investigação segundo as conexões empírico-legais" (Husserl, 1900-1901/2007, p. 4).

A psicologia como uma ciência a priori e eidética significa que a psicologia, em sentido pleno, deve ser fundada como uma ciência das universalidades (necessidades essenciais) das vivências psíquicas, ou seja, como uma ciência das essências universais do psiquismo, sem as quais seriam inconcebíveis os seres psicológicos. A Psicologia Fenomenológica como ciência eidética deve então se fixar na descrição da essência (pureza) da estrutura psicológica tal como aparece à intuição e à reflexão; isso significa apreender o essencial da "vida anímica". Assim, o psicólogo, como estabelece Husserl (1954/2012), que busca uma ciência rigorosa da vida interna e intencional, deve adotar o método da redução fenomenológico-psicológica (redução eidética), porque só assim poderá se desvencilhar da orientação natural-científica, como também da atitude natural na qual vive todos, inclusive o psicólogo. Recomenda Husserl que:

Ao psicólogo, no meio desta vida, mas na sua atitude de ‘observador desinteressado', é tematicamente acessível a cada vida intencional, conforme a vive a cada sujeito, ele mesmo e cada comunidade particular de sujeitos que são tematicamente acessíveis às efetivações dos atos, o agir perceptivo e de 51 qualquer outro modo experienciador, os intuitos cambiantes do ser, da vontade, etc. (Husserl, 1954/2012, p. 194).

A redução, exercida pela epoché psicológica, proporcionará ao psicólogo a suspensão de sua postura ingênua, da atitude natural e o reconduzirá ao seu objeto mais próprio: a vida anímica, psíquica pura. Conforme Husserl, o "psicólogo tem como tema mais próximo e fundamental a vida pura dos atos intencionais das pessoas, assim, pois, em primeiro lugar, a vida da consciência em sentido estrito" (Husserl, 1954/2012, p.251). No Apêndice XXI (ao §37), das lições de 1925-1928, Husserl (2011) acrescenta: "Na atitude psicologicamente pura, coloco tematicamente fora de circuito minha humanidade, operando a redução ao puramente psíquico, (...) de tal sorte que tenho a apercepção da pura subjetividade, (...) de modo que não atribuo nada mais que a apercepção do mundo enquanto fato subjetivo, mas não quanto objetividade posta em validade" (p. 306).

Procedendo dessa maneira, a Psicologia Fenomenológica passa de maneira decisiva a tematizar as características principais da vida psíquica, ou seja, os modos essenciais e básicos de ser: as intencionalidades. A vida psíquica é, por assim dizer, a vida da consciência, a própria consciência, porque a consciência é sempre consciência de algo. Comenta Husserl (1925/2001) que intencionalidade já tinha sido vista pelos escolásticos, porém foi ressignificada na "Psicologia Empírica" de Brentano como característica fundamental da vida psíquica. Entretanto, pode-se afirmar que foi com as Investigações Lógicas que a questão da intencionalidade recebeu definitivamente a fundamentação necessária na construção de um saber rigoroso, ao mostrar que a intencionalidade não tem um caráter exclusivamente psicológico, mas sim transcendental, expressa no "a priori da correlação universal".

A nova psicologia proposta por Husserl (1927/1990), em síntese, conduz à reformulação da psicologia empírica e científica como psicologia fenomenológica, porque visa o esclarecimento dos principais conceitos usados na psicologia (consciência, percepção, afetividade, imaginação, fantasia, cognição, etc.) a partir deles mesmos, ou seja, a partir da própria identidade e constituição dos referidos processos psicológicos. Contudo, para isso não coloca a vida psíquica em uma análise natural científica, mas por entendê-lo como são eles em nossa vida humana, procura descrevê-la como tal, identificando as suas estruturas sintéticas e universais. A psicologia fenomenológica, pois, se afirma propedêutica, analítica e eidética, tomando os fenômenos psicológicos como fenômenos puros, indicando aquilo que se conhece – na psicologia moderna – como os "processos psicológicos básicos", mas que foram acolhidos pela cientificidade natural, a partir de suas manifestações, e não de sua essência fenomênica.

Por fim, pode dizer então que com a Psicologia Fenomenológica tem-se a fundação de uma "nova psicologia" que não se confunde com qualquer "abordagem" da Psicologia (seja esta antiga ou nova). Ao contrário, frente à crítica que Husserl promove contra o naturalismo e relativismo das análises psicológicas que estavam em voga (e que ainda permanecem, em muitos setores da Psicologia, bastando para tal, percebermos a pulverização das "escolas psicoterápicas" ou a pulverização dos fazeres na psicologia contemporânea) e que proporcionou a fundação da psicologia científica; é possível posicionar-se contra o estabelecimento de um conceito de abordagem na Psicologia, já que para o filósofo, a psicologia funda-se na constituição de uma ciência eidética. Com o desenvolvimento da Fenomenologia Transcendental, Husserl (1924-1925/2001) chegou a um resultado surpreendente em relação à psicologia, podendo ser expresso assim: "(...) não existe uma psicologia pura como ciência positiva, uma psicologia que pretenda pesquisar universalmente, como fatos reais, os homens que vivem no mundo, do mesmo modo como as outras ciências positivas da natureza e do espírito" (p. 208). Ainda, é também importante advertir, como explica Husserl que os psicólogos não são filósofos (e nem devem ser), porque aqueles buscam a "teoria essencial pura do psíquico", a partir do homem natural, do indivíduo e do social-psíquico, enquanto que esses buscam uma filosofia transcendental, pautado na vida transcendental.

Está lançada – esperamos, resgatada, e ainda em aberto – a proposta de construção de uma efetiva Psicologia Fenomenológica com estas concepções que não se confundem, nem com "as abordagens da psicologia" nem com as "teorias das escolas terapêuticas", mas se constituem no solo fundamentador de uma nova ciência empírica puramente humana.

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Notas sobre os autores

Tommy Akira Goto. Professor Pós-graduação de Psicologia e da Pós-graduação em Filosofia da Universidade Federal de Uberlândia - UFU, Doutor em Psicologia Clínica (PUC-Campinas), Mestre em Ciências da Religião (Universidade Metodista de São Paulo), Membro do Grupo de Trabalho Fenomenologia na Associação Nacional de PósGraduação em Filosofia (ANPOF), Membro-colaborador do Circulo Latinoamericano de Fenomenologia (CLAFEN), Membro-assistente da Sociedad Iberoamericana de Estudios Heideggerianos (SIEH). Email: tommy@ufu.br

Adriano Furtado Holanda. Psicólogo, Mestre em Psicologia Clínica pela Universidade de Brasília, Doutor em Psicologia pela PUC-Campinas. Professor do Departamento de Psicologia (Graduação) e no Mestrado da Universidade Federal do Paraná. Coordenador do Laboratório de Fenomenologia e Subjetividade (LabFeno –www.labfenoufpr.com.br), Editor Chefe da Phenomenological Studies-Revista da Abordagem Gestáltica e Editor Associado da revista Interação em Psicologia (UFPR). Membro-colaborador do Círculo Latinoamericano de Fenomenologia (CLAFEN) e Coordenador do Grupo de Trabalho "Fenomenologia, Saúde e Processos Psicológicos" na ANPEPP (Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Psicologia). Email: aholanda@yahoo.com.

Ileno Izidio da Costa. Professor Adjunto do Departamento de Psicologia Clínica da Universidade de Brasília, Psicólogo clínico, Mestre em Psicologia Social e da Personalidade, MA em Filosofia e Ética da Saúde Mental (Warwick/Reino Unido), Doutor em Psicologia Clínica e Cultura e Pós doutor (USP, UFRN, UCB/Lisboa). Orientador de Mestrado e Doutorado (PPG-PsiCC/UnB), Coordenador dos Grupos de Intervenção Precoce nas Psicoses (GIPSI), Personna (Estudos e Pesquisas sobre violência, Criminalidade, perversão e "psicopatia") e do Centro Regional para Enfrentamento às Drogas da UnB (CRR-UnB/Darcy Ribeiro/Senad). Membro do Grupo de Trabalho "Fenomenologia, Saúde e Processos Psicológicos" na ANPEPP (Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Psicologia). Email: ileno@unb.br.

 

 

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