Um velho monge e seu discípulo costumavam visitar as pessoas que moravam em vilarejos distantes da cidade. Num dos seus passeios, já estava anoitecendo e eles ainda estavam no meio de uma estrada, distantes do vilarejo para onde se dirigiam. Avistaram um sítio, aproximaram-se e pediram pousada durante aquela noite.
O sítio era muito simples. Ali, viviam um casal de aparência humilde e seus três filhos, pequenos, raquíticos. A pobreza do lugar era visível e, mesmo assim, eles acolheram, de bom grado, a dupla de viajantes.
"-Neste lugar não há sinais de comércio ou de algum trabalho. Também não vimos nenhuma plantação. Como vocês sobrevivem aqui?"
O dono da casa respondeu:
"- Meu amigo, nós temos uma milagrosa vaquinha, que nos dá vários litros de leite todos os dias. Uma parte desse leite nós vendemos ou trocamos na cidade, por outros alimentos ou coisas que necessitamos. Outra parte fazemos queijo , coalhada, pirão e, assim, vamos sobrevivendo. Não sabemos plantar, também acho que essa terra não dá nada e tudo aqui é muito difícil. Ai de nós se perdemos a nossa vaquinha!"
De madrugada, os dois receberam um copo de leite quente. Em seguida, agradeceram a hospitalidade e foram embora. Assim que sairam do sítio, o mestre ordenou ao discípulo que ele pegasse a vaca e a atirasse num precipício. O jovem, surpreso, não só se chateou como ficou revoltado com a atitude desumana do seu mestre:
" -Como podemos destruir a única fonte de sobrevivência dessa família?".
Relutou um pouco, mas limitou-se a cumprir a ordem do mestre.
Alguns anos depois, o jovem , retornando sozinho àquela região, resolveu se dirigir ao sítio daquela família que lhes hospedara. Chegando lá, qual não foi o seu espanto quando verificou que o local havia mudado muito. O casal que vinha em sua direção era o mesmo, mas estava feliz. As crianças cresceram e, agora, já quase adolescentes, estavam bonitas, bem nutridas. Tudo havia passado e para melhor: horta, frutas, galinhas, animais diversos passeavam pelo sítio. O jovem, não acreditando no que via e ainda se sentindo culpado, questionou:
"- Como é possível vocês terem progredido tanto?!"
Ao que o casal respondeu:
"- Quando vocês estiveram aqui a nossa situação não era das melhores. Tínhamos só uma vaquinha e toda a nossa sobrevivência vinha dela. Logo após a saída de vocês, aconteceu uma tragédia - nossa vaquinha caiu num precipício. Entramos em desespero, mas, daí em diante, tivemos que fazer outras coisas, desenvolver outros meios de sobrevivência. Descobrimos que a nossa terra era fértil e boa para legumes e frutas. Fomos, aos poucos, criando gosto e hoje é essa beleza que o senhor está vendo.
Graças à perda da nossa vaquinha."
FIM.
Emerson Ricardo Zamprogno escreveu sua experiência ao ouvir a fala do Mestre Saikawa Roshi inspirada nesta histórinha:
Palestra do Sôkan (Saikawa Roshi) no Tenzui Zendô (local de prática em São Paulo): Ele nos apresentou o caso de um mestre chamado Issan e seu discípulo, do qual me esqueci o nome (alguém pode me ajudar?).
Ele disse que a introdução desse caso compara um bom mestre a uma pessoa que tira o boi de uma família que depende dele para arar a terra e assim garantir seu sustento.
Ou ainda a uma pessoa que retira a comida de uma pessoa que está morrendo de fome, e ainda lhe sufoca a garganta com as mãos.
"Pode existir um mestre assim tão rígido?", ele nos perguntou. - Sim, ele mesmo respondeu, que Issan era assim.
Depois ele desenvolveu uma belíssima palestra nos mostrando como esse "boi", ou esse "alimento", dos quais dependemos para sobreviver, são as palavras que usamos para estabelecer nossos conceitos.
Ele contou como um bom mestre como Issan consegue retirar esse "apoio" de seu discípulo e qual a conseqüência disso.
Nos falou do tempo e da eternidade.
No entanto ele terminou a palestra de uma maneira um tanto,digamos,enigmática.
:-) Ele finalizou dizendo,"há um problema nisso tudo... isso pode nos levar a crer que palavras e pensamentos são algo ruim, no entanto, é tudo o que possuímos" e deu uma risadinha.
Depois da dedicação de méritos, olhou pra monja Coen e disse, "posso ir?", e entraram para tomar chá...
Grato em Gasshô!!!
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