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'Como Pensar Mais Sobre Sexo"

'Como Pensar Mais Sobre Sexo", de Alain de Botton, argumenta que o sexo do século 21 - ainda tratado como tabu - está fadado a ser um jogo de equilíbrio entre amor e desejo, aventura e comprometimento.
 Ele fala sobre fetichismo, adultério, pornografia e desejo para instigar o leitor a refletir sobre os dilemas da sexualidade moderna.
Abaixo, leia um trecho do livro.

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É raro passarmos pela vida sem sentir - em geral com um tanto de agonia secreta, talvez ao fim de um relacionamento, ou deitados na cama junto ao nosso parceiro, frustrados, sem conseguir dormir - que somos um pouco esquisitos em relação ao sexo. É nessa área que a maioria de nós tem a dolorosa impressão, no nosso mais íntimo, de ser bastante incomum. Apesar de ser um dos atos mais privados, o sexo é cercado por uma série de ideias poderosas que nos sugerem quão normais as pessoas deveriam se sentir e lidar com a questão.

No entanto, na verdade, a maior parte de nós não é nem de longe normal quando se trata de sexo. Somos quase todos perseguidos pela culpa e neurose, pela fobia e por desejos perturbadores, pela indiferença e aversão. Não nos aproximamos do sexo como deveríamos, com uma perspectiva alegre, esportiva, não obsessiva, constante, bem-ajustada com a qual nos torturamos ao acreditar que outras pessoas possuem. Somos universalmente pervertidos - mas apenas em relação a ideais de normalidade altamente equivocados.

Considerando o quanto é normal ser estranho, é lamentável que as realidades da vida sexual raramente consigam chegar à esfera pública. Se quisermos que alguém pense bem de nós, é impossível comunicar-lhes a maior parte do que somos sexualmente. Homens e mulheres apaixonados instintivamente partilharão apenas uma fração de seus desejos por medo, em geral justificado, de gerar uma repulsa intolerável em seus parceiros. Achamos mais fácil morrer sem ter certas conversas.

A prioridade de um livro filosófico sobre sexo parece evidente: não é para nos ensinar como desfrutar de um sexo mais intenso ou regular, mas para nos mostrar como, por meio de uma linguagem simples, podemos começar a nos sentir um pouco menos estranhos em relação ao sexo que queremos ter ou que nos esforçamos para evitar.

Quaisquer desconfortos que sentimos em relação ao sexo são geralmente agravados pela ideia de que pertencemos a uma geração livre - e que, em consequência disso, deveríamos, a esta altura, pensar no sexo como um assunto simples e sem complicações.

O discurso padrão sobre a libertação de nossos grilhões é mais ou menos assim: por milhares de anos em todo o mundo, por conta de uma diabólica combinação de fanatismo religioso e costumes sociais pedantes, as pessoas eram atormentadas por uma injustificada sensação de confusão e pecado em torno do sexo. Achavam que as mãos cairiam se se masturbassem. Acreditavam que poderiam ser queimados em um barril de óleo por terem olhado para o tornozelo de alguém. Não tinham a menor ideia do que eram ereções ou clitóris. Eram ridículas.

Então, em algum momento entre a Primeira Guerra Mundial e o lançamento do Sputnik 1, as coisas mudaram para melhor. Finalmente as pessoas começaram a usar biquínis, admitiram que se masturbavam, conseguiram mencionar em contextos sociais o sexo oral feminino, começaram a assistir a filmes pornôs e passaram a se sentir profundamente à vontade com um tópico que, quase inexplicavelmente, tinha sido fonte de desnecessária frustração neurótica durante a maior parte da história humana. Ser capaz de começar uma relação sexual com confiança e satisfação tornou-se uma expectativa tão comum para a era moderna quanto o medo e a culpa tinham sido em eras anteriores. O sexo passou a ser percebido como um passatempo útil, revigorante e fisicamente restaurador, um pouco como o tênis - algo que todos deveriam praticar tão frequentemente quanto possível para aliviar os estresses da vida moderna.

Esse discurso de esclarecimento e progresso, por mais lisonjeiro que possa ser para nossas capacidades racionais e sensibilidades pagãs, contorna convenientemente um fato intransponível: que o sexo é algo em relação ao qual podemos esperar nos sentir livres. Não foi mera coincidência o sexo ter nos perturbado por milhares de anos. Afirmações religiosas repressivas e tabus sociais surgiram de aspectos de nossa natureza que não podem desaparecer de uma hora para outra. Fomos incomodados pelo sexo porque ele é uma força fundamentalmente perturbadora, opressora e louca, em profundo conflito com a maioria de nossas ambições e incapaz de ser bem integrada na sociedade civilizada.

Apesar de nossos melhores esforços para eliminar suas peculiaridades, o sexo jamais será simples ou bonito como gostaríamos que fosse. Ele não é fundamentalmente democrático ou gentil e está ligado a crueldade, transgressão e desejo de subjugação e humilhação. Ele se recusa a acomodar-se no topo do amor, como deveria. Por mais que tentemos domá-lo, o sexo tem uma tendência recorrente a causar estragos em nossa vida: nos leva a destruir nossos relacionamentos, ameaça nossa produtividade e nos faz ficar acordados até muito tarde, em boates, conversando com pessoas de quem não gostamos, mas cujas barrigas expostas desejamos desesperadamente tocar. O sexo está em um conflito absurdo, e talvez irreconciliável, com alguns de nossos compromissos e valores mais elevados. Não é de surpreender que não tenhamos outra opção senão reprimir suas exigências a maior parte do tempo. Deveríamos aceitar que o sexo é inerentemente estranho em vez de nos culpar por não reagirmos com mais normalidade a seus confusos impulsos.

Isso não significa dizer que não podemos dar passos para nos tornar mais sábios em relação ao sexo. Apenas devemos saber que nunca vamos superar inteiramente as dificuldades que ele coloca em nosso caminho. Devemos esperar, no máximo, uma respeitável acomodação a uma força anárquica e impulsiva.

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COMO PENSAR MAIS SOBRE SEXO
AUTOR Alain de Botton
EDITORA Editora Objetiva

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Alain de Botton é um Filósofo, escritor e produtor residente em Londres, famoso por popularizar a filosofia e divulgar seu uso na vida quotidiana. É um ateu convicto, e propaga essa filosofia de vida em seus livros e entrevistas. Ele entende que as pessoas se tornam adeptos de uma religião, pois ela consegue manter a saúde emocional e dar sustentação psicológica para se aceitar e conviver com difíceis questões humanas, como morte, as desilusões e decepções no amor, na relação com a família, etc.
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