'"O GOVERNO QUER LIMITAR TODA A IDEIA DE LIBERDADE'"

Na quarta-feira, 22, Vladimir Safatle prestou concurso para professor titular na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo. Da manhã até o fim da tarde, Safatle passou por algumas provas de arguição e exposição. Uma banca composta pelos professores Cícero Romão Resende de Araújo, Marilena Chauí, Eduardo Viveiros de Castro, Peter Pál Pelbart e Jeanne-Marie Gagnebin de Bons lhe deu dez em todas elas. Em sua exposição oral, o professor falou do conceito de liberdade destacado de autonomia, a partir de alguns olhares filosóficos.  

Em junho, ele lança o livro "Dar corpo ao impossível" (editora Autêntica), sobre dialética. Depois de ter recebido o título de professor titular, ele falou com exclusividade para a ÉPOCA. 

 Veja os principais trechos:


Sobre o que tratou sua aula?

A aula é sobre a noção de liberdade. É uma tentativa de pensar uma outra figura da noção de liberdade, para além da ideia de autonomia individual, para além da ideia de autogoverno, para além da ideia de auto-legislação, que são as ideias hegemônicas dentro do pensamento ocidental quando falamos em liberdade.


De que modo isso tem relação com os tempos em que vivemos hoje?

As discussões políticas que temos hoje não são sobre formas de gerenciar o país. Elas são discussões sobre que tipo de forma de vida nós queremos. O que significa, então, uma forma de vida adaptada a demandas democráticas. Não é a toa que você vê conceitos fundamentais voltando ao debate político.


Por exemplo?

A sexualidade, desejo, liberdade, decisão, poder. De onde vem o poder, quem comanda. Toda a ação política pressupõe também a maneira como as sociedades vão pensando conceitos que lhe são constituintes. Os conceitos não são ideias soltas no ar. Elas são experiências sociais de larga escala do ponto de vista histórico que continuam insistindo no interior da vida social.


Como o senhor enxerga essas liberdades individuais no governo Bolsonaro?

Há várias questões a serem desdobradas dessa pergunta. A primeira delas diz respeito a um governo para o qual a ideia de liberdade social praticamente não existe. A ideia de que a liberdade não é uma afirmação individual, ela é um exercício que depende de certas condições sociais que não estão dadas. Em um país onde se tem uma vulnerabilidade enorme em relação à pobreza não é possível a liberdade. As pessoas não podem ser livres na pobreza. Um país que tem uma vulnerabilidade enorme em relação à violência contra certos grupos. Não dá para você ser livre em uma sociedade onde você fica vulnerável por causa da cor da tua pele, por causa da tua origem indígena, por causa da sua determinação sexual. A defesa dessas pessoas não tem mais amparo no Estado. Nesse horizonte, não é possível ter liberdade. A ideia desse governo é limitar toda a ideia de liberdade à liberdade de empreender -- que nem é para todos. Numa sociedade brutalmente desigual quem é capaz de empreender? Isso é um embuste.


O que a sociedade civil pode fazer?

Ela tem feito. A sociedade brasileira não está paralisada. Ela se movimenta, ela se manifesta, tenta criar novas formas de pressão, de visibilidade do seu descontentamento. É que o Brasil tem um elemento que a gente esquece, que é o grau de violência estatal. Isto é fora de qualquer compasso possível. A gente está falando de um país em que um governador de estado sobe em um helicóptero e começa a atirar na população. Isso é impensável em qualquer parte do mundo. É um país em que uma escola tem que colocar um aviso no teto dizendo: "Não atire, isto aqui é uma escola". Só tem um lugar no mundo onde isso acontece, na Faixa de Gaza. Isso demonstra que tipo de situação é a brasileira. A gente acha que está vivendo uma situação normal do ponto de vista democrático. Não, é uma aberração a nossa situação. Pode não ser uma ditadura explícita, mas, para certos setores da população, não há nada parecido... Teve uma chacina no Morro do Fallet em que 17 pessoas foram mortas a facada pela polícia. E o que aconteceu? Nada. Que garantia as pessoas têm de simplesmente existir? Isso explica um pouco a dificuldade de manifestação e expressão em torno da sociedade brasileira. Para nós é um pouco mais fácil, mas não sabemos até quando. Mas para outros setores, como negros, LGBT, indígenas, essas pessoas não têm garantia nenhuma de integridade.


Existe uma recuperação possível para sair desse estado de coisas?

Eu acho que isso só aconteceu, porque havia uma potencialidade de transformação social brasileira. Eu acho que esse estado é quase como uma espécie de contra-revolução preventiva. Desde 2013, o país entrou em ebulição. As pessoas querem encontrar novas formas políticas, quebrar vínculos de representação e ter participação mais direta de democracia, questiona o modo como o dinheiro público é utilizado... Essas perguntas poderiam levar a uma transformação estrutural da sociedade brasileira. Eu vejo o que está acontecendo. Isso é como uma contrarresposta, para impedir que essas transformações ocorram. E a juventude é tão marcada, por isso esse governo luta tanto contra os jovens. Faz dez anos que esses jovens estão se mobilizando, com movimentos de ocupação. É contra eles que o governo age.


Por isso, a universidade tem sido um foco de ataque do governo?

A universidade nunca foi isolada da vida social. Nenhuma faculdade no mundo - e eu sou responsável pelas políticas de internacionalização desta faculdade - pode chegar e dizer: nos últimos 20 anos, um professor nosso foi presidente da República, dois foram ministros da Educação, um ministro da Cultura, um secretário Nacional de Direitos Humanos, um porta-voz da presidência e um prefeito da cidade de São Paulo. Então, o sistema universitário brasileiro está profundamente arraigado na vida social do país. Desde os anos 1950, intelectuais públicos forneceram modos de reflexão, de crítica. Celso Furtado, Darcy Ribeiro, Sergio Buarque de Hollanda, Milton Santos. Se você quer impedir a sociedade de se transformar é importante que você quebre a universidade, porque ela produz esses esquemas de reflexão e transformação. O segundo ponto é que se tenta desqualificar a universidade brasileira dizendo que elas estão mal nos rankings de pesquisa. Só que esse tipo de avaliação é injusta, porque as universidades brasileiras não são de excelência de pesquisa, são de massa. Harvard tem 14 mil alunos, enquanto a USP tem mais de cem mil. Como se compara as duas universidades? Se olharmos os nossos 14 mil melhores alunos, provavelmente o nível de excelência vai aumentar muito. Mas não é esse o objetivo. Tem um contingente enorme da juventude que não tem acesso à universidade e precisa integrar essas pessoas. O nível de diplomação nos países europeus é de 30%, mais ou menos. No Brasil, gira em torno de 12%. As universidades têm funções diferentes. Além disso, nós escrevemos em português. Então os trabalhos circulam menos. Escrever em inglês seria um atentado, porque se isolaria uma grande parte da população. Esse processo de tentar desqualificar a universidade brasileira é uma falácia. Dei aulas em várias universidades do mundo, dos Estados Unidos ao Japão. E uma coisa eu posso garantir: o nível dos nossos melhores alunos não é diferente do nível dos melhores alunos de nenhuma universidade do mundo.



O professor Vladimir Safatle Foto: Reprodução/Facebook / Reprodução/Facebook
Vladimir Pinheiro Safatle (Santiago do Chile, 3 de junho de 1973) é um filósofo e professor chileno-brasileiro, livre-docente da Universidade de São Paulo.

O DEVER DE DESOBEDECER!

O dever de desobedecer.
(Dom Marcelo Barros, Monge Beneditino)

A Organização das Nações Unidas (ONU) consagra o 15 de maio como “o dia mundial da objeção de consciência”. Infelizmente poucas pessoas sabem do que se trata. Objeção de consciência é a atitude de quem, por convicção religiosa, social ou política, se nega a pegar em armas e a participar de guerras e praticar atos violentos. Supõe desobediência a leis que ferem a consciência da pessoa ou a ética de um grupo.

O Direito internacional ensina que toda pessoa tem o direito e o dever de desobedecer, quando a ordem dada se opõe à sua consciência. Pelo fato de seguir ordens, ninguém deixa de ser responsável pelo que faz. Os tribunais internacionais condenaram soldados nazistas que, cumprindo ordens de oficiais superiores, torturaram ou mataram pessoas.

Obedecer vem do verbo latino obaudire que significa “escutar interiormente”. Então, a verdadeira obediência é a capacidade de escutar a palavra do outro, levá-la a sério, mas, depois, agir de acordo com a sua consciência. Ninguém deve cumprir ordens iníquas.

Em Israel, jovens recrutados ao serviço militar invocam a objeção de consciência para se negar a combater palestinos ou a queimar casa de pessoas pobres, ato comum perpretado pelas tropas de ocupação israelita. Nos Estados Unidos, por objeção de consciência, muitos jovens se negam a invadir outros países e a agredir nas ruas negros e migrantes pobres. Diante do Congresso, militantes pacifistas foram presos por rasgarem publicamente o documento de incorporação militar.

Em alguns países, cidadãos exigem saber a destinação exata do pagamento de seus impostos. E não aceitam pagar impostos se o dinheiro for aplicado em sociedades que fabricam armas ou investem em negócios antiéticos. Em todo o mundo, há consumidores que não compram carne de fazendas que destroem florestas e dizimam a natureza.
De fato, no decorrer da história, a humanidade têm progredido mais pela ação de pessoas que desafiaram as leis do que através daquelas que simplesmente seguem os caminhos convencionais. Por muito tempo, homens e mulheres, admirados no mundo inteiro e premiados com o Nobel da Paz, em seus países eram considerados como rebeldes e desobedientes. No passado, Gandhi e Martin Luther King foram presos e condenados como desobedientes às leis. Na África do Sul, Nelson Mandela passou 20 anos na prisão como subversivo. Para os budistas tibetanos, o Dalai Lama, é a reencarnação do Buda da Compaixão. No entanto, para o governo chinês, é um dissidente, desobediente às leis. Na América Latina, o prêmio Nobel da Paz foi dado a Rigoberta Menchu, índia que, durante  anos, viveu exilada do seu país e a Adolfo Perez Esquivel, advogado que, por muito tempo, foi ameaçado de prisão na Argentina. No Brasil dos tempos da ditadura, o arcebispo Dom Hélder Câmara, escutado no mundo inteiro, era censurado e considerado subversivo.

Em 1980, em El Salvador, Monsenhor Romero, canonizado como santo pelo papa Francisco, poucos dias antes de ser assassinado pela ditadura militar do seu país, pregava do alto do seu púlpito: “Peço aos soldados que desobedeçam e parem a violência, Não matem. Não torturem. Não cometam injustiças”.
Atualmente, de tal modo, o modelo democrático está em crise que, em países como os Estados Unidos, a Itália, Argentina e Brasil, o governo é ocupado por pessoas que se revelam sem escrúpulos. Não disfarçam o ódio, a discriminação a pessoas e grupos diferentes e sua admiração à violência. O presidente da República propõe que todas as pessoas possam ter armas, pais ensinem crianças a atirar e policiais tenham direito de matar  quem lhes pareça suspeito. Por todo o país, se espalham atos de racismo, de violência contra a mulher e contra minorias sexuais. O ministério da educação pretende proibir o ensino da Filosofia e da Sociologia nas universidades. Nesse contexto, em nome da humanidade, todo cidadão tem obrigação de se posicionar contrário a que esses projetos perversos se concretizem. Não basta ser contra. É preciso lutar contra a loucura dessa farsa produzida pela Globo e outros grandes meios de comunicação que nos roubaram a democracia e nos conduziram à barbárie. 

A violência, cometida por uma pessoa individual, ou pelo Estado, nunca construirá um mundo de paz e justiça. Nos mais diversos continentes, grupos religiosos e civis se negam a pegar em armas e exigem substituir treinamentos militares por ações pacíficas. Fazem serviço civil no lugar do serviço militar obrigatório e a lei reconhece esse direito.
A Constituição brasileira garante aos jovens o direito da objeção de consciência. Ninguém pode ser obrigado a fazer serviço militar ou, se é policial praticar violência contra outra pessoa. A ONU consagra essa semana para divulgar essa informação e tornar conhecido o direito que toda pessoa tem de se negar a obedecer a ordens injustas e iníquas. 
Mais do que qualquer poder social e político, religiões e Igrejas deveriam reconhecer o direito à dissidência e à objeção de consciência diante de um poder religioso autoritário ou, por qualquer razão, injusto. Conforme a Bíblia, quando as autoridades de Jerusalém proibiram os apóstolos a falar no nome de Jesus, estes responderam: “Entre obedecer a Deus e aos homens, é melhor obedecer a Deus. Por isso, nós desobedecemos a vocês”(At 5, 29).

Não existe chance do Brasil crescer sem um bom projeto para a educação!

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 Os economistas passaram os últimos dias avaliando os riscos de o
 país voltar à recessão ou estar vivendo um período de estagnação.
Na sexta-feira (17), a consultoria AC Pastore, do ex-presidente do Banco Central Affonso Celso Pastore, acrescentou um novo item à discussão: o Brasil não apenas está vivendo a mais lenta retomada da históriacomo caminha para a depressão.
Não há uma definição fechada para depressão. Em seu “Dicionário de Economia do Século 21”, Paulo Sandroni a define como “fase do ciclo econômico em que a produção entra em declínio acentuado, gerando queda nos lucros, perda do poder aquisitivo da população e desemprego” —elementos bem presentes no cotidiano nacional atualmente.
Em relatório intitulado “A Depressão Depois da Recessão”, a equipe da AC Pastore considera como principal critério para caracterizar o estado depressivo da economia brasileira a estagnação da renda per capita (valor que é obtido pela divisão do PIB, Produto Interno Bruto do país, que mede a geração de riqueza, pelo número de habitantes).
O relatório destaca que, nos casos de crises econômicas, é importante acompanhar não apenas a profundidade da recessão e a força de uma retomada mas também “saber quanto cada um dos cidadãos que habitam o país perdeu de renda per capita a partir do início da recessão, e nesse campo estamos vivendo um ciclo sem precedentes”, diz o texto.
Como o PIB avançou apenas 1,1% em 2017 e também em 2018 e a população do país cresce 0,8% ao ano, o ganho de renda para cada brasileiro foi de “magnitude insignificante” no período, aponta o relatório.
No fim de 2018, a renda per capita estava 8% abaixo do trimestre imediatamente anterior ao início da recessão.
Para o grupo de Pastore, se o PIB de 2019 crescer de fato em torno de 1% ou até menos, o que é provável, a renda per capita ao fim deste ano estará no mesmo nível de 2018. 
“Com a renda per capita mantendo-se por três anos 8% abaixo do pico prévio, só nos resta definir a situação como característica de uma depressão”, diz o relatório.
O país está parado. Depois da recessão, ainda não tivemos recuperação. A população empobreceu e não recupera a sua renda”, afirma Pastore. “Se isso não é sinal de depressão, não sei o que é.”
 
Para fechar o diagnóstico, a AC Pastore fez um estudo comparativo com indicadores de crises internacionais que estão na base de dados do Banco Mundial. Também mapeou as crises brasileiras desde 1900 —um levantamento inusual. 
No Brasil, as crises costumam ser avaliadas a partir dos anos 1980, porque há dados trimestrais do PIB. Elas são, por exemplo, a base de análise do Codace (Comitê de Datação de Ciclos Econômicos), presidido por Pastore. 
No novo levantamento, que considerou queda do PIB per capita em um ano ou mais, foram identificadas 15 recessões seguidas de recuperação entre 1900 e 2018. Com dados trimestrais, o Codace datou nove desde 1980. Crises cambiais e de dívida externa são as mais comuns na história do Brasil.
A análise de que o país flerta com a depressão ainda não é consensual. Para Fernando Montero, economista-chefe da corretora Tullett Prebon, o atual quadro da atividade no país ainda está mais próximo do conceito de estagnação.
Uma série histórica compilada pelo especialista, com base em dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) e do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), mostra que a renda per capita terminará a década atual sem nenhum avanço em relação ao período entre 2001 e 2010, caso se concretizem as projeções atuais do Focus (relatório do Banco Central). 
 
Esse seria o segundo pior resultado desde o início do século passado, perdendo apenas para a década de 1980, quando o rendimento médio do brasileiro recuou 0,4% em relação aos dez anos imediatamente anteriores.
Montero ressalta, porém, que há um agravante em relação à situação atual. Na última semana, houve novas revisões para baixo do crescimento esperado para 2019. Esses dados aparecerão no Focus que será divulgado nesta segunda-feira (20).
 
Se a fraqueza da economia persistir, é possível que consecutivas rodadas de redução das projeções acabem apontando um desempenho pior nesta década do que nos anos 1980.
Outra possibilidade que voltou ao radar dos analistas é que o país mergulhe —ou até já esteja— em uma recessão. Considera-se, então, a definição mais popular desse termo que seria a de dois trimestres consecutivos de queda do PIB (Produto Interno Bruto).
A maioria dos especialistas espera que a economia tenha contraído 0,2% entre janeiro e março deste ano com relação a outubro a dezembro de 2018, quando havia crescido apenas 0,1%.
No entanto, dada a fraqueza da atividade, é possível que o resultado do primeiro trimestre seja pior do que o estimado. Se isso ocorrer, segundo Luka Barbosa, economista do Itaú Unibanco, haverá automaticamente uma revisão para baixo do dado relativo ao fim do ano passado. 
“Se o primeiro trimestre tem um resultado muito negativo, por uma questão de sazonalidade, a metodologia de cálculo do PIB leva à leitura de que essa fraqueza teve início no período imediatamente anterior”, explica ele.
Embora esse não seja o cenário principal do Itaú Unibanco e de outras instituições, é uma situação considerada factível. 
Assim como Montero, Barbosa não considera que a economia brasileira esteja em depressão. “Tudo indica que o consumo ainda está crescendo, mas a situação preocupa. Os poucos dados já disponíveis para o segundo trimestre indicam fraqueza.”
Apesar de projeções de leve expansão do PIB no segundo trimestre, economistas também não descartam uma contração.
Silvia Matos, pesquisadora sênior da área de economia aplicada do Ibre/FGV (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas), também vê os números mais perto de uma estagnação. 
“Esses ajustes ocorrem, para baixo e para cima”, diz a respeito da possibilidade de o PIB do último período de 2018 ser revisto. Um segundo trimestre ruim, no entanto, acenderia um sinal vermelho. 
“Passar por uma perda de vigor no segundo trimestre pode significar que o choque de perda de confiança se tornou mais permanente”, afirma.
Já o terceiro e o quarto trimestres do ano estarão “presos” à reforma da Previdência, diz Sérgio Vale, economista-chefe da consultoria MB Associados. “Se aprovar uma reforma ruim, de baixa qualidade, com baixa economia, a gente entra em um cenário complicado, volta a possibilidade concreta de recessão.”
Alessandra Ribeiro, sócia da área de macroeconomia da Tendências Consultoria, também diz não ser possível mais ignorar os riscos de um novo ciclo recessivo, embora a casa trabalhe, por enquanto, com um crescimento de 1,6% para o PIB de 2019. 
“Existem fatores externos pesando, como a desaceleração da economia global e a crise na Argentina. Mas há também a conjuntura doméstica, de frustração muito grande com o atual governo, o que limita decisões de investimentos e consumo”, afirma.
Caso o governo não seja capaz de promover o ajuste fiscal esperado —com a reforma da Previdência, por exemplo—, Alberto Ramos, diretor de pesquisa para América Latina do Goldman Sachs, diz que “o mercado pode forçar um ajuste mais atabalhoado e socialmente regressivo”, a exemplo do caso argentino, com crise cambial.
Para Montero, da Tullett Prebon, independentemente do conceito que melhor defina a atividade econômica brasileira e o resultado do PIB um pouco positivo ou negativo, a situação do país inspira preocupação. “A economia está em coma e, por isso, monitoramos se mexe um dedo.”
Mesmo que não sejam computados dois trimestres consecutivos de queda do PIB, entre o fim de 2018 e meados deste ano, é possível que, no futuro, o Codace qualifique o quadro atual como uma recessão.
Isso porque o órgão não se prende apenas ao critério de duas contrações seguidas para datar o início de um ciclo recessivo. Outros fatores, como oscilações no nível do emprego e da renda, também contam.
Na avaliação de Sérgio Vale, medidas de estímulo adotadas nos dois anos anteriores, como a liberação de saques do FGTS, têm efeito limitado. “Talvez pudesse ter sido um pouco pior sem, mas qual o efeito concreto? Um acréscimo de 0,1 ou 0,2 ponto percentual de crescimento?”
Para a economia brasileira sair do atoleiro, Affonso Celso Pastore diz que não basta o governo mirar apenas a reforma da Previdência; é preciso dar expectativas à sociedade.
Segundo ele, isso inclui, por exemplo, apressar o programa de infraestrutura e ao menos lançar o de privatizações —ainda que necessite de um planejamento cuidadoso.
“O governo precisa reconhecer o diagnóstico: a economia está deprimida, precisa de remédios e eles têm limites. Mas ponha os remédios para funcionar”, diz.
Em uma crítica mais estrutural, a diretora do programa de estudos latino-americanos da Universidade Johns Hopkins, Monica de Bolle, diz não ver chance de o Brasil crescer muito acima de 1% sem um bom projeto para a educação.
“Não se trata apenas de um problema de equilíbrio fiscal. Tem o megadéficit da educação. E vai continuar se não houver um plano na área, o que não parece ser o caso deste governo, que faz da educaçãocampo de guerra ideológica.” 

Renúncia ou impeachment?

Renúncia ou impeachment?

Vivemos impactos de guerra ideológica que destrói o que há de mais sólido no país

Após o segundo turno da última eleição, muitas vezes externalizei o temor que tinha da guerra ideológica sem fim que desde o início Jair Bolsonaro dava mostras de querer empreender. Porque se ele não conseguisse responder aos anseios daqueles que o elegeram —que não queriam propostas mas sim dar vazão à repulsa que sentiam da política e dos políticos—, essas mesmas pessoas, inflamadas pelas teorias conspiratórias de Olavo de Carvalho e seus seguidores, passariam a questionar a própria democracia e suas instituições.

Foi o que aconteceu. Mesmo depois de eleito, o governo continuou em campanha e, mostrando não ter a nobreza dos vencedores, nunca estendeu a mão aos seus opositores. Nos primeiros meses de governo, redes bolsonaristas começaram uma série de ataques ao Supremo Tribunal Federal, conclamando pessoas a ocuparem as ruas contra o STF.

Os filhos do presidente, acompanhados e liderados por Olavo, iniciaram uma batalha de intrigas, inclusive, e, para preocupação de todos, contra os militares, a coluna mestra de apoio. Os notórios confrontos com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, a insatisfação da base do governo no Congresso e o recuo do recuo que desmentiu o anúncio feito por deputados do PSL de que Bolsonaro retrocederia nos cortes da educação não melhoraram a situação.


Essa última semana foi a prova cabal da dimensão da inabilidade política. 


Contrariando a maior aposta dos eleitores, a economia do Brasil está próxima de uma depressão, que se concretizará caso 2019 repita a estagnação da renda per capita dos últimos dois anos, conforme avaliou o ex-presidente do Banco Central Celso Pastore no relatório “A depressão depois da recessão”, manchete de domingo desta Folha.

Foi a gota final do período mais duro já enfrentado por Bolsonaro em seus poucos meses de governo. As investigações contra seu filho Flávio estão avançando, milhares de pessoas foram às ruas em defesa da educação, e o governo parece cada vez mais longe não apenas de dialogar com o Congresso mas também com sua base. O presidente chegou a compartilhar nas redes uma carta, de autor desconhecido, afirmando que estaria de mãos atadas porque o Brasil só poderia ser governado por quem pedisse “benção” às corporações.

Estaria preparando a população para uma renúncia à la Jânio Quadros? Pedindo apoio às ruas contra o avanço das investigações, como fez Collor de Mello? Ou inflando a população contra a democracia, pela notória incapacidade de governar? Não podemos ignorar essa última hipótese, não por sua probabilidade mas por sua gravidade.


Como disse a jornalista Eliane Brum, esse é o resultado de se transformar um homem ordinário em “mito” e dar a ele o poder. Em quase 30 anos no Congresso, Bolsonaro teve apenas um projeto de sua autoria aprovado e nunca pareceu se incomodar com o que chama hoje de “velha política”: ele e seus filhos empregaram familiares em seus gabinetes e as investigações hoje procuram verificar se ficavam com parte dos salários, para dizer o mínimo.


A verdade é que nós, brasileiros, precisamos de mais e não de menos democracia, de mais e não de menos pensamento crítico, de instituições mais e não menos fortes. Estamos vivendo os impactos reais de uma guerra ideológica que destrói o que há de mais sólido no nosso país, como é o caso na educação.
Em um Brasil tão machucado social e economicamente, já não há espaço para fantasiosas teorias da conspiração. Se Bolsonaro persistir nesse caminho, a história só aponta dois resultados possíveis: renúncia ou impeachment.




Tabata Amaral  ~ Cientista política, astrofísica e deputada federal pelo PDT-SP. Formada em Harvard, criou o Mapa educação e é cofundadora do Movimento Acredito.

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