Pular para o conteúdo principal

A diferença de "o conhecer racional" e saber que só se sabe uma parte...

Retirado do MUITO interessante http://dhammarakkhita.blogspot.com/

A símile dos Cegos e o Elefante


Geralmente, vemos a célebre símile dos cegos e do elefante presente no Tittha Sutta (Ud. VI.4) livremente citada como um argumento a favor de abandonar toda e qualquer investigação, análise individual do Caminho em seu estudo, prática e fruição.

De fato, este sutta é muito valioso e importante, para ambas as tradições do Buddhismo do Norte e do Sul, sendo parte do volume do Udana, que juntamente com o Dhammapada, Itivutakka e Sutta Nipata, partes do Khuddaka Nikaya do Cânone Pali, constituem os textos mais antigos e traçáveis na história do Buddhismo, tendo sido compilados e escritos por volta de 200 anos após a morte do Buddha. No Buddhismo Tibetano, boa parte do conteúdo paralelo a estes está no Udanavarga, compilado por Dharmatrata e parte importante do currículo básico monástico tibetano até hoje.

Abaixo a símile do elefante, do Tittha Sutta (Ud VI.4):

“Certa vez, aqui mesmo em Savatthi, houve um certo rei que disse para um certo homem, ‘Reúna todas as pessoas de Savatthi que sejam cegas de nascença.”

“’Sim, majestade,’ o homem respondeu e reunindo todas as pessoas de Savatthi que eram cegas de nascença, ele foi até o rei e ao chegar disse. ‘Majestade, as pessoas de Savatthi que são cegas de nascença foram reunidas.’

“’Muito bem, então mostre-lhes um elefante.’
“’Sim, majestade,’ o homem respondeu e mostrou um elefante para as pessoas cegas. Para alguns dos cegos ele mostrou a cabeça do elefante, dizendo, ‘Isto é um elefante.’ Para outros ele mostrou a orelha do elefante , dizendo, ‘Isto é um elefante.’ Para outros ele mostrou uma presa … a tromba … o corpo ... um pé ... a parte traseira … o rabo … o tufo na ponta do rabo, dizendo, ‘Isto é um elefante.’

“Então, tendo mostrado o elefante para as pessoas cegas, o homem foi até o rei e ao chegar disse, ‘Majestade, as pessoas cegas viram o elefante. Faça aquilo que julgar adequado.’

“Então o rei foi até onde estavam as pessoas cegas e ao chegar perguntou, ‘Pessoas cegas, vocês viram o elefante?’

“’Sim, majestade, nós vimos o elefante.’

“’Agora digam-me, pessoas cegas, como é o elefante.’

“As pessoas cegas para as quais havia sido mostrada a cabeça do elefante responderam, ‘O elefante, majestade, é igual a um jarro para água.’

“Aquelas para as quais havia sido mostrada a orelha do elefante responderam, ‘O elefante, majestade, é igual a um cesto para trilhar.’

“Aquelas para as quais havia sido mostrada a presa do elefante responderam, ‘O elefante, majestade, é igual a uma lâmina de um arado.’

“Aquelas para as quais havia sido mostrada a tromba do elefante responderam, ‘O elefante, majestade, é igual à haste de um arado.’

“Aquelas para as quais havia sido mostrado o corpo do elefante responderam, ‘O elefante, majestade, é igual a um celeiro.’

“Aquelas para as quais havia sido mostrado o pé do elefante responderam, ‘O elefante, majestade, é igual a um poste.’

“Aquelas para as quais havia sido mostrada a parte traseira do elefante responderam, ‘O elefante, majestade, é igual a uma argamassa.’

“Aquelas para as quais havia sido mostrado o rabo do elefante responderam, ‘O elefante, majestade, é igual a um pilão.’

“Aquelas para as quais havia sido mostrado o tufo na ponta do rabo do elefante responderam, ‘O elefante, majestade, é igual a uma vassoura.’

“Dizendo, ‘O elefante é assim, não assado. O elefante não é assado, é assim,’ eles golpearam uns aos outros com os punhos. O rei se deliciou com o espetáculo.

“Do mesmo modo, bhikkhus, os errantes de outras seitas são cegos e sem visão. Eles não compreendem aquilo que é benéfico e aquilo que é prejudicial.

Eles não entendem o que é o Dhamma e o que é o não-Dhamma.

Sem compreender aquilo que é benéfico e aquilo que é prejudicial, sem entender o que é o Dhamma e o que é o não-Dhamma, eles permanecem envolvidos em rixas e brigas, mergulhados em discussões, apunhalando uns aos outros usando as palavras como adagas, dizendo, ‘O Dhamma é assim, não assado. O Dhamma não é assado, é assim.’”

Então, dando-se conta do significado disso, o Abençoado nessa ocasião exclamou:

Alguns dos assim chamados brâmanes e contemplativos,
estão profundamente apegados às suas próprias idéias;
as pessoas que apenas vêem um lado das coisas
se envolvem em brigas e disputas.


Qual o contexto deste sutta?

Tal discurso teria sido dado pelo Buddha no Bosque de Jeta nas proximidades da cidade de Savatthi, aos seus discípulos monásticos que relatam o que viram na cidade comos os errantes de outras seitas/religiões se engalfiavam em suas especulações metafísicas do tipo:

“O mundo não é eterno” ...
“O mundo é finito” ...
“O mundo é infinito” ...
“A alma e o corpo são a mesma coisa” ...
“A alma é uma coisa e o corpo é outra” ...
“O Tathagata existe após a morte” ...
“O Tathagata não existe após a morte” ...
“O Tathagata ambos existe e não existe após a morte” ...
“O Tathagata nem existe, nem não existe após a morte.
Somente isso é verdadeiro; todo o restante é falso.”

Diante deste relato o Buddha conta para seus discípulos monásticos a história dos cegos e o elefante.

Só que a conclusão do Buddha não é uma exortação ao abandono da investigação:

“Do mesmo modo, bhikkhus, os errantes de outras seitas são cegos e sem visão.

Eles não compreendem aquilo que é benéfico e aquilo que é prejudicial.

Eles não entendem o que é o Dhamma e o que é o não-Dhamma.

Sem compreender aquilo que é benéfico e aquilo que é prejudicial, sem entender o que é o Dhamma e o que é o não-Dhamma, eles permanecem envolvidos em rixas e brigas, mergulhados em discussões"


Portanto, esta conclusão do Buddha que acompanha a símile nos exorta de fato à responder a nós mesmos, diante do seu ensinamento, em teoria, prática e fruição as seguintes perguntas:


  • Compreendo aquilo que é benéfico e aquilo que é prejudicial?
  • Compreendo o que é o Dhamma e o que é o não-Dhamma?


Somente quando estivermos certo da nossa resposta para estas perguntas, no centro de cada um de nós, seremos como um cego livre de sua cegueira, a ver de fato o elefante diante de nós.

Link para o Tittha Sutta: http://www.acessoaoinsight.net/sutta/UdVI4.php

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

ACALME-SE

A técnica A.C.A.L.M.E.-S.E. é um acrônimo (uma palavra formada pela junção das primeiras letras ou das sílabas iniciais de um grupo de palavras) usado como estratégia da Psicoterapia Cognitivo-Comportamental que oferece passos práticos para lidar com a ansiedade durante uma crise. Esses passos ajudam a pessoa a se acalmar e a lidar com as sensações desagradáveis de forma mais eficaz. É uma técnica útil que pode ser praticada sozinha ou com a ajuda de um terapeuta. Aqui está um resumo dos passos: 1. ACEITE a sua ansiedade. Aceitar é o primeiro passo para a mudança. Um dicionário define aceitar como dar “consentimento em receber”. Concorde em receber as suas sensações de ansiedade. Mesmo que lhe pareça absurdo no momento, aceite as sensações em seu corpo assim como você aceitaria em sua casa um visitante inesperado ou desconhecido ou uma dor incômoda. Substitua seu medo, raiva e rejeição por aceitação. Não lute contra as sensações. Resistindo você estará prolongando e intensificando o

Escuta Compassiva.

O monge budista Thich Nhat Hanh diz que OUVIR pode ajudar a acabar com o sofrimento de um indivíduo.  A escuta profunda é o tipo de escuta que pode ajudar a aliviar o sofrimento de outra pessoa.  Podemos chamar-lhe escuta compassiva.  Escuta-se com um único objetivo: ajudar a pessoa a esvaziar o seu coração.  Mesmo que ele diga coisas cheias de percepções erradas, cheias de amargura, somos capazes de continuar a ouvir com compaixão.  Porque sabe que, ouvindo assim, dá a essa pessoa a possibilidade de sofrer menos.  Se quisermos ajudá-la a corrigir a sua percepção, esperamos por outra altura.  Para já, não interrompe.  Não discute.  Se o fizer, ela perde a sua oportunidade.  Limita-se a ouvir com compaixão e ajuda-o a sofrer menos.  Uma hora como essa pode trazer transformação e cura.