A revolução Zen de Thomas Merton na contracultura ocidental de 1968






A revolução Zen de Thomas Merton na contracultura ocidental de 1968



Thomas Merton (31 de Janeiro de 1915 – 10 de Dezembro de 1968) foi um escritor católico do século XX. Monge trapista da Abadia de Gethsemani,Kentucky, ele foi um poeta, activista social e estudioso de religiões comparadas.

Enquanto a inquietação assolava corações e mentes dos jovens, naquele derradeiro ano de 1968, em Paris, cuja busca dos rumos pautava-se pela transgressão da ordem – de um capitalismo injusto, do imperialismo americano, de um comunismo autoritário – a dúvida tornara-se a tônica de uma crítica contra o senso comum e às ditas ideologias. De um lado, a Guerra do Vietnã, de outro a invasão da Tchecoslováquia pelos soviéticos. O mundo estava em crise: nem muito à direita, nem muito à esquerda, muito menos ao centro. Alguns acreditavam no comunismo e lutavam por seus ideais, no campo e na cidade, maoistas, stalinistas e trotkistas. No viés contrário, os vários governos militares instauraram um reino de repressão em toda América do Sul.

Todo pensamento, qualquer que fosse a atitude, de rebeldia, merecia um pedaço do bolo de 1968. Época da contracultura. Proibido era proibir. Nos Estados Unidos Herbert Marcuse, após abandonar a Alemanha, criticava ardorosamente a sociedade americana. Não era este o modelo. Pelo contrário, reconhecia as mazelas da miséria capitalista. Enquanto isso, na França o existencialismo militante tendo à frente Jean Paul Sartre e Simone de Beauvoir propunha a liberdade do homem em decidir seu destino, através da adoção da responsabilidade.
Justamente neste período, uma semente dava sinais, soprada do Pacífico em direção ao ocidente. Muito antes dos Beatles terem descoberto a Índia e seus gurus inspirados nos textos antigos do Vedanta. Era um tipo de budismo, transgressor nos padrões ocidentais, sem misticismo, sem Deus, sem pecado, que pregava a libertação do homem através do desapego, da compaixão e da Iluminação. Chamava-se Zen Budismo.

Geração em que o Budismo atraíra a atenção de outros movimentos como o dos hippies, ocasião em que confundiam propósitos. Se a liberdade de uns era o consumo de alucinógenos, as drogas psicodélicas, para se atingir o êxtase, no caso os seguidores do lema
“sexo, droga e rock’n roll”, o budismo abominava qualquer consumo de algo que alterasse as condições normais da mente. Drogas não se coadunavam com a atenção plena, enfatizada nas meditações, estas conhecidas como zazen.

Confusões nas ruas, da França para o mundo, inclusive o Brasil, levando-se em considerações aspectos peculiares do momento em que se vivia: governo autoritário. Os jovens protestavam. Todos os ânimos à flor da pele, na agitação dos braços, faixas e frases de efeito. Do outro lado, a patrulha armada, com cassetetes, escudos e bombas de gás lacrimogênio. Nenhum consenso. Somente o confronto dos corpos e idéias, de livro colocado debaixo do braço, do livro perseguido e queimado por divulgar comportamento subversivo.

Subversão maior talvez pudesse ser a do estudante de Zen Budismo, cuja contradição maior era a de manter-se em silêncio com as pernas cruzadas em lótus. Tal qual Mahatma Gandhi, aquele líder indiano que adotou postura semelhante diante da agressão do colonizador britânico. Atitude de difícil entendimento para o pensamento ocidental, calcado sempre mais na ação do que no quietismo oriental da “não ação”. Mas, diante da falta d caminhos dos padrões ocidentais, em tempos de revolução, a “não ação” poderia apresentar novidades que jamais teriam sido aventadas.

Se fosse um modismo, como os ventos soprados da pós-modernidade, em sua inconstância, logo desapareceriam. Não foi isso que aconteceu. O Zen Budismo antecede 1968 e continuou existindo depois desta época. O que nos interessa neste trabalho é apontar a especificidade do Zen Budismo no período da contracultura no pensamento de Thomas Merton.

Ao se valorizar sobremaneira a atuação de um eu que constrói a sua realidade, a realidade do mundo, de uma consciência capaz de se dar conta de toda a Natureza, seus objetos, gerará em torno de si mais poder e centralização. Esta era a característica existencial daqueles anos de 60 e 70. A crise está instalada nos rumos tomados na crença do homem que transforma o seu meio. Este homem encontra-se mergulhado nas amarras de sua própria criação. Um homem que acredita na atuação de um sujeito.

Mas, ao mesmo tempo, mais tende a isolar-se em sua prisão subjetiva, para tornar-se um observador solitário, separado de tudo mais, uma espécie de bolha de sabão transparente, alienada, que contém toda a realidade na forma de uma experiência puramente subjetiva (MERTON, 1993:50).

Os críticos progressistas poderiam dizer ser a atitude de Merton um pacifismo inerte bem ao gosto das religiões orientais. Ao invés de atirar pedras e protestar, preferia-se mergulhar de maneira medita-bunda na própria inconsciência. Tudo ao contrário dos paradigmas do pensamento moderno. Lutar contra uma multidão pode ter conseqüências desagradáveis: rechaçado. Mas ele não arreda pé, levanta os ataques mais contumazes contra a suposta morte de Deus, conseqüência do exacerbamento de uma consciência independente e autônoma. Segundo o próprio, quando isto acontece, estabelece-se uma relação de vontade de conhecimento permeado pelo eu.

Visto como sinônimo de “quietismo”, o Zen ia na contramão dos acontecimentos, poderia ser pensado assim. Naqueles anos de convulsão, uma brecha se abria em favor das mudanças mas o que colocava Thomas Merton era demasiadamente fora dos padrões comuns, algo além da dialética entre conservadores e progressistas. Visto com desconfiança pelos setores organizados, as instituições, Merton quis mexer na mente como fator determinante para qualquer transformação.

Ele entendia, possivelmente, que os fatores subjetivos deviam estar em sintonia com o mundo objetivo, sem divisão alguma. Pretendia-se buscar a Deus, seria para ele através do fortalecimento da subjetividade e não objetivamente em que a mente separa o sujeito e o objeto do conhecimento.

Compilação livre da revista Nures no.12 Maio/Agosto 2009

Texto de:

Francisco Handa
Doutor em História Social, UNESP
Centro de Estudos de Cultura Zen




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