Leituras ~ Neurofisiologia da Meditação.


Meditação e neurobiologia
O controle que alguns praticantes de meditação têm apresentado aos estí­mulos externos, talvez fruto da prática de pratyahara, repercute no controle da respiração, na ritmicidade cardíaca e em outras funções vegetativas. Seus eleva­dos níveis de concentração (dharana/dhyana) têm atraído a atenção de alguns pesquisadores. 
Desenvolvimento 
Um exemplo clássico desse estado foi publicado em 1973, por Kothari e seus colegas, numa pesquisa realizada com um yogue de 70 anos, conhecido nas ruas da cidade de Udaipur, na Índia, por afirmar conseguir parar o seu coração. O yogue foi convidado a demonstrar em laboratório o que ele dizia realizar nas ruas. Satyamurti aceitou ficar confinado em uma cela de 15 metros cúbicos, sendo totalmente monitora­do por meio de eletrocardiografia. O yogue ainda foi monitorado em sua temperatu­ra, sua freqüência respiratória (f) e alguns testes bioquímicos. Este trabalho produziu estranhos resultados e até hoje é citado em várias revisões sobre o tema.

Satyamurti entrou na cela de confinamento com 55kg de peso corporal, pressão arterial (PA) em 164/92mmHg, freqüência cardíaca (FC) em 106bpm, temperatura corporal (oral) em 37,2°C. O experimento durou oito dias e duran­te esse tempo o yogue permaneceu sentado em meditação, com as pernas cruza­das e a coluna ereta (posição de lótus). Durante os oito dias de pesquisa, Satya­murti não se alimentou e nem tampouco ingeriu água. Ao término do experimen­to seu peso era de 50,5kg, sua PA em 140/98mmHg, sua FC normalizara-se em 98bpm e sua temperatura corporal era de apenas 34,8°C, valor já associado ao es­tado de hipotermia, o que supostamente poderia ser uma boa adaptação a esse es­tado de privação de alimento e de oxigênio. Entretanto, os mecanismos fisiológi­cos envolvidos no controle da temperatura apresentado por este yogue permane­cem incompreendidos.
O mais estranho, porém, foi que no decorrer desses oito dias, a FC do yo­gue começou a aumentar depois das primeiras horas do experimento, e atingiu o valor de 250bpm, sem que Satyamurti sofresse qualquer anormalidade no funcio­namento de seu coração. Depois dessa taquicardia, a FC de Satyamurti foi tão re­duzida que os instrumentos eletrocardiográficos destinados à sua mensuração não foram sensíveis o suficiente para detectar qualquer padrão elétrico. Supostamen­te, a FC caiu a zero e assim permaneceu por cinco dias. Por mais estranho que possa parecer, os pesquisadores não detectaram nenhuma falha nos equipamen­tos utilizados durante o registro eletrocardiográfico.

Os registros da FC de Satyamurti voltaram a ser detectados meia hora an­tes do experimento ser oficialmente terminado. O yogue saiu amparado por um de seus discípulos que o acompanhava, tranqüilo, de fora da alcova. Ele se apresen­tava com muito frio devido à manifestação hipotérmica. Depois desse fato, des­pediu-se de todos e voltou para as ruas da Índia.

As práticas meditativas têm sido associadas por anos com consistentes decréscimos na atividade autonômica simpática, assim como por extraordinárias quedas no metabolismo. Contu­do, o oposto também tem sido observado. Monges budistas ti­betanos, altamente versados em uma prática meditativa conheci­da como g Tum-mo yoga, podem aumentar, e muito, o seu metabolismo, o que é refletido em incríveis aumentos na temperatura cutânea que repercutem em uma elevada taxa de sudorese voluntária. Herbert Benson, um dos maiores pesquisadores das alterações fisiológicas advin­das da prática meditativa, afirma já ter presenciado tais acontecimentos, e estes fa­tos ainda podem ser observados em gravações realizadas com esses monges. 
A biologia tem feito algumas incursões nos mecanismos utilizados por al­guns animais hibernadores, assim como por alguns seres que manifestam com­portamento similar. O peixe-pulmão australiano é capaz de hibernar por meses a fio, enterrado sob a areia. Os biólogos já identificaram um peptídeo encefáli­co portador de informações químicas capazes de deflagrar as necessárias alte­rações orgânicas para que este peixe realize esta façanha. Essa proteína foi cha­mada de ancurina.

Técnicas de enterramento voluntário têm sido utilizadas na Índia, no Irã, assim como em outros lugares por centenas de anos. Algumas delas são interes­santes, como a que faz que o yogue se sente sobre peles lanosas, volte o rosto para o oriente, cruze as pernas na posição de lótus, fixe o olhar na base do na­riz, inverta a sua língua para o fundo da garganta, fechando a abertura da glote, cerre as pálpebras, entorpeça os membros e entre em transe profundo. Em se­guida, alguns discípulos esfregam-lhe os lábios, fecham-lhe os ouvidos e as na­rinas com cera, com o intuito de protegê-lo contra os insetos, assim como res­guardá-Io contra o depósito de germes, e, por fim, envolvem-no com um sudá­rio de linho, amarrando as quatro pontas deste por cima de sua cabeça. Depois de tudo isso, o yogue ou faquir é colocado em um caixão de madeira e enterra­do vivo por períodos que vão de horas até alguns dias.

Em 1955, as autoridades da Índia proibiram tais práticas de enterramento voluntário, devido ao fato de que uma grande quantidade de faquires mal trei­nados encontrou a morte durante as tentativas de prolongar os estados de ani­mação suspensa. Contudo, o folclore oriental é permeado por relatos de suces­so em algumas tentativas. 
 
Alterações na Resposta Galvânica Cutânea na Meditação 
Embora de difícil interpretação, as pesquisas feitas com Satyamurti e os monges tibetanos, assim como outras não tão exuberantes, apontam para o fato de que um profundo relaxamento é necessário para que possamos entrar em es­tados meditativos avançados. Estes estados parecem conceder a seus pratican­tes alguma forma de influenciar processos neurovegetativos. Alguns pesquisado­res utilizam-se de interessantes recursos com o intuito de averiguar tais contro­les autonômicos. Por exemplo, determinados psicólogos desenvolveram métodos de aferição das reações emocionais que o ser humano apresenta quando confron­tado com objetos, rostos, cenas e fatos corriqueiros do cotidiano. Quando somos estimulados emocionalmente por meio de uma ameaça ou mesmo de um poten­cial parceiro sexual, nossa informação sensorial viaja das regiões de reconheci­mento do estímulo até o sistema límbico. Lá, a ativação de inúmeras estruturas, entre elas um minúsculo aglomerado de células no hipotálamo, deflagra uma série de reações neuronais: o coração dispara, as pupilas dilatam, o sangue é redirecio­nado para os músculos esqueléticos e, com isso, nosso corpo se adapta a um novo padrão metabólico, imposto pelo estresse agudo. Desta forma, podemos lutar, fu­gir ou mesmo acasalar. Juntamente com todas estas adaptações fisiológicas come­çamos a suar copiosamente, não somente para dissipar o calor produzido em nossos músculos, mas também para dar às palmas de nossas mãos suadas uma melhor con­dição de agarrar um suposto inimigo ou objetos destinados a uma fuga iminente. É este acontecimento que concede a alguns cientistas a possibilidade de inferir a ação do sistema neurovegetativo, mensurando-se a resposta galvânica cutânea (RGC ou GSR). Como a pele úmida apresenta uma resistência elétrica mais baixa do que a pele seca, na medida em que colocamos eletrodos nas palmas das mãos podemos registrar a resistência elétrica da pele. 
Este procedimento tem sido amplamente em­pregado em testes que visam detectar mentiras, uma vez que o nosso sistema autonômico é muito ativado em situações de embuste. Inúmeras pesquisas na área de meditação também fizeram uso de aferições da Resposta Galvânica Cutânea, e to­das elas demonstraram significativos aumentos da resistência elétrica da pele, indi­cando uma reduzida taxa de sudorese. Tal redução chega mesmo a ser de uma maior magnitude do que a encontrada durante o sono, e esse fato corrobora possíveis in­fluências do transe meditativo no sistema nervoso autônomo.

Contudo, a literatura científica atual carece de um número significativo de pesquisas tão contundentes quanto a realizada com Satyamurti. Ao que tudo indi­ca, somente exímios praticantes podem produzir efeitos semelhantes. Usualmen­te, não é comum ao praticante fugaz nem sequer a obtenção de um profundo re­laxamento que antecede feitos mais incisivos. Isso, porém, não os priva de obter alguns benefícios mais singelos, mas de grande valia para o seu dia-a-dia. Em­bora nos tradicionais textos que versam sobre Yoga, não se encontre referências ao que hoje é chamado de Yogaterapia, seria insensato negar seus benefícios, até mesmo aos praticantes mais novatos de Yoga.

Apesar de nem todos os praticantes de meditação terem a capacidade de­monstrada por Satyamurti, os estados meditativos são casos especiais de respos­tas hipometabólicas induzidas voluntariamente. Experientes praticantes de me­ditação comumente apresentam alterações fisiológicas similares às presenciadas nas condições hipometabólicas. Em grande parte, tais alterações fisiológicas são análogas àquelas encontradas no sono profundo. Entretanto, durante a meditação, o indivíduo se mantém consciente e totalmen­te alerta. 
Nota: Esta III parte do Artigo foi retirada da Obra de Roberto Simões e Marcello Árias - Neurofisiologia da Meditação. São Paulo: Phorte Ed., 2006.

Publicado por: DeniseYoga no Brasil





No programa que foi ao ar no dia 12 de maio de 2006, o Globo Repórter tratou do tema Ciência e Espiritualidade, e entrevistou dia 07 de abril os professores Marcello Arias e Roberto Serafim Simões, autores do livro Neurofisiologia da Meditação. 

Entrevistados por Sandro Dalpícolo sobre os estudos e pesquisas que deram base para a construção da obra, Arias e Simões falaram da fisiologia aplicada ao yoga e à meditação, os avanços científicos na descoberta deste segmento, uma nova abordagem para experiências místico-religiosas, projeções da consciência, os benefícios à saúde produzidos pela prática diária da meditação e muito mais. 

Leia abaixo, texto de apresentação do livro Neurofisiologia da Meditação. 

Com o crescente interesse pelo yoga, meditação e outras experiências que os autores chamam de místico-religiosas, esta obra vem atender a este público e desvendar inúmeras dúvidas, por meio de anos de estudos e investigações científicas e práticas, que fazem destas atividades um ponto de união entre a mente e o corpo, capacitando as pessoas para a conquista do equilíbrio físico e mental. 

O livro é uma compilação de mais de 1200 artigos científicos que abordam e investigam os aspectos e as manifestações religiosas do ser humano. Grandemente pautado nas neurociências, o trabalho averigua as alterações ocorridas no cérebro quando o ser humano passa por experiências que podem ser classificadas de místico religiosas. 

Contudo, visando tornar o texto mais claro e acessível ao leitor, os autores fazem pequenas incursões em conceitos filosóficos, psicológicos e religiosos, sempre que tais conexões sejam necessárias para que a ponte entre ciência e religiosidade se torne um pouco mais sólida. 

• O livro se inicia com uma visão geral do cérebro humano e sua capacidade de influenciar os demais órgãos do corpo, patrocinando a saúde ou a doença. 

• Aborda as repercussões fisiológicas, neurofisiológicas e neuroquímicas da prática do yoga, da prece e da meditação, assim como suas repercussões benéficas no sistema hormonal e imunológico. 

• Expõe o posicionamento da ciência quanto às manifestações da consciência fora do corpo humano: projeções da consciência (projeção astral), visão remota (reconhecimento de locais e objetos à distância), e as experiências de quase morte (relatos de pessoas que foram consideradas clinicamente mortas e retornaram da experiência). 

• O livro ainda transita pela neuroteologia, uma ramificação das neurociências que tem como objetivo principal investigar as bases biológicas que fundamentam a necessidade do ser humano de crer em algo que transcenda a matéria e o conecte com Deus 

Em cinco capítulos, o livro traz no capítulo 1 uma apresentação dos processos que ocorrem no sistema nervoso central, mostrando avanços científicos da neurociência, a atuação dos mecanismos cerebrais e conhecimentos dos sistemas hormonal e imunológico. 

No capítulo 2, de forma clara, nos aprofundamos nas relações mente-alma e mente-corpo, citando pontos comuns entre a filosofia oriental, com sua tradição no yoga e meditação, e o pensamento científico, considerado ponto de comprovação para toda pesquisa, teoria etc, além de citar teorias não científicas que ainda estão em discussão. 

A definição do conceito de yoga e meditação ao longo dos tempos vem representada no capítulo 3, citando ainda seus principais núcleos de ensino. 

Já o capítulo 4 apresenta pesquisas científicas na área do yoga e meditação, com utilização de textos tidos como conteúdos religiosos, para identificação de dados similares e conflitantes, e por ser um capítulo mais científico, este é objetivo e direto. 

Finalizando os autores entram no tema da religião mais a fundo, citando os variados conceitos históricos de religião e as diversas formas de definição do conceito de iluminação, êxtase, nirvana etc, também com publicações de pesquisas, só que voltadas as experiências de alterações da consciência humana. 

Também com vasta bibliografia indicando toda pesquisa da obra e citações da própria experiência dos autores, o título “Neurofisiologia da Meditação” vem contribuir ainda mais para nossa compreensão destes temas.



Marcello Árias Dias Danucalov ~ Professor, pesquisador e fisiologista; atua em universidades na área da saúde: educação física, fisioterapia, biomedicina, nutrição, naturologia; especializado em Fisiologia do Exercício pela UNIFESP; especializado em Yoga pela UniFMU; mestre em Farmacologia pela UNIFESP; professor e coordenador de grupos de estudo em ciências da saúde na UNIMONTE/Santos; professor de pós-graduações na área da saúde: UNIFESP, Gama Filho, UniFMU, UNIMONTE, Fefisa, Fefiso.


Roberto Serafim Simões ~ Professor, pesquisador e fisiologista; atua em universidades na área da saúde: educação física, fisioterapia, biomedicina, nutrição, naturologia; especializado em Fisiologia do Exercício pela UNIMONTE; especializado em Yoga pela UniFMU; especializado em psicologia do esporte pela UniFMU; professor de pós-graduações na área da saúde: UniFMU, UNIMONTE.



 

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