10 CÉLEBRES CIENTISTAS QUE INVALIDAM O ESTEREÓTIPO DO “ESQUERDISTA DE HUMANAS”
Surpreenda-se com o que pensavam 10 famosos cientistas, alguns laureados com o Nobel, sobre política, sociedade, costumes e o próprio papel da ciência.
Ainda: quantas vezes você não presenciou a aplicação desse mesmo rótulo, só que de sinal trocado, colocando as ciências biológicas e exatas como campos de estudo dos conservadores?
No entanto, esses estereótipos não se sustentam numa observação mais cuidadosa e comprometida com os fatos, mostrando que os ideais progressistas encontram recepção onde o senso comum menos poderia esperar.
Confira os 10 cientistas que se posicionavam/posicionam à esquerda politicamente, seja defendendo causas progressistas ou mesmo se declarando socialistas.
V
ocê já parou para pensar sobre a contradição entre trabalho humano e automação? Pense: se a tendência é que cada vez mais seres humanos sejam substituídos por robôs em qualquer tipo de trabalho, não chegará um momento que a criação de empregos não terá mais sentido? O que faremos diante dessa situação? Uma questão complicada, tanto que ela foi colocada para um dos maiores gênios da atualidade responder, nada mais, nada menos que o Stephen Hawking (Oxford, 1942), na sessão “Ask Me Anything” (Pergunte-me Qualquer Coisa) do fórum Reditt. Hawking respondeu de um modo extremamente lógico, racional, como não poderia deixar de ser, tratando-se de um físico de sua envergadura:
Se as máquinas produzirem tudo o que precisamos, o resultado vai depender de como as coisas serão distribuídas. Todos podem usufruir de uma vida de luxo e prazer se a riqueza produzida pelas máquinas for compartilhada, ou a maioria das pessoas podem acabar miseravelmente pobres, caso a pressão dos proprietários das máquinas contra a distribuição da riqueza obtiver êxito. Até agora, a tendência parece seguir na segunda opção, com a tecnologia conduzindo a uma desigualdade cada vez maior. (Stephen Hawking)
Na sua resposta, também ficou claro que entre a lógica do capital e o bem-estar da humanidade, ele fica com a última, evidenciado o seu posicionamento político à esquerda. Apesar de Hawking ser discreto a respeito da sua visão política, Jane Hawking, sua primeira esposa, conta em seu livro A Teoria de Tudo – A Extraordinária História de Jane e Stephen Hawking, que ele chegou a recusar um quarto particular quando ficou hospitalizado, devido às suas convicções socialistas. Ela o definia como um socialista liberal.
O posicionamento de Hawking sobre diversas questões apenas confirmam o relato da sua primeira esposa, como o seu apoio ao partido trabalhista inglês ( apesar de não ter gostado da gestão do trabalhista Tony Blair, principalmente devido à sua conivência com a agressiva política externa dos EUA), sua defesa da saúde pública e da necessidade de investimentos públicos em ciência, assim como a sua adesão ao boicote junto com outros cientistas contra Israel em 2013, em apoio à Palestina.
Hawking é um cosmólogo e físico teórico que ficou conhecido principalmente por seus estudos sobre os buracos negros (estrelas que colapsam em si próprias devido ao próprio peso, cuja gravidade é tão forte que nem a luz consegue escapar). Segundo uma de suas teorias, os buracos negros podem perder massa por meio de radiação térmica, a qual ficou conhecida como Radiação Hawking. Virou uma celebridade da ciência com o sucesso do livro Breve História do Tempo, lançado em 1988.
Desde então, Hawking é uma figura constante na mídia, chegando a fazer participações especiais em seriados, como Os Simpsons, Futurama, Star Trek, The Big Bang Teory e Dexter, ganhando assim status de astro pop. Com toda essa exposição, Hawking a aproveita para divulgar a ciência para o público leigo, já que, de acordo com o físico, “devemos ter conhecimentos elementares da ciência, de modo que possamos tomar nossas próprias decisões com conhecimento de causa e não as deixar nas mãos de especialistas”.
A vida de Hawking é uma história de superação. Quando estudava Matemática na universidade de Oxford, algo estranho começou a acontecer com sua coordenação motora. De início eram objetos que caiam de suas mãos sem explicação, depois constantes quedas, parecia que suas pernas não o obedeciam mais. Foi então que, aos 21 anos, veio o diagnóstico: hospitalizado, os testes apontaram que ele era portador de esclerose lateral amiotrófica, uma doença que paralisa aos poucos todos os músculos do corpo. Em 1985, quando visitava o CERN, na Suíça, acabou contraindo uma pneumonia, obrigando-o a passar por uma traqueostomia para poder sobreviver, o que acabou comprometendo sua capacidade de fala. Desde então, ele se comunica com um sintetizador de voz
O próprio Hawking se refere à sua doença como uma desgraça e chegou a cair em depressão quando a descobriu, porém, de personalidade decidida, Hawking aprendeu a lidar com uma doença que transforma sua vida diária numa tarefa hercúlea. No entanto, a doença não o impede de aproveitar a vida e fazer coisas que nem imaginamos fazer, como experimentar a sensação da gravidade zero, o que ele fez a bordo de um boeing 727 num mergulho em alta velocidade, em 2007, ou poder viajar pelo mundo todo, chegando a conhecer até a Antártida em 1997.
Uma curiosidade: Stephen Hawking nasceu em 4 de janeiro de 1942, exatamente no aniversário de 300 anos da morte do histórico físico italiano Galileu Galilei.
Referências
• El País – Hawking sobre duas pernas
• Folha – Duas horas com Stephen Hawking
Livros de Stephen Hawking
• Buracos Negros, Universos Bebês e Outros Ensaios (1993)
• O Universo numa Casca de Noz (2001)
E
m 1994 os conservadores nos EUA ficaram eufóricos com o lançamento do livro “The Bell Curve” (A Curva Normal, Free Press, 1994), escrito pelo cientista político Charles Murray e pelo professor de Harvard e psicólogo Richard Herrnstein, ambos americanos. Nesse livro eles usam vários dados de estatística e se baseiam em testes de QI para fazerem conclusões como a de que a inteligência é uma característica hereditária e a de que os negros em relação às demais etnias, assim como os brancos pobres em relação aos brancos ricos, possuem inteligência inferior. Esse livro se tornou um best-seller e serviu como um forte argumento contra as políticas de assistência aos mais vulneráveis socialmente nos EUA.
Leia também
No Brasil, com a conivência da nossa grande imprensa, os nossos conservadores ficaram igualmente exaltados e inclusive defenderam o livro das críticas, às quais eles diziam ser motivadas politicamente, como fez o jornalista Carlos Eduardo Luis da Silva, no caderno Mais da Folha de São Paulo. Contudo, essa comemoração foi interrompida por alguém decidido a acabar com essa festa. É aí que entra o cientista Stephen Jay Gould (Nova Iorque, 10 de Setembro de 1941 — Nova Iorque, 20 de Maio de 2002). Indignado com a repercussão do The Bell Curve – principalmente por se assentar em determinismo biológico, o qual ele já havia devidamente comprovado em 1982, no seu livro A Falsa Medida do Homem, tratar-se mais de uma antiga concepção eurocêntrica sobre o mundo do que ciência – ele expôs ao ridículo a forçosa tentativa de Murray e Herrnstein de recuperar a credibilidade de uma doutrina fundamentada no preconceito.
Gould também alertou que a inteligência é definida por vários fatores externos, principalmente o social, o que explica os negros dos EUA, historicamente discriminados e excluídos na sociedade americana, apresentarem baixo desempenho nos testes de QI, logo reduzir a inteligência a um número é extremamente contraproducente. Se hoje o livro The Bell Curve é considerado pseudociência, devemos agradecer em parte ao esforço de Gould em denunciar nos seus livros, ensaios e publicamente a debilidade dos argumentos baseados em doutrinas deterministas.
Gould foi um evolucionista que causou controvérsia por defender uma tese heterodoxa do darwinismo. De acordo com a teoria de Darwin, a evolução das espécies aconteceria de forma extremamente lenta e gradual, e essa concepção se tornou um consenso, até que, nos anos 70, quando Gould e seu colega do curso de doutorado, Niles Eldredge, ao fazerem uma pesquisa com fósseis, não encontram evidências que pudessem comprovar o gradualismo da evolução. Os registros fósseis que eles estudaram diziam que, na verdade, não ocorreu mudança alguma nas espécies por um longo intervalo de tempo (lembrando que, quando se fala de evolução, a medida de tempo é geológica, ou seja, estamos falando de milhões de anos), surgindo novas espécies repentinamente. Desta forma, Gould e Eldredge concluíram que as espécies evoluem de uma forma abrupta, geralmente causada por mudanças drásticas no ambiente, e criaram a hipótese do equilíbrio pontuado, a qual foi recebida com reservas e críticas da comunidade científica. Entre os críticos se encontravam cientistas de peso, como o evolucionista britânico Richard Dawkins, o qual protestou, dizendo que o principal fator da evolução é a seleção natural.
O leitor Arlúcio Filho também lembra que “apesar de ser fundamentada no registro fóssil, essa hipótese não leva em consideração o próprio processo de fossilização, que é composto de várias etapas, como sedimentação rápida, pouquíssima ação de decompositores e condições ideais de pressão e temperatura. Esse é basicamente o cerne da crítica gradualista: fósseis não são tão fáceis de se formarem e, portanto, é difícil documentar a evolução gradual por um meio ‘impreciso’ de sobre como se dão os processos de especiação.”
Numa entrevista à revista Veja em 1993, Gould demonstrou preocupação com a abordagem simplista que a mídia e alguns cientistas fazem da ciência. Lamentou que a febre sobre dinossauros provocada por filmes como Jurassic Park acaba nos seus bonecos expostos em shopping centers e museus, não instigando as crianças e jovens a irem além, e considerava irresponsável como alguns cientistas tentavam simplificar conceitos com o intuito de popularizá-los, o que, na visão de Gould, apenas confundia ainda mais as pessoas, como foi o caso da metáfora da “Eva mitocondrial” (na verdade o estudo do DNA das mitocôndrias mostrou que viemos de um grupo isolado de indivíduos, e não de uma “Eva”).
Apesar de ter sido extremamente criterioso, principalmente quando o assunto era Ciência, Gould foi um grande divulgador científico para as massas. Com um discurso eloquente e persuasivo, tanto na escrita, como na oratória, Gould divulgou a ciência de forma entusiasmada para o grande público por meio de ensaios, livros, palestras e entrevistas, despertando assim o interesse de muitos pela ciência.
Foi um fóssil de Tiranossauro Rex exposto no Museu de História Natural de Nova Iorque o responsável por fazer Jay Gould, então uma criança de 5 anos, tornar-se mais tarde um paleontólogo e um grande cientista, o que nos mostra a importância dos museus na nossa formação. Portanto, levemos nossas crianças aos museus, porque o mundo precisa de mais pessoas como Stephen Jay Gould! (E, no caso do Brasil, cobremos a existência de museus de história natural também, para ser possível a popularização da ciência entre as crianças brasileiras.)
Referências
• Youtube – Gould sobre os testes de QI
• Bule Voador – Entrevista do Gould feita pela revista Veja
• Museu de História Natural de Washington – Perfil de Gould
Livros de Stephen Jay Gould
• Vida Maravilhosa
• O Polegar do Panda
• A Falsa Medida do Homem
F
ascinado pela complexidade. Talvez essa seja a melhor maneira de definir o prestigiado cientista Richard Levins (Nova Iorque, 1 de junho de 1930 – Cambridge, 19 de janeiro de 2016), que abalou a velha concepção que se tinha no meio acadêmico de como se fazer ciência. Com sua aparência de Merlim dos dias atuais, Levins se mostrou tão sábio quanto as lendas diziam ser o mago da Bretanha medieval: inspirado em Hegel e Marx, ele criou um novo método de análise da evolução, dando origem ao conceito de metapopulações, no qual se preconiza o estudo da interação das espécies entre si e com o meio ambiente. Assim, Levins ajudou a mudar a Biologia moderna, que antes encarava o meio ambiente como algo objetivo, uniforme e em grande parte estático, para um sistema que é “selecionado, transformado e definido pelos organismos”.
Levins se formou na Universidade de Cornell e se tornou um renomado ecólogo, geneticista, biomatemático, filósofo da ciência e se tornou professor das universidades de Harvard e Michigan, mas também ficou conhecido pelo seu combate à pseudociência e pelo seu engajamento político, mostrando-se um defensor radical do socialismo. Como Stephen Gould, foi crítico feroz do determinismo biológico e de concepções reducionistas da biologia, não poupando nem mesmo seus colegas de Harvard, caso do biologista Edward O. Wilson, que tentou com o seu livro A Conquista Social da Terra justificar as diferenças sociais e culturais usando darwinismo social repaginado. Levin fez uma revisão deste livro invalidando todas as conclusões levantadas por Wilson com propriedade, valendo-se do seu vasto conhecimento científico.
Em 1950, em pleno período de caça às bruxas promovido pelo macartismo, teve que fugir com sua esposa, a escritora porto-riquenha Rosario Morales, para Porto Rico, onde se tornou agricultor e um grande contribuidor dos movimentos sociais locais. Levins era marxista, mas seu posicionamento político à esquerda já havia sido definido desde muito cedo. Com apenas 8 anos, ele já demonstrava se importar com questões políticas e decidiu arrecadar dinheiro para ajudar o Batalhão Abraham Lincoln, grupo de voluntários americanos de esquerda que lutaram na Guerra Civil espanhola.
O interesse de Levins pela ciência e pela política foi estimulado em casa e faz parte da história de sua família. Sua trisavó se rebelou contra o judaísmo ortodoxo, o qual continua extremamente conservador até hoje, que dirá naquele tempo. Seu pai, um advogado, foi membro de uma liga de jovens comunistas. Já com seu avô, ele aprendeu a importância da ciência, ao ouvir atentamente a leitura que seu avô fazia para ele e sua irmã de livros científicos para crianças. Levins dizia que cresceu tendo a consciência de que política e ciência são inseparáveis, pois para ser possível transformar o mundo é necessário compreendê-lo.
D
iz a lenda que Nikola Tesla veio ao mundo por volta da meia-noite, quando caía uma forte tempestade. Durante o parto, impressionada por ouvir um estrondoso trovão, a parteira fez um mau presságio: a criança que acabara de nascer seria “um filho das trevas”. Indignada, a mãe de Tesla imediatamente respondeu: “não, ele será um filho da luz!”
De fato a história de Tesla foi a de um ser humano iluminado, que irradiou o progresso humano com seu gênio e criatividade. Filho de pais sérvios ortodoxos, nascido em 10 de julho de 1856, em Smiljan, no então Império Austro-Húngaro, a fama de Tesla porém aconteceria para além dos Balcãs e do outro lado do Atlântico, quando imigrou para os EUA. Sua formação de engenheiro foi incompleta, mas seu autodidatismo e facilidade com a Física e a Matemática não impediram que ele se tornasse um mago da eletricidade e um grande inventor.
Tesla possuía memória fotográfica e era capaz de mentalizar o funcionamento dos aparelhos que, uma vez tornado reais, funcionavam exatamente como ele havia imaginado, como é o caso de uma de suas maiores invenções, o motor trifásico. A corrente alternada, o aperfeiçoamento dos motores elétricos, o transformador do poste da sua rua, a lâmpada fluorescente, a ignição elétrica que aciona o motor dos carros, a bobina de Tesla (que permitiu a transmissão de dados sem fio, como é o caso da sua rede Wi-Fi) e mesmo o rádio e o raio-X, que comumente são atribuídos como descobertas de Guilherme Marconi e Wilhelm Conrad Röntgen respectivamente, são algumas das contribuições de Tesla que possibilitaram boa parte do avanço tecnológico que facilita a nossa vida hoje. As limitações que existiam para a eletrificação em larga escala foram superadas graças à eficácia do sistema de corrente alternada na transmissão de energia que ele desenvolveu, apesar da resistência que existiu para a sua implantação, já que a corrente contínua do seu rival Thomas Edison era a que dominava na época. O industrial George Westinghouse acreditou no potencial da corrente alternada de Tesla e convenceu o governo norte-americano a construir uma usina hidrelétrica nas cataratas do Niágara com esse modo de transmissão. Ao serem ligadas as turbinas, impulsionadas pela queda de água das cataratas, toda a cidade de Nova Iorque foi iluminada com sucesso, sem desperdício de energia e livre dos perigos de curtos incendiários e da constante manutenção exigida pelo sistema DC de Edison.
Mesmo sendo dono de mais de 700 patentes, Tesla nunca se tornou milionário e praticamente ficou sem nada no fim de sua vida. Tudo o que ganhou ele investiu em laboratórios e em pesquisas que não visavam lucro, mas sim a realização do seu sonho de construir um sistema de transmissão de energia livre e sem fios, que estaria disponível para a humanidade em toda parte do globo:
“O dinheiro não vale tanto como os homens imaginam. Todo o meu dinheiro foi investido em experimentos que me possibilitaram fazer novas descobertas, que permitem a humanidade ter uma vida facilitada.”
A sua preocupação não era apenas humanitária, Tesla também via complicações no uso da energia de origem fóssil, a qual ele já percebia no início do séc. XX ser insustentável, e defendia o uso de fontes de energia renováveis:
“Todas as pessoas no mundo todo deveriam ter fontes de energia livre (…) A energia elétrica está por toda a parte presente em quantidades ilimitadas e podem alimentar o maquinário do mundo sem a necessidade de carvão, petróleo ou gás.”
Apesar de não ter habilidade para os negócios, Tesla sempre teve o suporte dos capitalistas da época, mas até o ponto que lhes interessavam, até onde eles percebiam que haveria um retorno bem lucrativo, do qual Tesla apenas receberia as migalhas. J.P. Morgan topou financiar um grande projeto de Tesla – uma estação de geração de energia, que já estava em um estágio avançado de construção, apresentando uma torre de quase 55 metros de altura, da qual grande quantidade de energia elétrica seria produzida – mas assim que soube se tratar de energia livre, que não pode ser medida e nem cobrada, ele imediatamente cancelou o apoio financeiro ao projeto. Mais tarde, o próprio governo americano destruiu a torre, dinamitando-a com o pretexto de que poderia servir de referência para submarinos alemães durante a 1ª Guerra Mundial…
Não existe registro algum sobre o posicionamento político de Tesla, contudo, pelo que ele expressava em suas ideias e em seus atos, ele deixava claro que tinha um comprometimento com a humanidade e a sua emancipação. Tesla era um humanista e, por ter tentado durante toda a sua vida viabilizar a completa coletivização do acesso à energia elétrica, talvez fosse um socialista inconsciente também. Se hoje podemos usufruir de toda a comodidade possibilitada pelo advento da energia elétrica, como acender uma luz, ou se locomover utilizando o metrô, devemos agradecer em grande parte ao gênio de Tesla, ou, como o instinto materno de sua mãe precisamente vaticinou, do filho da luz que veio iluminar a modernidade.
Referências
• Tesla Society – Nikola Tesla, el hombre que iluminó el mundo
• Live Science – Nikolas Tesla Biography
• International Vegetarian Union – Nikola Tesla (1857-1943)
I
magine uma pessoa que apresente as seguintes características, e ainda no cenário da política representativa de São Paulo: nordestino, judeu e comunista. Se teve até ex-presidente e ex-prefeita que não foram perdoados até hoje unicamente pelo fato de serem nordestinos e de centro-esquerda, que dirá uma pessoa que, além de nordestino, era judeu e comunista, que ousou se eleger deputado duas vezes nesse Estado, um dos mais conservadores do Brasil. Com um combo desses, o pernambucano Mário Schenberg (Recife, 2 de julho de 1914 — São Paulo, 10 de novembro de 1990) certamente seria massacrado por todo tipo de preconceito, se tornaria alvo de discurso de ódio e poderia até mesmo correr risco de morte pelos setores mais fascistas da sociedade paulista, no entanto ele também foi um físico de reconhecimento internacional, chegando a ser considerado um dos dez físicos mais importantes do mundo por Albert Einstein. Sua importância como físico acabou inibindo os ataques preconceituosos, mas isso não impediu que ele fosse perseguido, chegando a ser preso por 2 meses, quando eleito deputado pelo Partido Comunista Brasileiro (PCB) em 1946, e exilado no período da ditadura militar.
Mesmo tendo que viver e conviver num ambiente tão hostil, isso em nada abalou a dedicação de Schenberg à ciência, a qual foi intensa e produtiva. Formado em engenharia elétrica e matemática pela USP, ele foi pioneiro nos estudos de física teórica no Brasil, sendo autor de 114 trabalhos sobre astrofísica, teoria quântica do campo, física experimental, física matemática, análise funcional e geometria, assim como desenvolveu pesquisas sobre Eletromagnetismo e Gravitação.
Trabalhou com cientistas renomados, entre eles três vencedores do prêmio Nobel de física: o alemão Albert Einstein, o italiano Enrico Fermi e o indiano Subrahmanyan Chandrasekhan. Com este, desenvolveu o limite Schönberg-Chandrasekhan, no qual é estipulado o valor máximo de massa do núcleo de uma estrela que suporta o seu colapso gravitacional sem entrar em processo de fusão. As estrelas e sua evolução foram o seu principal objeto de estudo, o que lhe rendeu a descoberta, junto com o físico russo George Gamow, do processo URCA, que explica como as supernovas explodem. O nome surgiu devido ao cassino URCA, no Rio de Janeiro, local onde Schenberg e Gamow conversavam sobre esse processo enquanto jogavam.
Na ocasião, Gamow fez uma analogia entre a rapidez de perda de energia do centro das supernovas e a perda de dinheiro na mesa de apostas no jogo de roleta, o que fez o nome ter sentido na língua russa também, já que urca significa ladrão em russo. O nome também gerou um fato engraçado: cientistas que não conheciam a origem desse nome, acabaram interpretando URCA como a sigla para Ultra Rapid Catastrophe.
De espírito inquieto e ávido pelo saber, Schenberg não se contentou apenas em compreender a mecânica que rege o universo, mas também em como a mente humana o percebia e o expressava, tornando-se assim um físico incomum, que também era crítico da arte. Como deputado, lutou por mais investimento público na ciência brasileira, o que possibilitou o surgimento da FAPESP – Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo. Schenberg faleceu em 10 de maio de 1990, deixando uma herança inestimável para a ciência e sociedade brasileiras. Sua vida foi um histórico de comprometimento com as artes, a filosofia, a sociedade, a política, e, como cientista, teve uma carreira tão brilhante quanto as estrelas que estudava. Um nordestino, judeu e comunista.
Referências
• Cosmos e Contexto – Gamow no Rio e o descobrimento do processo URCA
Livros de e sobre Mário Schenberg
• Schenberg: crítica e criação (2011)
F
ilha de professores da cidade de Varsóvia, outrora bem posicionados socialmente, mas que haviam empobrecido pelo suporte dado aos movimentos de independência do então Reino da Polônia contra a Rússia czarista, Marie Curie (Varsóvia, 7 de novembro de 1867 — Passy, Sallanches, 4 de julho de 1934) enfrentou desde cedo uma vida de privações, mas que nunca a intimidou de desistir do seu sonho de ser uma cientista. Para driblar as proibições impostas pela Rússia e o machismo do próprio país, que a impedia de fazer um curso superior, frequentou uma universidade clandestina que admitia mulheres, enquanto tentava se sustentar trabalhando como governanta e professora particular. Visando aprofundar e completar seus estudos, fez um trato com sua irmã: ela a ajudaria ir para Paris, e a irmã faria o mesmo em retribuição quando alcançasse uma situação estável na capital francesa. Assim que sua irmã encontra seu espaço na sociedade parisiense, ela convida Curie para morar com ela em Paris em 1891.
Admitida na universidade Paris, Curie prosseguiu com seus estudos em Matemática, Química e Física e assim que se graduou, foi incentivada pelo físico Henri Bacquerel a estudar a radiação de sais de urânio junto com seu marido Pierre Curie. O trabalho dos três rendeu-lhes um Nobel de física em 1903, e Curie entrou para a história como a primeira mulher a ser premiada pela Academia Sueca.
Curie repetiu o feito em 1911, recebendo o prêmio Nobel de Química pela descoberta dos elementos Polônio (uma homenagem ao seu país) e Rádio, tornado-se a única pessoa a possuir dois prêmios nobéis no campo da ciência. Porém seus feitos iam muito além do seu brilhantismo nos estudos científicos, Curie era também uma mulher comprometida com a humanidade, chegando a abrir mão de uma fortuna que poderia ganhar caso tivesse patenteado o processo de separação do rádio. Na época, apenas 1 grama de rádio poderia chegar a 100 dólares… Curie defendia a ciência para as pessoas, e não para o lucro. Na Primeira Guerra Mundial, convencida da utilidade benéfica dos raios-X, desenvolveu e doou equipamentos de radiologia, assim como treinou médicos e centenas de enfermeiros (a maioria de mulheres) para utilizá-los corretamente.
Ela própria chegou a dirigir ambulâncias equipadas com seus aparelhos até a linha de frente dos conflitos. Desta forma, as equipes médicas puderam identificar estilhaços e balas no corpo dos soldados com facilidade, evitando operações e aumentando suas chances de recuperação.
Curie também teve que enfrentar o machismo da era vitoriana, o qual voltou a lhe impor obstáculos em Paris. Apesar de não terem lhe negado o acesso à universidade por ser mulher, como acontecera na Polônia, Curie teve que lutar pelo seu espaço dentro da academia dominada por homens que fizeram de tudo para boicotá-la. Essa dominância já se mostrava evidente na sua própria graduação, em que a representatividade feminina se limitava a Curie e apenas mais uma mulher.
O trabalho de Curie apenas foi notado pela Academia de Ciências de Paris quando um homem se dispôs a ler seu comunicado, o vencedor do prêmio Nobel de Física de 1908, Gabriel Lippman, amigo do casal Curie. Nesse ínterim, Pierre teve que assumir a coautoria das pesquisas para que o trabalho da esposa tivesse algum reconhecimento. O próprio Nobel lhe seria negado, caso seu marido não interviesse para lembrar ao comitê que era Curie a principal responsável pelos estudos sobre radiação. Mesmo sendo uma cientista de gênio extraordinário, celebrado com seu primeiro nobel e com um doutorado de física em 1903, o reconhecimento da academia francesa veio apenas 5 anos após a morte do seu marido, quando ela se tornou a primeira professora de Física Geral na Faculdade de Ciências. Curie também cooperou com o movimento feminista da época, permitindo que seu nome e imagem fossem utilizados nas manifestações a favor do sufrágio feminino.
Quando vemos as mulheres nas universidades ou no exercício das mais diversas funções, seguindo a trajetória que elas escolheram para suas vidas, mesmo ainda sendo alvo de preconceitos por conta disso, tendemos a acreditar que no Ocidente elas sempre tiveram essa liberdade. Sequer desconfiamos que num passado bem próximo, a emancipação feminina era encarada como um desvio da natureza humana e foi tão combatida quanto é atualmente nos países islâmicos dominados pelo fundamentalismo. A saga vitoriosa de Marie Curie para se tornar uma cientista renomada e reconhecida, pode nos contar muito sobre isso e nos conscientizar sobre a importância do feminismo.
A sua genialidade e caráter foram transmitidos à sua filha Irène Joliot-Curie, a qual também foi agraciada com o prêmio Nobel de Química em 1935 e compartilhava os mesmos ideais humanistas de sua mãe, chegando a participar do partido socialista francês para lutar contra o fascismo.
Referências
• BBC History – Marie Curie
• Live Science – Marie Curie: Facts & Biography
• University of Illinois – About Marie Curie
• The New Atlantis – The Marvelous Marie Curie
• The Royal Society of Chemistry – It belongs to the people
Para saber mais sobre Marie Curie
• Sobre o “Caso Marie Curie”, de Gabriel Pugliese, editora Alameda
O
posicionamento político de J. Robert Oppenheimer era de simpatia pela causa socialista e explica em parte os dilemas e conflitos que ele teria ao longo de sua vida. Quando seu pai faleceu, ele usou parte da milionária herança que recebeu para financiar grupos socialistas de resistência contra o fascismo na Europa. Também ajudou os republicanos na Guerra Civil Espanhola, em sua luta contra o franquismo. Entre seus alunos era muito comentado que Oppenheimer havia lido inteiro o livro O Capital, de Karl Marx, numa viagem de trem na Europa. Seja uma história inventada ou não, ela denuncia que sua preferência política não era segredo para ninguém, apesar dele ter sempre evitado falar sobre política publicamente.
Oppenheimer foi marcado pelo estigma de ser o “pai da bomba atômica”, porém a História mostra que, na verdade, a bomba atômica teve vários pais, sendo o medo e interesses geopolíticos as principais causas do seu nascimento. A ascensão e consolidação do nazismo assombrou o mundo acadêmico dos países europeus que estavam sob seu domínio ou influência. Vários intelectuais e cientistas que lá viviam, começaram a sofrer perseguição por não estarem de acordo com o regime nazista ou simplesmente por serem judeus, não lhes restando outra opção a não ser fugir para países neutros, como a Suíça, ou, como optou a grande maioria, para os EUA, onde foram muito bem recebidos. Foi nesse momento que ocorreu uma mudança do polo de criação científica mundial: a Europa acabou perdendo este posto para os EUA, o que se mantêm até o hoje.
Muitos dos melhores físicos que viviam na Europa, estudavam e pesquisavam nas universidades alemãs, principalmente nas de Berlim, e praticamente todos foram embora para os EUA diante da ameaça nazista. Uma vez nos EUA, eles alertaram o governo americano sobre a grande possibilidade dos nazistas desenvolverem uma arma atômica, convencendo-o assim, a iniciar o projeto Manhattan, liderado por Oppenheimer. Como resultado, o que os físicos europeus refugiados nos EUA mais temiam que os nazistas desenvolvessem, se tornou uma realidade nas mãos do governo americano e em 06 de agosto de 1945, foi lançada em Hiroshima uma bomba atômica de urânio (Little Boy), e 3 dias depois lançada em Nagasaki uma bomba nuclear de plutônio (Fat Man), deixando o mundo estarrecido com o seu poder de destruição.
Considerando que a construção da bomba atômica foi em parte instigada pelo medo dos físicos europeus dela ser desenvolvida antes pelos nazistas, os quais inclusive participaram do projeto, como é o caso do Albert Einstein, além do projeto Manhattan ter contado com centenas de físicos americanos e a construção da bomba ter envolvido o número impressionante de mais de 200 mil trabalhadores, o fato de Oppenheimer ter carregado para sempre o estigma de ser o “pai da bomba atômica” por ter liderado o projeto parece um pouco injusto.
Inicialmente satisfeito com o lançamento exitoso da bomba Little Boy em Hiroshima, com o passar dos dias a consciência de Oppenheimer começa a pesar cada vez mais, principalmente quando ele fica ciente do número de civis mortos pelas bombas desenvolvidas num projeto que ele liderou. Por tal razão, durante a Guerra Fria, desta vez ele se opôs contra o governo americano, que estava interessado em desenvolver uma bomba de hidrogênio. Numa tentativa de calá-lo, o seu passado político foi utilizado como pretexto para a abertura de um inquérito, no qual foi acusado de traição devido a sua ligação com supostos e declarados comunistas, como era o caso do professor Haakon Chevalier.
O fim das investigações mostraram que de fato tentaram convencer Oppenheimer a passar dados sigilosos sobre as bombas aos soviéticos, porém a sua fidelidade aos EUA sempre falou mais alto. No mais, Oppenheimer estava profundamente decepcionado com a URSS devido ao seu autoritarismo, a chance dele ser um colaborador dos soviéticos era totalmente nula.
Oppenheimer foi um cientista que se tornou uma vítima das circunstâncias do conturbado século XX, primeiramente do período extremamente conflituoso do entreguerras, depois da caça às bruxas promovida pelo macartismo nos EUA em plena Guerra Fria. Simpatizante da causa socialista e comprometido com um mundo melhor, acabou se tornando uma pessoa de espírito perturbado por se sentir indiretamente responsável pela morte de milhares de pessoas e ter sido acusado e julgado pelo próprio país que ele tanto admirava, apesar de suas convicções políticas.
Estigmatizado, poucas pessoas lembram ou sabem que Oppenheimer foi responsável pela fundação da física teórica moderna nos EUA, além de ter divulgado diversos estudos sobre física quântica, principalmente durante o período que viveu na Europa. Num desses estudos ele indicava por meio de cálculos a existência de buracos negros, o qual poderia lhe garantir um prêmio Nobel de Física se ainda estivesse vivo quando mais tarde outros físicos foi comprovaram sua teoria. Fumante inveterado, Oppenheimer faleceu com 62 anos de câncer na laringe.
Referências
• Entre Livros – Oppenheimer, o americano intranquilo que fez a bomba atômica
• National Science Digital Library – Oppenheimer Bio
• Scielo – A Gênese da Bomba
• Universidade de Berkeley – Oppenheimer: A Life.
• The New Atlantics – The Agony of Atomic Genius
Para saber mais sobre J. Robert Oppenheimer
A
poliomielite é uma doença que castigava a humanidade desde tempos pré-históricos. Os antigos egípcios já a conheciam bem e chegaram a registrar vítimas da doença em suas pinturas e esculturas, nas quais apareciam adultos com pernas deformadas e crianças de bengala. Nem mesmo os avanços da medicina moderna e a implantação de saneamento básico em países desenvolvidos foi capaz de detê-la com eficácia. Em 1952 ocorreu um surto de pólio nos EUA, infectando mais de 58 mil pessoas, matando mais de 3 mil e provocando diferentes graus de paralisia em mais 21 mil.
As vítimas eram em sua maioria de crianças, o que entristeceu profundamente o médico e cientista Jonas Salk (Nova Iorque, 28 de outubro de 1914), que já estava desde 1947 dedicando-se integralmente – chegando a trabalhar 16 horas por dia, 7 vezes por semana – para encontrar uma vacina que pudesse erradicar a pólio não só dos EUA, mas de todo o globo.
O esforço de Salk colocava-o no limite, e, quando suas pesquisas pareciam não avançar ou apenas trazer resultados pouco animadores, ele pensou até em desistir. De acordo com o artigo da revista Wisdom (agosto de 1956):
“Ele estava sentado em um parque e viu crianças brincarem. Percebeu, pois, o quão importante o seu trabalho era. Ele viu que havia milhares de crianças e adultos que jamais voltariam a andar e cujos corpos seriam paralisados. Ele percebeu sua enorme responsabilidade, e assim continuou sua tarefa com vigor renovado.”
Em 1953 John Enders conseguiu cultivar o vírus da poliomielite in vitro, o que lhe garantiu o prêmio Nobel de medicina no ano seguinte. Tal técnica facilitou a manipulação do vírus, permitindo Salk desenvolver versões dele atenuada ou inativa (morto). Em teste com macacos, a vacina foi um sucesso, tornando-os imunes contra a Pólio. Restava saber se a vacina faria o mesmo efeito em humanos. Salk, tendo certeza de que havia vencido a batalha contra essa doença, aplicou a vacina em si próprio, na mulher e em seus 3 filhos (todos aceitaram voluntariamente). Finalmente, e para felicidade geral de todas as nações, em 1955 a vacina contra a pólio se tornou uma realidade, e foram iniciadas campanhas de vacinação em massa no mundo todo. O feito de Salk também evidenciou o seu humanismo e generosidade, quando ele anunciou que não tinha pretensão alguma de patentear a sua vacina. A solidariedade de Salk causou surpresa e deixou muita gente atônita numa sociedade de cultura individualista como é a norte-americana, a ponto de um jornalista cético sobre a generosidade de Salk lhe perguntar quem era o real detentor da patente, ao que Salk respondeu:
“Bem, eu diria que o povo. Não há patente. Você patentearia o Sol?”
Salk nunca se definiu politicamente, e nem poderia falar muito sobre política mesmo se quisesse, já que se entregava de corpo e alma ao seu trabalho. Porém, mais tarde também ficou comprovado que ele tinha mais razões além do trabalho para evitar temas políticos: quando jovem, Salk se tornou alvo de investigação pelo FBI por estar envolvido com causas de esquerda. Para evitar que fosse impedido de seguir os seus sonhos, Salk optou se dedicar a essas causas de uma forma que o governo norte-americano o deixasse em paz: trabalhando incessantemente como virologista para desenvolver curas contra doenças virais, o que ele fez até o fim da sua vida. Salk faleceu em 23 de junho de 1995, na cidade de San Diego, interrompendo assim o seu trabalho de 8 anos para encontrar uma vacina contra o vírus da AIDS.
C
omo Jay Gould e Richard Levins, a paixão de Carl Sagan pela ciência começou muito cedo e ele costumava dizer que aprendeu o método científico em casa, quando seus pais o instigavam a ser cético e curioso. Foi essa curiosidade que o fez ir à biblioteca com apenas 6 anos, para procurar livros que falassem sobre as estrelas, e o que ele encontrou o deixou maravilhado: aprendeu que o sol também era apenas mais uma estrela entre bilhões existentes no universo, permitindo assim que o pequeno Sagan tivesse uma real noção da imensidão do cosmo pela primeira vez em sua vida. Essa descoberta o encantou tanto, que definiria o caminho pelo qual Sagan deveria seguir. Deste modo se tornou mais tarde físico pela Universidade de Chicago e um cientista da NASA nos anos 50, na qual foi consultor dos programas de viagens à Lua e de projetos das sondas Pioneer e Galileu.
Em 1960 finalizou seu doutorado em astronomia e astrofísica. A sua fascinação pela possibilidade da existência de vida extraterrestre, rendeu o seu trabalho mais conhecido na NASA: os discos dourados com imagens e sons que mostram a diversidade de culturas e da vida na Terra, os quais foram acoplados nas sondas Voyager 1 e Voyager 2. Sagan se referia a esses discos como uma mensagem dentro de uma garrafa jogado no oceano cósmico, porém, mesmo ele considerava muito improvável elas serem achadas por uma civilização extraterrestre e preferia encará-las como uma cápsula do tempo ou uma declaração simbólica da humanidade vagando pelo espaço.
Sagan também foi exitoso em sua missão pessoal de tornar a ciência uma matéria mais acessível ao público leigo, para o qual sempre se dedicou com entusiasmo. Carl Sagan acabou se tornando o divulgador científico mais popular e querido do mundo. Ele sabia melhor do que ninguém que uma das melhores formas para trazer alguma luz num “mundo assombrado pelos demônios” era por meio da popularização da ciência.
Politicamente era notório que Sagan tinha uma visão bem progressista. Numa sociedade em que a ideologia conservadora dita o senso comum tanto quanto no Brasil, a ponto de colocar seus liberais à esquerda do espectro político, a postura progressista de Sagan foi encarada com desconfiança e numa entrevista em 1989 o então apresentador Ted Turner lhe fez a pergunta inevitável: “você é socialista?” Sagan respondeu que os EUA gastavam muito mal os seus recursos investindo demais no setor militar, quando poderia investir em políticas sociais. Sendo ferrenho opositor do governo conservador de Ronald Reagan, chegando a fazer campanhas contra o seu programa “Guerra nas Estrelas”, o qual, se aprovado, instalaria um “escudo” antimísseis nucleares no espaço e que custaria mais de 220 bilhões de dólares, o ativismo político de Sagan contra a megalomania e o total desprezo pelos problemas sociais da direita norte-americana foi respondido com autoritarismo: ele foi preso com mais 400 pessoas em Nevada, quando faziam manifestação contra o desenvolvimento de armas nucleares. Nos costumes se mostrou igualmente progressista, chocando o conservadorismo norte-americano ao falar abertamente sobre como o uso da maconha melhorou sua vida sexual e sua criatividade; Sagan foi uma das primeiras vozes a defender o uso e a liberalização da maconha nos EUA.
Além das questões políticas e sociais, Sagan também se preocupava com os impactos provocados pelo homem no meio ambiente e na vida do planeta. Condenava o antropocentrismo e advogava a favor dos direitos dos animais, o que muitas pessoas que se definem como racionalistas hoje, entre eles admiradores do próprio Sagan, chamam de “mimimi de ecochatos”. Também nos alertava sobre o perigo do efeito estufa, baseando-se nos seus estudos sobre a atmosfera extremamente densa e quente de Vênus. Hoje a lógica de produção e reprodução do sistema dominante emite dióxido de carbono na atmosfera numa taxa muito superior da qual o planeta pode absorver e todas as tentativas de controle dessa emissão são frustradas. Sagan reconhecia as limitações e problemas causados pela má aplicação da ciência, mas ele defendia que os ganhos que ela trazia para a humanidade eram bem maiores e assim ele justificava o seu otimismo como cientista. Para Sagan, a humanidade poderia ter um universo com bilhões e bilhões de estrelas para explorar, no entanto ela está submetida à lógica de um sistema de bilhões e bilhões de cédulas monetárias, que dita um modelo de “desenvolvimento” inviável a longo prazo, insustentável ambientalmente e a empurra cada vez mais à beira do precipício.
Referências
• Youtube – Carl Sagan responde se ele é um socialista
• Skeptical Inquirer – Carl Sagan’s Life and Legacy as Scientist, Teacher, and Skeptic
• American Scientist – Carl Sagan: Biographies Echo an Extraordinary Life
• The New York Times – 438 PROTESTERS ARE ARRESTED AT NEVADA NUCLEAR TEST SITE
Livros de Carl Sagan
P
or fim, para encerrar a lista, aquele que é considerado por muitos um dos maiores gênios do mundo, laureado com o Nobel da Física em 1922, o físico alemão Albert Einstein. Nascido em 14 de março de 1879 em Ulm, na Alemanha, Einstein foi um físico teórico cujo trabalho sobre a teoria geral da relatividade revolucionou a física moderna. Após Einstein, a forma como encaramos o espaço, tempo, matéria e energia nunca mais foi a mesma: o espaço e o tempo, antes apenas um “palco” estático e uma sucessão de acontecimentos, passam a ser uma estrutura de 4 dimensões chamada espaço-tempo, a qual pode ser distorcida por objetos com massa, o que explicaria a existência da gravidade; a matéria e a energia, antes apenas relacionados, passam a ser totalmente equivalentes, o que foi expressado por Einstein na famosa equação E=mc².
Tal genialidade para teorizar com tanto acerto sobre as causas de fenômenos naturais extremamente complexos, em parte se deve ao interesse que Einstein sempre teve pela Filosofia, evidenciando uma tendência e tradição tipicamente alemã, pelo questionamento e discussão filosóficos, num tempo que a Filosofia era considerada essencial na formação do indivíduo, seja em cursos do colegial ou nas universidades. Aos 16 anos Einstein já tinha lido A Crítica da Razão Pura de Kant, uma obra nada fácil. Diante desses fatos, o que podemos esperar de um país como o nosso, que encara a Filosofia como algo inútil, onde existem grupos que se dizem esclarecidos e que são veemente contra o ensino da Filosofia nas escolas, entre eles, mais uma vez, os que se dizem racionalistas, que chegam ao cúmulo de decretar a Filosofia como morta com o advento da Ciência, quando deveriam saber pela história do Einstein a importância da filosofia no desenvolvimento da própria Ciência?
Outra característica de Einstein que é ignorada diz sobre o seu posicionamento político. Todos reconhecem a genialidade de Einstein, mas poucos se atrevem a relacionar sua inteligência com suas conclusões políticas, apesar dele ter declarado abertamente ser um socialista convicto. Aliás, você muito provavelmente ficou sabendo agora, ao ler essas linhas, que ele era um socialista convicto, não é mesmo? Com a palavra, o próprio Einstein, falando sobre o socialismo no artigo que escreveu especialmente para o lançamento da revista socialista Monthly Review, em maio de 1949:
“Estou convencido de que existe apenas um caminho para eliminar esses graves males, e esse é o estabelecimento de uma economia socialista, acompanhada por um sistema educacional orientado para objetivos sociais. Em uma economia tal, os meios de produção são a propriedade da própria sociedade, e utilizados de modo planejado. Uma economia planejada, que ajusta a produção às necessidades da comunidade, distribuiria o trabalho a ser feito entre todos os capazes de trabalhar, e garantiria o sustento de cada homem, mulher e criança. A educação do indivíduo, além de desenvolver suas próprias habilidades inatas, se empenharia em desenvolver nele um senso de responsabilidade por seus companheiros de humanidade, em lugar da glorificação do poder e do sucesso, como temos na sociedade atual.”
Porém fez um alerta, que também foi uma crítica indireta a então URSS:
“Contudo é preciso lembrar que uma economia planejada ainda não é socialismo. Uma economia planejada pode ser acompanhada por uma escravização completa do indivíduo. A realização do socialismo requer a solução de alguns problemas sociopolíticos extremamente difíceis: como é possível, em face da centralização abrangente do poder político e econômico, impedir que a burocracia se torne todo-poderosa e prepotente? Como se podem proteger os direitos do indivíduo e garantir com isso um contrapeso democrático ao poder da burocracia?”
Referências
• IFSC-USP – Examinando o espaço-tempo de Einstein (PDF)
• Ciência e Cultura na escola – A contribuição de Einstein à Física.
• Nobel Prize Official Site – Albert Einstein Facts
• MONTHLY REVIEW – Why Socialism? by Albert Einstein
A lista poderia continuar, mas…
N
ós poderíamos continuar aqui falando sobre mais cientistas renomados que eram progressistas ou socialistas declarados, como o soviético Aleksandr Prokhorov, que inclusive lutou na 2ª Guerra Mundial contra o nazismo, recebendo mais tarde o Nobel de Física em 1964; a filha de Marie Curie, a francesa Irène Joliot-Curie e seu marido Frédéric Joliot-Curie, ambos laureados com o Nobel de Química e socialistas; o matemático e engenheiro Charles Proteus Steinmetz, cujos estudos aperfeiçoou os motores elétricos para uso na indústria; o Ph. D. em matemática francês Jean-Pierre Vigier, que foi inclusive um ativista comunista; o matemático, geneticista e teórico evolucionista irlandês John Desmond Bernal, que era filiado ao partido comunista da Grã-Bretanha; e os ingleses John Burdon Sanderson Haldane, geneticista e biólogo declaradamente marxista; Lancelot Hogben, zoólogo e também geneticista, um socialista convicto e pacifista que durante a 1ª Guerra Mundial se dedicou a atender feridos pela guerra na Cruz Vermelha, sendo retribuído com uma prisão onde foi torturado quando voltou ao seu país; e Joseph Needham, bioquímico, historiador da ciência e embriologista que seguia o socialismo cristão; enfim, o que não falta na esquerda são representantes de qualquer campo de estudo.
Mas essa miríade de gênios progressistas em nenhum momento prova que ser de esquerda significa ser mais inteligente ou possuir uma alma mais elevada que os demais mortais: Marie Curie se recusou a aceitar que o elemento rádio que descobriu estava adoecendo as pessoas em sua aplicação comercial para pomadas e tintas, e existem fortes acusações de que Albert Einsteinnão reconheceu a coautoria da sua ex-mulher, a matemática sérvia Mileva Marić, em sua contribuição para resolver problemas matemáticos complexos (dizem que Einstein evitava a matemática por não gostar de cálculos) de alguns dos seus trabalhos, além de ter sido comprovadamente sexista.
No mais, os conservadores também estão muito bem representados na ciência, como é o caso do precursor da física quântica laureado com o Nobel de Física de 1918, o alemão Max Planck.
A intenção da lista não é pregar uma suposta superioridade intelectual ou moral da esquerda, mas sim destruir um preconceito que a cada dia mais se fortalece no senso comum, que fomenta o mito de que pessoas de esquerda não são capazes de irem além das ciências humanas, quando não uma tentativa vil de insinuar que suas convicções políticas apenas são uma consequência de sua falta de capacidade de ingressar nos cursos universitários mais concorridos ou de conseguir uma boa colocação no mercado de trabalho.
Os preconceitos e as falácias devem ser combatidos, estejam eles prejudicando qualquer vertente política, caso contrário todos nós saímos perdendo a favor do crescimento da desinformação e da ignorância.
Conclusão
À
esquerda do espectro político pudemos conferir a existência de matemáticos, engenheiros, físicos, biólogos, químicos, todos renomados, entre eles vencedores de prêmios nobéis. Tal grupo de célebres cientistas no campo progressista não é algo inusitado ou inexistente como prega o senso comum conservador, pelo contrário, sua representatividade é vasta, assim como atuante e politicamente combativa, mesmo dentro da comunidade científica, seja se posicionando contra determinismos biológicos com os quais o status quo tenta justificar as diferenças sociais e os preconceitos, como fizeram Jay Gould e Richard Levins; seja se dedicando à divulgação científica para popularizar e democratizar o acesso à ciência, como fez Carl Sagan e como faz o Stephen Hawking; seja pelo uso da ciência para atender causas humanistas, como fez Nikola Tesla; seja para repudiar o uso da ciência para fins lucrativos, como fez Marie Curie e Jonas Salk ao se recusarem a patentear as suas descobertas científicas; ou seja para nos lembrar da importância da formação humanista no desenvolvimento da ciência, como nos ensina o exemplo de Albert Einstein.
Todos esses cientistas progressistas demonstram de uma forma cabal que não existe correlação alguma entre o agir político e as escolhas ou preferências pessoais, que determinam qual área de estudo ou ocupação profissional os indivíduos se dedicarão por toda sua vida.
Nenhum comentário:
Postar um comentário