Quando fui pela primeira vez ao Mosteiro Zen Morro da Vargem, imaginava que sabia o que iria encontrar. Embora já houvesse lido algo a respeito da “cerimônia do chá”, as palavras “rigor”, “atenção”, “presença” ou “disciplina”, não foram aquelas que me vinham quando me imaginava naqueles ambientes vistos nas fotos do site: um lugar bucólico em meio a natureza, muita paz entre pessoas sábias e tranquilas. Ou seja, todos os clichês que nos vem quando falamos “zen”. Mas a experiência vivida (e ainda muito vívida) foi transformadora.
Lembro que no primeiro contato com o monge responsável pelo mosteiro, Daiju, ele dizia da necessidade de uma entrega a uma nova experiência. Não seríamos doutrinados a acreditar no que quer que fosse, mas que deveríamos obedecer a disciplina e às práticas propostas. E lembro também da minha inicial perplexidade diante destas práticas – devo confessar, muito mais pelo rigor e a disciplina.
De alguma maneira, consegui superar meu lado mais “resistente” que dizia para mim mesmo que “ficar sentado de frente para uma parede é ficar de castigo” quando fizemos nosso primeiro zazen. Ou que chamava de muito estranha a necessidade de uma observância atenta do gestual das refeições. Isto tudo era alternado com momentos de tal descontração e bom humor que aquele ambiente foi me cativando, e fui me entregando as tais “práticas”.
Difícil dizer em palavras o que vivi, pois consigo identificar muito mais um sentimento do que uma ideia do vivido, e sempre que tento colocar em palavras, elas parecem que não definem o que quero expressar.
Minha experiência me fez lembrar uma história:
Dois monges retornavam após uma longa viagem ao seu mosteiro de origem, quando chegaram à beira de um pequeno regato que a chuva havia transformado numa forte correnteza. Ali, havia uma bela jovem com medo de atravessar as águas. Suas roupas molhadas, coladas ao seu corpo, mostravam suas formas para além do que seria recomendável pelo pudor, e o monge mais jovem, provocado pela visão, desviou os olhos e procurou ignorar a mulher.
O outro monge, ao contrário, ofereceu-se para ajudá-la. Para espanto do monge mais jovem, tomou a garota nos braços e atravessou-a para a outra margem, onde a deixou.
Durante todo o resto da viagem, o jovem monge caminhou calado, e quase não respondia quando o outro lhe dirigia a palavra, mantendo – além do silêncio – uma expressão contrariada.
Ao se aproximarem do mosteiro, não se conteve mais e falou:
- Acho que deverei relatar sua atitude inadequada ao mestre.
- Atitude inadequada? – perguntou o mais velho – Do quê você está falando?
- Da moça que você tomou nos braços, lá no rio. Ela estava como nua com aquelas roupas molhadas!
- Bem, eu a carreguei até a outra margem e a deixei lá. Mas você a está carregando até agora…
Também eu tive que deixar em algum lugar as idéias que estava carregando sem dar-me conta. Acho afinal, que passei de fato algum tempo num lugar bucólico em meio à natureza, muita paz entre pessoas sábias e tranqüilas. Mas estas palavras, que acima chamei “clichê”. agora tem outro significado. Ou talvez fosse melhor dizer: tem, enfim, um significado.
Sergio Carneiro Bello é um grande expoente da arte de narrar histórias em Santa Catarina e no Brasil. É mediador de leitura na Biblioteca Barca dos Livros, em Florianópolis e desde 1999. Trabalha como contador de histórias desde 1995 e desenvolveu na Escola Autonomia e na Escola Sarapiquá (ambas em Florianópolis), o projeto “Hora do Conto”.
Desde 1999 ministra oficinas e cursos de formação de contadores de histórias e realiza apresentações artísticas de narração oral. Em 2004, concluiu sua dissertação de mestrado com o título ”Quem Conta um Conto… A Narração de Histórias na Escola e suas Implicações Pedagógicas”, apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação do Centro de Ciências da Educação da Universidade Federal de Santa Catarina.
Frequentemente participa de Festivais e Simpósios Internacionais de Contadores de Histórias, realizando apresentações e oficinas, inclusive internacionais como a La via delle fiabe, L’America Del Sud – Um viaggio tra oralità e escritura – 3, no Convegno Internazionale – Pavia/Itália. Já se apresentou também em São Paulo, Salvador e Rio de Janeiro. Ministrou disciplinas de narração oral na Faculdade Estácio de Sá/SC para o projeto de extensão “Faculdade da Maturidade” e no curso de jornalismo.
Informações:
Zen Budismo – Hakuun Zan Zenkoji
Monte da Nuvem Branca – Templo da Luz do Zen.
Ibiraçu, Espírito Santo, Mata Atlântica, Brasil.
Inscrições e Informações sobre retiros e atividades:
(27) 3257 3030 / mosteirozen.retiro@gmail.com
Próximo retiro: 13 a 20 de Julho de 2013.
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