Shangri-lá é aqui
por Lula Branco Martins pela Veja
Fazer as malas e pegar a estrada na direção daquele chalé em Mauá afastado de tudo e de todos, ou tomar o rumo de uma bela pousada em Búzios de frente para o mar, são atitudes que, para muitos, servem como a expressão máxima do que seria relaxamento, descanso ou, como se diz, a hora de "dar um tempo para si". Mas há uma legião de cariocas que não veem necessidade alguma de sair da cidade para chegar ao nirvana. E eles costumam pagar bem pouco por isso, na comparação com hotéis estrelados do litoral e da serra. É gente que, mês sim, mês também, arruma um tempo na agenda para fazer retiros espirituais, em lugares que lembram paraísos e que - aí vem o pulo do gato - ficam dentro dos limites do Rio. É como se Shangri-lá pudesse estar ali na esquina, a metros de onde moramos.
No filme Horizonte Perdido (tanto no original, de 1937, como na versão de 1973 com canções de Burt Bacharach), o Mosteiro de Shangri-lá, mesmo situado entre congeladas cordilheiras da China, tem clima agradável e farta vegetação. Quando os personagens o descobrem, não acreditam no que veem. Essa mesma sensação de estranhamento pode tomar de assalto quem, por exemplo, subir até o fim a Rua Capuri, em São Conrado. Pois ali, em plena metrópole, surge rodeado de verde um prédio cujo entorno reúne padres caminhando com vagar, barulho zero e pessoas comuns meditando em concentração absoluta.
Está-se falando da Casa de Retiros Padre Anchieta, erguida em 1936 dentro de um terreno de 154 000 metros quadrados na Floresta da Tijuca. Ninguém a vê, pois está 200 metros acima do nível do mar, protegida por montanhas, e poucos sabem de sua existência. Ali se cumprem regras rígidas, como a dedicação integral aos ritos da meditação e o respeito a um silêncio sepulcral. Funcionários da cozinha são orientados a lavar uma panela de cada vez, para evitar aquele bate-bate de aço inox. Atraídos por esse clima de paz, defensores da natureza em geral e delegações inteiras que virão para a conferência Rio+20, em junho, já reservaram seus quartos. Só em setembro haverá vagas para novos hóspedes.
A pedagoga Jossandra Melo, 42 anos, que recentemente passou lá um fim de semana, ao lado do amigo João Silveira, de 35, ambos católicos, observa que meditar em lugares tão bonitos e isolados "é bom para o corpo e para a alma". Discurso semelhante ao da dupla de Belford Roxo tem a profissional de turismo curitibana Carolina Rossi, 26 anos, ao dizer que "meditações ajudam a reorganizar o modo de viver". Ela veio ao Rio exatamente para isso, mas segue cartilha bastante diferente da de Jossandra e João, tanto no tamanho como na forma. Primeiramente, porque seu projeto vai muito além de um sábado e domingo. Carolina se encontra em retiro espiritual há três meses. E também se distingue por ter optado por uma religião menos difundida no país, o budismo tibetano. Está no Instituto Nyingma, na Lagoa, casarão de onde se vê o Cristo Redentor bem de pertinho.
No santuário, ela enfrenta uma rotina espartana, que inclui quatro horas diárias de ioga. Atrizes como Cláudia Raia e Bel Kutner, além do arquiteto pop Chicô Gouvêa, são fãs do lugar e adotam práticas semelhantes, mas pelo menos não ficam sem comer carne: diferentemente de outras instituições que seguem Buda, os donos do Nyingma acreditam que, quando um animal morre para alimentar outro ser vivo, está cumprindo uma missão nobre.
Meditar não é uma tarefa das mais fáceis. Quem pratica a sério a arte do desligamento total do mundo exterior bem sabe das privações. Também de linha oriental, o Templo KTC, em Vargem Grande, só oferece comida vegana. Ou seja, ali nem ovo pode. No local, um bosque perto do Projac, aprende-se a respeitar os bichos. E até as baratas intrusas nos aposentos são recolhidas, em latas de Nescau, para ser devolvidas à natureza.
Erguida em local tão aprazível quanto o KTC, a Sociedade Budista do Brasil, no alto de Santa Teresa, vem igualmente promovendo concorridos retiros, com técnicas que podem soar inusitadas, como meditar andando. Difícil? Não para o designer paulista Fabrizio Picchi, de 34 anos, que passa uma temporada em profundo recolhimento. Mas o leitor de VEJA RIO desta vez não conhecerá suas impressões. É que ele não fala nada há vinte dias, e deve permanecer mais um mês sem emitir uma palavra sequer. Em razão de um voto de silêncio, não podia dar entrevista. A gente respeita.
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