Cristão tornando-se UM MESTRE ZEN


“ Eu vim para a prática do Zen bem antes de me interessar pelo diálogo inter-religioso. Sendo um monge Católico, eu meditava todos os dias e lia muito sobre teoria e prática da meditação. Eu ainda era recente no mosteiro quando comecei a perceber que nenhuma das formas tradicionais de meditação ensinada aos novatos parecia funcionar para mim. Eu me sentia mais atraído por simples práticas não-verbais. 

Então meu mestre de noviços me encorajou a usar estas formas mais simples de meditação, me dizendo que a constância nesta prática faz com que a oração se torne cada vez mais simples. Durante estes anos eu estava basicamente tentando encontrar meu lugar em uma forma de meditação na qual eu me sentisse mais confortável ao realizá-la.

Como alguém que estava dedicando sua vida à oração e à meditação, tive uma certa curiosidade sobre a forma como outras tradições praticam meditação. Descobri a “Oração de Jesus“ praticada na tradição cristã oriental, e me apaixonei por esta prática. Embora eu tivesse, naquela época, ouvido falar da meditação Zen, não estava suficientemente impressionado para tentar realizá-la eu mesmo. Vários anos mais tarde, fui enviado para uma base na América do Sul. Enquanto eu estava lá, como eu ainda estava procurando meu caminho de oração, um amigo me emprestou um livro sobre Zen. Dessa vez, me interessei pelo Zen a ponto de tentar praticá-lo sozinho. Eu dobrei alguns cobertores e tentei sentar de pernas cruzadas na postura Zen. Eu não sabia o que era “ Koan”. Achei que era apenas uma repetição mencionada no livro que li. Este “Koan” foi o famoso: “Qual era a tua face antes de você nascer?” Eu apenas sentei e repetia para mim mesmo: “Qual era a minha face antes de eu nascer?“. Isso continuou por vários meses. Eu enfrentei fadiga e a costumeira dor, e parecia não estar chegando a resultado nenhum. Comecei então a chegar à conclusão de que o Zen não tinha nada para me oferecer. O que eu, um monge cristão, estava fazendo praticando meditação budista ?

Um dia, enquanto estava sentado de pernas cruzadas, subitamente ao me levantar, de repente percebi qual era meu rosto antes de nascer. Isso aconteceu muito rapidamente e com certeza não foi uma experiência extática, porque eu sabia quem eu era e onde estava. Não havia nenhuma forma ou cor. Olhando para trás, eu diria que era uma intuição do vazio. Fiquei assustado e sem entender, mas não com medo. Na época, eu não tinha um professor, e nem alguém, mesmo na minha comunidade, com quem eu pudesse falar (e mesmo se tivesse existido tal pessoa, mesmo as minhas palavras não conseguiriam explicar tudo), então coloquei a experiência de lado. Mas a repetição da mesma experiência me convenceu de que eu deveria continuar a minha prática do Zen, por perceber que ela estava me transformando.

Vários anos depois, voltei para os EUA. Pouco tempo depois de voltar, eu consegui ir ao meu primeiro “Sesshin“ (retiro Zen), em um final de semana na cidade de Nova York. Este final de semana foi um desastre. Sofri fisicamente a um grau que eu nunca havia experimentado antes. Para piorar as coisas, eu nunca tive a chance de marcar uma entrevista com o mestre Zen. Saí de Nova York pensando mais uma vez que talvez eu estivesse enganado sobre essas coisas de Zen.

Alguns meses mais tarde, eu e um outro monge estávamos dirigindo em Nova Jersey. Ele então mencionou que tinha uma amiga freira que lecionava em um colégio próximo, de tal maneira que nós decidimos parar e dizer um “ Olá “ a ela. Enquanto estávamos conversando com a irmã, ela mencionou que a escola estava sendo usada esta semana por um grupo de estudantes de Zen, e que um “ Roshi “ (Mestre Zen) japonês estava guiando-os. Nós perguntamos se seria possível encontrá-lo. Pouco depois, o idoso monge japonês apareceu para nos cumprimentar. Ele não sabia falar bem o inglês e por isso estava acompanhado por um intérprete. Seu nome era Joshu Sasaki. Enquanto conversávamos, descobriu-se que ele ficou surpreso ao saber que éramos monges cristãos. Ele achava que não houvessem monges cristãos nos EUA, achando que só existiam na Europa. Quando eu lhe perguntei se ele gostaria de visitar nosso mosteiro, sua reação imediata foi: “ Quando? ” Nós então combinamos que ele iria ao Mosteiro de Spencer em mais ou menos um mês. (Joshu Sasaki está agora com seus noventa anos, ainda vivo na época em que escrevi este artigo).

Agora eu tinha que voltar para casa e dizer ao meu Abade que iríamos receber a visita de um Roshi Zen. O Abade, Thomas Keating, gentilmente concordou com a visita. Sasaki Roshi foi em um final de semana, e falou à nossa comunidade sobre o Zen. Essa visita foi logo após a Páscoa desse ano e Sasaki Roshi falou sobre a experiência cristã da Páscoa, sobre a ressurreição de Cristo,e sobre como a vivência primária de qualquer monge cristão pode alcançar a introspecção na prática do Zen. Os irmãos do Mosteiro Spencer ficaram impressionados com a visão e o entendimento desse monge budista em um núcleo da experiência cristã contemplativa. Muitos pensaram que poderia ser uma boa idéia experimentar um Sesshin e por isso convidaram o Roshi para retornar e realizar um no mosteiro. Ele fez isso por vários meses. Esse foi o inicio de uma associação durante dez anos, nos quais Sasaki Roshi veio à Spencer regularmente. Durante este mesmo período, eu fui capaz de participar da meditação com o Roshi em dois longos retiros de noventa dias cada, em um centro Zen da Califórnia.

Após o Roshi ter deixado de vir à Spencer, eu prossegui com minha própria prática, tanto que nos próximos quinze a vinte anos seguintes, praticava em meu quarto ou na parte dos fundos da igreja. Mesmo já não tendo mais Sesshins em Spencer, eu, de vez em quando, recebia autorização para ir a um Sesshin e também pude participar de um longo retiro. Alguns destes retiros eu fiz no Providence zen Center, em Cumberland, Rhode Island. Este centro fica a apenas um par de kilometros do antigo local de nosso mosteiro, quando estava localizado em um local conhecido como Nossa Senhora do Vale. Eu ainda desfruto de um bom relacionamento com o Providence Zen Center, que pertence à tradição Zen coreana. A prática da tradição coreana difere um pouco da japonesa, e experimentar estas diferenças tem me ajudado em minha pratica contínua.

Ao longo dos anos descobri que o Zen tem me ajudado a apreciar muitas das práticas físicas tradicionais que caíram em desuso no monaquismo ocidental, tais como jejuns prolongados, cantar os salmos, prostrações e outras. Eu ainda faço algumas destas praticas, especialmente se sou capaz de conseguir alguns dias em um de nossos eremitérios, pois é difícil realizá-las no contexto de nosso mosteiro, porque podem perturbar outros. Afinal cantar os salmos com a parte superior de sua voz e batendo em um tambor pode causar problemas para os outros.

Cerca de cinco ou seis anos atrás o Padre Robert Kennedy, SJ, fez uma palestra no Centro para Estudos Budistas. Eu e outro monge fomos ouvir o Padre Robert. Nós apreciamos a sua fala e conversamos com ele após a conferência. Padre Kennedy mencionou que em breve estará dando um retiro no mosteiro Zen em Snowmass, Colorado. Então nós decidimos que iríamos participar do Sesshin. Durante o Sesshin, eu senti que gostaria de me tornar um aluno do Padre Kennedy. Já haviam se passado muitos anos desde que eu desejasse pedir formalmente a alguém para ser meu professor, principalmente por causa da dificuldade em obter permissão para visitar um professor. Senti que, tendo como professor um padre que vivia relativamente perto ( da área de Nova York ) seria útil. Descobri que eu seria capaz de assistir vários retiros do Padre Kennedy. Durante um destes retiros, eu lhe perguntei se ele me aceitaria formalmente como seu aluno, e ele concordou.

Por volta dessa época eu também percebi que estava pronto para fazer algum treinamento intensivo de Koan. Existem várias coleções tradicionais de Koans utilizados em várias escolas de prática Zen. Um aluno geralmente tem que trabalhar o seu caminho através destas coleções de Koans enquanto ele avança em sua prática Zen, e é quase impossível realizar este trabalho sem acesso a um mestre Zen. Isso significava que eu tinha que ter um maior pronto acesso ao Padre Kennedy, do que somente um retiro de dois em dois meses. Falei então deste problema para ambos: o Padre Kennedy e o meu Abade, Padre Damian. Padre Kennedy levantou a possibilidade de eu ir para a cidade de Jersey e viver na comunidade jesuíta de St. Peters College. Perguntei ao meu Abade se me concederia uma licença de estudo em outra comunidade, e ele concordou. Também sou mui grato à comunidade jesuíta do St. Peters College pela graciosa, maravilhosa e calorosa forma com a qual me acolheu em seu meio.

Logo após minha adesão à ele, na cidade de Jersey, o Padre Kennedy me tornou seu herdeiro do Dharma. Nos próximos 18 meses nós dois trabalhamos intensamente nossa maneira como aplicar as coleções tradicionais de Koans. Em um dado momento, Padre Kennedy me perguntou se eu gostaria de me tornar um mestre Zen. Após consultar meu Abade e um par de outros, eu decidi que deveria assumir esta função. Pouco tempo depois voltei para o meu mosteiro, embora muitas vezes eu retornasse à área de Nova York para ajudar o Padre Kennedy a realizar retiros Zen para grupos. Acho que eu poderia chamar este período de “ formação de professores “.

Durante estes retiros eu falaria às pessoas sobre a prática do Zen, sobretudo a respeito da relação entre a prática do Zen para a tradição cristã, um assunto que, frequentemente, era de grande interesse nos grupos. Havia sempre uma oportunidade para os alunos terem comigo uma entrevista privada. Tais entrevistas foram curtas, com duração de dez a quinze minutos. Gostávamos de falar sobre a experiência do retiro, dificuldades com a postura, como a mente estava trabalhando durante o silêncio, e outras coisas que surgem no decorrer do retiro. Retiros Zen implicam em esforço mental e físico. A maior parte nasce do esforço para se sentar calmamente com as pernas cruzadas em frente a uma parede. Houve também dificuldades com os horários, tal como levantar-se cedo e conseguir ficar sentado por longos períodos sem se mover. Mentalmente, não existem duvidas que sejam tão comuns em qualquer forma de praticar a oração e a meditação. Uma das virtudes citadas pelos professores Zen é a coragem. Nós, cristãos, não costumamos pensar em coragem como uma virtude necessária para a prática da meditação. É fácil esquecer que a coragem é uma necessidade em qualquer vida de oração.

No final da minha “ formação de professores “ fui entronizado como um sensei na Sangha da Ameixa Branca da tradição Soto. A entronização aconteceu em meu mosteiro. Pelo que sei, esta foi a primeira vez que tal cerimônia aconteceu em um mosteiro de nossa ordem. A minha esperança é que este passo ajudará a trazer esta forma de meditação para a tradição cristã ocidental. “





( Este texto é de autoria do Padre Kevin Jiun Hunt, o qual é um monge da Abadia de São José, em Spencer, Massachusetts (EUA), ex-membro do Conselho Monástico de Diálogo Inter – Religioso, e Mestre Zen Budista)

Outro texto do Sensei Padre Kevin Jiun Hunt neste endereço:

http://www.dimmid.org/index.asp?Type=B_BASIC&SEC=%7B0383CE71-7056-41A7-B809-B91DCF319AC9%7D

Um comentário:

Rosane Vasconcelos-Ipatinga disse...

Adorei o relato do Sensei Padre Kevin Jiun Hunt, pessoas leigas costumamos julgar e criticar cristãos pela prática da meditação, mas a oração nada mais é que um momento de meditação se usamos esse momento com presença. Necessário coragem para romper paradigmas e o fez com honra. Tomara que muitos outros sigam por essa linha, o zen é uma forma linda de estar com "Aquele que é mais próximo de mim do que eu mesmo", como diria Santo Agostinho.

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