Donna | 27/02/2011 | 08h11min
Movimento "slow living" prega uma vida com mais calma e menos pressa
Mulheres contam como colocam em prática e por que são mais felizes assim
Bete Duarte
Estamos vivendo os tempos da ditadura da FELICIDADE, em letras maiúsculas. Ser feliz virou uma obrigação e, teoricamente, estaria ao alcance de todos. Basta querer muito, fazer muito, se preocupar muito, se inquietar muito, correr muito, comprar muito. Na contramão dessa cultura, há quem busque um estilo de viver de maneira mais calma, com consciência e cuidado, um jeito de morar de forma sustentável, com respeito aos tempos internos, atenção na hora de consumir, leveza nos relacionamentos e responsabilidade ao usar os recursos naturais do planeta.
É o chamado Slow Living, um movimento desencadeado na carona do movimento Slow Food —resposta ao jeito desatento de engolir fast-food. A prática do Slow Living procura não só o caminho de tranquilidade, o tempo de descanso, tempo para o trabalho e para a família, mas também como ter tempo para nós mesmos. É para quem acredita em um estilo de viver mais humano, priorizando a qualidade dos momentos. Vale salientar, portanto, que essa forma de vida significa também estar pronto e produtivo quando necessário. Planejamento, organização e atitude ajudam bastante na materialização desta proposta. Nessa reportagem, quatro mulheres de diferentes profissões contam como colocam em prática a teoria do Slow Living e por que são mais felizes com esse estilo de vida.
Filosofia intimista da grande artista
O wabi-sabi, conceito japonês da arte para a beleza das coisas modestas e humildes, das coisas não-convencionais, que valoriza o intimista, o irregular, o simples e o despretensioso, tem sido aplicado pela artista plástica Heloísa Crocco em sua vida. Viver de forma modesta, aprender a sentir-se satisfeita com aquilo que tem depois de eliminado o supérfluo é a filosofia wabi-sabi, inspirada nos ensinamentos do Taoismo e do Budismo.
Adepta da vida simples, sem excessos, a artista plástica Heloísa Crocco tem conseguido comprar menos, correr menos, se cobrar menos. O que exige muito autoconhecimento para saber o que é essencial, o que faz diferença. Vem dessa busca de entendimento de si mesma a consideração de que menos posse é sinônimo de mais liberdade.
— Tudo nos leva a querer mais, e viver contra isso é muito difícil, mas possível — garante.
Heloísa sempre foi diferente. No álbum de fotografia, destaca suas fotos, sempre de cara amarrada, como se estivesse descontente com o convencional: com o laço de fita cor-de-rosa, o vestido de babados, a cor do casaquinho infantil. Parecia exercer um gosto próprio ainda não revelado. A dispersão, que a caracteriza até hoje, já se manifestava, como se ela vivesse imersa em seus pensamentos, em criações e devaneios. Vivia no mundo da lua.
Aos 60 anos, ela precisa se recolher, se isolar, se concentrar para criar, para se sentir confortável. Não acredita em esperar pela inspiração. Define o processo criativo como algo sistemático. Em meio à natureza, na casa-atelier de pinus reciclado, com vista para o Guaíba e embalada pelo canto dos pássaros, Heloísa se dedica a estudar linhas e texturas de madeiras, que depois dão forma à sua arte.
Nas últimas férias, esteve na Itália, com os dois filhos que moram na Europa, na época da colheita de azeitonas. Ficou encantada com o ritmo lento e calmo da região em meio a uma natureza pródiga. Programa, agora, voltar e trabalhar na colheita com os italianos.
— Quer coisa mais simples e mais linda? — questiona.
Outra beleza simples e não-convencional descobriu na beira do mar Adriático, ao ver o ir e vir tranquilo das ondas que faz rolar as sementes da tâmara, formando pequenas bolas peludas, uma verdadeira arte wabi-sabi. Com uma tigela cheia dessas bolas, ela decora a casa-atelier, cujas paredes abrigam cestas, colheres de pau, exemplares de sua arte em madeira e lembranças presenteadas por amigos.
Toda essa leveza cultivada bebe em fontes comuns de pessoas que buscam o devagar. Rodeada de simplicidade, Heloísa procura resgatar símbolos de afeto no passado, cultivar a boa mesa de forma lenta, quase contemplativa, deixar o peso da bagagem pelo caminho, levando apenas o essencial, preservar as amizades que pertencem à mesma "enfermaria" (a dos loucos do bem, dos diferentes), não viver iludida com uma coisa chamada tempo e nem criar fantasias sobre o outro.
Quem sabe alcançar as mesmas metas que Leila Ferreira, a autora de A Arte de Ser Leve:
— Dentro do que a vida permite, quero afinar o espírito, desbastar os excessos da alma, viver momentos de felicidade torta ou incompleta, colocar o coração na balança e sentir que ele pesa só um pouco mais que uma pena de avestruz.
O depressa é agitado, controlador, agressivo, apressado, analítico, estressado, superficial, impaciente, ativo, prioriza a quantidade em detrimento da qualidade O devagar é calmo, cuidadoso, receptivo, tranquilo, intuitivo, sereno, paciente, reflexivo, qualidade-mais-que-quantidade
:: Leia na edição impressa de ZH deste domingo as histórias da banqueteira Neka Menna Barreto, da jornalista mineira Leila Ferreira e da professora aposentada Innocencia Bernardi
No ritmo leve de Antônio Prado
A cidade de Antônio Prado, a 184 quilometros de Porto Alegre, já foi considerada um exemplo dessa forma de bem-viver, o que significa com mais vagar e qualidade. Até pouco tempo, ostentava o título de cittá slow, movimento surgido na esteira do slow-food. O conceito de cittá slow surgiu quando Bra (a sede do slow food) e outras três cidades italianas assinaram uma declaração em que manifestavam a intenção de se transformar em refúgio para os que não aguentavam o ritmo enlouquecido da vida moderna. A correria da modernidade, no entanto, fez com que administrações anteriores da cidade gaúcha deixassem de cumprir compromissos financeiros que garantiam a detenção do título (até para ser leve, é preciso ter, nesse caso, verbas para pagar uma taxa).
O que ajuda na leveza
- Olhar menos para o próprio umbigo e pensar mais nos outros
- Olhar menos para o próprio umbigo e pensar mais nos outros
- Mais cordialidade e menos impaciência
- Não abrir mão da civilidade, da compaixão e da elegância de viver
- Eliminar o excesso de bagagens materiais
- Não utilizar o estresse como desculpa para deixar de lado a gentileza
- Cultivar amigos
- Diminuir o peso da existência para as pessoas que o cercam
- Rir de si mesmo
- Dar à dor apenas a dimensão que ela merece
- Valorizar o silêncio
- Doar tempo e atenção
DONNA ZH
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