Pronto para começar

19/02/2011 ~ By Ariyadána ~ por Norman Fischer
Traduzido por Ismael Nogueira da Gama Orenstein

 
 
 
Ao longo dos anos, milhares de pessoas solicitaram-me conselhos sobre como estabelecer uma prática diária de meditação em casa.
 
 
Embora existam milhares de centros budistas de meditação ao redor do mundo, a maioria das pessoas que pratica meditação o faz, em parte ou integralmente, em casa e por sua própria conta.
 
 
Em muitos casos, trata-se de questão de conveniência. A maioria das pessoas não mora suficientemente perto de centro budista para meditar lá regularmente.
 
 
Ou, por uma razão ou outra, elas não se sentem confortáveis com alguns dos centros locais que lhes estão disponíveis.
 
 
Ou sentem que, para elas, meditação é um assunto privado e pessoal e não uma prática religiosa comunitária. De qualquer forma, a maioria dos que praticam meditação, por uma variedade de razões, medita em casa.
 
 
Eu mesmo faço assim.
 
 
As coisas não eram assim quando iniciei a prática do Zen. A sabedoria convencional então era que você nunca devia praticar por sua própria conta. Você precisava praticar com outros – esta era a forma de fazê-lo. Você precisava de instruções de um professor. Você precisava de apoio – manter a disciplina para sentar para meditar por sua própria conta seria muito difícil. Além disto, meditar sozinho podia ser perigoso.


A sabedoria convencional mudou, no entanto. Nos dias de hoje, muitas pessoas acham que é inteiramente possível meditar por sua própria conta. Não que a questão de falta de disciplina seja desconsiderada – manter a prática regular permanece sendo uma luta para alguns. Porém muitos superam a luta e encontram satisfação e conforto em sua prática diária.


Quando as pessoas me perguntam como iniciar uma prática de meditação em casa, aqui está o que lhes digo: a prática começa na noite anterior. Antes de você ir dormir, programe o alarme para meia hora mais cedo do que o usual e diga para você mesmo: “Amanhã de manhã estarei acordando para praticar meditação. Quero fazer isto e será prazeroso e útil”. Mantenha este pensamento em sua mente. Então assim que você estiver adormecendo, diga isto: “Vou realmente acordar mais cedo e meditar?” E responda a você mesmo: “Sim, eu vou”. E então questione você mesmo mais uma vez: “De verdade?” Encare isto com seriedade. Pense um pouco mais e responda honestamente a você mesmo. Se a resposta for: “Sim, de verdade”, então você vai conseguir. Você está sendo sério sobre isto. Porém se a resposta for: “Não, tenho que admitir que provavelmente vou desligar o alarme e me virar para obter uma deliciosa meia hora adicional de sono” então se poupe do problema. Desprograme o alarme agora e nem mesmo tente acordar mais cedo.


Este pequeno exercício pode parecer tolo, mas é muito importante. Ele se relaciona com a principal dificuldade que temos com a autodisciplina: somos ambivalentes. Nós tanto queremos como não queremos fazer o que pensamos que queremos fazer no melhor de nossos próprios interesses. Nós encontramos dificuldades para levar adiante seriamente nossas boas intenções, especialmente quando afeta nossa vida espiritual. Ficamos essencialmente confusos se seremos capazes de encarar a nós mesmos no mais profundo nível humano – talvez se o fizermos iremos nos achar pessoas comuns e sem valor. Uma vez que imaginamos que a meditação promete uma autoconfrontação neste nível, ficamos profundamente ambivalentes.


A maior parte deste complicado raciocínio não é consciente. É por isto que o autodiálogo-antes-de-dormir é importante. Ele oferece uma forma simples de encarar a questão. “Realmente?”. É uma forma de colocar a tona o que realmente sentimos e, gentil e honestamente, lidar com isto. De outra forma, nosso longo hábito de furtivamente nos auto-iludir irá certamente prevalecer. Nós não iremos fazer o que nós não temos realmente clareza de que queremos fazer, o que nos dará evidência adicional que nós não podemos fazê-lo.


Vamos assumir que você vai pular da cama de manhã, molhar o rosto com água fria, escovar os dentes, colocar roupas confortáveis (ou ficar com suas roupas de dormir, se preferir) e imediatamente sentar em sua almofada. Faça isto antes de tomar café, antes de você ligar o computador e antes de você dar partida em seu dia e aí perceber que não tem tempo para isto.  Acenda uma vareta de incenso para marcar o tempo ou utilize um relógio ou um dos excelentes marcadores de tempo de meditação atualmente disponíveis (que evitam a pessoa ficar olhando para o relógio). Decida previamente se irá meditar por vinte ou por trinta minutos. Um pouco mais é bom, se for possível.


Pratique isto por duas semanas, deixando um dia de folga por semana. Se você perder um dia, está OK. Não caia na armadilha inconsciente de “Uma vez que perdi um dia, não posso fazer isto, portanto é melhor também nem mesmo tentar, ou tentar com menos vigor amanhã por que este dia faltante me enfraqueceu.” Esta é a forma como pensamos! Portanto se prepare e não caia por causa disto. Seja gentil com você mesmo, porém firme. Imagine que você está treinando uma criança, ou um filhote – uma adorável criaturinha que tem boas intenções, porém definitivamente necessita de orientação de adultos.


Decida com antecedência que você irá meditar por duas semanas. É muito mais fácil se comprometer a meditar quase todo dia por duas semanas do que se comprometer a meditar todo dia pelo resto de sua vida. Após duas semanas, pare e pergunte a você mesmo, “Como foi ? Foi agradável ou desagradável? Que impacto teve em minha manhã, em meu dia, em minha semana?” Geralmente os resultados positivos são visíveis, e, vendo que a prática foi benéfica, você desenvolve uma intenção mais forte de retornar a ela.


Assim, então, após uma pausa, se comprometa novamente a praticar, talvez agora por um mês com a mesma pausa inserida para avaliação. Dessa forma, pouco a pouco você pode se tornar uma pessoa que medita regularmente. Colocar intervalos de tempos em tempos não muda isto.


Algumas pessoas perguntam: “É necessário fazer isto pela manhã? Há alguma mágica relacionada à manhã? Não sou uma pessoa matutina”. Sim, acho que há uma mágica com a manhã. Programações em monastérios em todo o mundo incluem práticas bem cedo pela manhã. A prática parece ser mais benéfica nesta hora do dia, quando sua psique está em estado liminar e o mundo ao redor de você ainda não está inteiramente acordado, antes que o dia fique comprometido e você se lembre todas as coisas que precisa fazer. No meio do dia é mais difícil colocar rédeas em si mesmo, e no final do dia você pode estar muito cansado ou tenso.


Você pode estar mais disposto para uma taça de vinho do que para uma prática de meditação, a qual irá certamente parecerá um tanto desconfortável a medida que seu corpo perceber todas as dores, tensões e torções do dia. De fato, praticar no final do dia é muito bom por apenas esta razão – apesar de bastante desconfortável, ajuda a processar todo o stress e a sentir-se calmo em seguida.


Porém se você está tentando estabelecer uma prática como iniciante ou neófito, pensar que você se sentará para meditar tranquilamente no final do dia provavelmente não vai funcionar tão bem quanto pegar você em seu ponto de menor energia (o que quer dizer no seu máximo): de manhã, quando você é mais ou menos você o mesmo, antes de você assumir completamente a personalidade heróica com armadura com a qual você deve abordar o mundo do trabalho e da família. (Devo observar aqui o fato óbvio de que tudo isto pode não ser válido para você: nós diferimos imensamente enquanto indivíduos, e com esses assuntos particulares uma mesma medida  não serve para todos. Estou descrevendo o que descobri ser verdadeiro para mim mesmo e para muitos outros praticantes de meditação).


Há muitas abordagens para a meditação. Na minha tradição (escola), a tradição Soto Zen, a meditação não é considerada uma habilidade que nós devemos dominar. É uma prática para a qual nós nos devotamos. Então, se você está meditando pela manhã, se sentindo meio adormecido, com fragmentos de sonhos ainda passando e a sua mente ainda não está focada precisamente na respiração, da maneira que você pensa que deveria estar..  isto está perfeitamente correto. É considerado normal e possivelmente até benéfico. O maior obstáculo para estabelecer uma prática de meditação é a idéia errônea (firmemente mantida pela maioria das pessoas que querem estabelecer uma prática da meditação) que meditação deve acalmar e focar a mente.

Portanto, se a sua mente não está calma e focada, então certamente você está fazendo algo errado. Pelejar com algo que você está consistentemente fazendo errado e, para sua frustração, não parece que vai melhorar. não o estimula a persistir (a menos que você seja um masoquista e não são poucas as pessoas que meditam e que são masoquistas.)


É melhor assumir a atitude Soto Zen de que meditação é o que você faz quando você medita. Não há fazer certo e errado.  Isto não quer dizer que não há esforço, de que não há calma, de que não há foco. Claro que há. O ponto é evitar cair na armadilha de definir meditação muito estreitamente e então se julgar com base nesta definição e assim sabotar você mesmo. Você deve avaliar sua prática a partir de uma estimativa mais ampla e generosa. Não é: Minha mente está concentrada enquanto estou sentado meditando? Mas  sim: Como está minha atenção durante o dia ? Não é: Estou repleto de paz enquanto estou sentado?  Mas sim: O meu costume de explodir de raiva de alguma forma se reduziu? Em outras palavras o teste da meditação não é a meditação.


É a sua vida.


Lidar com os vários obstáculos práticos da meditação regular é fácil se comparado com as profundas questões de auto-engano que tenho comentado a respeito. Uma vez que você lida com isso, os problemas práticos simplificam-se. As crianças acordam mais cedo? Então acorde meia hora antes que elas. Porém isto não proporciona sono suficiente? Bem, aquela meia hora sentado meditando será mais importante para o seu descanso e bem-estar que a meia hora perdida de sono. Ou você pode apenas ir para a cama meia hora mais cedo.


Sem lugar para meditar? Há sempre algum lugar – tudo que você precisa é do espaço para colocar uma almofada no chão. Porém é melhor ter um local limpo e bem cuidado, mesmo se for apenas o canto de um quarto que, de resto, pode estar cheio e desorganizado.  Manter aquele canto limpo e arrumado é uma preliminar para a prática de meditação em si.


Seu cônjuge não quer meditar e se ressente de você estar escapulindo da cama para meditar? Pacientemente explique ao seu cônjuge que a principal razão de você meditar é se tornar uma pessoa mais amável e prestativa. Você está escapulindo da cama não para declarar a sua independência, mas pela razão oposta: ser mais carinhoso. Tenha este diálogo (amável) com seu cônjuge. Peça para ajudá-lo a fazer esse experimento de duas semanas e avaliar os resultados: você foi mais amável, você ajudou mais com a casa, com as crianças, etc, mais do que o habitual, com mais boa vontade, mais entusiasmo? (Claro que, após ter essa conversa, você agora vai ter mesmo que agir assim.)


Em resumo, se você quiser meditar não há praticamente nenhuma desculpa para não o fazer. Mas a confusão humana é muito astuciosa, portanto é possível que você ainda se convença a ficar de fora da prática.  Se for assim, seja bem vindo.  Às vezes este é o caminho pelo qual finalmente começamos uma prática séria de meditação: postergando-a durante dez ou vinte anos, até que finalmente não há mais escolha.


À medida que o mundo aumenta sua velocidade e a trajetória da história se torna mais drástica, mais pessoas sentem necessidade de  fazer algo para  promover o bem estar e encorajar uma atitude sustentável.


É difícil permanecer entusiasmado se você está sob stress, é difícil acreditar na bondade e felicidade se o mundo em que você vive não oferece  muito apoio para isto. De forma gentil e realística, a prática da meditação pode fornecer poderoso estímulo para as atitudes que precisamos. Fé ou esforço exagerado não são pré-requisitos.  Simplesmente sentar em silêncio, retornando ao momento presente do corpo e da respiração, naturalmente lhe aproximará da gratidão, da bondade. Assim que você se comprometer com essas virtudes, começará a perceber, para sua surpresa, que muitas pessoas  em sua vida estão também fazendo isto, e portanto há muita companhia ao longo do caminho.



O Professor Zen e Poeta Norman Fischer  é fundador da  Everyday Zen Foundation. Ele  foi  abade  do San Franciso Zen Centre de 1995 a 2000 e escreveu muitos livros de prosa e poesia, incluindo Viajando para Casa: Utilizando a  Odisséia de Homero para  Navegar os Perigos e Armadilhas da Vida.
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Texto extraído da edição de Setembro de 2010 da Revista Shambhala Sun e traduzido e publicado com a autorização do autor.

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