Pastor elogia ateísmo ético e critica canalhice religiosa




O pastor Ricardo Gondim escreveu em 2012 no seu site uma série de artigos onde tem exposto o seu desencanto em relação ao que chama de “movimento evangélico". 

A sua caminhada (ou expulsão velada) para fora do habitat de seus pares teve início no ano passado, quando escreveu um artigo pedindo a Deus que livrasse o Brasil de se tornar um país evangélico, para que não haja uma devastação na cultura brasileira.


Gondim passou a sofrer fortes pressões de seus colegas e de fiéis, ainda mais porque defendeu a união de pessoas do mesmo sexo. Uma revista cristã o dispensou depois de 20 anos de colaboração. Em redes sociais, passou a ser chamado de "pastor herege".

Ele cita John A. T. Robinson:
"A teologia convencerá, não pela certeza que põe nas respostas, mas pela integridade com que levanta as perguntas, e pelo rigor com que respeita as disciplinas críticas, históricas, científicas e linguísticas do mundo que tem por missão servir."


Em artigo publicado em 23/04/2012 diz, entre outras coisas, que prefere a franqueza áspera dos “sem religião” a "carolice desencarnada dos alienados" e reconhece que “o ateísmo ético supera em muito a canalhice praticada em nome de Deus”. 

Trata-se de um texto com palavras fortes onde fala em "repensar moldura" e em "se assumir". Afirma: "Repensar moldura significa assumir-se. Canhotos não precisam envergonhar-se do canhotismo. Baixinhos não devem se sentir inadequados. Orientação sexual não define caráter. É revoltar-se com as etiquetas imbecis de uma cultura burguesa que parasitou em costumes franceses e, depois, emulou o pior dos Estados Unidos".

Segue a íntegra do artigo. 


Repensar moldura
por Ricardo Gondim 
Ninguém vive fora de algum círculo. Quando escrevi o livro “Pensando Fora da Caixa” não sugeri o abandono de molduras. Ninguém pensa sem paradigmas. Propor anarquia intelectual é desatino. Nietzsche afirmou corretamente: “O nada nega a si mesmo”. Quem procura sair de formas busca mudar de lente ou de pedra de arranque. Não cogita cometer suicídio intelectual. Talvez tente criticar pressupostos; quem sabe, desobedecer bitola; com certeza, abrir algum cadeado.
Repensar moldura significa coragem de rir enquanto probos pensadores posam, com olhar compenetrado, de senhores da razão. Não há nada mais ridículo, e ao mesmo tempo engraçado, do que presenciar debate em que acadêmicos discutem a irrelevância do óbvio. Rubem Alves expressou seu desdém por essa moinha árida, que consome filósofos, teólogos e teóricos. Pensar nem sempre garante sentir. Como não desejava refletir o mundo como um espelho frio, disse: “É isso que me separa dos filósofos: sou um amante. Tenho um caso de amor com o universo…”. Para celebrar a vida é preciso esse namoro. 
Repensar moldura significa não temer o mundo da sensibilidade. É preciso ousadia para chorar quando o riso se torna fácil e a alegria, banal. Na gargalhada dos medíocres, o pranto se torna virtude. Se galhofa expressar complacência, chegou a hora de lamentar. Compadecer, igual a sofrer com, precisa migrar dos imperativos e virar privilégio. 
Repensar moldura significa manter acesa a flama da esperança e em tempos cínicos, sonhar. Esperança se define como a teimosia de plantar uma árvore mesmo se não há mais idade para descansar à sua sombra. 
Repensar moldura significa aprender a disciplina da prece. É fazer da contemplação o alimento de uma fé que zomba do pessimismo, acredita em outro mundo possível, pisa os grilhões do destino e profetiza um porvir, em que justiça e paz se beijam. 
Repensar moldura significa escolher estrada menos trilhada. Quando a multidão preferir os píncaros, descer aos vales. Se todos acharem que lodaçais crescem, sacudir a lama e alçar o voo das águias. 
Repensar moldura significa não ter medo de andar para trás. É desprezar o progresso, achincalhar o sucesso, voltar à idade menina de falar na língua do “P”, apaixonar-se perdidamente, assombrar-se com a escuridão, ver o mundo grande, fechar os olhos ao grotesco e perceber anjos e fadas ao derredor. 
Repensar moldura significa assumir-se. Canhotos não precisam envergonhar-se do canhotismo. Baixinhos não devem se sentir inadequados. Orientação sexual não define caráter. É revoltar-se com as etiquetas imbecis de uma cultura burguesa que parasitou em costumes franceses e, depois, emulou o pior dos Estados Unidos. 
Repensar moldura significa desvencilhar-se de afirmações piegas, ridiculamente sentimentais. É preferir a franqueza áspera dos “sem-religião” ao invés da carolice desencarnada dos alienados e por fim, constatar que o ateísmo ético supera em muito a canalhice praticada em nome de Deus. 
Soli Deo Gloria
Este texto foi publicado originalmente no site do Gondim.

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