Postado por Monja Isshin
Negócios, dinheiro e competição no contexto da espiritualidade... Sucesso material é compatível com espiritualidade?
Pode-se falar em melhoria no padrão de competitividade, a partir de uma visual mais espiritual do mundo do trabalho?
Nesta entrevista, a monja zen budista americana e naturalizada brasileira Isshin Havens responde a estas e outras questões.
Em Porto Alegre, Isshin atua como orientadora espiritual das sangas Águas da Compaixão, Aikikai e Energia Harmoniosa. Seu treinamento como monja da tradição japonesa de Soto Zen Budismo iniciou em São Paulo, onde recebeu ordenação de sua professora, Monja Coen, tendo continuidade em mosteiros do Japão e Estados Unidos. Autora do livro “A Vida Compassiva: Compaixão” e do blog Águas da Compaixão, também desenvolve projetos diferenciados para comunidades, empresas e profissionais.
Business & Opportunities: Muito já se falou em inteligência emocional, como fator de competitividade no mercado de trabalho, e nos últimos anos tem se falado também de inteligência espiritual. Não parece paradoxal, falar de inteligência espiritual para aumentar a competitividade?
Monja Isshin: Há competitividade saudável e não-saudável. Quem pratica a competição não-saudável, geralmente, pensa somente no seu próprio benefício egoísta (ou o benefício da empresa com a qual se identifica) com uma mentalidade de “danem-se os outros!”. Frequentemente, apela a métodos inescrupulosos na ânsia de conquistar lucros sempre maiores e monopólio de mercado. Mas estamos aprendendo cada dia mais que este tipo de atitude é inviável no médio prazo e também no longo prazo. Não se sustenta. Cultivando a “inteligência espiritual”, o profissional desenvolve um “centramento” interno, um espaço de calma que permite enxergar as situações com uma visão cada vez mais clara, ouvindo a voz da intuição. Na medida em que se aprofunda numa prática espiritual, pode vivenciar, ao nível experiencial subjetiva, a unidade de todas as coisas. Nesta hora, as decisões eticamente corretas se tornam muito mais fáceis, bem como a percepção de soluções criativas para as dificuldades que enfrentamos.
Business & Opportunities: Ocorre, então, uma mudança de perspectiva…
Monja Isshin: Exatamente. Na “competitividade saudável”, o empreendedor deixa de se preocupar tanto com “a competição” e o desejo de esmagá-la e se foca mais precisamente em fazer o seu próprio trabalho da melhor forma possível. Isto implica em cultivar um relacionamento “ganha-ganha” com os seus empregados, empregadores e clientes, e entender que estes estão cada dia mais informados e sensibilizados neste mundo que virou praticamente um vilarejo, graças às facilidades de comunicação e locomoção. Por exemplo, a sociedade, como um todo, está cada vez mais consciente da importância do pensamento ecológico e dos direitos dos outros seres, humanos e animais. Por mais que temos as nossas diferenças, somos todos parte de um algo maior. Para citar um clichê – “estamos todos no mesmo barco”, portanto, a “inteligência espiritual” nos ajudará a remar juntos.
Business & Opportunities: Quais seriam as características de um trabalho, de um labor, com um toque espiritual?
Monja Isshin: No pensamento protestante cristão encontramos a “ética do trabalho”, o “trabalho como meio de salvação”. No Zen Budismo, temos a prática do “samu” (geralmente traduzido como ‘trabalho’ ou ‘atividade diária’) como uma parte bastante importante de nossa prática espiritual, onde devemos nos entregar 100% na atividade que temos a nossa frente com o mesmo espírito com o qual sentamos em meditação ou cantamos as sutras (escrituras). Consideramos todas estas atividades como sendo igualmente sagradas. A experiência monástica católica é bastante semelhante. Consequentemente, vemos os monges (budistas ou católicos) fazendo o seu trabalho com um espírito leve e com alegria, flexibilidade e prontidão de simplesmente fazer o que precisa ser feito, sem ficar presos em falso orgulho e medo ou outros sentimentos negativos. Para a pessoa leiga, verdadeiramente espiritualizada, seria a mesma coisa. Finalmente, por estarem “centrados” na sua espiritualidade, tais pessoas tendem a ter uma percepção mais clara das situações e uma intuição mais forte, que passa a trabalhar de uma forma integrada com o seu lado “racional” e as ajuda a reconhecer aspectos sutis dos acontecimentos e a enxergar o quadro maior.
Business & Opportunities: O livro ‘O monge e o executivo‘ é bestseller e inspira muitas pessoas em seus trabalhos. Qual sua avaliação?
Monja Isshin: Gostei muitíssimo. No fundo, há muito pouca diferença entre a experiência de um monge cristão e um monge budista. De fato, são realizados muitos intercâmbios e compartilhamentos entre os dois grupos. Consequentemente, os ensinamentos sobre a importância de “servir” e de “liderar servindo” são idênticos. No Japão e outros países asiáticos, é bastante comum para as pessoas leigas, incluindo muitos empreendedores e outros profissionais, passar algum período de tempo num mosteiro budista, para “fortalecer o caráter” e treinar o “servir”. Assim, me identifiquei bastante totalmente com o livro e certamente o recomendo.
Business & Opportunities: Muitas pessoas veem a espiritualidade como contraposição a negócios, dinheiro, sucesso no mundo material. Como a senhora vê essa questão?
Monja Isshin: Criou-se uma imagem estereotipada da pessoa supostamente “espiritualizada” como sendo uma pessoa “bicho grilo” e “alienada”. Nesta imagem, seria lógico concluir que tal espiritualidade não combinaria com o sucesso no mundo material, dinheiro ou negócios. Mas tal imagem não representa o quadro da pessoa verdadeiramente espiritualizada, como eu a conheço. Os mestres religiosos, sejam católicos, sejam budistas, que tenho conhecido, têm sido pessoas bem presentes, ativas e atuantes no mundo real. Mais ainda, eles incentivam que os leigos espiritualizados vivam plenamente, com honestidade, ética, dignidade e generosidade, desfrutando do dinheiro, do sucesso e dos benefícios resultantes.
Publicada originalmente na Revista Business & Opportunities, da Câmera de Comércio Italiana Rio Grande do Sul, Novembro 2010.
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