Pratico zen em um templo de Nova Orleans.
Não gosto muito de falar sobre zen. Não estou habilitado de modo algum para falar sobre zen. Falar sobre zen é a coisa menos zen do mundo.
A própria palavra “zen” já não quer dizer nada. Na fala cotidiana, usamos “zen” para descrever comportamentos e sentimentos e atitudes que não tem nada a ver com zen. Buscando na Amazon ou no Submarino, 80% dos livros com “zen” no título não tem nada a ver com zen. Esse tal “zen” contemporâneo ocidental hoje é utilizado até por empresas para melhorar a eficiência dos funcionários. Aliás, não existe isso de “ser zen”: zen não é adjetivo.
Meu mestre zen reclama que não mantenho as costas eretas (isso ele reclama de todos), que faço o movimento de ajoelhar todo errado (aprendi) e, principalmente, que não sei me adaptar (ou seja, ver como todos estão fazendo e fazer igual, sem precisar ser chamado atenção) e que leio muito (ou seja, que deveria pensar menos sobre zen e praticar mais). Ele está coberto de razão em tudo.
Ou seja, claramente eu não sei o que é zen.
Mas se você nunca estudou, praticou ou frequentou um templo zen, se a sua ideia de zen é a ideiamainstream de zen, então você também não sabe o que é zen. Junte-se ao clube. Não saber o que é zen é pré-requisito fundamental para praticar zen.
Zen não é uma crença ou uma religião. O zen nunca me postulou alguma verdade universal e disse: “Junte-se a nós se você acredita nisso”. O zen nunca me deu nada para acreditar, nunca perguntou no que eu acredito. Essas são questões totalmente irrelevantes.
Zen não é uma filosofia, embora seja mais próximo de uma filosofia que uma religião. Não existe propriamente um feixe de premissas com as quais é necessário concordar – do mesmo modo, digamos, que para ser marxista é necessário compartilhar as premissas filosóficas do marxismo.
Quando lhe fazem perguntas metafísicas ou existenciais ou filosóficas, a resposta do meu mestre é sempre uma variação de: “Endireite a coluna”, “Abaixe o queixo”, “Observe sua respiração”, “Mantenha a postura”. O metafísico é sempre reduzido ao físico. Não existe essa separação cartesiana ocidental entre as considerações espirituais de uma alma pura e sofisticada e as necessidades carnais de um corpo sujo e grotesco.
No zen, a filosofia é a postura, e a postura é a filosofia.
O zen é uma prática. Não é algo em que se acredita, nem algo com que se concorda: é algo que se pratica. Desse modo, pode-se dizer que a premissa filosófica ou espiritual que une os praticantes de zen é simplesmente o fato de quererem praticar o zen.
Aí você me pergunta:
“Por que praticar o zen, Alex?”
E eu respondo:
“Porque sim.”
Mas você insiste:
“É pra ficar mais calmo? É pra ter mais autocontrole e disciplina? É pra pegar mais mulher? É pra ser mais autossuficiente? É pra encontrar respostas? É pra se iluminar?”
E eu diria (mas quem sou eu pra falar?) que essas são razões de quem ainda não entendeu o que é o zen. Por outro lado, é provável que eu também não tenha entendido o que é zen. Além disso, nada impede uma pessoa de começar a prática buscando por algo que não está lá e acabar encontrando muita coisa útil e interessante que está.
Pessoalmente, eu pratico zen porque eu já sempre praticava zen. Porque zen é um nome conveniente para o modo como eu já sempre vivi a minha vida. Para o modo como sempre tentei viver minha vida.
Mini não-manual da prática zen
Então, para mim, de forma bem pessoal e possivelmente bastante errada e ignorante, praticar zen é:
Acordar cedo.
Ser ativo, atento, concentrado.
Fazer uma coisa de cada vez.
Se concentrar totalmente no que se está fazendo.
Receber todos que me procuram, mas não procurar ninguém.
Respirar.
Estar consciente da minha respiração, do meu corpo, das pessoas a minha volta.
Sentar, meia hora, de pernas cruzadas, sem se mexer.
Não se apegar a objetos.
Não se apegar a pensamentos: deixá-los surgir e desaparecer na mente, sem segurá-los, sem se obcecar com eles.
Se apegar a pessoas, mas sem criar dependência.
Não criar dependência. De nada.
Amar a todos, mas não depender de ninguém.
Exercitar empatia.
Fazer as tarefas domésticas com concentração total. Limpar o chão, cortar a cebola, lavar a louça como se fossem as coisas mais importantes do mundo.
Apreciar o vazio.
Praticar a simplicidade.
Não buscar o conforto.
Ser frugal.
Manter as costas eretas.
Se mover com graça.
Falar baixo.
Trabalhar de pé.
Não ler sobre zen. Não pensar sobre zen. Não teorizar sobre ser zen.
…
Uma amiga perguntou:
“Você consegue fazer toda aquela lista?”
E eu ri:
“Claro que não. Quem é que consegue? Mas eu tento. E todo dia eu chego um pouco mais perto.”
Como teria dito Aristóteles (a citação é apócrifa), nós somos o que fazemos repetidamente.
ALEX CASTRO
alex castro é. por enquanto. em breve, nem isso. até lá, vá curtindo pelo facebook.
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