"Viver para amar"


'"Viver para amar’"

Por: Marcele Bessa 24/06/2012
Lama Jigme Lhawang. Foto:Thiago Louza


Depois de em torno de 10 anos morando nos himalais na Índia e Nepal como um monge budista, o gaúcho Gabriel Jaeger, de 31 anos se tornou um lama (professor espiritual) e volta ao Brasil para compartilhar o conceito Viver para Amar- Live to Love.
O gaúcho Gabriel Jaeger, de 31 anos, só atende por esse nome a seus familiares. Depois de 10 anos morando na Índia e no Nepal, onde foi estudar e praticar a filosofia budista, ele foi ordenado por seu mestre S.S.Gyalwang Drukpa, um lama (professor espiritual), com o nome Lama Jigme Lhawang. Três dias após essa entrevista, ele voltou para Catmandu, no Nepal, onde retoma suas atividades após um mês viajando por todo o Brasil para divulgar o conceito Live to Love (Viver para Amar), fundado aqui no Brasil como o Instituto Live to Love Brasil, em janeiro deste ano.
O que é a Live to Love?
A Fundação Live to Love foi idealizada e fundada pelo meu mestre no Nepal, Sua Santidade Gyalwang Drukpa, chefe espiritual de uma grande tradição espiritual do budismo tibetano, a Linhagem Drukpa. É o líder de toda uma linhagem de centenas de monastérios no Himalaia e centros no mundo inteiro. Num certo momento, ele percebeu que o método tibetano não abrangia todas as necessidades do mundo atual, incluindo algumas necessidades espirituais de alguns dos próprios iogues de sua linhagem que, por ainda não entenderem por completo ou terem aversão ao mundo, só desenvolviam práticas espirituais fechadas e sozinhas. E ele viu que mesmo depois de certo tempo de prática, esses iogues voltavam para o mundo, mas não conseguiam se inserir por sofrerem perturbações frente aos desafios e distrações da vida moderna. Então, ele percebeu que seria ótimo para os iogues dividir seus conhecimentos com o mundo e ao mesmo tempo progredir espiritualmente através de práticas espirituais no contato direto com aquilo que os perturbem. Por exemplo, uma das coisas que é bem comum nós ouvirmos é sobre o treino da paciência. Mas se não houver circunstâncias que nos incomodem, não há como cultivar paciência. É muito fácil estar sozinho e estar paciente em circunstâncias positivas. Então, o mundo tem diversos elementos que nos farão progredir na prática espiritual.
E para o público, qual a mensagem da Live to Love?
Viver para amar significa nós como membros desse universo: somos um ponto na grande teia da vida, que sustenta a vida. Quando um dos pontos começa a enfraquecer, ele enfraquece, assim como os outros pontos conectados a eles. E daqui a pouco, a grande teia cai. Então, nós temos que nos entender como um grande organismo. Temos que entender também que nosso corpo é muito maior que esse corpo físico. Somos um grande organismo vivo, abrangendo todo o ecossistema, um organismo universal. Então esse é o aspecto de viver. O amar é a inserção positiva no mundo e nossa atitude positiva inclui tanto nossa ação de corpo assim como também indica que há um olhar compassivo de amor que fortalece cada ponto da teia. Através da energia do amor a teia toda da vida se fortalece. A outra forma é que a gente começa a descobrir que o próprio viver é uma expressão do amor divino. Numa linguagem mais judaico-cristã, a gente poderia dizer que é a criação de Deus. A vida é a criação divina. E dentro da perspectiva budista a gente vai ver a vida como a expressão da nossa natureza primordial, da natureza espiritual.
O lama costuma passar com simplicidade os conceitos de um organismo único para a busca da felicidade. Foto: Thiago Louza
O amor é um antídoto ou um remédio para um organismo que está doente?
Hoje uma das principais causas de toda doença é o apego, desejo descontrolado, aversão, raiva e ódio. E apego não só a questões externas, mas também a visões de mundo como identidades que a gente cria e que depois a gente se agarra como fonte de segurança e zonas de conforto. Então, a gente vai ver que tanto as doenças físicas quanto as emocionais são consequências de estados mentais, da maneira como se contempla e reflete o mundo. Então o amor vai introduzir um novo tipo de olhar para nossa vida, onde vamos transcender como seres individuais, olhar para os seres como parte desse grande corpo/organismo que somos. A partir desse entendimento, vamos proteger esse grande organismo. Isso inclui a compreensão e experiência direta de que vivemos nesse organismo de forma interdependente. Todos estamos interconectados com tudo e com todos. Então, a felicidade do outro também é a nossa felicidade. Na biologia, a gente vê que nós estamos vivos porque outros seres estão vivos. As pessoas criam formatos do que seria felicidade e por conta disso não são verdadeiramente felizes.
Você acha que no mundo de redes sociais, elas acabam se formatando dentro do que seria felicidade baseada na felicidade alheia?
Eu acho que não só as redes sociais, mas a mídia em geral. Mas um ponto interessante é que nós temos uma escolha e não precisamos abraçar o que a mídia nos coloca como modelo de felicidade.
Como o budismo prepara a pessoa para não utilizar o outro ou o que a mídia vende como parâmetro de vida?
Primeiro o reconhecimento de que aquilo que está sendo oferecido lá fora não está produzindo o que buscamos. Eu testo o que eles me vendem como felicidade e percebo que não funciona. A partir disso, vamos tomar uma decisão, escolher e seguir uma direção. O que verdadeiramente vai trazer satisfação? Entendemos que tudo o que nos traz insatisfação é quando acreditamos que a felicidade está lá fora. A gente se agarra a essa noção. A gente quer que aqueles elementos lá fora, seja o celular, o carro do ano, a casa ou o lazer nos traga a verdadeira satisfação que nos seja permanente. Mas as coisas são naturalmente impermanentes e transitórias, sofrendo constantes transformações. E aquilo que produziu um momento de satisfação momentâneo começa a resvalar entre nossos dedos. A gente não consegue segurar. Na verdade, é isso que nos causa grandes insatisfações na vida.
E o que seria felicidade?
É quando a gente consegue usufruir das coisas de forma mais desapegada. Ao invés de agarrar-se as coisas com unhas e dentes, abrimos nossas mãos e deixamos as coisas se manifestarem como elas são, em seu tempo e expressão naturais, usufruindo e deslumbrando do milagre de estarem presentes em nossas vidas. Aceitar e entender que é da natureza das coisas, da natureza desse milagre a transformação e a mutabilidade. Se a impermanência não tivesse presente, nós não teríamos o prazer de ver uma flor florescendo. Só que a gente quer que as coisas sejam fixas, imutáveis, o que é um equívoco. Se as coisas fossem fixas seria um tédio. Nada mudaria, nada floresceria, nada se transformaria. A nossa felicidade está ligada à harmonia e equilíbrio, a paz que surge quando a gente não está agarrado a coisas que por sua natureza, não podem ser agarradas. A gente começa a estar aberto à aceitação, à flexibilidade, e floresce harmonia e equilíbrio em nossa mente e nosso coração. E quando a gente começa a experimentar isso, surge paz, calma e surge uma felicidade que sempre esteve presente como um potencial dentro do coração. A gente só não estava acessando este potencial.
Como vocês estão fazendo para divulgar a Live to Love?
A Live to Love é uma visão que todos estão buscando, mas não estão encontrando nos tipos de modelos oferecidos pela sociedade materialista. E as pessoas estão em busca de uma sociedade mais amorosa e preocupada com o semelhante. As pessoas não precisam fazer parte de um grupo, de uma instituição ou de uma organização para amar. O grupo surge como uma forma de apoio para quem precisa caminhar. A pessoa se fortalece e leva isso para a família, para a comunidade onde mora, para outras organizações. Porque não é uma visão da Live to Love, é uma visão de compreensão da vida. Essa noção de que nossa felicidade esta em direta relação relação com todas as áreas de nossa vida, com o meio ambiente, nossa saúde, educação e com todos os outros seres.
Quais conceitos da Live to Love?
Se a gente olhar a educação atual nas escolas, percebemos que elas não estão formando bons seres humanos, mas apenas escolarizando para preencher uma função do modelo materialista. Se aprende coisas que não se sabe a utilidade. No que diz respeito à educação é mostrar que nossa felicidade não vai surgir na medida em que se preenche essas necessidades materialistas e investir na formação de bons seres humanos. Através da educação, começamos a introduzir elementos da consciência ecológica, consciência do corpo e esta noção de que estamos todos interconectados, ou seja, a felicidade do amiguinho é a nossa felicidade. A harmonia gera sensação de sustentabilidade interior ou ecologia interior, ou seja, a gente começa a ter uma vida mais simples, muito mais sustentável. E simplificando nossa vida, naturalmente, a gente vai gerar um impacto menor no meio ambiente. A nossa demanda pelo que as empresas produzem vai diminuir. Isso vai proporcionar impacto menor no meio ambiente. O importante é lembrar sempre que amor e a compaixão verdadeiros não surgem se não houver uma visão e experiência de igualdade, equanimidade e reconhecimento de que não há diferença entre você e os seres que ajuda.

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