Meu segredo é ser tranquilo
A maior parte do meu passado até agora foi dominado por submissão, medo, culpa, ansiedade e frustração. Escolhi meu primeiro curso por submissão aos desejos do meu pai. Casei por medo de perder minha ex-mulher. Me divorciei por causa da ansiedade decorrente dessa decisão. Entrei em depressão profunda pelas minhas frustrações com a vida. De passo em passo, fui afundando, até que decidi parar. Com o tempo, e com ajuda da filosofia Zen, fui aprendendo a ser tranquilo mais e mais. Foi quando aprendi que coisas e pessoas nunca são Futuros Algos ou Futuras Pessoas, nem são Algos ou Pessoas, mas sempre um talvez-ex-algo-ou-futuro-possível-algo.
Esses dias assistindo a sitcom How you met our mother, vi uma cena que representou bem os dramas que vivemos no nosso dia-a-dia. Em uma das cenas, Ted Mosby (personagem de Josh Radnor) estava em um encontro com uma moça muito bonita, mas sua cabeça estava dispersa. Ela começou a falar, e ele a ficar disperso. Quando ele finalmente voltou a si, ouviu as últimas frases dela: "...e foi assim que tive minha melhor experiência lésbica, desculpe ter contado muitos detalhes, se isso te aborreceu". Não adiantava rebobinar a vida para ouvir o que a moça falou de sua experiência, ela já foi contada, e ele estava disperso demais para ouvir.
Essa cena representa bem a importância de ser tranquilo. Quando as pessoas pensam em tranquilidade, o que vem à mente delas é um sujeito calmo, sempre parado, movimentando-se na vida a passos de tartaruga, como se nenhuma motivação o fustigasse. Na verdade, ser tranquilo é outra coisa. Ouvi essa palavra e entendi seu conceito pela primeira vez quando li A tranquilidade da vida, do filósofo estoico romano Sêneca. Ali aprendi que ser tranquilo é simplesmente deixar as coisas passarem por você sem se apegar a nenhuma delas. Para entender melhor esse conceito, imagina a vida como um filme. Se você apertar o pause na vida para reter um momento, perderá todo o resto da sua vida. Se voltar ao passado para rever outro momento, esquecerá do momento presente que sempre acontece. Então, espera-se viver apenas o presente, sem dispersar-se, e sem perder o foco do que se faz no momento.
Uma pessoa tranquila é em essência uma pessoa desapegada. Essa pessoa é capaz de passar anos vivendo com alguém alterando o mínimo de suas atividades de quando era solteiro, e quando a solterice volta, ele não fica remoendo o relacionamento que acabou, mas segue a vida como se nada tivesse acontecido. Ele é capaz de passar vários anos com uma pessoa até perceber que está definitivamente casado. Uma pessoa tranquila, quando perde o emprego, simplesmente parte em busca de outro. Em dificuldades financeiras, apenas procura um jeito de resolvê-la. Em tudo, uma pessoa tranquila não lamenta, não fica ansioso, não sente medo e nem desenvolve culpa, apenas reage da maneira que é mais apropriada para a situação. E, se não der certo, tem seu "foda-se" ligado desde sempre para ajudá-lo. Ele não se abala, apenas caminha. Ele não para nem rebobina a vida, ele apenas vive, pois sabe que a vida não tem pausa para ir ao banheiro.
Quando finalmente aprendi a ser tranquilo, percebi que o medo é um fator de atraso, pois nos faz saltar para um futuro além do desconhecido em busca de uma segurança, nos tornando ansiosos, criando fantasias a respeito dos resultados de nosso presente, que serão inevitavelmente frustradas, acarretando em sentimento de culpa por não ter feito diferente. Como podem ver, a inter-relação de todos esses sentimentos é complexa, daí o nome Complexo. E no caso específico, prefiro chamar de Complexo do Chorão. Quer resolver todo o complexo? Ataque no ponto em que ele começa, no medo, mas não assuma a coragem, pois ela leva a atitudes impensadas. Troque a dicotomia medo/coragem pela tranquilidade, e siga em frente.
Nos últimos seis anos, minha principal tarefa foi simplificar a vida e cada vez mais ir largando peso extra, me desapegando de coisas do passado ou ansiando pelo futuro. Larguei Deus, larguei a religião, larguei a necessidade de ser rico, larguei a necessidade de chamar atenção, a necessidade de dar satisfação, a submissão aos outros, a ânsia doentia pelo prazer etc. Pouco a pouco fui vendo o quanto largar tudo isso foi me tornando mais calmo. E a calma me ajudou a encontrar a tranquilidade. Pra mim, ser feliz é isso: ser tranquilo. Tenho de aprender mais ainda, claro, mas estou no caminho certo.
Pois bem, é assim que aprendi a não ter problemas com a vida: aceitando-a como inevitável, com todos os seus revezes e suas glórias. Assim como os problemas, as soluções são também temporárias, pois a própria vida, enfim, é temporária. Temos pouco tempo aqui no planeta. Posso morrer amanhã com a cabeça estourada em um acidente de trânsito, como posso morrer daqui a 80 anos em uma cama confortável, pois nada é mais frágil que a vida. Se a vida é impermanente, então por que pausá-la? Por que não vivê-la?
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