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Shobogenzo, o "discurso amável"


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Sermão Mensal ~ SOTOZEN-NET

Outubro de 2012 - Discurso Amável - Aigo 愛語 pelo Rev. Daigaku Rummé parte 1

A expressão "aigo" (priyavacana) é um antigo termo Budista originário da Índia, que no Sotoshu o contexto mais familiar é a referência encontrada no texto do Dogen Zenji, Bodaisatta ShishoboBodaisatta Shishobo, que significa "Os Quatro Métodos Abrangentes de um bodhisattva", é um capítulo da obra Shobogenzo. "Aigo" significa, literalmente, "discurso amável, simpático" ou também traduzido como "palavras carinhosas". Penso que é razoável dizer que a maioria do povo japonês não leu o Shobogenzo, mas os japoneses filiados ao Sotoshu estão familiarizados com o Shushogi ("O Sentido da Prática e da Verificação").Shushogi é um compêndio de citações retiradas do Shobogenzo para formar um sutra, em primeira instância para os laicos, composto por Ouchi Seiran no início do século doze.

Shushogi (leia aqui) é constituído por cinco seções. A quarta seção é intitulada "Fazendo Juramento para Benefício das Pessoas". A maior parte é uma citação direta de "Os Quatro Métodos Abrangentes de um Bodhisattva". É neste contexto do ensinamento do benefício dos outros que a maioria das pessoas se deparou com o ensinamento do Dogen Zenji acerca do "Aigo". Quando traduzimos este termo para o português como "discurso amável" ou "palavras carinhosas", esta é uma noção em que a maioria das pessoas não pensa num ser particular da religião Budista, mas vê-o num conceito ético que podemos encontrar em qualquer cultura ou religião. Então, qual é o significado deste termo no Budismo? O que queria Dogen Zenji dizer com isso? Estas são questões que não posso responder, mas gostaria de escrever sobre algumas das ligações que vejo entre este ensinamento e o contexto mais abrangente do ensinamento Soto em geral. Gostaria de começar por escrever acerca do significado do termo "Shobogenzo".

  • "Sho", em Shobogenzo, significa algo que é eterno, algo que nunca irá mudar. O caratere chinês para "sho" (正) significa "verdade" ou "certo" e, neste caso, significa inalterar

  • "Ho" (–@), que é pronunciado como "bo" quando surge no Shobogenzo, é o DharmaO Dharma é tudo o que vejo com os olhos, ouço com os ouvidos, saboreio com a língua, cheiro com o nariz, sinto com a pele e penso com a mente.  Os seres humanos também são o Dharma.

  • "Gen" (眼) significa "olho". Neste caso, o olho representa cada uma das funções dos seis sentidos: ver, ouvir, cheirar, saborear, tocar e pensar. O olho não julga se algo está limpo ou sujo, se é grande ou pequeno; apenas reflete o que é visto. A língua não faz a distinção entre o doce e o salgado. Todas as coisas na nossa vida surgem através dos cinco sentidos para ver, ouvir, cheirar, saborear e tocar. É na mente que surgem as discriminações sobre o que é doce ou salgado, gostar e não gostar. A ferramenta que produz essas discriminações chamamos "consciência". Não é realizada qualquer discriminação nas sensações recebidas pelos olhos, ouvidos ou pela língua. A discriminação apenas ocorre na função da consciência. Isto significa que não é mau pensar em várias coisas e esses pensamentos não são ilusão. A função da mente não é outra senão uma ferramenta para pensar. Isto é explicado no "gen" (olho) do Shobogenzo


  • "Zo" (‘) é um depósito ou um compêndio de informações. O sentido aqui é que deixando o sofrimento ser o que o sofrimento é, deixar a ansiedade ser o que a ansiedade é e deixar todas as discriminações serem o que são, funcionamos livremente. Coletivamente, os quatro componentes do "Shobogenzo" significam que nós próprios somos um olho que vê corretamente as coisas. Significa ver todas as coisas como parte da natureza.


Muitos pensam que "Shobogenzo" se refere apenas a um livro do Dogen Zenji, mas se rastrearmos a etimologia desta expressão, descobrimos que surge na conhecida história chamada  "O Buda Shakyamuni segura uma flor", em que Dogen Zenji se refere três vezes ao Shobogenzo

O Buda Shakyamuni quis resolver por qualquer meio possível os sofrimentos básicos da vida humana: nascimento e morte, velhice e doença. Por esse motivo, entrou num local de prática ascética. Falando mais tarde sobre a natureza da prática, disse que "Ninguém no passado, presente ou futuro praticou, pratica ou irá praticar exercícios ascéticos tão severos como as que eu pratiquei". No entanto, independentemente daquilo que puniu seu corpo, não conseguiu alcançar a verdadeira satisfação. Percebendo que não conseguiria acabar com os sofrimentos básicos dos seres humanos através da prática ascética, o Buda Shakyamuni retemperou as forças aceitando a comida de uma jovem aldeã e depois sentou-se em meditação. Alguns anos mais tarde, quando observava a estrela da manhã, percebeu que que existe um momento em que o ego desperta para o ego. Verificou isso em si próprio. Durante 49 anos após o seu despertar, o Buda viajou através da Índia divulgando o ensinamento de que todas as coisas, incluindo as montanhas, rios e a relva foram, são e serão Buda. No entanto, o verdadeiro sentido do ensinamento do Buda Shakyamuni não pode ser expresso em palavras. Ao fim de sua vida, chegou o momento de decidir quem seria o seu sucessor, estava no topo do Monte Grdhrakuta, quando subitamente agarrou numa flor e depois deixou-a cair. O discípulo Mahakashapa mostrou um largo sorriso. Ao ver isso, o Buda Shakyamuni disse:
"Tenho o depósito do verdadeiro olho do Dharma ("Sho~bo~gen~zo"), a mente maravilhosa de Nirvana, a verdadeira forma do sem forma e a porta sútil do Dharma independente de palavras e transmitida para lá dos ensinamentos. Confio-o agora a Mahakashapa". 

Esta expressão "Shobogenzo" foi utilizada nesse momento. Assim, queira ficar a saber que o Shobogenzo do Dogen Zenji tem o mesmo conteúdo do Shobogenzo do Buda Shakyamuni. No mesmo momento, lembre-se que também não é outro senão este Shobogenzo
O ponto principal que Dogen Zenji acentua vezes sem conta no Shobogenzo é 
"como é possível conhecer-se realmente a si próprio?" 
Em geral, podemos dizer que a prática Zen é a disciplina de conhecer o Ego; é a intenção de conhecer que o Ego é um entre todas as coisas.

Talvez o ensinamento mais conhecido do Dogen Zenji seja:
 "Estudar o Caminho de Buda é estudar o Ego. 
Estudar o Ego é esquecer o ego. 
Esquecer o ego é ser iluminado por todas as coisas. 
Ser iluminado por todas as coisas é abandonar o corpo e a mente do ego, tal como outros. 
Todos os vestígios da iluminação desaparecem e esta iluminação sem vestígios continua sem cessar". 
Neste ensinamento, que também aparece no Shobogenzo, Dogen Zenji diz claramente que a prática (o estudo do Caminho do Buda) serve para entender a essência natural das coisas (Ego). Isto serve para entender fundamentalmente que não existe separação entre cada um e os outros esquecendo o ego e que todas as coisas são parte do corpo de cada um (iluminado por todas as coisas). Quando chega o entendimento de que não é necessário comparar agora o funcionamento exterior de cada um (ver, ouvir, cheirar, saborear, tocar e pensar), a procura da mente termina e floresce o maior afeto pela mente. Depois, manifesta-se a verdadeira natureza do Ego. O sentimento de separar o ego de cada um, que é a origem da divisão da essencial harmonia da natureza das coisas, para ego e outros, dor e prazer, aumento e redução, é a origem de toda a ilusão e ansiedade. Quando a origem desta ilusão desaparece completamente, esta condição é chamada "libertação". Também é chamada "nirvana" ou "iluminação". Quando o ego é esquecido, então nasce a atividade alegre que se liberta do ego (desaparecem todos os vestígios da iluminação) e pode verificar por si mesmo, em qualquer momento, em qualquer lugar e em qualquer situação (continua, infinitamente, sem cessar).

De novo, quando consideramos o ensinamento do Dogen Zenji acerca do "discurso amável", penso que é importante analisar o contexto mais amplo do seu ensinamento.



Grato em Gasshô!

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