Pular para o conteúdo principal

Neuropsicologia ~ SEGREDOS DA MEMÓRIA




Cláudia Faria (revista SÁBADO, de Portugal) - Qual é o aspecto da memória que mais usamos no dia-a-dia?

Nelson S. Lima
(Instituto da Inteligência) - Usamos vários tipos de memória segundo a duração do tempo de fixação (imediata, de curto prazo e longo prazo), diferentes categorias segundo a modalidade cognitiva (memória episódica, memória semântica, etc), o tipo de função (verbal, espacial, musical, etc), os estímulos envolvidos (auditiva, visual, táctil, etc) e o nível de cognição utilizado (memória implícita ou não-consciente e memória explícita ou consciente). A memória mais central é a chamada "memória de trabalho" ou "operacional" que usamos permanentemente a fim de sermos capazes de ligar os acontecimentos momento a momento e executarmos tarefas com uma percepção sólida e coerente de continuidade.

 
CF - É possível criar memórias de coisas que nunca aconteceram?
 
NL - Memorizamos ideias, intenções, projectos, imagens e interpretações de acontecimentos que nunca presenciámos ou que, em si mesmo, nunca se concretizaram. Na verdade, memorizamos pensamentos que são eventos mentais.

 
CF - Como se consegue discernir entre uma verdadeira recordação e uma falsa memória?
 
NL - A verdadeira recordação de tipo fotográfico ou audiográfico não existe a 100%. O cérebro, pela forma como evoca as memórias previamente registadas, altera as recordações pelo que um mesmo conteúdo pode assumir diferentes aspetos. É o caso, típico, da memória de um acidente presenciado por alguém que estava no local. Essa pessoa vê, interpreta e fixa todo um conjunto de dados que podem ser ampliados, reforçados ou reinterpretados devido às opiniões de outras testemunhas com quem troque impressões. A memória também faz interação com as emoções pelo que duas pessoas ouvidas em separado podem descrever um mesmo acontecimento usando diferentes perspectivas e abordando-o de ângulos igualmente não coincidentes. Por isso é que os juizes ouvem as declarações das testemunhas em busca da verdade que resulte da filtragem de todos elementos: factos, similiariedades de relatos, contradições, ideias, etc.

 
CF - Porque é que umas pessoas têm melhor memória do que outras?
NL - Isso depende de muitos factores (biológicos, psicológicos, ambientais, circunstanciais, etc) que entram jogo na dinâmica da memória. Há pessoas que têm melhor memória auditiva, outras visual, e por aí adiante. Mas, em geral, a memória das pessoas funciona plenamente e sem perturbações. Mas os factores que mais prejudicam a saúde da memória são o stress, a fadiga, a alimentação incorrecta, o tabagismo, o álcool, o sono e o envelhecimento.

 
CF - Quais são as melhores estratégias para recordar? Pode dará alguns exemplos práticos do dia a dia? O que é que diariamente as pessoas podem fazer para melhorar a memória?
 
NL - As melhores estratégias para recordar começam com uma que é prioritária: a atenção aplicada nas atividades ou nos dados que queremos mais tarde recordar. A pressa e a desatenção são inimigas da memória pelo que devemos adoptar algumas regras básicas como buscar várias fontes de informação (por exemplo, para estudar um tema é útil fazermos uma pesquisa em torno do mesmo e não apenas uma apressada leitura), utilizar vários sentidos e dispositivos gráficos (ver, ouvir, imaginar, desenhar, fotografar, etc), etc. A memória é multifocal e, por isso, o registo pode ser amplificado se soubermos aceder às várias modalidades de aprendizagem. Atualmente há atividades que podem ajudar a reforçar o desempenho cognitivo, nomeadamente o da memória. Por exemplo, os exercícios de neuróbica e de neurofitness podem ajudar na qualidade da memória (ver www.neurofitness.info).

 
CF - O ambiente, os hábitos e a educação influenciam a memória?
 
NL - Influenciam muito. Por exemplo, os hábitos de trabalho e o sentido de organização são determinantes. O trabalho executado com um plano prévio de tarefas (por exemplo, desdobrá-lo por etapas) ajuda o cérebro a facilitar o registo das informações que lhe são dadas. Também o ser-se organizado na disposição dos elementos que queremos aprender (dar-lhes uma classificação de prioridade, objectivos, etc) reforçam a capacidade de memorização.

 
CF - Qual é a importância da alimentação e do sono no que concerne à memória?
 
NL - São fatores muito importantes. A alimentação saudável é regrada e equilibrada e, por isso, fornece nutrientes vitais para a função cerebral. Se assim não for, se nos alimentarmos de forma "desonesta" e adulterada expômo-nos a doenças, à rigidez cerebral e mental e ao declínio cognitivo (o excesso de radicais livres simplesmente fere de morte as células nervosas e diminuem as capacidades mentais do pensamento e do raciocínio). Também a falta de sono prejudica a memória: não apenas porque reduz a capacidade atenção como também complica todo o esforço metabólico ligado à fixação de memórias que a nível celular o cérebro necessita realizar durante as horas em que dormimos).

 
CF - Qual é a melhor hora do dia para memorizar coisas?
 
NL - Depende das pessoas. Geralmente, os introvertidos parecem fixar melhor durante a manhã enquanto que as pessoas extrovertidas memorizam melhor à tarde e ao fim do dia. De facto, a natureza da personalidade parece ter uma palavra a dizer visto que ela tem como alicerces determinadas estruturas biológicas que também estão implicadas na memória e noutras actividades cognitivas.

 
CF - Deve-se estudar na véspera de um exame?
 
NL - Talvez as pessoas precisem de estudar nas vésperas de um exame por diferentes razões: umas porque querem reforçar e consolidar o que já sabem, outras porque se sentem mais seguras, enfim, outras porque acreditam que assim é melhor e ficam mais tranquilas. Mas o ideal é mesmo fazer-se uma aprendizagem gradual (diz-se significativa) que dê tempo à consolidação dos conhecimentos. Estudar de véspera pode gerar ansiedade suficiente para bloquear a memória. Isso acontece com 20 a 30% dos alunos das nossas escolas.

 
CF - Tudo o que vivemos fica gravado em algum lugar da nossa memória?
 
NL - Parece que sim. Estima-se que o cérebro de uma pessoa culta de 80 anos pode ter armazenada informação suficiente para que encher 30 milhões de livros de 500 páginas e que se distribui por diferentes categorias de memória: autobiográfica, semântica e procedimental. O que acontece é que a grande maioria da informação está indisponível quer no subconsciente quer no inconsciente das pessoas a fim de libertar a mente daquilo que seria um pesadelo se estivessem impedidas de esquecer.

 
CF - O que é um dejá vu?
 
NL - É um sentimento de revivescência de algo passado e não de uma recordação. Resulta de coincidências de natureza subjectiva presentes num determinado momento e que captamos de forma emocional.

 
CF - O que é a amnésia?
 
NL - Significa falha ou perda de memória. Em certos casos patológicos pode assumir formas e graus de gravidade diversas. Existem também as alterações qualitativas da memória (paramnésias) e também os chamados "transtornos do reconhecimento". São diferentes patologias e cuja repercussão na qualidade de vida varia de caso para caso.
 
 
 CF - Porque é que retemos umas memórias e não outras?
 
NL - Geralmente retemos e lembramo-nos depois melhor aquelas memórias que nos marcam emocionalmente ou que foram significativamente importantes para nós.

 
CF - Sem a memória não poderíamos aprender e por consequência evoluir enquanto espécie. Qual é a verdadeira importância que a memória tem para o ser humano?
 
NL - A nível individual ela permite-nos construir o nosso eu a partir da elaboração mental da nossa própria história de vida dando-nos um sentido de existência e de coerência entre as diferentes vivências quotidianas. A nível colectivo ajuda-nos a desenvolver o sentido social e de pertença que une todos os membros da comunidade e da própria espécie.

 
CF - Conseguimos compreender de facto como funciona o cérebro ao nível da memória?
 
NL - Embora nem todos os fenómenos estejam totalmente descodificados o funcionamento da memória está bem compreendido hoje em dia.

 
CF - Quais foram as últimas descobertas cientificas sobre a memória?
 
NL - Houve várias. Destaco principalmente as que se têm debruçado sobre a relação entre as emoções e a memória, as que estudam os processos degenerativos que podem afectar a memória devido ao abuso de drogas, álcool e tabaco, stress, ao envelhecimento, a lesões no cérebro e a doenças severas (caso da depressão, Alzheimer, etc.).

 
(Fonte: arquivo do Instituto da Inteligência / entrevista da jornalista Cláudia Faria, da revista SÁBADO.)

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

ACALME-SE

A técnica A.C.A.L.M.E.-S.E. é um acrônimo (uma palavra formada pela junção das primeiras letras ou das sílabas iniciais de um grupo de palavras) usado como estratégia da Psicoterapia Cognitivo-Comportamental que oferece passos práticos para lidar com a ansiedade durante uma crise. Esses passos ajudam a pessoa a se acalmar e a lidar com as sensações desagradáveis de forma mais eficaz. É uma técnica útil que pode ser praticada sozinha ou com a ajuda de um terapeuta. Aqui está um resumo dos passos: 1. ACEITE a sua ansiedade. Aceitar é o primeiro passo para a mudança. Um dicionário define aceitar como dar “consentimento em receber”. Concorde em receber as suas sensações de ansiedade. Mesmo que lhe pareça absurdo no momento, aceite as sensações em seu corpo assim como você aceitaria em sua casa um visitante inesperado ou desconhecido ou uma dor incômoda. Substitua seu medo, raiva e rejeição por aceitação. Não lute contra as sensações. Resistindo você estará prolongando e intensificando o

Escuta Compassiva.

O monge budista Thich Nhat Hanh diz que OUVIR pode ajudar a acabar com o sofrimento de um indivíduo.  A escuta profunda é o tipo de escuta que pode ajudar a aliviar o sofrimento de outra pessoa.  Podemos chamar-lhe escuta compassiva.  Escuta-se com um único objetivo: ajudar a pessoa a esvaziar o seu coração.  Mesmo que ele diga coisas cheias de percepções erradas, cheias de amargura, somos capazes de continuar a ouvir com compaixão.  Porque sabe que, ouvindo assim, dá a essa pessoa a possibilidade de sofrer menos.  Se quisermos ajudá-la a corrigir a sua percepção, esperamos por outra altura.  Para já, não interrompe.  Não discute.  Se o fizer, ela perde a sua oportunidade.  Limita-se a ouvir com compaixão e ajuda-o a sofrer menos.  Uma hora como essa pode trazer transformação e cura.