Transformar objetos reais em arquivos digitais, reduzir os pertences ao mínimo e se manter superconectado são os princípios de um movimento que permite viver mais leve e trabalhar de qualquer lugar do mundo
Nesta curta palestra do TED 2011, o escritor, designer e fundador do site Treehugger, Graham Hill, pergunta: Será que ter menos coisas, em um espaço menor, leva a mais felicidade? Ele argumenta em favor de ocupar menos espaço e coloca três regras para que você possa editar sua vida.
Segundo Hill, os norte-americanos possuem hoje três vezes mais espaço do que possuíam 50 anos atrás. Ainda assim, o mercado de “armazenamento pessoal” não para de crescer no país e já movimenta 22 bilhões de dólares por ano. O resultado desse acúmulo cada vez maior de pertences leva a mais dívidas no cartão de crédito, maior pegada ecológico e mais estresse, lembra o palestrante.
"Eu estou aqui para sugerir que há um caminho melhor, que o menos pode, na verdade, significar mais."
Graham Hill
Segundo o palestrante, possuir menos coisas é uma excelente forma de ter não apenas mais dinheiro, como também mais tempo, liberdade e tranquilidade. Pensando nisso, ele criou o projeto Vida Editada (Life Edited) no site lifeedited.org. Nele, Hill pediu ajuda aos internautas para encontrar soluções para seu apartamento de 40 metros quadrados.
“Eu queria tudo - home office, lugar para um jantar com 10 pessoas, quarto de hóspedes, e todo o meu equipamento de kitesurfing. Com mais de 300 sugestões do mundo todo, eu consegui, minha própria caixinha de jóias”, conta.
Por fim, ele lista três dicas para quem quer viver com menos. A primeira é cortar sem piedade. “Você tem que limpar as artérias da sua vida. E aquela camisa que você não usa há anos? É hora de se livrar dela. Nós temos que cortar o excesso de nossas vidas, e temos que aprender a cortar o que entra nela. Nós temos que pensar antes de comprar. Perguntar a nós mesmos, ‘isso vai realmente me fazer mais feliz?’”, defende.
A segunda dica de Hill é “pensar pequeno”. “Nós queremos eficiência de espaço. Nós queremos coisas que sejam projetadas para o propósito para o qual são usadas a maior parte do tempo, não para um evento raro. Para que ter um fogão de seis bocas quando nós raramente usamos três?”, questiona.
Por fim, ele sugere a busca por espaços e utensílios multifuncionais: uma pia combinada com uma privada, uma mesa de jantar que se transforme em uma cama, ou uma pequena mesa de canto que se desdobra para dar lugar para dez pessoas sentadas.
“Eu não estou dizendo que todos nós temos que viver em 40 m2. Mas considere os benefícios de uma vida editada. Vá de 300 m2 para 200, de 150 para 100. Quando vocês forem para casa e cruzarem a porta da frente, se perguntem, ‘será que eu poderia editar um pouco a minha vida? Isso me daria um pouco mais de liberdade? Talvez um pouco mais de tempo?’. Vamos abrir espaço para as coisas boas”, conclui.
Assista abaixo à palestra na íntegra (para ver com legenda em português, selecione a opção ao lado do play):
O engenheiro de software americano Kelly Sutton, 23 anos, viajava pela Europa quando percebeu que carregava em sua mochila tudo o que precisava para viver. Na volta para casa — um apartamento no Brooklyn, em Nova York — lançou-se um desafio: reduzir seus pertences a ponto de que eles coubessem em duas malas e duas caixas de 50 centímetros cúbicos cada. Como bom engenheiro de software, para se desfazer dos seus pertences Sutton não usou sites de venda e troca como o Craigslist, o famoso endereço onde se pode negociar de tudo, mas criou sua própria plataforma online.
Para começar, Sutton listou tudo o que tinha. Eram cerca de 230 itens, entre cuecas e meias, um iPad, um relógio Burberry, um short para corrida e um exemplar do livro Boas Notícias sobre Casamento e Sexo. Classificou os objetos em três categorias: manter, vender e doar, e colocou as ofertas no site CultofLess.com (culto ao menos, em português), que criou especialmente para isso. Quatro meses depois, seu apartamento estava quase vazio. O que restou não foi além do essencial: a cama, o guarda-roupa, algumas peças de roupa, uma mesa e uma bicicleta. Além, é claro, de seu arsenal tecnológico. Sutton não se desapegou dos gadgets, a começar pelo laptop. “Não abro mão do meu computador. É minha fonte de renda, planejamento e diversão”, diz. Ele manteve ainda o iPad e o Kindle, onde lê livros e notícias e, quando não consegue baixar um programa ou seriado que está a fim de assistir, vai ver televisão nos bares da redondeza. “Descobri que ter mais coisas leva a mais estresse.”
O estilo de vida que Sutton e cada vez mais pessoas de sua geração vêm escolhendo, desapegado de pertences físicos, mas ultraconectado, se tornou possível a partir do momento em que pudemos digitalizar a maior parte do acervo que guardamos em casa para nos divertir ou trabalhar. Fotos, livros, revistas, papéis, DVDs e documentos que costumam encher armários e gavetas, estão agora armazenados em perfis no Facebook, contas no Flickr e no iTunes ou em tablets que carregam centenas de eBooks, seriados e revistas baixados da rede.
Nos Estados Unidos, a venda de livros tradicionais caiu 2%, enquanto a de eBooks cresceu 176% em 2009. “Cada vez mais gente vai cortar o excesso e editar suas vidas”, diz o americano Graham Hill, fundador do portal de sustentabilidade Treehugger.com, que lançou o concurso Life Edited (vida editada, em português, com inscrições até 10 de janeiro em lifeedited.treehugger.com). Ele premiará propostas para o redesenho de um apartamento de 39 metros quadrados em Nova York em que deve ser possível morar, trabalhar e ainda receber os amigos — fazer caber uma mesa de jantar para 12 pessoas e um sofá de oito lugares estão entre as regras.
O ilustrador Bruno Algarve, 30, e a designer Daisy Biagini, 29, venderam tudo e saíram pelo mundo depois de perceber que podiam trabalhar de qualquer lugar. “Nos apegamos à nossa liberdade”
SÓ O ESSENCIAL
Editar a vida foi o primeiro passo para que o casal Bruno Algarve, 30 anos, ilustrador, e Daisy Biagini, 29 anos, designer, começasse a viver com menos objetos e mais mobilidade — uma das principais vantagens desse estilo de vida — e partisse para uma mudança mais radical logo em seguida. Há cinco anos, Bruno se deu conta de que não conhecia nem mesmo a voz dos seus clientes: todo o trabalho era resolvido por e-mails. Não havia motivo para se prenderem a São Paulo, pois não dependiam do local em que estavam para trabalhar. “Vendemos ou doamos tudo o que tínhamos. Trocamos computadores de mesa por laptops, entregamos o apartamento que alugávamos e saímos para viajar”, diz Bruno.
O que sobrou foi colocado em dez caixas de papelão e armazenado em um quartinho na casa dos pais de Daisy. Agora, cada um tem duas mochilas. “Uma para roupas, outra para o ‘escritório’”, diz Bruno. Nessa segunda estão seu laptop surrado, uma câmera fotográfica e um pen tablet, espécie de bloco de desenho eletrônico que usa para ilustrações digitais. O valor dos três itens não ultrapassa os R$ 3 mil. “Se o computador fosse novo, seria bem mais caro, mas faz parte do meu desapego usar tudo até o fim”, diz Bruno. De 2005 para cá, ele e a mulher passaram temporadas no Uruguai, Chile, Peru e Bolívia.
Em cada lugar, tiveram uma vida mais ou menos normal: alugavam apartamentos ou ficavam em pousadas. E sempre trabalharam de onde quer que fosse. “Para longos períodos se consegue um bom desconto em hospedagem”, diz Bruno. Volta e meia, o casal passa um tempo em São Paulo, e fica em apartamentos de amigos ou da família. É quando Bruno aproveita para alugar filmes em locadoras e copiar o conteúdo dos DVDs para o computador — cuja tela faz as vezes de TV. Ao terminar de ler um livro, Bruno doa para a primeira pessoa que aparecer em sua frente. “Chega a ser um alívio dizer que não vou comprar alguma coisa porque simplesmente não tenho onde colocar”, afirma o designer que, só para variar, acaba de adquirir um carro. “Percebi que me traria mais mobilidade”, afirma. Porém, carrega no porta-malas apenas as mesmas quatro velhas mochilas.
Foi também nas idas e vindas que o pesquisador de tendências Michell Zappa, 28 anos, deixou muita coisa para trás. Desde os 15 anos, quando saiu de São Paulo para morar em Estocolmo, na Suécia, com a família, troca de endereço periodicamente. Nos últimos sete anos, viveu períodos alternados entre Amsterdã, Nova York e São Paulo. Naturalmente, em cada uma de suas mudanças, se desfazia de alguns pertences. Hoje, guarda alguns móveis e objetos de arte em casas espalhadas em São Paulo, da família ou de amigos. “De resto, é tudo descartável: geladeira, estante e TV são coisas que você pode comprar de novo sem perder muito dinheiro”, diz. Ao deixar para trás pequenos acervos, Michell se livrou de muita coisa física, mas também de algo abstrato. “Vi que não tenho medo de mudar em todos os sentidos. Fico mais perto do chão. A queda é sempre menor.”
Ian Black, 32 anos, não tem dvds ou cds, mas possui um acervo de 30 mil músicas e 400 filmes digitais. “Faço por uma questão de espaço. Mas é um jeito torto de ser ecologicamente correto”
POSSES DIGITAIS
A sensação de liberdade que gente como Michell e Bruno experimentam vem também do fato de que, quanto mais coisas se tem, mais tempo e esforço se gasta para administrá-las. “O que significa ter um carro? Lembrar de pagar o IPVA, fazer a vistoria, levar para revisão, lavar. Adquirir algo novo implica em cuidado, dedicação e mais preocupações”, diz a psicanalista do Grupo de Pesquisas em Hipermídia e Games da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), Arlete Petry. Tarefas como essas, burocráticas, acabam ficando de lado nesse novo estilo de vida editado.
Computadores e eletrônicos pequenos, mas muito potentes, continuam objetos essenciais para quem adota esse caminho. “Talvez seja o computador o objeto mais fundamental da vida contemporânea, assim como o celular que nos mantém conectados. Desapegamos do resto porque já temos acesso a quase tudo e todos com esses dois aparelhos”, diz Arlete Petry. O analista de mídias sociais Ian Black, 32 anos, de São Paulo, não tem DVD player e não frequenta locadoras de vídeo há quatro anos, mas passou os últimos dez acumulando seu acervo considerável de música e entretenimento digital. Ian tem 20 mil faixas armazenadas e mais de um TB (terabyte ou 1.024 gigabytes) em filmes e séries, ou cerca de 400 filmes baixados que ainda não assistiu. “Faço isso principalmente para não ter problema de espaço, mas é um jeito torto de ser ecologicamente correto”, diz, já que consumir menos significa também gastar menos recursos naturais.
Michell Zappa, 28 anos, troca de endereço de tempos em tempos. nas mudanças, se acostumou a deixar coisas para trás. “Percebi que não tenho medo de mudar, em todos os sentidos
MENOS É MAIS?
O paradoxo dos eletrônicos é que, se por um lado nos ajudam a desapegar de acervos materiais, por outro estimulam o consumismo virtual. “Compramos HDs externos, iPods, tablets e pendrives achando que funcionam como um meio para possuir menos coisas. No entanto, continuamos a ter as mesmas coisas, só muda o formato”, diz Dalton Martins, do projeto Meta Reciclagem, de São Paulo, rede para reaproveitamento de computadores, uso de software livre e de licenças abertas com fins sociais.
A migração da ideia de propriedade, aliás, é outra mudança significativa no movimento de culto ao mínimo. “Até pouco tempo, considerávamos apenas coisas físicas como propriedade privada. Hoje, uma mercadoria pode ter várias formas”, diz Eduardo Fernandes, designer de interatividade e mestre em ciências políticas. A facilidade de transformar conteúdos físicos em digitais pode até surtir um efeito contrário ao desprendimento: o de acumular cada vez mais informação, já que o espaço é ilimitado. “Acredito mais num processo de desapego mental e que, pode sim, reverter em desapego de matéria”, diz Felipe Fonseca, do Meta Reciclagem.
O administrador de redes de informática Matheus Lamberti de Abreu, 28 anos, de Maringá (PR), procurava na internet formas de organizar sua vida digital. Topou com o conceito de culto ao menos e o aplicou de imediato. Primeiro, concentrou seus e-mails em uma só conta, encerrou alguns perfis em programas de trocas de mensagens eletrônicas e organizou fotos e músicas no computador. Quando se deu por satisfeito, fez o mesmo na vida real. Vendeu e doou livros, roupas e objetos. Embora ainda precise se desfazer de muita tralha, já liberou bastante espaço em casa. “Viver assim me deixa mais leve”, diz. Vale o mesmo para a bagagem de Bruno Algarve, mas esse não foi o maior ganho com a mudança de vida. “Hoje podemos olhar o mundo como um leque de possibilidades. Se quiser criar minhas raízes agora, posso escolher praia, cidade ou outro país”, diz Bruno, que logo se dá conta. “Pensando bem, acho que nos apegamos à nossa liberdade.”
O engenheiro de software americano criou o site Culto ao menos (www.cultofless.com) para se livrar de (quase) tudo o que tinha. conseguiu. o resto ele armazenou em um HD
* Quando você decidiu ter uma vida minimalista?
Kelly Sutton: Em meados do ano passado, depois de morar em Nova York e Berlim durante o ano letivo. Eu estava viajando com uma bagagem pequena e decidi que não precisava de muito. Um dia, acordei e decidi que me livrar das coisas seria o melhor a ser feito. Mas tenho um objeto-chave: meu laptop. Ele me ajuda a me manter empregado e também é usado para o entretenimento. É a única coisa que eu não posso viver sem.
* Quais os desafios e as vantagens de viver com quase nada?
Sutton: Não continuar a comprar coisas e não continuar a manter coisas. É incrível como em alguns momentos é difícil resistir à tentação de comprar. E há coisas que a gente acredita serem sentimentais, mas que podem ser descartadas.
* Livrar-se dos excessos é uma tendência da sua geração?
Sutton: As pessoas da minha idade são mais abertas a essa ideia. Muitos entendem a importância de ter mais mobilidade e não se importam em ter a maior parte das coisas no formato digital.
* Você planeja viver desse jeito para sempre?
Sutton: Em princípio, sim. Vai mudar um tanto quando eu tiver filhos, mas acho que sempre vou pensar duas vezes antes de adquirir algo novo.
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