Ritos e escolhas

De Islan.


É comum ouvir falar que o Zen só é possível tirando toda os ritos, uma boa prática budista se faz quando nos despimos de símbolos, altares, paramentos, rituais, rótulos, dogmas, deuses, sutras, mantras, mestres, oferendas, concepções, doutrinas, e, por fim, quando nos despimos do próprio Buda.



Para mim uma questão importante é que as pessoas tem uma fantasia de que uma prática religiosa ritualística é um empecilho quando na verdade é um instrumento muito inteligente para aprender a superar nossas “imposições” a realidade.


Deixe me explicar melhor.

Uma pessoa que assume uma rotina religiosa (vou usar o exemplo de um cotidiano Zen leigo... mas vale um cotidiano religioso mais avançado, como o monástico) livre e CONCIÊNTEMENTE (1) assume executar atividades que parecem ordinárias mas que, a partir de e um momento específico (iniciático, as vezes) tomam novas características (ritualísticas) assim como agrega atividades que de outra maneira não fariam... e talvez não parecessem necessárias.

Pior ainda, aceitam uma posição alheia a sua como uma autoridade. Assim esta pessoa toma para si executar rotinas cheias de os símbolos e significados que nem sempre são da sua língua... monta altares, constrói paramentos, executa rituais, se familiariza com rótulos, decora sutras, mantras, reverencia mestres, faz oferendas, nem sempre entendendo concepções e doutrinas ou pressupostos sobre o Buda...

Tudo em nome de conhecer-se e de libertar-se? Parece não fazer sentido???

Mas faz.

A questão para a prática Zen é que fazemos uma TROCA.

Consciêntemente aceitamos que nossas ditas escolhas livres até então NÃO SÃO LIVRES. São escolhas IMPOSTAS por nossos vícios TRAVESTIDOS de personalidade.

Isto é o mais importante do Budismo Zen.

As pessoas que mais criticam os rituais são as mesmas que repetem as frazes dos praticantes que por décadas paraticaram rituais e dedicaram suas vidas a prática religiosa COMO INSTRUMENTO HÁBIL de despir as IMPOSIÇÕES do “ego” travestido de individualidade... travestido de autonomia...

É como um viciado que exige o direito de manter o vício em nome da autonomia.

Um “praticante” assume a troca: “Estou deixando de fazer as coisas como “acho certo” porque “percebi” que meu “achar” esta tomado por preconcepções e opiniões fortemente influenciadas por fatores que não percebo claramente... assim vou fazer coisas de forma CONSCIÊNTE: Escolho adotar estas rotinas e ritos pois são gritantemente diferentes de minhas escolhas impulsivas e poderei descobrir como estas últimas foram/são constituídas e observar o que é realmente meu e oque é externo a mim.”

Corre o risco das pessoas que mais digladiam com os ritos serem exatamente as que tem mais dificuldades em assumir que estão tomadas de “ritos não assumidos” em sua vida.


(1) Inconsciente, do latim inconscius[1] (às vezes chamado também subconsciente) é um termo psicológico com um sentido amplo, pode se dizer que é o conjunto dos processos mentais que se desenvolvem sem intervenção da consciência. Assim as coisas ditas "conscientes" podem ser profundamente provocadas por fatores não conscientes. Ou seja, assumimos coisas e ações como sendo naturalmente nossas quando não as faríamos sem a influência de fatores periféricos. Onde esta a liberdade de escolha se você não percebe que esta sob influência de outros?

Um comentário:

Adriano disse...

Muito bom Islan. Parabéns pelo escrito.
Sempre penso no axioma zen que diz que antes de entendermos o Zen, as montanhas são montanhas e os rios são rios;
Quando tomamos contato com o Zen, as montanhas deixam de ser montanhas e os rios deixam de ser rios;
Quando atingimos a iluminação, as montanhas voltam a ser só montanhas e os rios voltam a ser só rios.
O problema maior é que as pessoas gostam de pular etapas achando que o caminho não precisa ser trilhado.
Já ouvi muitos parafrasearem Buda e falarem que "o budismo é como um barco que deve ser abandonado ao se cruzar o rio".
Infelizmente vejo muita gente se afogando e mesmo assim fazendo apologia contra o barco.

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