Divertidíssimo e inteligente...
Igor Teo | 15 de março de 2012
O Discordianismo é uma religião-paródia cuja deusa suprema é Éris, deusa que personifica a discórdia na mitologia grega. Inclusive a palavra portuguesa “erística” vem do nome da deusa grega da discórdia, e por isso também que Arthur Schopenhauer falava da Dialética Erística. E já que citei Schopenhauer, é bom citar também que este pensador, caracterizado por não ter se encaixado em nenhum dos grandes sistemas de sua época e grande influência de Nietzsche, introduziu o Budismo na metafísica alemã.
Espera aí! Discordianismo, Schopenhauer e Budismo? Que confusão!
Por onde íamos começar mesmo? Ah, sim. Pelo Caos.
Começaremos então com um trecho do Principia Discordia para podermos definir exatamente o que é o Caos.
“O Princípio Anerístico é aquele de APARENTE ORDEM; o Princípio Erístico é aquele de APARENTE DESORDEM. Tanto ordem quando desordem são conceitos criados pelo homem e são divisões artificiais do CAOS PURO, que é um nível além do que o nível de criação de distinções.
Com nosso aparato de criar conceitos, que chamamos “mente”, nós olhamos para a realidade através das idéias-sobre-a-realidade que nossas culturas nos dão. As idéias-sobre-a-realidade são erroneamente rotuladas de “realidade”, e pessoas não iluminadas sempre ficam perplexas pelo fato de que outras pessoas,especialmente outras culturas, vêem a “realidade” de uma maneira diferente. São somente as idéias-sobre-a-realidade que diferem. A realidade Real (Verdadeira com V maiúsculo) é um nível além do nível de conceito.
Nós olhamos para o mundo através de janelas nas quais foram desenhadas grades (conceitos). Filosofias diferentes usam grades diferentes. Uma cultura é um grupo de pessoas com grades bastante similares. Através de uma janela nós vemos caos, e relacionamo-lo aos pontos na nossa grade, e assim entendemos ele. A ORDEM está na GRADE. Este é o Princípio Anerístico.
A Filosofia Ocidental preocupa-se tradicionalmente em contrastar uma grade com outra grade, e juntar grades na esperança de encontrar uma perfeita, que vai retratar toda a realidade, e vai, portanto, (dizem os ocidentais não-iluminados) ser Verdadeira. Isto é ilusório, é o que nós Érisianos chamamos de ILUSÃO ANERÍSTICA. Algumas grades podem ser mais úteis do que outras algumas mais agradáveis do que outras, etc., mas nenhuma pode ser mais Verdadeira do que nenhuma outra.
DESORDEM é simplesmente informação não relacionada vista através de alguma grade particular. Mas, como “relação”, não-relação é um conceito. Macho, como fêmea, é uma idéia sobre sexo. Dizer que macheza é “ausência de feminilidade”, ou vice e versa, é uma questão de definição e metafisicamente arbitrária. O conceito artificial de não-relação é o PRINCÍPIO ÉRISIANO.
A crença de que “ordem é verdadeira” e desordem é falsa, ou de alguma outra forma errada, é a Ilusão Anerística. Dizer o mesmo da desordem é a ILUSÃO ERÍSTICA. O ponto é que a verdade (v – minúsculo) é uma questão de definição relativa à grade que umas pessoas está usando no momento, e a Verdade (V -maiúsculo), realidade metafísica, é totalmente irrelevante para as grades. Pegue uma grade, e através dela algum caos parece desordenado e outro aparenta desordem. Pegue uma outra grade, e o mesmo caos vai aparecer ordenado e desordenado de forma diferente.”
Chegamos a que conclusão? Nenhuma. Esse é justamente o problema e a solução. A pergunta “O que é o Caos?” não pode nos levar a resposta nenhuma. Se definirmos o que é o Caos, iremos impor Ordem ao Caos. Ou seja, a partir do momento que definimos, nós não temos mais o Caos Puro, mas algo inventado pelo nosso aparato de criar conceitos, que eu gosto de chamar de mente. Tampouco o Caos é sinônimo de desordem, pois aí estaríamos conceituando outra vez. O Caos Puro simplesmente está além de tudo isso, sendo algo impermanente e incognoscível.
E quando entra o Budismo nessa história?
O Budismo, como religião e filosofia não-teísta, abrange uma variada gama de tradições com peculiaridades que as diferenciam, mas todas se baseiam de certa forma nos ensinamentos de Siddhartha Gautama, o Buda. O título Buda é dado àqueles que descobriram a “verdadeira natureza dos fenômenos”, isto é, que todos os fenômenos são impermamentes, insastifatórios e impessoais. Tornando consciente dessa realidade, eles buscaram se livrar dos condicionamentos que causam insatisfação e sofrimento.
A filosofia Budista é muito rica e se aproxima em diversos pontos com alguns movimentos do pensamento moderno do Ocidente. Acho bem interessante que muitas ideias que eu já tinha visto no Budismo fui encontrar correspondência (veja bem, digo que é correspondente, não que é igual) no espaço acadêmico em linhas de pensamento como a fenomenologia-existencial, por exemplo.
Segundo o princípio da Impermanência, todas as coisas e todos os fenômenos são inconstantes e instáveis. Compreender isto é de extrema importância dentro do contexto budista, pois tudo o que podemos experimentar através dos sentidos depende de condições externas, e como tudo está em constante fluxo, as condições e as coisas estão sempre mudando. Como nada é permanente, o apego a elas é inútil e leva ao sofrimento.
Se nada é permanente, até o próprio “Eu” é inexistente. Nada é realmente eu ou meu, pois estas são apenas construções da mente. Segue-se daí a idéia que não existe uma essência pessoal, imutável e independente (idéia essa que já vimos aqui na coluna quando falamos do Existencialismo de Sartre).
Vale comentar que a inexistência do Atman não exclui a existência do conceito de Karma e Reencarnação em diversas tradições. Quando se fala em alma ou self, mesmo dentro do contexto budista, não podemos esquecer que somos interdependentes uns com os outros, em vez de indivíduos isolados no Universo. Segundo o conceito Budista, corpo e mente se desintegram após a morte, mas a “consciência” reverbera em outro ser, de forma que o ser que renasceu não é completamente distinto, nem completamente igual a sua vida anterior.
O que o Discordianismo e o Budismo, esses dois pensamentos oriundos de diferentes contextos, podem nos ensinar hoje? O desapego a nossos conceitos, ideias e posses. Quando iniciamos uma jornada, seja um caminho de vida ou uma viagem de férias, é interessante que não definamos o ponto de chegada antes de chegar ao fim. É importante estarmos sempre abertos a novas possibilidades que possam aparecer durante a jornada, pois assim aliviamos o sofrimento causado pelo apego, seja este em relação a uma ideia, a um estilo de vida ou mesmo a objetos materiais.
Estejamos sempre abertos ao amanhã, da mesma forma que esteve o velho Pessoa:“Eu não sei o que o amanhã trará”.
Há mil caminhos ainda não trilhados, outros mil ainda escondidos. Inesgotáveis e desconhecidas são as possibilidades. Dentro de opiniões, doutrinas que acreditamos e visões de mundo, ficamos fechados como numa casca que nos impede do contato direto com a realidade. Portanto, se estiver mesmo disposto a se autodenominar um livre-pensador, terá que se libertar também de si mesmo. E será várias vezes.
“A firmeza somente na inconstância.” - Gregório de Matos, em Inconstância dos bens do mundo
___________________________________________________________________Igor Teo é escritor e estudante de psicologiaBlog: Artigo 19
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