Embora estejamos condicionados a nos identificar com os pensamentos que passam pela nossa consciência em vez de (nos identificarmos com) a própria consciência-estado-desperto, esse estado desperto que é nossa verdadeira natureza é infinitamente flexível. Ele é capaz de qualquer e todo tipo de experiência — inclusive concepções enganadas sobre si mesmo como algo limitado, preso, feio, ansioso, solitária ou medroso.Quando começamos a nos identificar com esse estado desperto sem tempo, primordial, em vez dos pensamentos, sentimentos e sensações que passam por ele, damos o primeiro passo para ficarmos frente-a-frente com a liberdade que é a nossa verdadeira natureza.Uma aluna expressou isso desse modo:“Quando estava passando pelo meu divórcio, me esforcei muito para estar consciente do dor que estava vivendo. Desmembrei-a em pequenos pedaços, observando os pensamentos que vinham à mente e as sensações que apareciam no corpo. Pensei muito na dor que meu futuro ex-marido deveria estar vivenciando e na dor que outras pessoas em nossa situação provavelmente estariam sentindo, e compreendi que não estava sozinha.E o pensamento de eles estarem passando por isso sem o benefício de examinar sua tristeza, ansiedade ou seja lá o que for, fez com que eu desejasse que eles se sentissem melhores.Trabalhando com a dor dessa maneira, gradualmente cheguei à experiência — não apenas intelectual, mas um tipo intuitivo de “sim, é assim que é” — de que eu não sou minha dor. O que quer que eu fosse, era uma observadora de meus pensamentos e sentimentos, e as sensações físicas que frequentemente os acompanham. Claro que vivenciei pesar e solidão às vezes; senti um peso em torno do coração ou estômago, questionei se cometi um erro terrível, e desejei voltar no tempo.Mas ao olhar o que estava passando pela minha mente e corpo, compreendi que havia alguém — ou algo — maior que essas experiências. Esse algo era a “observadora”, uma presença mental que não se perturbava pelos meus pensamentos, sentimentos e sensações, mas que apenas os observava todos sem julgar se eram bons ou ruins.Então, comecei a examinar a “observadora” e não pude encontrá-la! Não que não houvesse nada ali — ainda havia essa sensação de consciência alerta — mas eu não podia colocar um nome nisso. Mesmo “consciência” parecia não caber, parecia uma palavra tão pequena. Por apenas alguns segundos, talvez mais, foi como se a “observadora”, a observação e aquilo que estava sendo observado fossem todos o mesmo.Ah, eu sei que não estou dizendo isso bem, mas havia apenas um senso de grandiosidade. É tão difícil de explicar…”Na verdade, ela explicou muito bem, ou tão bem quanto poderia, já que a experiência da vacuidade não pode realmente ser colocada claramente em palavras. [...]Por Yongey Mingyur Rinpoche (Nepal, 1975 ~) em “Joyful Wisdom”, 2 | 8
Se praticarmos desta forma não poderemos deixar de perceber que nossos pensamentos são, realmente, nada mais que secreções do cérebro. Assim como nossas glândulas salivares produzem saliva, nossos estômagos produzem suco gástrico, da mesma forma nossos pensamentos nada mais são que secreções cerebrais.
Geralmente, no entanto, as pessoas não entendem isto. Quando pensamos: “Eu o odeio”, odiamos a pessoa, esquecendo que o pensamento é simplesmente uma secreção. O ódio ocupa a nossa mente tiranizando-a. Ao odiar uma pessoa, ficamos subordinados a este tirano. Quando amamos alguém somos arrastados para longe por nosso apego à esta pessoa; tornando-nos escravizados a este amor. Esta é a fonte de todos os nossos problemas.
Por exemplo, nossos estômagos liberam suco gástrico para a digestão da comida. Se eles liberam demais, isso não é bom, podemos desenvolver uma úlcera ou até mesmo um câncer de estômago. Nossos estômagos liberam suco gástrico para nos manter vivos, mas em excesso é perigoso. Hoje em dia as pessoas sofrem de um excesso de secreções- cerebrais e, além disso, elas se permitem ser tiranizadas por estas secreções. Esta é a causa de todos os nossos erros.
Na realidade, os vários pensamentos que surgem nas nossas mentes são apenas cenário da vida do eu. Este cenário existe sobre o terreno da nossa vida. Como disse anteriomente, não deveríamos ficar cegos, ou inconscientes deste cenário.O zazen tem uma visão de todas as coisas como o cenário da vida do eu. Em antigos textos zen refere-se a isto como “hochino fuko” (o cenário do terreno original).
Não é que nós tomemos a Vida-universal como resultado da nossa prática. Todos e cada um de nós recebe e vive esta Vida–universal. Somos um com o universo inteiro, porém não o manifestamos como sendo o universo no verdadeiro sentido.(TEXTO) Nós não nos manifestamos assim. Nós somos um com o universo inteiro mas não o sentimos Não percebemos assim. Nós nos sentimos como? Separados, cada um sentado na sua almofada. Por isso no sesshin a gente faz tanta pressão no sentido tudo junto, tudo junto. Não pense, não decida, não faça, vá junto com o fluxo, obedeça sinais sonoros, comece as coisas na hora junto com todos, termine junto com todos, faça reverência junto com todos, não cogite, não ache bom, não ache ruim, faça junto, só isto. Para que? Para voltar, voltar para nós mesmos porque nós nos perdemos de nós mesmos com os nossos pensamentos.(COMENTÁRIO)
Já que nossas mentes estão discriminando percebemos apenas a extremidade das secreções. Quando fazemos zazen, nós largamos os pensamentos e então os pensamentos caem. Aquilo que surgem em nossas mentes, desaparece. Aí a vida universal se manifesta.(TEXTO) Neste momento ela tem espaço para se manifestar. Então é proposital que a gente acorde tão cedo, agora chegou a hora da palestra, saiu da almofada, tem o encosto da cadeira, aí vem o sono, estamos sentados para que? O homem cansa, a gente cansa e então surge o espaço para a gente perceber a Vida-universal. Quando vocês estão em zazen prestem bem atenção, às vezes o sono no sesshin começa a tomar conta e naquele momento que o sono está chegando se a gente não se entrega para o sono e abre os olhos, aquela mente que vem a ser um pré-sono ela é uma mente muito especial, muito vazia, então este é um bom momento de agarrar aquele estado. Mas se você deixar que o sono se instale aí você dorme e entram outras fantasias.São as fantasias dos nossos sonhos que também manifestam o conteúdo da nossa mente. Então enquanto estamos fazendo zazen estamos sonhando acordados e se nos libertarmos do sonho então poderemos ver a perfeita felicidade e é a percepção da Vida-universal, da unidade. Quando percebemos isto, nosso verdadeiro eu, então nos sentimos muito, muito bem e aí desejaríamos não sair daquele estado nunca. Mas quando surge este sentimento, este sentimento também é uma armadilha porque é armadilha ficar neste estado prazeroso. E este estado prazeroso a gente começa a atingir na prática, mas também não deve se agarrar a ele, tem que ir mais longe.(COMENTÁRIO)
(Em itálico texto de Uchiyama Roshi, comentários de Monge Genshô em palestra de sesshin)
Postado por Monge Genshô
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