“No centro do seu ser, você tem a resposta; você sabe quem é e o que quer.” – Lao Tzu
Esse é um espaço para conversar sobre as nossas Filosofias, nossas emoções e nossas ferramentas para nos conhecermos melhor e viver com plenitude!
De Auschwitz a SP, a trajetória de um sobrevivente: 'No Brasil, você se sente abraçado'
"Não é todo dia que coloco a tefilin em cima do número de Auschwitz", diz o rabino David Weitman logo depois da breve cerimônia, em uma sinagoga na região central de São Paulo, em 11 de novembro de 2019. "E é a primeira vez que faço isso em alguém dessa idade. É muito emocionante. Os nazistas se foram, mas nós estamos aqui."
O tefilin citado por Weitman são tiras de couro tradicionalmente colocadas no braço de meninos judeus que, ao completar 13 anos, realizam seu bar mitzvah — cerimônia judaica que é celebrada como um rito de passagem.
Naquele dia, porém, o bar mitzvah era para um senhor de 91 anos: Andor Stern, brasileiro de nascença que, aos 13 anos, estava escapando da perseguição na Hungria, terra natal de seus pais.
Andor Stern acabaria capturado e viveria cerca de um ano no campo de concentração em Auschwitz, na Polônia, o maior e mais cruel símbolo do Holocausto. Os números que o identificavam no campo continuam tatuados em seu braço: 83892. Ele é tido como o único brasileiro nato a sobreviver a Auschwitz.
O local, cuja libertação ocorreu há 75 anos, pelo Exército soviético, em 27 de janeiro de 1945, é considerado o epicentro do Holocausto: estima-se que 1,1 milhão de pessoas (judeus em sua grande maioria) tenham morrido de fome, doenças ou em câmaras de gás no complexo de 40 campos de concentração de Auschwitz, que antes de ser ocupado pelos nazistas era um enorme quartel militar. Outras vítimas incluiam prisioneiros russos, poloneses, ciganos e gays.
Direito de imagemREPRODUÇÃOImage captionO registro de Andor Stern em base de dados de sobreviventes do Holocausto; ele foi libertado no sul da Alemanha, perto de Munique
Stern sobreviveu não apenas para ser homenageado, em novembro, pelo Memorial da Imigração e do Holocausto, com um bar mitzvah especial e tardio — mas também para reerguer sua vida no Brasil, criar uma família com cinco filhos (e muitos netos e bisnetos), perder tudo em uma das crises econômicas brasileiras na era Collor e manter-se ativo profissionalmente até agora. E fazer tudo isso com grande apreço pelos pequenos prazeres do cotidiano.
"A vida foi generosa comigo: me mostrou o sucesso, o fracasso, o terrível e o maravilhoso", diz ele à BBC News Brasil em sua casa, um sobrado bem iluminado na zona sul de São Paulo. "Às vezes, fico divagando e somando e não sei como tanta coisa coube em 91 aninhos."
'Minha família saía pela chaminé'
Filho de imigrantes judeus, Stern nasceu no bairro do Bixiga, em São Paulo, em 17 de junho de 1928. Mas viveu desde cedo uma vida itinerante. Aos três anos, mudou-se com a família para a Índia, por conta de uma oferta de emprego ao pai, médico. Depois disso — e Stern não sabe exatamente o motivo —, em vez de voltar ao Brasil, a família decidiu passar um tempo na Europa, com parentes húngaros.
Essa decisão selou seu destino de uma forma drástica.
Direito de imagemARQUIVO PESSOALImage captionAndor Stern em foto com sua mãe; ela foi morta na câmara de gás em Auschwitz, quando ele era adolescente
Na Hungria, como brasileiro nato, Andor passou uma infância feliz e comum, embora fosse tratado como estrangeiro. As coisas mudaram quando a Segunda Guerra Mundial (1939-1945) eclodiu. No momento em que o governo de Getúlio Vargas alinhou-se com os chamados países aliados (inimigos do Eixo, então liderado pela Alemanha e do qual a Hungria fazia parte), por ser brasileiro, Stern foi detido em uma instituição como inimigo estrangeiro pelas autoridades húngaras.
Foi uma estada breve: em poucas semanas, escapou com a ajuda de um detento americano de quem ficara amigo e, graças a isso, voltou à casa de sua família, onde passou a viver escondido. Ele tinha apenas 13 anos. Agora, o problema não era mais ele ser brasileiro: era ser judeu.
Com a posterior ocupação nazista da Hungria, sua família toda (menos o pai, que se separara da mãe e fora embora do país em 1938) foi transportada a Auschwitz em um mesmo trem, em 1944. Foram separados na chegada ao campo de concentração.
Direito de imagemREPRODUÇÃOImage captionImagem mostra prisioneiros em Auschwitz, nos anos 1940; Stern perdeu seus parentes ali, mortos na câmara de gás
"Daí começou o calvário deles: meus avós, meus tios, minha tia grávida foram levados direto para a câmara de gás", conta Stern.
Sua mãe, Julia, tampouco foi poupada. Uma das primeiras coisas que Stern escutou ao chegar foi "'Está vendo aquela fumaça lá? Tua família está saindo de lá — seus avós, teus tios, tua mãe'. Minha família estava saindo pela chaminé", recorda.
'O homem deixa de ser homem'
A perda da mãe marcou Stern profundamente, e a tristeza superava as dores físicas do campo de concentração.
"Ela faz falta. Me lembro cada vestido dela. Incrível como tenho a cara dela na minha cabeça. Ela era minha maior amiga. Usei ela tão pouquinho", diz à equipe da BBC.
Aos 14 anos, de porte atlético por conta de esportes como o remo e a natação, o adolescente foi poupado do extermínio na câmara de gás para ser usado no trabalho forçado no campo. O processo de desumanização também foi rápido.
"Uma mesma bacia de noite é penico e de dia é o prato em que você come. E você come como cachorro. Não tem garfo, faca, colher", lembra.
Direito de imagemREPRODUÇÃOImage caption'Uma mesma bacia de noite é penico e de dia é o prato em que você come. E você come como cachorro, porque não tem garfo nem faca', conta Stern sobre a vida em Auschwitz
"Você tem eczema, sarna. A comida te causa uma eterna diarreia, o que, aliás, é uma (das causas) que mais matavam as pessoas. No inverno, abaixo de 22, 24, 26 graus, quando você está 'vazando', você até gosta porque é quentinho. E você não tem como tomar banho depois disso. Você aceita a sujeira, a imundície. E você perde a condição de ser humano. Devora qualquer casquinha de batata. Só o que pensa é na fome. Você vira um zumbi."
Quando o cerco internacional se fechava em Auschwitz, com notícias da aproximação de tropas russas, os alemães nazistas começaram a retirar a maior parte dos prisioneiros do local. Muitos foram enviados para as chamadas "Marchas da Morte" em que pessoas de todas as idades eram obrigadas a andar por quilômetros em meio ao rigoroso inverso. Milhares morreram a poucas semanas da derrota alemã na Segunda Guerra Mundial.
Stern foi um dos transportados, primeiro a Varsóvia (capital da Polônia, na época sob ocupação nazista), para recolher tijolos das ruínas dos bombardeios de guerra, e, depois, ao campo de concentração de Dachau, no sul da Alemanha, onde chegou a fazer trabalhos forçados para a indústria bélica alemã de aviões Messerschmitt e bombas V1.
Até que, no final de abril de 1945, o campo foi libertado pelo Exército dos EUA. Em 1º de maio, depois de quase um ano e meio sob poder dos nazistas, Stern estava livre.
"A guerra terminou e eu sobrevivi. Estava vivo. Pesava 28 quilos, mas estava vivo. (...) Perguntei a mim mesmo: 'o que quero da vida? Onde estarei daqui a 5, 10, 20 anos?'".
"Decidi o seguinte: 'quero um par de sapatos em que não entre água e me aqueça no inverno; uma roupa isenta de qualquer bicho e que me cubra no inverno, um paletó com bolso e um relógio que eu possa olhar e dizer: 'vou comer esse pão amanhã às 14h e vou resistir, porque não estarei passando fome'. Podendo me movimentar da esquerda para a direita, vou ser o homem mais feliz do mundo'", conta.
Image captionAndor Stern, em sua casa em SP: 'Cada dia que eu vivo é uma sobremesa. Talvez isso explique essa intensidade de querer viver e que os outros vivam. Tenho o máximo respeito pela vida'
"Isso passa, e você fica cheio de frescura", brinca. "'O sapato tem que ser de cromo alemão', 'O terno tem de ser de casimira inglesa' (Mas) eu não esqueci. Tudo isso para mim era um presente extra. Cada dia que eu vivo é uma sobremesa. Talvez isso explique essa intensidade de querer viver e que os outros vivam. Tenho o máximo respeito pela vida."
De volta à Hungria de seus parentes, Stern concluiu seus estudos e entrou em uma faculdade de engenharia, mas diz que começou a "sentir saudades do desconhecido".
Era hora de voltar para sua terra natal: o Brasil.
Vida nova em São Paulo
Sem recordar-se de nenhuma palavra sequer de português, aos 20 anos de idade, Stern voltou à cidade onde nasceu e começou a erguer uma vida: reaprendeu a língua, teve um reencontro tardio com seu pai (que Stern achava que estava morto, mas formara nova família na Espanha), estudou engenharia e trabalhou na empresa de tecnologia IBM, experiência que o ajudou a abrir uma empresa própria.
A empresa teve anos muito lucrativos, conta Stern, até que veio a crise econômica dos anos Collor — e, em 1993, o negócio quebrou.
Image captionAndor Stern foi homenageado com um bar mitzvah especial, aos 91 anos de idade
O baque inicial da falência foi substituído, com o passar dos anos, por uma sensação de "leveza", diz ele, por não ter que carregar nas costas a forte pressão do trabalho de empresário e a responsabilidade sobre os empregados. Hoje, Stern ainda bate ponto diariamente como consultor em uma empresa química, além de fazer palestras — "sem aceitar um centavo" — sobre sua experiência de vida.
Casado desde 1954 com Terezinha, Stern se diz afortunado por ter "filhos maravilhosos e uma mulher que é um ser humano invejável". Não é um homem religioso. Acompanha política brasileira pelo noticiário e acha o presidente Jair Bolsonaro "um crápula" e "um bestalhão", embora tampouco simpatize com o PT. Tem entre seus hobbies ler e escutar discos na vitrola.
Nesta semana, ele viajará a Auschwitz para os eventos em memória dos 75 anos de libertação do campo onde ficou detido.
"A vida me deu péssimos momentos, mas também momentos maravilhosos, talvez mais do que uma pessoa merece. Saber sentir gratidão já é um grande presente, e sinto gratidão quase diariamente", conta.
"Sobreviver àquilo (Holocausto) te dá uma lição de vida que você fica tão humilde. Quer que eu te conte uma coisa que aconteceu hoje? Talvez isso nunca tenha te ocorrido, e essa vantagem eu levo em cima de você. Imagina a minha cama cheirosa, de lençóis limpos. Chuveiro fumegante no banheiro. Sabonete. Pasta de dente, escova de dente. Uma toalha maravilhosa. Descendo (a escada), uma cozinha cheia de remédio, porque velhinho precisa tomar para viver melhor; comida à vontade, geladeira cheia. Peguei meu carrinho fui trabalhar pelo caminho que eu quis, ninguém me enfiou uma baioneta. Estacionei, fui recebido com calor humano pelos meus colegas. Gente, eu sou um homem livre."
Homenagem às vítimas
Por ocasião do Dia Internacional em Memória das Vítimas do Holocausto e para marcar os 75 anos da libertação do Campo de Concentração de Auschwitz, a Confederação Israelita do Brasil (Conib), a Federação Israelita do Estado de São Paulo (Fisesp) e a Congregação Israelita Paulista (CIP), realizam no domingo, 26 de janeiro, às 18h30, na Sinagoga Etz Chaim da CIP, um Ato solene em Memória das vítimas do Holocausto.
A solenidade, que conta com a presença do governador de São Paulo, João Doria, marca os 75 anos da libertação do campo de extermínio de Auschwitz e lembra os seis milhões de judeus assassinados durante o Holocausto e as outras vítimas do nazismo, com o acendimento de seis velas por sobreviventes, autoridades políticas, líderes religiosos, institucionais e jovens.
O Dia Internacional em Memória das Vítimas do Holocausto foi aprovado pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 2005.
Peter Sloterdijk (Karlsruhe, Alemanha, 1947) é um dos grandes nomes do mundo do pensamento. Professor de Estética e Filosofia na Escola Superior de Design de sua cidade natal, há anos agita o mundo da filosofia – e o mundo como um todo – com suas obras, seu novos conceitos e termos, e suas opiniões.
Autor de livros cruciais do pensar de nossa época como Crítica da Razão Cínica, Ira e Tempo e principalmente sua monumental trilogia Esferas (Bolhas, Globos e Espuma), em que desenvolve uma assombrosa teoria do espaço íntimo, Sloterdijk une sua profundidade intelectual a uma face midiática incomum em seu campo e uma cordialidade, um humor e uma ironia que o afastam do paradigma do filósofo alemão usual (Karl Popper, para citar um mal-humorado).
O pensador visitou Barcelona onde se reuniu com várias centenas de pessoas em uma conversa no Centro de Cultura Contemporânea de Barcelona (CCCB). Apesar de sua afabilidade e sua aparente tranquilidade, entrevistar Sloterdijk, cujas páginas um ser humano comum frequentemente precisa ler várias vezes para conseguir entendê-las, é um desafio.
Com as passagens deEsferasainda flutuando na cabeça – “a esfera íntima, consubjetiva, não pode possuir em absoluto uma estrutura eucíclica e parmenídea: o globo psíquico não tem, com o filosófico bem arredondado, um único centro que irradia e engloba tudo, e sim dois epicentros que se interpelam mutuamente por ressonância” –, se entrevista Sloterdijk como se estivesse diante de Plotino. Um Plotino, de fato, um pouco desarrumado e sem meias.
Não lhe parece que o pensar, o pensar de verdade, se tornou uma excentricidade? Ao ler seus livros, tão intensos, percebemos que o pensamento sério, o que exige esforço e concentração, não é numeroso. Nós nos desacostumamos.
Peter Sloterdijk: Sim. Certamente. Isso me lembra uma cerimônia zen em que o mestre pega uma chaleira, como eu estou fazendo agora, e despeja chá até encher a taça, e então continua despejando e o líquido derrama. Você não pode entender nada se a taça não está cheia.
Perdemos a capacidade de pensar?
Peter Sloterdijk: Não é capacidade como tal. Mas não ocorrem as circunstâncias vitais que nos permitem afastar e ganhar distância. Para Husserl e sua fenomenologia era preciso sair do tempo impetuoso da vida, o dispositivo mais elementar era sempre dar um passo atrás. Essa ação permite que você se transforme em observador. Sem uma certa distância, sem uma certa desconexão a atitude teórica é impossível. A vida atual não convida a pensar.
Hoje a superficialidade se impõe à profundidade.
Peter Sloterdijk: A Filosofia moderna abandonou mais ou menos a metáfora da profundidade. Preferimos dizer que tudo está na superfície, e se existe profundidade é preciso fazer com que ela suba à superfície como se fosse superficial. Caso contrário, você se transforma em um mistagogo, um iniciador em mistérios sagrados.
Também é verdade que pensar de verdade é difícil e tem algo de doloroso e angustiante quando se chega perto dos limites do eu e da autoconsciência.
Peter Sloterdijk: Não estou convencido disso. A filosofia original na antiguidade era algo ambivalente. Temos os dois topos: Heráclito, que chorava, e Demócrito, que ria constantemente. Esse traço comentado de ambos pelas fontes aparece até mesmo em suas estátuas.
Para Platão, de uma tradição diferente, pensar é o prazer mais elevado. Isso por uma razão: a essência do pensamento é lembrar e o que devemos lembrar é o fato de que estivemos muito próximos da essência divina e a única coisa que deve ser feita para eliminar os obstáculos que não te permitem alcançá-la é lembrar claramente. Basicamente, deveria se tratar de felicidade.
Mas não funciona assim porque, certamente, na antiguidade os pensadores eram conhecidos por ter sempre um rosto triste. Eram mais respeitados por isso, seus compatriotas esperavam que tivessem aspecto melancólico e o cenho franzido (ri). Era um truque muito bom, porque ninguém sentia inveja de alguém triste. É melhor esconder sua boa sorte. O que me lembra uma frase de Walter Serner, o dadaísta, autor de Manual para Enganadores, que dizia que sempre que você se mudar a uma nova cidade deixe que o rumor de que você tem câncer o preceda, isso reduz a inveja. Seus competidores já não te levarão tão a sério.
O número de críticos que o senhor teve não é de se desprezar. Habermas, por exemplo, o tachou de “neopagão”, e de coisas piores por suas considerações em Regras para o Parque Humano sobre a biotecnologia e as possibilidades de manipulação genética dos seres humanos.
Peter Sloterdijk: Eu cometi muitos erros. É um erro pressupor que as pessoas irão gostar de você por suas opiniões.
Por defender e reivindicar Heidegger, por exemplo?
Peter Sloterdijk: Sim. Mas meu erro principal foi escrever um livro de filosofia divertido de mais de 900 páginas, Crítica da Razão Cínica, um livro com senso de humor e, se me permite, com um bom estilo.
O senhor reconhece mestres muito diferentes, Bloch, Adorno, Osho, Nietzsche, Lacan, e Valéry e Pavese. Os mestres são encontrados por acaso ou são procurados?
Peter Sloterdijk: Quando eu era muito jovem, não tínhamos mestres e não usávamos esse conceito. Depois que li Adorno, Husserl e Bloch tive a sensação de conhecer verdadeiros mestres. Nos anos 60, viajei à Índia, que era uma forma de autoexploração.
Lá, conheceu Rajneesh Osho, que era chamado de guru do sexo e dos Rolls Royce e que o senhor reivindica. Sua fama discutível não o preocupa?
Peter Sloterdijk: Em seu caso, os escândalos eram uma forma de relações públicas. Citar Osho como uma influência torna você suspeito. Mas, sempre me interessaram as possibilidades inaceitáveis. Gosto da capacidade de provocação espiritual de Rajneesh. Faz parte de uma longa tradição de crítica ao ego metafísico.
O senhor também destaca Nietzsche como uma grande influência.
Peter Sloterdijk: Sim, desde muito cedo. Sempre me acompanhou em minha evolução em cada etapa. Voltou agora, inclusive. Em sua linha, estou prestes a publicar um ensaio sobre a arte de inventar Deus, chamo isso de teopoesia.
Esferas I abre com uma citação de A Poética do Espaço de Gaston Bachelard. Esse livro o influenciou?
Peter Sloterdijk: Sim, acredito que as imagens e as metáforas frequentemente têm um valor conceitual profundo, e de que não só o discurso conceitual pode levar consigo introspecções importantes.
O senhor se afasta do modelo de filósofo majestático.
Peter Sloterdijk: O filósofo está condenado a citar a si mesmo continuamente e é um pobre diabo porque precisa compartilhar suas opiniões o tempo todo. Na Índia, diriam que o filósofo tem um karma horrível e por isso é filósofo.
Seria por isso que Karl Popper era tão antipático? Uma vez me tratou horrivelmente. Mas, certamente, eu merecia.
Peter Sloterdijk: Era um austríaco frustrado. Foi à Grã-Bretanha, mas nunca esteve disposto a aprender bem o inglês. Seu verdadeiro problema era que Wittgenstein sempre estava ali e Wittgenstein estava cercado por uma aura de gênio. Precisou fazer um grande esforço para manter o tipo. é necessário perdoá-lo.
Como a filosofia lida com a ascensão dos animais no discurso social?
Peter Sloterdijk: Isso demonstra que o espírito da humanidade se movimenta em círculos, porque começamos como animistas e agora as teses dos animalistas voltam a estar regidas por esse princípio. Mas ter uma alma significa ser portador de exigências legais. De modo que não estamos falando somente de animismo e de dar um tratamento adequado, e sim do que significa reconhecer os animais como sujeitos. E não unicamente os animais. Li em algum lugar que na Nova Zelândia deram a um rio a categoria de sujeito e que pode contratar um advogado.
O feminismo é um retorno do matriarcado?
Peter Sloterdijk: Não, o novo feminismo é um movimento mais ou menos intelectual. Mas as mulheres que tiveram a experiência de maternidade não se sentem representadas. Deveria perguntar melhor sobre o feminismo a Judith Butler e a Beatriz.
Beatriz?
Peter Sloterdijk: Minha mulher.
O senhor sustenta que a arena romana voltou, assim como um novo teatro da crueldade.
Peter Sloterdijk: Uma nova arena geral e virtual da sociedade midiática de entretenimento. Uma metarena totalitária. Algo que vai muito mais além da sociedade do espetáculo de Guy Debord e que serve para dirigir o ressentimento das massas. Eu mesmo, ao cair um dia em descrédito, fui um desses cristãos primitivos com problemas no momento da ressurreição porque havia sido devorado pelos leões e excretado por seus intestinos. Recuperar a forma original nessas condições é muito difícil.
Fui contra o impeachment da Dilma. Pensava que seria pedagógico deixar o ciclo da equivocada política econômica, iniciada ainda no governo Lula, se encerrar. O fracasso da Nova Matriz Econômica nos livraria das tentações populistas, se não para sempre, por muito tempo. Não estava de todo errada, porque há muitos que, ignorando a recessão e o desemprego gerados, ainda advogam por um aumento dos gastos. Mas Temer assumiu e com ele uma equipe econômica de primeira, que colocou a economia nos trilhos.
Impossível ignorar a importância do interregno do governo Temer, que iniciou o – longo – processo de recuperação cíclica da economia brasileira. Imagine onde estaríamos com a passagem direta de um país quebrado para um governo sem nenhuma experiência em políticas públicas?
A continuidade dos ajustes nas contas públicas e a aprovação da reforma da Previdência mudaram o humor da economia e, se não nos prometem um futuro brilhante, mostram uma luz no fim do túnel. Resta torcer para o País crescer de forma sustentada, acima do normal da economia brasileira, para que empregos sejam gerados e pobreza e desigualdade reduzidas.
Como só de economia não se faz um país, não podemos fechar os olhos para o retrocesso civilizatório deste governo. O reformismo econômico, que se pretende liberal, não compensa a destruição que se vê em importantes pilares da democracia liberal.
A ousadia destrutiva de Bolsonaro surpreende até os mais pessimistas. Juntou em torno de si um grupo de exterminadores do futuro. Que futuro pode ter um país sem educação e cultura; sem história; sem imprensa; com meio ambiente em risco; sem liberdade de expressão; que elogia torturadores e ditadores, que ataca nas redes uma senhora de 90 anos, que dedicou sua vida a este País através de sua arte?
Governos totalitários começam por desmontar a cultura e a liberdade de expressão. Não querem cidadãos críticos, que pensem, que perguntem, que duvidem. As fake news devem ser recebidas sem questionamentos. ONGs que se dedicam à defesa do meio ambiente derramam óleo de seus navios e tocam fogo na Amazônia financiadas por um ator de Hollywood. O rock é a porta do satanismo e do aborto, brasileiros são ladrões de mantas em aviões. Caetano e suas letras estimulam o analfabetismo. As universidades federais são grandes plantações de maconha e seus laboratórios produzem drogas químicas.
Ao mesmo tempo, há fatos que, se fossem falsas notícias, seriam ótimos: filmes brasileiros têm seus cartazes retirados do site da agência de fomento do cinema e no comando da fundação que atua contra o racismo, um racista. Uma ministra vai a eventos esperando ver mulheres com crucifixos na vagina, outro trata com naturalidade a possibilidade de um novo AI-5, e até o general Franco é homenageado com citações a seu lema predileto. Na cultura, o “tal do Alvim” foi premiado pela agressão que fez à Fernanda Montenegro e se cercou de um bando de lunáticos. Poderia ser motivo de chacota, não fosse um movimento racional e planejado para desmontar a cultura neste País. Não está nada engraçado.
O presidente ri. E seus seguidores tomam essas loucuras como verdade, reproduzindo os despautérios e mentiras. É uma caça as bruxas, típica do pré-Iluminismo. Uma alma religiosa e complacente diria: “Perdoai-os Senhor, eles não sabem o que dizem”. O grave é que sabem e, usando o santo nome em vão, destilam um ódio e preconceito em nada compatível com qualquer ensinamento cristão. Está faltando mais papa Francisco, e sobrando o mago de Virgínia, na vida desses fiéis. Infelizmente, a lista de absurdos é longa e nada indica que vai parar de crescer.
O extermínio não é exclusividade do governo federal. O Rio de Janeiro está se desmontando por um misto de má administração e desamor pela cidade. Crivella é, sem dúvida, o pior prefeito da história, e olha que a concorrência é grande. Sobre Witzel, deixo o drible que levou de Gabigol falar por si. Não sei como, no futuro, vou conseguir explicar ao meu neto que do Rio saíram Crivella, Witzel e Bolsonaro.
A sensação de impotência é grande. Muitos se perguntam como barrar o avanço do autoritarismo e do obscurantismo. A Justiça impediu a posse de Sérgio Camargo na Fundação Palmares. É um caso excepcional porque suas declarações sobre escravidão e racismo são incompatíveis com a missão da Fundação, diz a sentença, confirmada na segunda instância. Muitos viram a decisão como uma intervenção indevida do Judiciário no direito da administração pública de escolher seus executivos. Só o despreparo não é motivo para impedir a posse de um administrador público. Se essa moda pega, vamos brincar de resta um.
O voto continua sendo nossa única arma para evitar que o futuro seja colocado em risco. Três anos parecem uma eternidade, mas as eleições municipais podem ser o começo da mudança. Hasta la vista, baby.
O único pecado do texto abaixo são os exemplos americanos, que muitas vezes não se encaixam na nossa realidade brasileira, mas de resto não tem como não concordar com que ele fala. Pode parecer radical demais em alguns pontos, até mesmo pessimista, mas é a mais pura verdade, acreditar que só fazer a nossa parte é o suficiente para revolucionar o mundo é muito pouco.
Aqui no blog cito muito exemplos de empresas porque acho que são elas que tem que mudar independentemente da decisão de compra do consumidor, afinal, antes de mais nada antes de ser consumidor qualquer pessoa é um cidadão que quer ver as coisas certas sendo feitas no mundo em que vive. Claro que o governo pode e deve ajudar, mas como parece que eles não se preocupam muito com esse assunto (vide COP-15) a pressão tem que acontecer dos cidadão também.
Jogar toda a responsabilidade de salvar o mundo no colo das pessoas é muito fácil, mas a pergunta que não quer calar é: quem realmente quer mudar?
Esqueça os banhos curtos
Por que mudanças pessoais não são iguais a mudanças políticas.
Alguém em sã consciência acharia que um catador de lixo pararia Hitler, ou que compostagem acabaria com a escravidão ou traria a jornada de 8 horas de trabalho, ou que cortar lenha ou carregar água tiraria as pessoas das prisões czaristas, ou que dançando nuas em torno de um fogo teria ajudado a pôr em prática o Ato de Direito ao Voto de 1957 ou o Ato de Direitos Civis de 1964? Então, por que agora, com todo o mundo em jogo, achamos que podemos salvar o mundo com soluções pessoais? ;viver simplesmente"* como um ato político (ao contrário de vida mais simples, porque isso é o que você quer fazer). O primeiro é baseado na noção errônea de que os seres humanos inevitavelmente prejudicam seu ambiente. Vida mais simples como um ato político consiste unicamente na redução de danos, ignorando o fato de que os humanos podem ajudar a Terra, bem como prejudicá-la. Podemos recuperar córregos, podemos nos livrar de invasores nocivos, podemos remover as barragens, interromper um sistema político inclinado na direção dos ricos, assim como o sistema econômico, podemos destruir a economia industrial que está destruindo o mundo real, físico. O terceiro problema é que ele aceita a redefinição do capitalismo de cidadãos para consumidores. Ao aceitar essa redefinição, reduzimos nossas formas potenciais de resistência a consumir e não consumir. Os cidadãos têm uma gama muito maior de táticas de resistência disponíveis, incluindo o voto ou não votar, correndo para o escritório, panfletando, boicote, organização de lobby, protestando e quando um governo se torna destrutivo a vida, a liberdade e a busca da felicidade, têm o direito de alterá-lo ou aboli-lo.
Por Derrick Jensen
Parte do problema é que temos sido vítimas de uma campanha sistemática de desorientação. A cultura do consumo e da mentalidade capitalista que nos ensinou a substituir os atos de consumo pessoal por resistência à política organizada. O filme "Uma Verdade Inconveniente" ajudou a criar uma consciência sobre o aquecimento global. Mas você notou que todas as soluções apresentadas são relacionadas com consumo pessoal – trocando lâmpadas, calibrando pneus, dirigindo menos – e não tinha nada a ver com diminuir o poder das empresas, ou interromper o crescimento da economia que está destruindo o planeta? Mesmo que cada pessoa nos Estados Unidos fizesse tudo que o filme sugere, as emissões de carbono nos EUA teriam uma redução de apenas 22%. O consenso científico é que as emissões devem ser reduzidas, em todo o mundo, pelo menos em 75%.
Ou vamos falar da água. Nós ouvimos tantas vezes que o mundo está ficando sem água. Pessoas estão morrendo de falta de água. Os rios estão acabando por falta de água. Devido a isso, precisamos tomar banhos mais curtos. Vê a desconexão? Por tomar banho sou responsável por secar aquíferos? Bem, na verdade não. Mais de 90% da água usada pelos seres humanos é utilizada pela agricultura e indústria. Os restantes 10% são divididos entre os municípios e a vida dos seres humanos individuais. Coletivamente, os campos de golfe usam tanta água quanto os municípios. Pessoas (tanto as pessoas humanas e os peixes) não estão morrendo porque o mundo está ficando sem água. Eles estão morrendo porque a água é que está sendo roubada.
Ou vamos falar de energia. Kirkpatrick Sale resumiu bem: "Nos últimos 15 anos a história foi a mesma a cada ano: o consumo individual residencial, carro particular, e assim por diante, nada mais é do que cerca de um quarto de todo o consumo, a grande maioria é comercial, industrial, empresarial, agronegócio e governo [ele esqueceu militares]. Por isso, mesmo se todos nós andássemos de bicicleta e tivéssemos fogões à lenha o impacto seria pouco significativo sobre o consumo de energia, aquecimento global e poluição atmosférica."
Ou vamos falar de resíduos. Em 2005, a produção de resíduos per capita municipal (basicamente tudo o que é posto para fora na calçada), nos EUA, foi de cerca de 753 kg. Vamos dizer que você é um ativista radical de vida simples e reduz seu resíduo a zero. Recicla tudo. Você usa sacolas de pano. Você conserta a torradeira. Seus dedos saem pra fora do seu tênis velho. Isso não é o suficiente, apesar de tudo. Uma vez que os resíduos urbanos não incluem apenas os resíduos residenciais, mas também resíduos de escritórios do governo e das empresas. Aí você marcha para os escritórios, panfleta redução de resíduos e convencê-os a reduzir seus resíduos o suficiente para eliminar a sua parte dela. Então, eu tenho uma má notícia. Os resíduos municipais são apenas 3% da produção total de resíduos nos Estados Unidos.
Eu quero ser claro. Não estou dizendo que não devemos viver de uma maneira mais simples. Eu vivo razoavelmente simples, mas eu não finjo que não comprar muito (ou não dirigir muito, ou não ter filhos) é um ato político poderoso, ou que é profundamente revolucionário. Não é. Mudança pessoal não é igual a uma mudança social.
Então como, com o mundo em jogo, viemos a aceitar estas respostas absolutamente insuficientes? Acho que parte disso é que estamos em uma encruzilhada. Uma encruzilhada é o lugar onde você tem várias opções, mas não importa qual opção você escolha, você perde e bater em retirada não é uma opção. Neste ponto deve ser muito fácil reconhecer que cada ação que envolve a economia industrial é destrutiva (e não devemos fingir que a energia solar fotovoltaica, por exemplo, nos isenta disso: eles ainda necessitam de mineração e infra-estruturas de transporte em todos os pontos e processos de produção, o mesmo se pode dizer de todas as outras chamadas tecnologias verdes). Então, se nós escolhermos a opção um - participar avidamente da economia industrial – acho que poderemos, no curto prazo, ganhar, porque podemos acumular riqueza, o marco de "sucesso" nesta cultura. Mas perderemos, porque ao fazê-lo desistimos de nossa empatia, nossa humanidade. E nós realmente perderemos, porque a civilização industrial está matando o planeta, o que significa que todos perdem. Se nós escolhermos a opção "alternativa de vida mais simples", causando menos danos, mas ainda não evitando a economia industrial de matar o planeta, podemos, a curto prazo ganharmos, porque nós começamos a nos sentir puros, e não teremos que desistir de toda a nossa empatia (apenas o suficiente para justificar não interromper os horrores), mas mais uma vez nós realmente perderemos, porque a civilização industrial ainda está matando o planeta, o que significa que todos perdem. A terceira opção, atuando de forma decisiva para impedir a economia industrial, é muito assustadora por uma série de razões, incluindo, mas não se restringindo ao fato de que perderíamos alguns luxos (como a eletricidade), ao qual estamos acostumados, e o fato de que quem está no poder pode tentar nos matar se impedirmos seriamente a sua capacidade de explorar o mundo – nenhuma das razões altera o fato de que essa opção é melhor do que um planeta morto. Qualquer opção é uma opção melhor do que um planeta morto.
Além de ser ineficaz para causar os tipos de mudanças necessárias para pôr fim a esta cultura de morte no planeta, há pelo menos quatro outros problemas com a percepção de "
O segundo problema – e esse é um bem grande – é que ele incorretamente atribui a culpa ao indivíduo (e mais especialmente para o indivíduo, que são particularmente impotentes) em vez de culpar realmente aqueles que detêm o poder neste sistema. Kirkpatrick Sale mais uma vez diz: "Todo sentimento de culpa individualista o-que-posso-fazer-para-salvar-a-terra é um mito. Nós, como indivíduos, não estamos criando a crise e não podemos resolvê-la. "
O quarto problema é que o desfecho da lógica por trás de uma vida simples como um ato político é o suicídio. Se cada ato dentro da economia industrial é destrutivo, se quisermos parar com esta destruição e se estamos relutantes (ou incapazes) de questionar (muito menos destruir) as infra-estruturas intelectuais, morais, econômicas e físicas que fazem com que todo ato na economia industrial seja destrutivo, então podemos facilmente passar a acreditar que vamos causar o mínimo possível de destruição se morrermos.
A boa notícia é que existem outras opções. Podemos seguir os exemplos de militantes corajosos que viveram os tempos difíceis que eu mencionei, Alemanha Nazi, a Rússia czarista, que fizeram muito mais do que manifestar uma forma de pureza moral, que se opuseram ativamente contra as injustiças que os cercavam. Podemos seguir o exemplo daqueles que lembraram que o papel de um ativista não é continuar no sistema de poder opressor mantendo a integridade tanto quanto possível, mas sim confrontar e derrubar esses sistemas.
*viver simplesmente refere-se ao movimento Simple Living que é um estilo de vida caracterizado por consumir apenas o suficiente para se manter vivo.