Se eu tivesse gravando este vídeo há uns dez anos, provavelmente você diria que não conhecia nenhuma pessoa autista. Mas hoje, em 2024, tenho certeza de que você conhece pelo menos uma, seja no seu círculo social, seja alguém que você segue que está dentro do espectro autista. Existe um motivo por trás disso, e hoje você vai descobrir qual é.
Este é mais um vídeo da nossa série sobre neurodivergências. Sim, gente, demora para sair, mas sai! E como sempre, há pessoas que não veem o vídeo até o final. Então, já adianto que toda a base deste roteiro foi escrita por uma psicóloga. Sempre que precisamos abordar um tema que nem eu nem a Laura dominamos, chamamos especialistas.
Isso esclarecido, o assunto de hoje é o Transtorno do Espectro Autista (TEA). Já falamos um pouco sobre ele no primeiro vídeo desta série, quando explicamos o conceito de neurodiversidade e mencionamos que este tem sido o transtorno de neurodesenvolvimento com maior destaque nessa pauta. A ideia hoje é falarmos mais sobre as características, a história do transtorno e alguns mitos que existem sobre o TEA.
As primeiras descrições do autismo na medicina
Ao longo da história da medicina, sintomas característicos do que hoje conhecemos como TEA já haviam sido citados em prontuários, mas sem um nome específico. A primeira vez que o conjunto de sintomas recebeu um nome foi em 1943, quando o psiquiatra austríaco Leo Kanner publicou um artigo chamado "Distúrbios Autísticos do Contato Afetivo". Nele, ele descreveu casos de onze crianças cujos pais relatavam queixas bastante específicas.
Primeiro, elas tinham dificuldades significativas de se relacionar e interagir socialmente. Segundo, demoravam a desenvolver habilidades de linguagem e comunicação, sendo que algumas não desenvolveram a fala verbal, enquanto outras apresentavam fala com problemas, como repetição de palavras (ecolalia) ou inversão da ordem dos termos em uma frase. Terceiro, tinham sensibilidade sensorial diferente do comum, podendo ser aumentada ou diminuída. Quarto, exibiam comportamentos repetitivos e estereotipados, como balançar, rodopiar ou alinhar objetos. Quinto, tinham um interesse incomum e intenso por assuntos específicos, o que podia levá-las a desenvolver habilidades excepcionais, como memorizar muitos fatos sobre um determinado assunto.
Um ano depois, o pediatra austríaco Hans Asperger publicou um trabalho descrevendo quatro crianças com uma condição que ele chamou de "psicopatia autística". Elas também preferiam isolamento social, mas mantinham preservadas as habilidades cognitivas e de comunicação. Assim, o TEA começou a receber mais atenção e a ser descrito na década de 1940, mas apenas a descrição não é suficiente para criar métodos de diagnóstico – é preciso um detalhamento mais profundo.
Na psicologia, esse detalhamento acontece no manual de diagnóstico conhecido como DSM.
A inclusão do autismo no DSM
É normal que, desde os primeiros estudos que descrevem uma condição até sua inclusão no manual de diagnóstico, passe algum tempo. No caso do TEA, foram 37 anos. Foi no DSM-III, publicado em 1980, que foi criada a categoria "Transtorno Autista", enquadrando crianças com relações sociais e comunicação prejudicadas e que apresentassem padrões de comportamento restritos e repetitivos. Essa inclusão é um marco, pois permitiu padronizar o processo de diagnóstico, garantindo acesso a tratamento adequado, impulsionando novas pesquisas e reduzindo o estigma associado aos sintomas.
Na quarta edição do DSM, lançada em 1994, a categoria foi dividida em três: Autismo Infantil, Transtorno Global do Desenvolvimento Não Especificado e Síndrome de Asperger. Essa divisão durou 19 anos, até o lançamento do DSM-5 em 2013, que agrupou as três categorias em um único transtorno, inserindo o termo "espectro" e criando a nomenclatura Transtorno do Espectro Autista (TEA).
Para entender a inclusão do termo "espectro", pense na luz: quando a luz branca passa por um prisma, as diferentes cores se separam, criando um espectro que vai do vermelho ao violeta. Cada cor tem características diferentes, mas juntas formam a luz que conhecemos. De forma similar, quando usamos o termo "espectro" no TEA, estamos dizendo que existe uma variedade de características que podem estar presentes em diferentes graus de intensidade.
Graus de autismo (níveis de suporte)
Dependendo de quais características estão presentes e em que grau, temos três níveis de suporte. O nível 3 é onde os sintomas são mais pronunciados. Pessoas neste nível podem ter grande dificuldade com linguagem verbal, evitar interações sociais, exibir comportamentos repetitivos intensos e necessitar de suporte significativo em todas as áreas da vida diária.
O nível 2 envolve déficits significativos na comunicação e interação social, além de comportamentos repetitivos mais pronunciados. Essas pessoas geralmente precisam de apoio substancial no dia a dia, mas ainda podem ter um certo grau de autonomia.
O nível 1 inclui pessoas com dificuldades na comunicação social e comportamentos repetitivos, mas essas dificuldades podem ser menos óbvias para quem não convive com elas. Elas podem parecer desajeitadas ou desconfortáveis em situações sociais. Aqui se inclui a maioria dos casos que antes eram diagnosticados como Síndrome de Asperger. É comum que autistas deste nível nunca descubram que são autistas, seja por não desconfiarem ou por serem desencorajados a buscar um diagnóstico. Saber que algumas dificuldades são derivadas do transtorno, e não "culpa da pessoa", pode ser um grande alívio emocional e favorecer a conexão com outras pessoas no espectro.
Mitos sobre o autismo
Um mito comum é que pessoas com TEA são isoladas e não têm empatia. Embora algumas possam ter dificuldades em reconhecer sinais sociais, isso não significa ausência de empatia ou vontade de interagir. Os sintomas variam muito, e muitas pessoas com TEA demonstram sensibilidade aos sentimentos dos outros e interagem socialmente dentro de suas capacidades.
Outro mito é que autistas nível 1 são sempre superdotados ou absurdamente inteligentes. Isso não é uma regra. Falaremos mais sobre isso em um vídeo futuro sobre superdotação.
Quanto às causas, hoje sabemos que o TEA resulta da interação de fatores genéticos, ambientais e do desenvolvimento cerebral. Dois mitos antigos e prejudiciais precisam ser derrubados. O primeiro é o da "mãe geladeira", que surgiu na década de 1950 e culpava mães emocionalmente distantes pelo autismo de seus filhos. O segundo é o de que vacinas causam autismo, ideia que se originou de um estudo fraudulento de 1998, já amplamente desmentido por centenas de pesquisas. Não há qualquer ligação entre vacinas e TEA.
Por fim, ouve-se com frequência: "Agora tudo é autismo". O aumento no número de diagnósticos reflete um conhecimento mais refinado sobre o tema e uma maior busca por serviços de saúde mental. O TEA afeta cerca de 3% da população, então não, não é "todo mundo". Mas sim, agora enxergamos e identificamos mais.
Sinais de alerta em crianças
É crucial lembrar: nenhum vídeo ou conteúdo online serve para autodiagnóstico. O diagnóstico do TEA deve ser feito por profissionais qualificados, como neuropsicólogos. O que listamos aqui são alguns sinais de alerta que, se observados em grande número, podem motivar a busca por uma avaliação especializada. Lembre-se: o TEA é um transtorno do neurodesenvolvimento, portanto seus sinais aparecem na infância.
Alguns sinais comuns em crianças incluem: não responder ao nome, não estabelecer contato visual, dificuldade com brincadeiras de atenção compartilhada, dificuldade em engajar-se em atividades imaginativas, preferência por organizar ou alinhar brinquedos, movimentos repetitivos, irritação com excesso de estímulos (barulho, cheiros fortes), evitação de contextos sociais, dificuldade em fazer amizades e atraso no desenvolvimento da compreensão de figuras de linguagem, como ironia e metáfora.
Essas características podem estar presentes desde sempre ou surgir em algum momento da infância, podendo inclusive modificar um comportamento anterior (como uma criança que "perde" uma habilidade que tinha).
Se você se identificou com essas características ou as observou em crianças do seu convívio, a recomendação é buscar serviços especializados. Reconhecemos, porém, as dificuldades de acesso, seja pelo custo ou pelas longas filas no serviço público. Quanto antes a origem das dificuldades for identificada, mais cedo será possível adotar estratégias para que a criança se desenvolva em seu máximo potencial.
Concluindo
Pessoas com TEA são muito mais do que seus sintomas. O autismo não é uma doença e, portanto, não tem cura. Trata-se do desenvolvimento de estratégias para ajudar a pessoa a viver em uma sociedade neurotípica. Como dissemos no primeiro vídeo desta série, as dificuldades enfrentadas por pessoas neurodivergentes muitas vezes residem nos obstáculos criados por uma sociedade moldada para um padrão específico.
Vamos terminar lembrando que várias personalidades públicas estão dentro do espectro, como a atriz Letícia Sabatella, a cantora Leilah Moreno, a ativista Greta Thunberg, o ator Anthony Hopkins e a cantora Sia. Elas seguem suas vidas da melhor forma possível.
A psicóloga responsável pela base deste roteiro foi Letícia Morello, mestre em ciências do desenvolvimento humano. Espero que você tenha entendido. Se ficou com dúvidas, deixe nos comentários que chamaremos a especialista para responder.
https://www.youtube.com/watch?v=2IwUgZ_cz1k
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